Viver cada dia como se fosse o primeiro do resto de sua vida
A L’Oréal é um grupo que se reinventa, que se desafia, que se transforma e cuja jornada nunca acaba
Da Redação
Publicado em 20 de novembro de 2021 às 10h00.
Por: Fabiana Monteiro
Sou francês, porém nasci em Mônaco há 58 anos atrás, cidade-estado soberana que fica entre a França e a Itália. Sou casado com Arianna, italiana, e tenho dois filhos nascidos no Brasil: Gaspard , com 15 anos, e Leone, com 9.
Meus avós moraram mais de 50 anos naquele principado, onde montaram negócios na área de hotelaria e restaurante. Minha mãe seguiu essa carreira. Meu pai era professor de História e Geografia no Liceu Massena, mas acabou abandonando sua profissão e abraçando a da minha mãe. E foi assim que ambos embarcaram para o Haiti em setembro de 1973, onde ele seria Gerente Geral do suntuoso Habitation Leclerc. Este hotel foi construído no sítio onde a Pauline Bonaparte, irmã de Napoleão, e Charles Leclerc, emissário do então imperador francês, chegaram a morar antes da independência do Haiti. Propriedade da antropóloga e coreógrafa americana Katherine Dunham o sítio foi alugado para um empresário franco americano Olivier Coquelin que construiu um dos mais luxuosos hotéis das Américas.
Com esta mudança de endereço, eu, aos 10 anos de idade, junto com meus pais e meu irmão Erik, migrei de um dos metros quadrados mais caros do mundo para morar em uma das nações mais pobres do planeta. Aprendi cedo as virtudes da capacidade de adaptação. Em Mônaco, eu era muito protegido, vivendo em um casulo familiar cercado de avós, tios e primos. No Haiti, longe da família, e com pais trabalhando muito e desfrutando da doçura da vida pós década de 1960, passei a ter liberdade quase que total. Foram anos incríveis de aprendizagem da liberdade e de rápido amadurecimento. Inclusive, tive a ideia de abrir um pequeno negócio. Ganhava dinheiro nos fins de tarde jogando gamão com os ricos hóspedes americanos e o emprestava (sem taxa de juro!) durante o dia para funcionários do hotel. Tinha uma cadernetinha onde anotava tudo. Sem saber tinha criado uma atividade de microcrédito. Despertou-me nessa época também para as novas culturas. No Haiti descobri um povo de uma felicidade e resiliência incrível, que tinha capacidade de valorizar as pequenas coisas da vida. Ali estudei no Lycée Français Alexandre Dumas, na capital Port au Prince. Saí de lá em 1981, para estudar Direito na Universidade de Bordeaux. Mais de 30 anos depois, voltei para acompanhar o enterro do meu pai. Nesta ocasião, infelizmente, encontrei uma nação destruída pelo grande terremoto que castigou o país em 2010.
Concluí minha graduação em 1986. Entretanto, durante o inverno de 1986, fui trabalhar em Estrasburgo para a Kronenbourg, cervejaria que pertencia ao grupo Danone. Eles estavam fazendo uma fusão com outra entidade e ali tinha um grande trabalho jurídico a ser feito.
Amor à primeira vista
Estava com 23 anos e, na época, existia para os jovens a obrigatoriedade de servir nas forças armadas francesas durante um ano. No entanto, havia uma alternativa, que era passar 18 meses fora do país, trabalhando para uma embaixada, uma universidade ou uma empresa francesa. Eu me agarrei a esta possibilidade, recebi uma proposta feita pelo presidente do Grupo Danone e, assim, no início do ano de 1987, véspera do Carnaval, descobri o Brasil. Meu desembarque foi na cidade de São Paulo, onde passei quase 2 anos trabalhando entre a sede da Danone Brasil e a Machado Meyer Advogados, que era o escritório que representava o Grupo. Comecei, então, essa vida profissional trabalhando em fusões e aquisições para América do Sul, me apaixonando pelo Brasil e desenvolvendo uma rede de amigos e contatos para a vida. Desde essa época, torço pelo Flamengo e desfilo pela Mangueira, escola de samba do meu coração. E, mais que tudo, aprendi a gestão da complexidade e da incerteza num país onde mesmo o passado é incerto.
