As empresas devem entrar no debate sobre cidades sustentáveis na Amazônia
Para viabilizar as adaptações necessárias, setor precisa ouvir quem vive nos locais mais vulneráveis, como é o caso das cidades amazônicas
Da Redação
Publicado em 28 de janeiro de 2022 às 15h24.
Não dá mais para negar. As mudanças climáticas deixaram de ser um alerta que parecia distante e estão aí. Mudanças nos padrões de chuva, seca e temperatura já fazem parte do nosso dia a dia e estamos sofrendo os impactos delas em todas as regiões. São Paulo passou por uma crise hídrica violenta em 2013 e agora está passando por outra. As chuvas de verão da última temporada provocaram inundações, desabamento, interdição de estradas, destruição de prédios históricos e mortes em Minas Gerais e na Bahia. Uma onda de calor fora do normal na região Sul já está perturbando a vida das pessoas gerando problemas de saúde ou, no mínimo, dependência de ar condicionado. A elevação do nível do mar também está causando problemas de salinização no maior rio do mundo, o Amazonas, deixando comunidades ribeirinhas do Amapá sem água potável.
Esses são só alguns exemplos, temos tantos que esse artigo poderia ser inteiro uma lista deles. Mas vamos tentar falar do que podemos fazer, além de mudar de adotar hábitos mais sustentáveis no nosso dia a dia e exigir políticas que mitiguem esses efeitos num futuro próximo. Vai ser preciso e urgente adaptar as cidades ao novo clima e também mudar suas dinâmicas para que elas também emitam menos, ou seja, para que a gente não fique enxugando gelo enquanto o calor aumenta cada vez mais. E essa adaptação vai gerar negócios.
Teremos muito trabalho pela frente. Vamos precisar melhorar os canais, criar parques, áreas verdes e outras soluções para reduzir a impermeabilização do solo, como telhados verdes ou jardins de inundação. Também vamos precisar investir em sistemas de uso mais eficiente de água e energia e em cidades mais preparadas para conviver com o calor, com mais arborização, prédios que esquentam menos e aproveitem, por exemplo, ventilação e luz natural, o que também ajuda a reduzir as emissões das cidades. Mesmo soluções mais simples, como reciclar o lixo e investir em ciclovias e transporte público, ainda não são realidade em muitas das nossas cidades, especialmente as fora do eixo sul-sudeste, mas precisam passar a ser. Isso sem falar no potencial criativo para novas soluções, que são muito bem-vindas.
Tudo isso gera negócios que, além de emergenciais e de extrema importância, serão bem pagos, justamente por isso. As empresas, que vão oferecer esses serviços e soluções precisam, além de boas ideias, participar das discussões sobre o assunto. Isso porque está cada vez mais claro que ideias pensadas em um escritório podem não ser as melhores saídas para quem, de fato, vive nas regiões onde elas serão aplicadas. É o caso dos municípios amazônicos, que possuem muitas especificidades que as tornam, inclusive, mais vulneráveis às mudanças climáticas, como o fato de serem banhadas por rios e a grande distância entre as cidades. E essa é uma região chave, na qual o planeta todo está de olho.
Já sabemos que para cuidar das florestas, precisamos cuidar das cidades, mas, para isso, precisamos conversar com quem vive nelas. As organizações da sociedade civil e lideranças locais são peça-chave nesse processo, pois sabem do que estão falando e conhecem mais do que ninguém soluções para os problemas que enfrentam. Isso quer dizer que o conhecimento das populações locais e comunidades tradicionais é fundamental para o planejamento de cidades sustentáveis. O que as empresas devem fazer então? Ouvir e, sem seguida, colocar a mão na massa.
Para Fábio Ferraz, economista e pesquisador da urbeOmnis, o debate sobre sustentabilidade urbana ou cidades sustentáveis tem de se dar de modo interinstitucional, o que inclui a participação ativa das empresas e da iniciativa privada em geral. “Se, por um lado, os cidadãos e consumidores tendem cada vez mais a optar por produtos e serviços que agreguem a responsabilidade socioambiental, por outro, os órgãos públicos também tendem a criar novas regulamentações que implicam em maior controle sobre os impactos das atividades econômicas, assim como priorizar fornecedores ‘mais sustentáveis’. Some a isso uma multiplicidade de oportunidade de negócios e lucros que estão surgindo com a economia circular, de baixo-carbono e tantas outras novas economias”, afirma.
