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Adaptação climática pode evitar perdas globais de US$ 850 trilhões até 2050

Relatório global reforça que o desenvolvimento sustentável depende de investir em resiliência. No Brasil, o agronegócio pode ser protagonista dessa virada

Porto Alegre e os efeitos das enchentes no Rio Grande do Sul (05/05/24) (Ricardo Stuckert/Presidência da República/Divulgação)

Porto Alegre e os efeitos das enchentes no Rio Grande do Sul (05/05/24) (Ricardo Stuckert/Presidência da República/Divulgação)

AM

Publicado em 20 de outubro de 2025 às 10h26.

Por Alexandre Mansur, fundador do O Mundo Que Queremos, e Susana Berbert, jornalista

Em 2024, testemunhamos, assombrados, o estado do Rio Grande do Sul desolado por tempestades e inundações. Cidades inteiras foram tomadas pela água, submersas; infraestruturas foram completamente destruídas. Quase 2,4 milhões de pessoas foram afetadas e mais de 180 morreram.

O cenário catastrófico mobilizou o país em ações emergenciais para sanar necessidades básicas, como água, comida e roupas, e também para auxiliar na reconstrução do estado. Mas as perdas foram ainda maiores do que aquelas que podiam ser vistas a olho nu. A estimativa do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) é de que o prejuízo causado pelas cheias tenha sido de R$ 88,9 bilhões, afetando principalmente o setor produtivo (R$ 61 bilhões), os setores sociais (R$ 19 bilhões) e a infraestrutura (R$ 7 bilhões).

Pesquisadores apontam que, mesmo com as condições climáticas extremas, as consequências das enchentes poderiam ter sido menores se o poder público tivesse investido adequadamente em estratégias de prevenção. Em outras palavras, se houvesse estratégias de adaptação climática efetivas.

Um dos pilares da COP30, a adaptação climática é o tema de um relatório inédito lançado pela Systemiq, que traz uma mensagem clara: estratégias de adaptação não apenas diminuem os prejuízos, mas são uma condição para prosperar.

O estudo The Returns on Resilience mostra que, por falta de estratégias de resiliência, o prejuízo mundial hoje é de cerca de US$ 2,1 trilhões por ano em custos de saúde ligados às mudanças do clima. A falta de infraestrutura adequada de água e saneamento custa até US$ 2,3 trilhões. Já os danos em energia, transportes e telecomunicações podem chegar a US$ 720 bilhões anuais.

Por outro lado, quando a adaptação climática se torna uma prioridade, o cenário muda drasticamente. O relatório aponta que investimentos em resiliência e adaptação geram, em média, quatro vezes mais benefícios do que custos, e que ações coordenadas, ampliando os investimentos em quatro setores-chave (saúde, agricultura, saneamento e higiene), podem evitar perdas socioeconômicas de até US$ 850 trilhões até 2050.

Os dados também mostram que apenas preencher o déficit anual de US$ 350 bilhões em investimentos em resiliência poderia gerar mais de 280 milhões de empregos diretos e indiretos em dez anos, especialmente em setores intensivos em mão de obra, como a agricultura (80 a 160 milhões de empregos) e a construção civil (30 a 60 milhões).

Mas enquanto os números apontam para os benefícios de investir em adaptação, a maior parte dos fluxos financeiros ainda segue na direção errada: para cada US$ 1 destinado à infraestrutura resiliente, outros US$ 87 vão para projetos que ignoram riscos climáticos. Isso revela uma contradição central de nossa economia, o investimento em um modelo de desenvolvimento que está fadado ao fracasso por não encarar os imperativos que o presente impõe. A adaptação climática precisa ser compreendida como um investimento estratégico, e não como uma resposta emergencial a desastres, ou um tema que interessa exclusivamente a ambientalistas.

A COP30, a ser realizada em Belém, oferece uma oportunidade histórica para corrigir essa rota. O Brasil tem autoridade moral e técnica para liderar uma agenda global de adaptação. E, entre os setores com maior potencial de transformação, o agronegócio ocupa posição central. Principal emissor de gases de efeito estufa no país, o setor é também um dos mais expostos aos impactos do clima: variações de temperatura e eventos extremos já comprometem safras, reduzem a disponibilidade hídrica e aumentam os riscos financeiros da produção. O relatório aponta que, mundialmente, esses números tendem a se agravar. Sem estratégias de resiliência, os impactos climáticos sobre o setor agroalimentar até 2050 devem chegar a US$ 250 bilhões por ano, apenas no valor das lavouras e da pecuária.

No Brasil, esses prejuízos já estão sendo contabilizados. Um relatório da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), feito com base em dados do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, mostra que o país perdeu R$ 287 bilhões da sua produção agropecuária em 10 anos por causa da seca e da chuva.

No entanto, ao mesmo tempo em que atua na emissão de gases de efeito estufa e sofre as consequências das mudanças climáticas, o setor tem uma oportunidade única de ação. A agricultura regenerativa e as práticas adaptativas representam uma das fronteiras mais promissoras de investimento em resiliência, trazendo segurança aos produtores e impactos financeiros significativos, ao mesmo tempo que beneficiam o meio ambiente. O estudo da Systemiq mostra que intervenções agrícolas adaptativas podem evitar perdas anuais de US$ 25 bilhões, com um potencial adicional sobre a renda de agricultores e a produtividade rural.

Na FERA (Frente Empresarial para a Regeneração da Agricultura), esses benefícios já são realidades. A rede reúne produtores e empresas que colocam em prática soluções regenerativas em escala, mostrando que a transição para modelos agrícolas adaptados ao clima tropical não é apenas viável, mas uma escolha lucrativa e necessária. Ao unir produtividade, segurança alimentar e adaptação climática, a FERA demonstra, na prática, que investir em adaptação é investir em estabilidade, competitividade e futuro.

O relatório da Systemiq deixa claro: o custo de agir é muito menor do que o preço da inércia. Rio Grande do Sul já nos mostrou como é essa conta. Cabe agora aos governos, investidores e empresas reconhecerem que resiliência é o ativo mais estratégico do século XXI.