Nas eleições locais dos EUA, republicanos mostram que há futuro sem Trump
O êxito na Virginia e o aperto em Nova Jersey têm em comum o fato de ambas candidaturas terem se distanciado do ex-presidente e de alucinações sobre fraudes
Da Redação
Publicado em 3 de novembro de 2021 às 13h40.
Última atualização em 3 de novembro de 2021 às 13h44.
Por Maurício Moura
O famoso historiador Eric Hobsbawn escreveu uma obra prima sobre o século 20: “A Era dos Extremos: 1914-1991”. O livro traz uma visão crítica sobre o século 20 e o descreve como sendo o mais terrível dos séculos e o mais veloz de todos. Teria sido um século de guerras, de nascimento e morte de utopias do conhecimento mas ao mesmo tempo, do predomínio de ignorância e medo. Poderia facilmente refletir o estado da política americana do século 21.
Porém, a noite de 02 de novembro de 2021 será lembrada pelo avanço (ou retorno) da moderação nas disputas eleitorais entre democratas e republicanos. Justamente por isso, esse dia deixará uma contundente lição de casa para todos os espectros políticos. As narrativas e estratégias de 2021 devem respingar no tabuleiro eleitoral futuro (teremos eleições do Congresso Nacional em 2022 e presidenciais em 2024).
E quais as principais mensagens que os eleitores da Virginia, Nova Jersey, cidade de Nova York, Boston e Minneapolis deixaram nas urnas?
Primeiro, os democratas precisam se preocupar. Na Virgínia, o presidente Biden venceu Trump por 10 pontos percentuais (e os democratas venceram as eleições de governador em 2013 e 2017). Em Nova Jersey, o governador democrata sofreu muito para vencer uma disputa em um estado que Biden venceu por ampla margem de 16 pontos percentuais. Em ambos pleitos, a narrativa central dos democratas Terry McAuliffe (Virginia) e Phil Murphy (Nova Jersey) focou essencialmente no eventual retorno das políticas e ideias de Donald Trump. E essa concentração no passado trumpista se provou frágil.
Os eleitores de Biden que mudaram de lado (votaram nos republicanos Glenn Youngkin na Virgínia e Jack Ciattarelli em Nova Jersey ) se mostraram preocupados com o presente. O aumento da inflação, percebido como resultado direto da gestão econômica de Biden, e a inércia democrata em formular e implementar um pacote de infraestrutura foram amplamente explorados por Youngkin e Ciattarelli.
Além disso, na Virginia, o ex-governador e candidato McAuliffe perdeu o debate sobre a “teoria racial” nas escolas públicas. Um tema bastante controverso (para dizer o mínimo) mas que fez com que o republicano eleito avançasse em locais que Trump perdeu em 2020. Pouco ou nada se falou sobre fraude eleitoral.
Em Minneapolis, o referendo para substituir o atual departamento de polícia (lembrando que essa foi a cidade do assassinato de George Floyd em 2020) foi rejeitado pela maioria. Ou seja, não haverá mudanças estruturais no orçamento da policia na principal cidade de Minnesota (outra localidade que Biden venceu). Essa é uma derrota dolorosa da ala mais progressista do partido do atual presidente.
No lado republicano, mostrou-se que há mobilização possível sem Donald Trump. O êxito na Virginia e o aperto em Nova Jersey têm em comum o fato de ambas candidaturas terem se distanciado do ex-presidente e de suas alucinações sobre fraudes eleitorais generalizadas. Trazer a discussão para os problemas rotineiros (economia, educação, segurança e medidas sanitárias para lidar com a Covid), ao invés de buscar novas teorias da conspiração universal, aproximou os eleitores. Ouvi de um coordenador da campanha republicana que “menos twittes e mais rua” foi crítico para a virada no estado.
A moderação venceu com os democratas também. A cidade de Nova York elegeu Eric Adams, o segundo prefeito negro da história da cidade e que virou policial para combater o racismo que sofreu na juventude.