Fábio é coordenador do projeto “Nós Fazemos a Cidade”, desenvolvido pelo GT Infraestrutura em parceria com Fundo Casa Socioambiental e Fundação Vitória Amazônica, que lançou um guia, um estudo técnico e uma série de vídeos sobre a adaptação das cidades amazônicas às mudanças climáticas. O material está disponível, gratuitamente, no site do GT Infraestrutura, e deixa claro que precisamos pensar em projetos que tenham o foco nas pessoas, pois a infraestrutura do concreto já provou que deve fazer parte do nosso passado, como bem ilustram os exemplos do início desse texto.
A Amazônia 2030, iniciativa de pesquisadores brasileiros para desenvolver um plano de desenvolvimento sustentável para a Amazônia brasileira, também tem as cidades no centro do debate. “Elas são o espaço onde tudo acontece, onde o trabalho se realiza, onde as pessoas se educam, se divertem. Para que haja sucesso no desenvolvimento da Amazônia Legal é preciso não apenas capital físico, recursos naturais que se transformam em matéria-prima, mas também capital humano, ou seja, pessoas qualificadas, e essas pessoas buscam associar ao trabalho, qualidade de vida”, explica Flavia Chein, pesquisadora do projeto e professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
A especialista destaca que uma cidade sustentável também precisa ter bons indicadores de habitabilidade urbana, ou seja, a habitação tem que ser avaliada em seu sentido mais amplo, englobando o direito à cidade, ou seja, de estar inserida na malha urbana. “Nesse conceito a habitação tem relação com a rede de infraestrutura, possibilidade de acesso aos equipamentos públicos, pertencimento ao território urbano e inclusão, fatores que têm relação direta com a qualidade de vida encontrada nas cidades”, detalha. Ela também deixa claro que pensar a habitabilidade urbana não deve ser apenas um compromisso dos gestores públicos, mas também, inevitavelmente, um compromisso das empresas. “Uma cidade sustentável é capaz de atrair mais indivíduos qualificados, melhora as condições de saúde da população e, por consequência, aumenta sua produtividade. É urgente que se faça um pacto entre governo, setor privado e sociedade civil organizada para se incorporar ao desenho urbano das cidades da Amazônia Legal, o aproveitamento do seu ecossistema natural e o respeito às riquezas naturais da região”, completa Flavia Chein.
*Com Angélica Queiroz
Não dá mais para negar. As mudanças climáticas deixaram de ser um alerta que parecia distante e estão aí. Mudanças nos padrões de chuva, seca e temperatura já fazem parte do nosso dia a dia e estamos sofrendo os impactos delas em todas as regiões. São Paulo passou por uma crise hídrica violenta em 2013 e agora está passando por outra. As chuvas de verão da última temporada provocaram inundações, desabamento, interdição de estradas, destruição de prédios históricos e mortes em Minas Gerais e na Bahia. Uma onda de calor fora do normal na região Sul já está perturbando a vida das pessoas gerando problemas de saúde ou, no mínimo, dependência de ar condicionado. A elevação do nível do mar também está causando problemas de salinização no maior rio do mundo, o Amazonas, deixando comunidades ribeirinhas do Amapá sem água potável.
Esses são só alguns exemplos, temos tantos que esse artigo poderia ser inteiro uma lista deles. Mas vamos tentar falar do que podemos fazer, além de mudar de adotar hábitos mais sustentáveis no nosso dia a dia e exigir políticas que mitiguem esses efeitos num futuro próximo. Vai ser preciso e urgente adaptar as cidades ao novo clima e também mudar suas dinâmicas para que elas também emitam menos, ou seja, para que a gente não fique enxugando gelo enquanto o calor aumenta cada vez mais. E essa adaptação vai gerar negócios.
Teremos muito trabalho pela frente. Vamos precisar melhorar os canais, criar parques, áreas verdes e outras soluções para reduzir a impermeabilização do solo, como telhados verdes ou jardins de inundação. Também vamos precisar investir em sistemas de uso mais eficiente de água e energia e em cidades mais preparadas para conviver com o calor, com mais arborização, prédios que esquentam menos e aproveitem, por exemplo, ventilação e luz natural, o que também ajuda a reduzir as emissões das cidades. Mesmo soluções mais simples, como reciclar o lixo e investir em ciclovias e transporte público, ainda não são realidade em muitas das nossas cidades, especialmente as fora do eixo sul-sudeste, mas precisam passar a ser. Isso sem falar no potencial criativo para novas soluções, que são muito bem-vindas.