Entrando na L’Oréal como outros entram em religião
Em março de 1989, de volta à França, surgiu uma oportunidade irrecusável na L’Oréal, onde entrei como advogado interno. Na época falava-se que na L’Oréal você passava 3 meses (duração de período de previsão), 3 anos (período para fazer o equivalente a um MBA) ou 30 anos. De lá para cá são mais de três décadas nessa empresa única, que posso dividir em duas fases. A primeira vai até 2006, quando me tornei Responsável Jurídico para a América Latina e, em seguida, Diretor Jurídico Adjunto. Depois disso começa a minha segunda e atual fase, assumindo a Direção das Relações Institucionais, Comunicação e Sustentabilidade. Exerci esta função primeiro para a América Latina, depois também África e Oriente Médio e, desde 2014, aceitei a proposta de cuidar da agenda de reputação e engajamento da L’Oréal Brasil.
O conselho certo na hora certa
Para mim, a formação começa muito cedo, muito antes de se chegar à faculdade. Sou alguém que vem de uma formação muito mais literária e que, no final, acabou escolhendo o Direito e a Comunicação. Isso tem muito a ver com o fato de eu adorar escrever. Talvez minha primeira e maior influência foi meu pai, inicialmente professor de História e Geografia e apaixonado por geopolítica, economia e cultura. Desde a época da faculdade, entendia que não tinha vocação para o Direito, mas tinha interesse. Como dizemos coloquialmente, o Direito leva a tudo contanto que você saiba como sair. Além de me oferecer quase 2 décadas apaixonantes, o Direito me ajudou muito a desenvolver capacidades de análise e síntese ou habilidades para negociação.
Eu acredito também muito nos encontros, no networking, nos mentores, nos coaches, tanto para o campo profissional quanto para a vida. Na vida, tem momentos para receber e outros para devolver, para transmitir. Acredito muito na importância de ter modelos e pessoas que nos inspiram. Às vezes, alguém se torna importante por dizer a palavra certa na hora certa. Em momentos chave da vida, uma frase, um conselho, uma reflexão podem ser cruciais para tomar uma decisão certa.
Eu tive vários chefes ao longo de minha carreira e quase todos acabaram se tornando meus amigos. Poderia citar vários. O primeiro, Yannick Vivarel, era Diretor Jurídico Internacional na Danone. Era um jurista muito de front office, alguém que estava do lado do business, que sempre estava na linha de frente e buscava soluções para viabilizar o negócio. Isso marcou muito minha forma de conceber minha carreira de advogado internacional. Também tive contribuições de pessoas incríveis na L’Oréal. Cada uma me complementou muito. O primeiro, Guy Noack, foi um mestre na parte jurídica e com quem aprendi muito a parte técnica. Era extremamente dedicado, tinha conhecimento jurídico enorme e um rigor absoluto. Ele pegava uma página em branco, passava umas duas horas pensando, montando a estrutura e escrevia um contrato da primeira à última frase. No final, estava perfeito, não faltava nada. Com ele aprendi muito, pois era do tipo que cuidava de ensinar todo o seu time.
Já o segundo, Pierre Simoncelli, me ajudou a desenvolver muito na parte do business e do entendimento do que se esperava na área jurídica de um advogado – que é ser alguém que ajuda a pensar e, a partir disso, fazer as melhores escolhas. Enfim, há pessoas que têm um único mentor para uma vida inteira. Mas, para mim, foram vários porém não poderia não citar Joseph Bitton, que foi meu chefe na Zona América Latina e que apostou em mim quando quis me reinventar e entrar no mundo das Relações Institucionais e da Comunicação. Eu devo muito a eles e a vários outros grandes profissionais que encontrei durante essa jornada.
Tenho muito orgulho também de ter participado do desenvolvimento de talentos, de ter transmitido. Me considero, no meu dia a dia profissional, um pouco coach, mentor ou sponsor de vários colaboradores com quem trabalhei ou que estou trabalhando e que tem muito talento.
A L’Oréal mudou, e eu mudei junto
Sou um L’Oréaliano. Para se ficar mais de 30 anos em uma mesma empresa é porque você tem encaixe com a organização, existe paixão pelo que se faz e está feliz. Talvez tenha a ver com o fato de eu ser um baby boomer. A marca de fábrica desta geração da qual faço parte é essa fidelidade para com a empresa, o querer fazer uma carreira em uma única organização. Na L’Oréal costumamos dizer que é preciso ser ao mesmo tempo poete et paysan (poeta e camponês). Isso significa ter a visão estratégica, mas também ser muito hands-on, fazer as coisas acontecerem; ser disruptivo e resiliente.