O mais interessante é que Adams saiu de uma disputa nas primárias baseada no voto por classificação ( ranking vote choice ). Nesse método, os eleitores podem classificar sua ordem de preferencia para até cinco candidatos (o eleitor marca da primeira a quinta opção). Essa metodologia, segundos os cientistas políticos especializados no tema, diminui a potencia dos discursos de polarização e cria mais espaço para posicionamentos mais moderados. O recém eleito se auto classifica como “progressista pragmático”, um exercício semântico para se mostrar moderado.
Em Boston, outra vitória do progressismo pragmático. A capital do estado de Massachusetts (que é governado pelos republicanos) elegeu uma taiwanesa americana de Chicago. Essa é uma cidade que, até essa eleição, elegia apenas homens brancos para esse cargo. A advogada Michelle Wu vai se juntar a pelo menos 11 mulheres (e possivelmente 13, dependendo dos resultados eleitorais) como prefeitas de cidades dos EUA com uma população de mais de 400.000 habitantes.
Michelle se diz “batalhadora das causas progressistas”. Todavia, sua experiência como empreendedora de pequeno negócio e histórico de fazer acordo com setores políticos conservadores ajudaram muito na conquista dos eleitores moderados. A jovem eleita teve um excelente desempenho eleitoral inclusive entre os republicanos.
Portanto, para a eleição de congresso nacional de 2022, fica a lição de moderação para os dois partidos. Os democratas precisam repensar o processo de auto sabotagem em curso no debate em Washington, DC. Sem resultados na economia, ou entregas concretas em outras áreas, será impossível manter a maioria na Câmara dos Deputados e no Senado. E governar sem a maioria nas duas casas é o primeiro passo para perder a Casa Branca (o exemplo da derrota de Barack Obama em 2014 é bastante ilustrativo. O ex-presidente não conseguiu nem preencher uma vaga para a Suprema Corte depois da perda das casas).
Do lado republicano, o ex-presidente Donald Trump segue como “elefante na sala de vidro”. O partido está inundado de políticos(as) que dependem do trumpismo (e seus delírios) para vencer suas primárias. Por outro lado, a vitória na Virginia vai acender o alerta do passivo que represente olhar para o passado caótico de ignorância e medo quando o que eleitores parecem querer, nesse momento, é apreciar a moderação.
Por Maurício Moura
O famoso historiador Eric Hobsbawn escreveu uma obra prima sobre o século 20: “A Era dos Extremos: 1914-1991”. O livro traz uma visão crítica sobre o século 20 e o descreve como sendo o mais terrível dos séculos e o mais veloz de todos. Teria sido um século de guerras, de nascimento e morte de utopias do conhecimento mas ao mesmo tempo, do predomínio de ignorância e medo. Poderia facilmente refletir o estado da política americana do século 21.
Porém, a noite de 02 de novembro de 2021 será lembrada pelo avanço (ou retorno) da moderação nas disputas eleitorais entre democratas e republicanos. Justamente por isso, esse dia deixará uma contundente lição de casa para todos os espectros políticos. As narrativas e estratégias de 2021 devem respingar no tabuleiro eleitoral futuro (teremos eleições do Congresso Nacional em 2022 e presidenciais em 2024).
E quais as principais mensagens que os eleitores da Virginia, Nova Jersey, cidade de Nova York, Boston e Minneapolis deixaram nas urnas?
Primeiro, os democratas precisam se preocupar. Na Virgínia, o presidente Biden venceu Trump por 10 pontos percentuais (e os democratas venceram as eleições de governador em 2013 e 2017). Em Nova Jersey, o governador democrata sofreu muito para vencer uma disputa em um estado que Biden venceu por ampla margem de 16 pontos percentuais. Em ambos pleitos, a narrativa central dos democratas Terry McAuliffe (Virginia) e Phil Murphy (Nova Jersey) focou essencialmente no eventual retorno das políticas e ideias de Donald Trump. E essa concentração no passado trumpista se provou frágil.
