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Um bom líder precisa ser empático, afirma Denise Alves, VP de estratégia do Groupe Bel Canada

Quando falamos das condições para as mulheres no mercado de trabalho, o Canadá está muito à frente do Brasil

 (Editora Global Partners)

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Publicado em 4 de abril de 2025 às 19h08.

Tenho um jeito de liderar que prioriza dar exemplo, ter empatia pelo meu time e também preservar a flexibilidade, sem abrir mão de cobrar resultados. Nem todo mundo segue essa forma, mas é o tipo de liderança que mais faz sentido para mim. Trata-se de uma construção que vem desde cedo. 

Nasci em São Paulo, em uma família de três irmãs. Meu pai era contador, e desde cedo trabalhamos no escritório de contabilidade dele. Comecei aos 14 anos, então lidar com números está profundamente enraizado em mim até hoje. 

Mas depois de um tempo, percebi que não queria seguir carreira na contabilidade, apesar de esse ser o desejo do meu pai. Então, entrei no curso de Marketing no Mackenzie. Para ser bem honesta, eu não sabia muito sobre a profissão. Para uma jovem, era difícil escolher uma carreira, mas havia uma combinação de estratégia e criatividade que me atraía. 

Dei sorte no meu primeiro estágio, porque uma estudante se agarra na oportunidade que aparece. E consegui uma vaga na Nielsen, uma empresa de pesquisas. Ali, me encontrei. Aprendi demais nos cinco anos que trabalhei lá. Tive contato direto com clientes e fazia apresentações para empresas de grande porte, como a Unilever, por exemplo.  

Mas, depois de cinco anos, aos 26, mudei para o Canadá. Falava um pouco de inglês, porque, desde nova, gostava de aprender idiomas – escutava músicas, tentava entender e fiz seis anos de cursos tradicionais para aprender o idioma, embora ainda não fosse fluente. Logo de cara, senti receio de deixar um trabalho que eu adorava. Havia sido promovida, e conheço pessoas que ainda trabalham na Nielsen até hoje, mas decidi arriscar.  

Moro em Montreal, uma cidade da província de Quebec, onde o francês é o idioma oficial. Pouco tempo depois de chegar aqui, quando comecei a enviar currículos, ninguém me ligava, não havia resposta, nem mesmo para vagas de início de carreira. Minha falta de experiência em empresas canadenses e o fato de não falar francês eram barreiras importantes. Então, decidi fazer uma pausa. O governo canadense oferece um curso intensivo de francês para imigrantes, das 8h às 15h, cobrindo o transporte e incentivando a qualificação de quem busca uma nova vida no país. Há um apoio significativo, incluindo o custeio do transporte para ajudar nas despesas. Foram 10 meses de curso intensivo ao lado de imigrantes de vários países. 

Depois desse aprendizado, voltei a buscar meu primeiro emprego no Canadá e consegui. Era um pouco longe de casa, mas minha experiência na Nielsen do Brasil foi um diferencial. Quando surgiu a necessidade de um analista de Marketing na UAP, meu background fez a diferença. 

Sempre gostei de criar as coisas do meu jeito  

Nesse novo emprego, o primeiro grande desafio foi o idioma. Porque se comunicar todos os dias na nossa língua materna é bem diferente de uma segunda língua. Se falta vocabulário, a credibilidade não é a mesma. Nas reuniões, eu entendia metade dos assuntos discutidos. Depois, o desafio de ser imigrante. Consegui superar por conta da minha personalidade, mas as diferenças culturais me exigiram adaptação. Certas formas de comunicação e hábitos são realmente muito diferentes.  

Esse meu primeiro emprego no Canadá abriu muitas portas. Dois anos depois, tive vontade de sair e voltei a entregar currículos. Notei que a experiência em uma empresa daqui já me qualificava mais. Foi quando entrei na Cadbury, uma multinacional de chocolates, para atuar como analista de Vendas, em uma função que exigia experiência com dados da Nielsen. Era exatamente onde eu queria estar.  

A sede da empresa ficava em Toronto, uma província canadense onde a língua oficial é o inglês. Assim, eu trabalhava em um ambiente francófono, mas me relacionava com colegas que se comunicavam apenas em inglês. Foi um grande aprendizado, que exigiu ainda mais da minha capacidade de adaptação. No Quebec, as pessoas são mais descontraídas; em Ontário, há um tom mais formal. Quando a empresa foi vendida para a Kraft, surgiu uma nova oportunidade, e, por receio de ser transferida de cidade, acabei entrando na Nivea aqui no Canadá. Curiosamente, a Nivea também foi um dos meus clientes quando trabalhei no Brasil.  

Dois anos se passaram, e recebi uma ligação da Bel, a empresa onde trabalho até hoje. No início, a vaga não me interessou muito, mas fiquei curiosa para saber mais detalhes. No encontro com a diretora de Marketing e a presidente da empresa da época, entendi que estavam me oferecendo uma posição na área comercial, como gerente de categoria e responsável pela gestão da relação com distribuidores, que precisava ser aprimorada. Decidi aceitar. 