Defendo ainda que cada um deve desempenhar o papel de empreendedor da sua própria vida, o que implica ter vida pessoal, familiar e social. E buscar a felicidade!
Ao longo desta minha trajetória aprendi também que frustrações fazem parte da jornada. Quando elas acontecem, você se sente desafiado e isso lhe obriga a ir além de sua zona de conforto e a pensar o que é – e o que não é – fundamental. Há momentos em que estamos felizes e somos plenamente reconhecidos por aquilo que fazemos. Mas nem todos os dias são assim. Isso faz parte da vida. Mas, independentemente do cenário, sempre busquei ir além e aproveitei minhas próprias frustrações para ir mais longe. Delas nascem sempre situações positivas.
Como destaquei acima, entrei na L’Oréal no final dos anos 1980. De lá para cá, a empresa se transformou de forma permanente. Muitas pessoas me perguntam: “Patrick, como você aguentou 32 anos na mesma empresa?”. Mas, entre a empresa que eu conheci lá atrás e a que estou agora, vivenciei muitas transformações. Diria que é uma outra empresa, se não tinha uma cultura centenária que continua forte e firme. Ao longo deste tempo, o Grupo foi comprando dezenas de marcas, entrou em todas as categorias de produtos de higiene e beleza, conquistou todos os mercados internacionais e se tornou líder mundial da beleza.
Vi uma empresa abraçar desafios da universalização com o objetivo de ganhar 1 bilhão de novos consumidores e, para isso, criar centros de pesquisa e inovação para atender os consumidores na sua imensa diversidade que seja no Brasil, China, Índia, África do Sul, Japão além de Estados Unidos e França. Vi uma empresa de beleza se tornar uma beauty tech, com uma revolução digital. Vi uma empresa virar líder em sustentabilidade porque não existe planeta B. Vi uma empresa virar um modelo de diversidade e inclusão. Vi uma empresa reinventando sua cultura para facilitar o desenvolvimento profissional de colaboradores do mundo inteiro e de novas gerações como os millenials. Vi uma empresa desenvolver o propósito de Criar a Beleza que Move o Mundo porque sem propósito não tem futuro.
A L’Oréal é um grupo que se reinventa, que se desafia, que se transforma e cuja jornada nunca acaba. Para mim, não poderia ser diferente, porque você não consegue acompanhar uma empresa que nunca para se você está parado.
O bom líder nem sempre tem uma boa resposta, mas uma boa pergunta
Vivemos um grande desafio atualmente, porque estamos em um mundo em plena revolução. Experimentamos transformações em um ritmo que nunca tivemos antes. Isso, depois do confinamento e do trabalho remoto que virou regra, vai impactar de forma desafiadora as formas de se trabalhar. É muito difícil conseguir desenvolver e transmitir uma cultura de empresa sem presença física, sem one-to-one, sem cafezinho, sem momentos dos almoços no restaurante da empresa, onde se reúnem pessoas de diferentes funções e idades.
O certo é que as formas de trabalho também vão mudar. Lembro-me de alguns gestores old-fashioned que falavam não acreditar na viabilidade do trabalho remoto. E, de repente, a Covid-19 trouxe uma aceleração incrível nessas mudanças. Nestes novos modelos, como ser um líder para esta geração tão diferente? Como fidelizar um millennial (que tem, neste início de década, entre 27 e 41 anos) para aceitar ficar 30 e poucos anos de trabalho em uma única empresa quando eles têm uma propensão de pular de emprego para outro. Esta certamente não será mais a geração do sucesso individual, porque hoje as coisas são muito mais coletivas com a cultura do trabalho colaborativo em redes e a busca de um propósito. Portanto, o líder que vai fazer a diferença terá a capacidade de agregar, de ajuntar e capitalizar, de promover a equipe e as soluções consensuadas. O bom líder nem sempre terá uma boa resposta, mas sempre vai ter uma boa pergunta.