Tudo isso gera negócios que, além de emergenciais e de extrema importância, serão bem pagos, justamente por isso. As empresas, que vão oferecer esses serviços e soluções precisam, além de boas ideias, participar das discussões sobre o assunto. Isso porque está cada vez mais claro que ideias pensadas em um escritório podem não ser as melhores saídas para quem, de fato, vive nas regiões onde elas serão aplicadas. É o caso dos municípios amazônicos, que possuem muitas especificidades que as tornam, inclusive, mais vulneráveis às mudanças climáticas, como o fato de serem banhadas por rios e a grande distância entre as cidades. E essa é uma região chave, na qual o planeta todo está de olho.
Já sabemos que para cuidar das florestas, precisamos cuidar das cidades, mas, para isso, precisamos conversar com quem vive nelas. As organizações da sociedade civil e lideranças locais são peça-chave nesse processo, pois sabem do que estão falando e conhecem mais do que ninguém soluções para os problemas que enfrentam. Isso quer dizer que o conhecimento das populações locais e comunidades tradicionais é fundamental para o planejamento de cidades sustentáveis. O que as empresas devem fazer então? Ouvir e, sem seguida, colocar a mão na massa.
Para Fábio Ferraz, economista e pesquisador da urbeOmnis, o debate sobre sustentabilidade urbana ou cidades sustentáveis tem de se dar de modo interinstitucional, o que inclui a participação ativa das empresas e da iniciativa privada em geral. “Se, por um lado, os cidadãos e consumidores tendem cada vez mais a optar por produtos e serviços que agreguem a responsabilidade socioambiental, por outro, os órgãos públicos também tendem a criar novas regulamentações que implicam em maior controle sobre os impactos das atividades econômicas, assim como priorizar fornecedores ‘mais sustentáveis’. Some a isso uma multiplicidade de oportunidade de negócios e lucros que estão surgindo com a economia circular, de baixo-carbono e tantas outras novas economias”, afirma.
Fábio é coordenador do projeto “Nós Fazemos a Cidade”, desenvolvido pelo GT Infraestrutura em parceria com Fundo Casa Socioambiental e Fundação Vitória Amazônica, que lançou um guia, um estudo técnico e uma série de vídeos sobre a adaptação das cidades amazônicas às mudanças climáticas. O material está disponível, gratuitamente, no site do GT Infraestrutura, e deixa claro que precisamos pensar em projetos que tenham o foco nas pessoas, pois a infraestrutura do concreto já provou que deve fazer parte do nosso passado, como bem ilustram os exemplos do início desse texto.
A Amazônia 2030, iniciativa de pesquisadores brasileiros para desenvolver um plano de desenvolvimento sustentável para a Amazônia brasileira, também tem as cidades no centro do debate. “Elas são o espaço onde tudo acontece, onde o trabalho se realiza, onde as pessoas se educam, se divertem. Para que haja sucesso no desenvolvimento da Amazônia Legal é preciso não apenas capital físico, recursos naturais que se transformam em matéria-prima, mas também capital humano, ou seja, pessoas qualificadas, e essas pessoas buscam associar ao trabalho, qualidade de vida”, explica Flavia Chein, pesquisadora do projeto e professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
A especialista destaca que uma cidade sustentável também precisa ter bons indicadores de habitabilidade urbana, ou seja, a habitação tem que ser avaliada em seu sentido mais amplo, englobando o direito à cidade, ou seja, de estar inserida na malha urbana. “Nesse conceito a habitação tem relação com a rede de infraestrutura, possibilidade de acesso aos equipamentos públicos, pertencimento ao território urbano e inclusão, fatores que têm relação direta com a qualidade de vida encontrada nas cidades”, detalha. Ela também deixa claro que pensar a habitabilidade urbana não deve ser apenas um compromisso dos gestores públicos, mas também, inevitavelmente, um compromisso das empresas. “Uma cidade sustentável é capaz de atrair mais indivíduos qualificados, melhora as condições de saúde da população e, por consequência, aumenta sua produtividade. É urgente que se faça um pacto entre governo, setor privado e sociedade civil organizada para se incorporar ao desenho urbano das cidades da Amazônia Legal, o aproveitamento do seu ecossistema natural e o respeito às riquezas naturais da região”, completa Flavia Chein.
*Com Angélica Queiroz