Em todas essas vagas que ocupei no Canadá, eu não chegava para substituir alguém. Era sempre uma página em branco, uma construção do zero. Do jeito que eu gosto. Nunca tive alguém para me passar o serviço, mas a minha experiência ajudou bastante.  

Se no início da minha trajetória profissional no Canadá eu sentia o choque cultural, hoje, minha forma de trabalhar com empatia e minha capacidade de ouvir as pessoas me permitem destacar. Sou reconhecida por isso. Recentemente, recebi uma premiação da revista da indústria alimentícia Canadian Grocer, uma honraria concedida a mulheres líderes do setor. A nomeação foi feita pela minha própria equipe, o que me deixou extremamente lisonjeada.  

Quando eu era mais nova, tinha vontade de viajar o mundo. Mas, chegando aqui, senti receio, porque queria ter o meu trabalho, minha independência financeira, diferente das mulheres da minha família de gerações anteriores. E, depois de tudo isso, ter um reconhecimento em forma de premiação é muito bacana.  

No Brasil, ainda temos muito a melhorar nas condições de trabalho para as mulheres 

Quando falamos das condições para as mulheres no mercado de trabalho, o Canadá está muito à frente do Brasil. Aqui, a licença-maternidade dura um ano inteiro. Existe um pouco de receio de perder o emprego na volta ao trabalho? Até existe, mas na maioria dos casos esse prazo de licença é muito respeitado.  

Quando tive meu primeiro filho, tirei apenas 10 meses de licença, mas me arrependi. Aqui, existe um acréscimo pago pelo governo quando o afastamento total é de 10 meses e não um ano. Já quando tive minha filha, dois anos mais tarde, cumpri a licença-maternidade completa, ficando um ano fora do trabalho.  

E nem passa pela cabeça a ideia de “perder” um ano de carreira. O tempo voa, e, no retorno, retomamos o ritmo em poucas semanas. No Brasil, lembro de colegas que se afastaram por apenas quatro meses. Espero que, um dia, o país avance nesse aspecto. E vale lembrar que, aqui, não há a facilidade de contar com babá ou faxineira, então a rotina é ainda mais intensa na volta ao trabalho. Esse um ano afastada foi fundamental para mim.  

Sei bem que a mulher tem esse lado de querer dar conta de tudo e conciliar tantas tarefas – também passei por isso. O homem não se aflige tanto. E tem mais: nesse período de afastamento, existe uma garantia por lei de que a vaga deve ser mantida. Se a posição for abolida, a empresa precisa realocar a profissional em uma função similar. Aqui mesmo, no meu atual trabalho, estamos analisando a melhor forma de lidar com o retorno de uma colaboradora que volta de licença em breve, porque quem a substituiu se integrou bem à equipe, e temos que encontrar uma solução para manter as duas aqui.  

Tem mais! No Canadá, não se coloca a idade no currículo, pois isso não deve ser relevante na escolha do candidato. É ótimo porque inibe o etarismo. Além disso, os entrevistadores não devem perguntar se a pessoa entrevistada tem filhos, para que essa informação não interfira no julgamento profissional.  

E para quem deseja vir trabalhar aqui, é bom saber que ser brasileiro é uma vantagem. Somos muito reconhecidos porque trabalhamos bastante e bem. Talvez a diferença cultural, aquela coisa de ter que dar o máximo para não perder o emprego, seja uma vantagem competitiva para nós.  

Se hoje estou bem estabelecida aqui, muito se deve ao fato de eu ter me adaptado a outra cultura, sem esquecer quem sou e de onde vim, mas compreendendo a necessidade de entender as diferenças desse outro país.  

Busco dar exemplo, ter empatia e ter flexibilidade na comunicação 

Para ter uma equipe motivada, um líder precisa dar o exemplo. Já fui liderada por chefes que só delegavam. O restante da equipe se entreolhava, como se pensasse: por que vou dar o meu máximo se nem ele faz isso? Nunca espere que o seu time faça o que você não faz. Sempre miro nisso – tenho que ser um bom espelho para quem lidero.  

Outro ponto importante, e nem sempre observado, é a empatia. Cada um de nós vive momentos diferentes, enfrenta problemas diferentes ou encara o mesmo problema de maneiras diferentes. Por isso, sempre opto por menos rigidez e mais flexibilidade. Se alguém precisa sair no meio do expediente para resolver uma questão pessoal, não precisa se estressar. É só conversar, entregar o trabalho, começar mais cedo ou terminar mais tarde, e está tudo certo. Prefiro trabalhar dessa forma, porque assim, naturalmente, as pessoas se doam mais. Eu vejo isso, eu faço isso.  

Se imponho muitos limites, percebo que as pessoas tendem a reagir de forma contrária, não respondendo bem. Para mim, no psicológico de cada pessoa, quando a empresa impõe uma série de barreiras, a resistência aumenta.  