Capacitados para encarar novos desafios
Sou um apaixonado pela minha vida professional. Mas, além dela, tenho várias outras paixões fora do trabalho, a começar pela minha família, o samba, o vinho, as viagens, os esportes de maneira geral e o futebol de modo particular, o cinema ou a leitura. Como disse, tive uma cultura bastante literária. Cresci com todos os clássicos, com Rabelais e du Bellay, com Racine e Molière sem esquecer Corneille, com Hugo e Zola junto com Dumas, com Flaubert, Stendhal et Balzac entre outros. A leitura sempre teve um papel muito importante na minha vida. Mais recentemente dei um passo além e tenho me dedicado a tirar alguns projetos da gaveta. Tenho uns seis livros começados ou ainda no esqueleto, com ideias bem iniciais e um mais elaborado. Este, em especial, tem um cunho bastante pessoal e fala sobre transmissão. Acredito que o papel do líder é exatamente esse: transmitir o que aprendeu para ajudar a desenvolver pessoas. Eu acredito muito neste pequeno poder que temos.
Hoje, além do meu trabalho à frente da diretoria de Relações Institucionais, Comunicação e Sustentabilidade na L’Oréal, dedico-me a diversos outros papéis. Sou presidente da Câmara de Comércio França-Brasil; sou Conselheiro do Comércio Exterior da França, integro o conselho de administração do Liceu Francês, da Associação Brasileira de Anunciantes; da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosmética e sou membro do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) e do Conselho da Cidade do Rio de Janeiro. Considero importante engajar em projetos e iniciativas com o mundo associativo, de usar suas conexões e sua experiência, de trazer sua contribuição para minha empresa mas também para a sociedade.
Para concluir, digo que sou um otimista de “última instância”: acredito que somos capazes de construir uma sociedade muito mais inclusiva, diversa e sustentável aproveitando da incrível transformação tecnológica que traz a revolução da inteligência artificial. Acredito muito na nossa capacidade de revolucionar a saúde, a educação e a informação. Isso vai fazer com que possamos entrar em uma nova era, assim como já passamos em outras diferentes revoluções que já tivemos.
A grande lição que vamos tirar da pandemia talvez seja a capacidade de união. Entendo que a reação do planeta para defender as pessoas antes mesmo do negócio ou de qualquer outra coisa é algo que jamais existiu na nossa história. Portanto, é um momento para tomada de consciência, pois nesse novo mundo que vislumbro, ainda que diante de novas dificuldades, vai existir muitas oportunidades. Rabelais falou que ciência sem consciência é a ruína da alma. Quero acreditar que consciência e ciência saberão caminhar junto. E a boa notícia é que nunca estivemos tão bem preparados em termo de ciência e inovação para abraçar esses desafios.
Por: Fabiana Monteiro
Sou francês, porém nasci em Mônaco há 58 anos atrás, cidade-estado soberana que fica entre a França e a Itália. Sou casado com Arianna, italiana, e tenho dois filhos nascidos no Brasil: Gaspard , com 15 anos, e Leone, com 9.
Meus avós moraram mais de 50 anos naquele principado, onde montaram negócios na área de hotelaria e restaurante. Minha mãe seguiu essa carreira. Meu pai era professor de História e Geografia no Liceu Massena, mas acabou abandonando sua profissão e abraçando a da minha mãe. E foi assim que ambos embarcaram para o Haiti em setembro de 1973, onde ele seria Gerente Geral do suntuoso Habitation Leclerc. Este hotel foi construído no sítio onde a Pauline Bonaparte, irmã de Napoleão, e Charles Leclerc, emissário do então imperador francês, chegaram a morar antes da independência do Haiti. Propriedade da antropóloga e coreógrafa americana Katherine Dunham o sítio foi alugado para um empresário franco americano Olivier Coquelin que construiu um dos mais luxuosos hotéis das Américas.
Com esta mudança de endereço, eu, aos 10 anos de idade, junto com meus pais e meu irmão Erik, migrei de um dos metros quadrados mais caros do mundo para morar em uma das nações mais pobres do planeta. Aprendi cedo as virtudes da capacidade de adaptação. Em Mônaco, eu era muito protegido, vivendo em um casulo familiar cercado de avós, tios e primos. No Haiti, longe da família, e com pais trabalhando muito e desfrutando da doçura da vida pós década de 1960, passei a ter liberdade quase que total. Foram anos incríveis de aprendizagem da liberdade e de rápido amadurecimento. Inclusive, tive a ideia de abrir um pequeno negócio. Ganhava dinheiro nos fins de tarde jogando gamão com os ricos hóspedes americanos e o emprestava (sem taxa de juro!) durante o dia para funcionários do hotel. Tinha uma cadernetinha onde anotava tudo. Sem saber tinha criado uma atividade de microcrédito. Despertou-me nessa época também para as novas culturas. No Haiti descobri um povo de uma felicidade e resiliência incrível, que tinha capacidade de valorizar as pequenas coisas da vida. Ali estudei no Lycée Français Alexandre Dumas, na capital Port au Prince. Saí de lá em 1981, para estudar Direito na Universidade de Bordeaux. Mais de 30 anos depois, voltei para acompanhar o enterro do meu pai. Nesta ocasião, infelizmente, encontrei uma nação destruída pelo grande terremoto que castigou o país em 2010.
