(PABLO PORCIUNCULA/AFP/Getty Images)
Colunista
Publicado em 26 de novembro de 2025 às 14h24.
Última atualização em 27 de novembro de 2025 às 11h45.
O Brasil tem se esforçado para se consolidar como uma potência verde. Mas ainda precisamos resolver nosso principal problema climático: o desmatamento na produção de carne. Os novos dados Radar Verde, pesquisa anual que avalia a cadeia da carne, soa um alarme que o mercado de capitais não pode ignorar. O levantamento analisou 151 frigoríficos e as 100 maiores redes varejistas do país para avaliar o grau de controle das empresas para evitar o desmatamento na cadeia de fornecedores de carne.
Apenas 12 frigoríficos e 3 redes de supermercados conseguem comprovar alto controle das fazendas fornecedoras diretas de gado em sua cadeia de carne bovina. O frigorífico com melhor pontuação foi a Marfrig Global Foods, seguida por Masterboi e JBS.

Entre os varejistas, a empresa mais bem avaliada foi o GPA, seguida por Assaí e Carrefour. Nenhuma empresa, no entanto, demonstrou controle efetivo das fazendas fornecedoras indiretas. O relatório revela que a nossa principal commodity de exportação — a carne bovina — continua mantendo uma vulnerabilidade perigosa em sua cadeia de fornecimento. A mensagem para o mercado é direta: a falha na rastreabilidade não é mais apenas um problema ambiental; é um risco sistêmico que contamina toda a cadeia de alimentos, da fazenda à mesa do consumidor, e afeta a valorização das ações.

O setor de pecuária bovina é a maior fonte de emissões de gases de efeito estufa do Brasil. Segundo dados do SEEG, o sistema de contagem das emissões do país, mais da metade dos gases responsáveis pelas mudanças climáticas do país estão associados ao setor da pecuária bovina. Cerca de dois terços da emissão da pecuária vem de carbono lançado na atmosfera pelo desmatamento. E um terço é metano do metabolismo bovino. Além disso, a abertura de pastagem para o gado é o principal vetor de desmatamento no país, respondendo por mais de 90% da destruição na Amazônia. Por essas razões, zerar o desmatamento ligado à carne não é apenas uma meta de compliance, mas a principal missão do Brasil para cumprir seus compromissos climáticos internacionais. A vulnerabilidade na rastreabilidade, portanto, representa um risco direto à soberania climática e à credibilidade global do agronegócio nacional.
É inegável que o Brasil obteve uma vitória substancial ao sediar a COP30 em Belém. O país realizou uma conferência plural, democrática, animada e sem grandes incidentes, colocando-se novamente como um ator confiável, relevante e capaz de liderar negociações complexas na arena global. No entanto, essa conquista diplomática e de reposicionamento é diretamente ameaçada pela fragilidade da rastreabilidade da pecuária. Enquanto o Brasil demonstra a capacidade de liderar o debate sobre a saída global das emissões de carbono, o Radar Verde nos lembra que nossa principal cadeia econômica ainda mantém uma porta aberta para a ilegalidade, questionando nosso papel preponderante no futuro do clima mundial.
O cerne da vulnerabilidade está na falta de controle sobre as fazendas fornecedoras indiretas (cria e recria). A mais recente edição do ranking anual produzido pelo Radar Verde confirmou que nenhuma empresa avaliada monitora esse elo da cadeia, que é o mais propenso à entrada de gado vindo de áreas de desmatamento ilegal e de ocupação de terras públicas. Essa "contaminação" de ilegalidade gera insegurança em todos os níveis. É importante lembrar que essa fase de cria e recria envolve aproximadamente 90% do tempo de vida dos bois. Eles passam por até 5 fazendas diferentes. A lacuna de informações sobre essa parte expressiva da cadeia de fornecedores é perigosa.
O Radar Verde é um índice anual produzido em conjunto pelo Imazon e pelo Instituto O Mundo Que Queremos. A pesquisa avalia o quanto as empresas comprovam controle das fazendas em todos os níveis da produção, exigindo evidências de auditorias de terceiros para comprovar a efetividade das políticas. O estudo avalia os dados públicos e os fornecidos voluntariamente pelas empresas avaliadas.
Para investidores e bancos, o risco é de crédito e compliance, pois ativos (ações, títulos) perdem valor e o acesso a capital estrangeiro é restrito devido a políticas ESG. Para frigoríficos e varejistas, o risco é regulatório e de mercado, com potenciais multas, investigações judiciais e dificuldade em acessar mercados europeus e globais com exigências de desmatamento zero. Empresas de alimentos, como grupos de restaurante e fast-food, ficam expostas a risco reputacional, sujeitas a denúncias internacionais e boicotes de consumidores que associam a marca à destruição ambiental ou ilegalidade.
O setor tem feito progressos notáveis na transparência — o número de frigoríficos com auditorias publicadas triplicou. Contudo, o mercado precisa diferenciar avanço em compliance básico de rastreabilidade real. O Brasil tem os dados e a tecnologia para alinhar toda a cadeia, do bezerro ao abate. Enquanto supermercados e frigoríficos mantiverem baixo controle, a pecuária — e, por extensão, as empresas a ela ligadas — continuarão vulneráveis a problemas regulatórios, restrições de acesso a mercado e denúncias. Gestores públicos podem contribuir com o setor.
A carne brasileira já conseguiu grandes vitórias, como eliminar a contaminação por febre aftosa. Agora deve também eliminar a contaminação por desmatamento e atividades ilegais. O custo do controle não é alto. Comprado em lote, um brinco custa menos de um real por animal. E cada boi gordo é vendido a cerca de R$ 6 mil para o abate.
A mensagem do Radar Verde é clara: rastreabilidade é o novo ativo de gestão de risco. Ignorar a fragilidade da cadeia de fornecimento é manter um passivo potencial que, mais cedo ou mais tarde, será precificado negativamente pelo mercado. As empresas que agirem para fechar a lacuna das fazendas indiretas agora não estarão apenas sendo éticas; estarão blindando seu negócio e ganhando uma vantagem competitiva crucial na economia global.