Claro que é importante impor regras, mas com flexibilidade e boa comunicação. odo líder precisa disso: saber como falar, gerando bons resultados sem desmotivar no momento de um feedback negativo. Afinal, não dá para abrir mão de apontar quando uma entrega não corresponde ao esperado. No começo, eu tinha dificuldade em dar feedbacks negativos porque não queria gerar conflito. Com o tempo e mais experiência, me sinto mais tranquila, pois acredito que um feedback construtivo ajuda a pessoa a crescer profissionalmente.  

Se você é um novo líder, busque ser adaptável e flexível, ajustando estratégias e processos conforme as mudanças em cada ambiente. Preste atenção no bem-estar do seu time, seja inclusivo e crie um ambiente de trabalho saudável e produtivo ao mesmo tempo, considerando que as preocupações e as necessidades de cada membro da equipe mudam. Também é essencial ter uma visão clara e estratégica do futuro da organização e do mercado em que atua, antecipando tendências e preparando a equipe para os desafios que virão.  

Esse ambiente motivacional e engajado só é possível quando há esses aspectos, combinado com desafios. Porque a equipe quer aprender coisas novas e não pode ficar estagnada. Eu sempre dou um jeito de manter o trabalho em equipe e a colaboração como algo permanente. Oriento sobre as habilidades de cada um e reforço: ganhamos juntos, perdemos juntos. Evito atribuir culpa a uma única pessoa. Claro, existem resultados individuais, e todos precisam de reconhecimento, mas, para mim, a colaboração é fundamental. Além disso, um ambiente descontraído ajuda a evitar um clima tóxico, promovendo o equilíbrio entre entregas e a boa relação entre todos.  

Não se adaptar e se apegar ao ego são duas grandes armadilhas para o crescimento profissional 

Conforme avançamos em nossa carreira e assumimos cargos mais altos, é natural que possamos mudar de postura e enfrentar desafios na manutenção de uma boa comunicação. No entanto, é essencial desenvolver maneiras eficazes de se comunicar tanto com superiores quanto com a equipe. No início da minha carreira, eu pensava: “Eu sou assim, não vou mudar”. Na época, não acreditava que fosse importante adaptar minha abordagem para cada pessoa. Mas depois de um tempo, fiz treinamentos e percebi como a postura precisa ser adaptável. Eu me esforço bastante para praticar a escuta ativa, compreender o contexto e me policiar para comunicar apenas o essencial em determinadas situações, apesar de isso ser um desafio devido à minha natureza. Falar demais pode ser uma armadilha, e ser muito sincera pode ser perigoso. Precisamos perceber o ambiente e as pessoas ao nosso redor para nos moldarmos um pouco.  

Na minha carreira, as coisas foram acontecendo naturalmente, sem que eu tivesse uma direção específica. Mas é importante pensar nisso. Quem tem um sonho, precisa conhecer gente na área, conversar e compreender o que é necessário para chegar lá, especialmente quando mais jovens.  

Ainda falando de liderança e crescimento, é muito importante tomar cuidado com o ego. Se ele te domina, você não enxerga as coisas como são. Isso pode até impedir outras pessoas de darem bons conselhos, pelo receio de que o ego ferido cause respostas agressivas.  

Para isso, é importante trabalhar o autoconhecimento. Quem não entende as próprias forças e fraquezas tem dificuldades no desenvolvimento pessoal e profissional. Invista nisso e se abra à prática da humildade para receber feedbacks construtivos. Sua carreira agradece!  

Ouça mais, fale menos e não abra mão de seus valores pessoais 

Quando encontro pessoas mais jovens, dou os mesmos conselhos que repasso para a minha filha de 18 anos, que está prestes a entrar na faculdade. É preciso ter equilíbrio entre os sonhos e a busca pela estabilidade financeira. Nem sempre essas duas coisas vêm juntas. Pesquise suas áreas de interesse e mantenha contato com quem já está bem estabelecido. Assim, é possível identificar os gargalos, compreender o mercado e determinar a melhor forma de se qualificar. 

Lembre-se que o mais importante é dar o primeiro passo. O mais difícil é entrar em uma área de interesse. Depois, é dar o melhor de si constantemente. Continue aprendendo sempre e busque a inovação de forma contínua. E não se esqueça de que as soft skills são cada vez mais valorizadas – não é só o conhecimento técnico que importa.  

Recentemente, li o livro How to say anything to anyone, de Shari Harley. Nele, aprendi que é possível falar qualquer coisa para qualquer pessoa. A forma de abordagem é que muda o resultado. Outra dica de bom conteúdo são as palestras no TED Talk do Simon Sinek. Ele tem uma teoria de que empresas e líderes bem-sucedidos começam com o “porque”, ou seja, com o propósito, e só depois buscam o “o que” e o “como”. Em resumo, é necessário entender e comunicar o propósito da organização antes de entrar em todos os detalhes sobre como realizar. Para mim, esses ensinamentos fazem todo o sentido. 

Por fim, digo sempre: escute mais, fale menos e aprenda continuamente. E, o mais importante: preserve sempre seus valores pessoais, pois eles são inegociáveis. 

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