Concluí minha graduação em 1986. Entretanto, durante o inverno de 1986, fui trabalhar em Estrasburgo para a Kronenbourg, cervejaria que pertencia ao grupo Danone. Eles estavam fazendo uma fusão com outra entidade e ali tinha um grande trabalho jurídico a ser feito.
Amor à primeira vista
Estava com 23 anos e, na época, existia para os jovens a obrigatoriedade de servir nas forças armadas francesas durante um ano. No entanto, havia uma alternativa, que era passar 18 meses fora do país, trabalhando para uma embaixada, uma universidade ou uma empresa francesa. Eu me agarrei a esta possibilidade, recebi uma proposta feita pelo presidente do Grupo Danone e, assim, no início do ano de 1987, véspera do Carnaval, descobri o Brasil. Meu desembarque foi na cidade de São Paulo, onde passei quase 2 anos trabalhando entre a sede da Danone Brasil e a Machado Meyer Advogados, que era o escritório que representava o Grupo. Comecei, então, essa vida profissional trabalhando em fusões e aquisições para América do Sul, me apaixonando pelo Brasil e desenvolvendo uma rede de amigos e contatos para a vida. Desde essa época, torço pelo Flamengo e desfilo pela Mangueira, escola de samba do meu coração. E, mais que tudo, aprendi a gestão da complexidade e da incerteza num país onde mesmo o passado é incerto.
Entrando na L’Oréal como outros entram em religião
Em março de 1989, de volta à França, surgiu uma oportunidade irrecusável na L’Oréal, onde entrei como advogado interno. Na época falava-se que na L’Oréal você passava 3 meses (duração de período de previsão), 3 anos (período para fazer o equivalente a um MBA) ou 30 anos. De lá para cá são mais de três décadas nessa empresa única, que posso dividir em duas fases. A primeira vai até 2006, quando me tornei Responsável Jurídico para a América Latina e, em seguida, Diretor Jurídico Adjunto. Depois disso começa a minha segunda e atual fase, assumindo a Direção das Relações Institucionais, Comunicação e Sustentabilidade. Exerci esta função primeiro para a América Latina, depois também África e Oriente Médio e, desde 2014, aceitei a proposta de cuidar da agenda de reputação e engajamento da L’Oréal Brasil.
O conselho certo na hora certa
Para mim, a formação começa muito cedo, muito antes de se chegar à faculdade. Sou alguém que vem de uma formação muito mais literária e que, no final, acabou escolhendo o Direito e a Comunicação. Isso tem muito a ver com o fato de eu adorar escrever. Talvez minha primeira e maior influência foi meu pai, inicialmente professor de História e Geografia e apaixonado por geopolítica, economia e cultura. Desde a época da faculdade, entendia que não tinha vocação para o Direito, mas tinha interesse. Como dizemos coloquialmente, o Direito leva a tudo contanto que você saiba como sair. Além de me oferecer quase 2 décadas apaixonantes, o Direito me ajudou muito a desenvolver capacidades de análise e síntese ou habilidades para negociação.
Eu acredito também muito nos encontros, no networking, nos mentores, nos coaches, tanto para o campo profissional quanto para a vida. Na vida, tem momentos para receber e outros para devolver, para transmitir. Acredito muito na importância de ter modelos e pessoas que nos inspiram. Às vezes, alguém se torna importante por dizer a palavra certa na hora certa. Em momentos chave da vida, uma frase, um conselho, uma reflexão podem ser cruciais para tomar uma decisão certa.