Os eleitores de Biden que mudaram de lado (votaram nos republicanos Glenn Youngkin na Virgínia e Jack Ciattarelli em Nova Jersey ) se mostraram preocupados com o presente. O aumento da inflação, percebido como resultado direto da gestão econômica de Biden, e a inércia democrata em formular e implementar um pacote de infraestrutura foram amplamente explorados por Youngkin e Ciattarelli.
Além disso, na Virginia, o ex-governador e candidato McAuliffe perdeu o debate sobre a “teoria racial” nas escolas públicas. Um tema bastante controverso (para dizer o mínimo) mas que fez com que o republicano eleito avançasse em locais que Trump perdeu em 2020. Pouco ou nada se falou sobre fraude eleitoral.
Em Minneapolis, o referendo para substituir o atual departamento de polícia (lembrando que essa foi a cidade do assassinato de George Floyd em 2020) foi rejeitado pela maioria. Ou seja, não haverá mudanças estruturais no orçamento da policia na principal cidade de Minnesota (outra localidade que Biden venceu). Essa é uma derrota dolorosa da ala mais progressista do partido do atual presidente.
No lado republicano, mostrou-se que há mobilização possível sem Donald Trump. O êxito na Virginia e o aperto em Nova Jersey têm em comum o fato de ambas candidaturas terem se distanciado do ex-presidente e de suas alucinações sobre fraudes eleitorais generalizadas. Trazer a discussão para os problemas rotineiros (economia, educação, segurança e medidas sanitárias para lidar com a Covid), ao invés de buscar novas teorias da conspiração universal, aproximou os eleitores. Ouvi de um coordenador da campanha republicana que “menos twittes e mais rua” foi crítico para a virada no estado.
A moderação venceu com os democratas também. A cidade de Nova York elegeu Eric Adams, o segundo prefeito negro da história da cidade e que virou policial para combater o racismo que sofreu na juventude.
O mais interessante é que Adams saiu de uma disputa nas primárias baseada no voto por classificação ( ranking vote choice ). Nesse método, os eleitores podem classificar sua ordem de preferencia para até cinco candidatos (o eleitor marca da primeira a quinta opção). Essa metodologia, segundos os cientistas políticos especializados no tema, diminui a potencia dos discursos de polarização e cria mais espaço para posicionamentos mais moderados. O recém eleito se auto classifica como “progressista pragmático”, um exercício semântico para se mostrar moderado.
Em Boston, outra vitória do progressismo pragmático. A capital do estado de Massachusetts (que é governado pelos republicanos) elegeu uma taiwanesa americana de Chicago. Essa é uma cidade que, até essa eleição, elegia apenas homens brancos para esse cargo. A advogada Michelle Wu vai se juntar a pelo menos 11 mulheres (e possivelmente 13, dependendo dos resultados eleitorais) como prefeitas de cidades dos EUA com uma população de mais de 400.000 habitantes.
Michelle se diz “batalhadora das causas progressistas”. Todavia, sua experiência como empreendedora de pequeno negócio e histórico de fazer acordo com setores políticos conservadores ajudaram muito na conquista dos eleitores moderados. A jovem eleita teve um excelente desempenho eleitoral inclusive entre os republicanos.
Portanto, para a eleição de congresso nacional de 2022, fica a lição de moderação para os dois partidos. Os democratas precisam repensar o processo de auto sabotagem em curso no debate em Washington, DC. Sem resultados na economia, ou entregas concretas em outras áreas, será impossível manter a maioria na Câmara dos Deputados e no Senado. E governar sem a maioria nas duas casas é o primeiro passo para perder a Casa Branca (o exemplo da derrota de Barack Obama em 2014 é bastante ilustrativo. O ex-presidente não conseguiu nem preencher uma vaga para a Suprema Corte depois da perda das casas).
Do lado republicano, o ex-presidente Donald Trump segue como “elefante na sala de vidro”. O partido está inundado de políticos(as) que dependem do trumpismo (e seus delírios) para vencer suas primárias. Por outro lado, a vitória na Virginia vai acender o alerta do passivo que represente olhar para o passado caótico de ignorância e medo quando o que eleitores parecem querer, nesse momento, é apreciar a moderação.