Eu tive vários chefes ao longo de minha carreira e quase todos acabaram se tornando meus amigos. Poderia citar vários. O primeiro, Yannick Vivarel, era Diretor Jurídico Internacional na Danone. Era um jurista muito de front office, alguém que estava do lado do business, que sempre estava na linha de frente e buscava soluções para viabilizar o negócio. Isso marcou muito minha forma de conceber minha carreira de advogado internacional. Também tive contribuições de pessoas incríveis na L’Oréal. Cada uma me complementou muito. O primeiro, Guy Noack, foi um mestre na parte jurídica e com quem aprendi muito a parte técnica. Era extremamente dedicado, tinha conhecimento jurídico enorme e um rigor absoluto. Ele pegava uma página em branco, passava umas duas horas pensando, montando a estrutura e escrevia um contrato da primeira à última frase. No final, estava perfeito, não faltava nada. Com ele aprendi muito, pois era do tipo que cuidava de ensinar todo o seu time.
Já o segundo, Pierre Simoncelli, me ajudou a desenvolver muito na parte do business e do entendimento do que se esperava na área jurídica de um advogado – que é ser alguém que ajuda a pensar e, a partir disso, fazer as melhores escolhas. Enfim, há pessoas que têm um único mentor para uma vida inteira. Mas, para mim, foram vários porém não poderia não citar Joseph Bitton, que foi meu chefe na Zona América Latina e que apostou em mim quando quis me reinventar e entrar no mundo das Relações Institucionais e da Comunicação. Eu devo muito a eles e a vários outros grandes profissionais que encontrei durante essa jornada.
Tenho muito orgulho também de ter participado do desenvolvimento de talentos, de ter transmitido. Me considero, no meu dia a dia profissional, um pouco coach, mentor ou sponsor de vários colaboradores com quem trabalhei ou que estou trabalhando e que tem muito talento.
A L’Oréal mudou, e eu mudei junto
Sou um L’Oréaliano. Para se ficar mais de 30 anos em uma mesma empresa é porque você tem encaixe com a organização, existe paixão pelo que se faz e está feliz. Talvez tenha a ver com o fato de eu ser um baby boomer. A marca de fábrica desta geração da qual faço parte é essa fidelidade para com a empresa, o querer fazer uma carreira em uma única organização. Na L’Oréal costumamos dizer que é preciso ser ao mesmo tempo poete et paysan (poeta e camponês). Isso significa ter a visão estratégica, mas também ser muito hands-on, fazer as coisas acontecerem; ser disruptivo e resiliente.
Defendo ainda que cada um deve desempenhar o papel de empreendedor da sua própria vida, o que implica ter vida pessoal, familiar e social. E buscar a felicidade!
Ao longo desta minha trajetória aprendi também que frustrações fazem parte da jornada. Quando elas acontecem, você se sente desafiado e isso lhe obriga a ir além de sua zona de conforto e a pensar o que é – e o que não é – fundamental. Há momentos em que estamos felizes e somos plenamente reconhecidos por aquilo que fazemos. Mas nem todos os dias são assim. Isso faz parte da vida. Mas, independentemente do cenário, sempre busquei ir além e aproveitei minhas próprias frustrações para ir mais longe. Delas nascem sempre situações positivas.
Como destaquei acima, entrei na L’Oréal no final dos anos 1980. De lá para cá, a empresa se transformou de forma permanente. Muitas pessoas me perguntam: “Patrick, como você aguentou 32 anos na mesma empresa?”. Mas, entre a empresa que eu conheci lá atrás e a que estou agora, vivenciei muitas transformações. Diria que é uma outra empresa, se não tinha uma cultura centenária que continua forte e firme. Ao longo deste tempo, o Grupo foi comprando dezenas de marcas, entrou em todas as categorias de produtos de higiene e beleza, conquistou todos os mercados internacionais e se tornou líder mundial da beleza.
Vi uma empresa abraçar desafios da universalização com o objetivo de ganhar 1 bilhão de novos consumidores e, para isso, criar centros de pesquisa e inovação para atender os consumidores na sua imensa diversidade que seja no Brasil, China, Índia, África do Sul, Japão além de Estados Unidos e França. Vi uma empresa de beleza se tornar uma beauty tech, com uma revolução digital. Vi uma empresa virar líder em sustentabilidade porque não existe planeta B. Vi uma empresa virar um modelo de diversidade e inclusão. Vi uma empresa reinventando sua cultura para facilitar o desenvolvimento profissional de colaboradores do mundo inteiro e de novas gerações como os millenials. Vi uma empresa desenvolver o propósito de Criar a Beleza que Move o Mundo porque sem propósito não tem futuro.
A L’Oréal é um grupo que se reinventa, que se desafia, que se transforma e cuja jornada nunca acaba. Para mim, não poderia ser diferente, porque você não consegue acompanhar uma empresa que nunca para se você está parado.
O bom líder nem sempre tem uma boa resposta, mas uma boa pergunta
Vivemos um grande desafio atualmente, porque estamos em um mundo em plena revolução. Experimentamos transformações em um ritmo que nunca tivemos antes. Isso, depois do confinamento e do trabalho remoto que virou regra, vai impactar de forma desafiadora as formas de se trabalhar. É muito difícil conseguir desenvolver e transmitir uma cultura de empresa sem presença física, sem one-to-one, sem cafezinho, sem momentos dos almoços no restaurante da empresa, onde se reúnem pessoas de diferentes funções e idades.
O certo é que as formas de trabalho também vão mudar. Lembro-me de alguns gestores old-fashioned que falavam não acreditar na viabilidade do trabalho remoto. E, de repente, a Covid-19 trouxe uma aceleração incrível nessas mudanças. Nestes novos modelos, como ser um líder para esta geração tão diferente? Como fidelizar um millennial (que tem, neste início de década, entre 27 e 41 anos) para aceitar ficar 30 e poucos anos de trabalho em uma única empresa quando eles têm uma propensão de pular de emprego para outro. Esta certamente não será mais a geração do sucesso individual, porque hoje as coisas são muito mais coletivas com a cultura do trabalho colaborativo em redes e a busca de um propósito. Portanto, o líder que vai fazer a diferença terá a capacidade de agregar, de ajuntar e capitalizar, de promover a equipe e as soluções consensuadas. O bom líder nem sempre terá uma boa resposta, mas sempre vai ter uma boa pergunta.
Capacitados para encarar novos desafios
Sou um apaixonado pela minha vida professional. Mas, além dela, tenho várias outras paixões fora do trabalho, a começar pela minha família, o samba, o vinho, as viagens, os esportes de maneira geral e o futebol de modo particular, o cinema ou a leitura. Como disse, tive uma cultura bastante literária. Cresci com todos os clássicos, com Rabelais e du Bellay, com Racine e Molière sem esquecer Corneille, com Hugo e Zola junto com Dumas, com Flaubert, Stendhal et Balzac entre outros. A leitura sempre teve um papel muito importante na minha vida. Mais recentemente dei um passo além e tenho me dedicado a tirar alguns projetos da gaveta. Tenho uns seis livros começados ou ainda no esqueleto, com ideias bem iniciais e um mais elaborado. Este, em especial, tem um cunho bastante pessoal e fala sobre transmissão. Acredito que o papel do líder é exatamente esse: transmitir o que aprendeu para ajudar a desenvolver pessoas. Eu acredito muito neste pequeno poder que temos.
Hoje, além do meu trabalho à frente da diretoria de Relações Institucionais, Comunicação e Sustentabilidade na L’Oréal, dedico-me a diversos outros papéis. Sou presidente da Câmara de Comércio França-Brasil; sou Conselheiro do Comércio Exterior da França, integro o conselho de administração do Liceu Francês, da Associação Brasileira de Anunciantes; da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosmética e sou membro do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) e do Conselho da Cidade do Rio de Janeiro. Considero importante engajar em projetos e iniciativas com o mundo associativo, de usar suas conexões e sua experiência, de trazer sua contribuição para minha empresa mas também para a sociedade.
Para concluir, digo que sou um otimista de “última instância”: acredito que somos capazes de construir uma sociedade muito mais inclusiva, diversa e sustentável aproveitando da incrível transformação tecnológica que traz a revolução da inteligência artificial. Acredito muito na nossa capacidade de revolucionar a saúde, a educação e a informação. Isso vai fazer com que possamos entrar em uma nova era, assim como já passamos em outras diferentes revoluções que já tivemos.
A grande lição que vamos tirar da pandemia talvez seja a capacidade de união. Entendo que a reação do planeta para defender as pessoas antes mesmo do negócio ou de qualquer outra coisa é algo que jamais existiu na nossa história. Portanto, é um momento para tomada de consciência, pois nesse novo mundo que vislumbro, ainda que diante de novas dificuldades, vai existir muitas oportunidades. Rabelais falou que ciência sem consciência é a ruína da alma. Quero acreditar que consciência e ciência saberão caminhar junto. E a boa notícia é que nunca estivemos tão bem preparados em termo de ciência e inovação para abraçar esses desafios.