Tudo começa com boas inspirações e uma visão pragmática diante da vida
Na coluna desta semana, conheça a história de Alessandra Marinheiro - Vice-Presidente de Novos Negócios LATAM na ContourGlobal.
Da Redação
Publicado em 23 de setembro de 2022 às 10h50.
Por Fabiana Monteiro
Sou nascida e criada na capital paulista, no bairro de Pinheiros. Minha infância foi marcada por um convívio familiar intenso. Eu, meus pais e dois irmãos morávamos perto de muitos parentes. Nos fins de semana, estávamos sempre reunidos na casa do meu avô paterno, principalmente, para os célebres almoços de domingo. Nos feriados, o local de encontro predileto era o sítio dos meus avós maternos, em Atibaia (SP). Onde quer que fosse, a casa estava sempre cheia e rodeada de família. Foi uma infância feliz e tranquila.
Esse ambiente acolhedor me permitiu receber as boas influências que tinha em casa. Com orgulho, digo que meu avô materno foi uma grande inspiração na vida. Imigrante italiano, ele carregava a força, a coragem e a determinação dessas pessoas que deixaram sua terra-natal no período do pós-guerra, e reconstruíram suas histórias no Brasil, à base de muita luta, de senso de oportunidade e de disposição para o trabalho. Executivo de vendas e empreendedor bem-sucedido, ele me inspirou também na trajetória profissional, pois, por sua influência, decidi cursar a faculdade de Administração.
Minha entrada no ensino superior reflete também traços marcantes da minha personalidade que são de uma visão otimista e de uma atitude muito prática diante da vida. Quando tive que escolher o curso que faria, comprei um tipo de guia que se vendia na época para aspirantes ao ensino superior – um livro que resumia as principais características, o perfil do egresso e outras informações de praticamente todos os cursos universitários. Uma leitura rápida bastou para eliminar 90% das opções. Meu critério era simples: eu queria uma formação que me permitisse rapidamente fazer estágio e ingressar no mercado de trabalho, pois o meu objetivo era crescer profissionalmente, ter uma carreira de sucesso, conquistar a independência financeira.
Por fim, a minha dúvida era entre Administração, Economia e algumas áreas da Engenharia. E optei por Administração, não só pela influência do meu avô, mas também por ser uma área abrangente, que me permitiria conhecer as diversas partes de uma empresa – e eu não sabia ainda exatamente em qual delas me especializaria. Foi uma escolha intuitiva, mas, ao mesmo tempo, precocemente consciente, pois eu estava com 17 anos. Assim, antes mesmo da maioridade, entrei no ensino superior, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Todas as experiências são oportunidades de aprendizado
Esse meu jeito prático me fez começar a trabalhar ainda na adolescência, nos negócios do meu pai, fazendo bicos, pois eu queria a minha independência financeira. Aos 16 anos, consegui meu primeiro emprego com carteira assinada. Fui vendedora de uma loja de roupa, nos Jardins. Cheguei a ganhar um prêmio de melhor vendedora do ano, o que me permitiu conhecer o Rio de Janeiro – era uma marca carioca e houve um encontro das melhores vendedoras na matriz. Foi a primeira vez que viajei sozinha, a primeira viagem de avião e, também, a primeira vez que meus olhos brilharam por uma conquista de trabalho. Além da independência financeira, da vontade de viver grandes experiências, de conhecer novos lugares, de viajar, de crescer pessoal e profissionalmente, tornou-se, desde então, uma motivação para mim.
Entrei na faculdade com esse desejo. Optei pelo curso noturno, justamente para poder trabalhar ou fazer estágio durante o dia. Já no começo do curso, consegui uma oportunidade no Citibank, na central de atendimento – naquela época, cada banco tinha a sua própria. Foi uma ótima experiência, pois tive meu primeiro contato com o mundo financeiro, que se tornaria, na sequência, um dos eixos da minha carreira. Comecei no atendimento a pessoa física, depois fui transferida para o setor de pessoas jurídicas. Assim, ainda que superficialmente, aprendi o que é uma aplicação financeira, como se faz um investimento, como funciona um esquema de pagamentos etc. Pode parecer pouco, mas, na época, foi uma ótima oportunidade de aprendizado, que eu soube aproveitar muito bem.
Essa passagem pelo Citibank contribuiu para que, no terceiro ano do curso, eu conseguisse uma vaga de trainee na Trevisan, na área de consultoria. Escolhi essa área, pois, nesse momento, eu já sabia que queria trabalhar na área financeira. Foi um período intenso. Eu trabalhava muito. Eram horas e mais horas de dedicação. Mas, novamente, não desperdicei a chance de adquirir conhecimento. Eu trabalhava com análise financeira, avaliação de empresas, due diligence etc. Aprendi muito sobre contabilidade, modelagem financeira, dentre outras coisas, mais até que estava aprendendo na faculdade.
Depois de um ano na Trevisan, já contratada como Analista, mas ainda no início da carreira, aconteceu um episódio que marcaria para sempre a minha trajetória. Um dia, o diretor da área de consultoria me chamou e me levou até a sala de um ex-gerente que tinha saído da empresa. Esse ex-gerente estivera à frente de um grande projeto, contratado pelo Governo Brasileiro e executado por um consórcio de empresas, formado por empresas de engenharia, de auditoria e de consultorias financeiras – a Trevisan era a líder desse consórcio. O objetivo do projeto era fazer um abrangente estudo sobre modelos de sistema elétrico, comparando experiências e características de vários países, e identificando caminhos possíveis para o Brasil. Na época, estavam começando as privatizações dos setores de infraestrutura, incluindo o de energia.
A sala do tal ex-gerente era pequena (não mais que 5 m2) e estava desocupada, porém com um acúmulo de relatórios. O diretor disse: “Está vendo essa sala? Então, dá uma arrumada nessa bagunça, por favor. Veja se todas as consultorias entregaram os relatórios, se está tudo certinho. Faz um índice do que tem aí, organiza tudo, porque pode ser que a gente precise disso”. Outras pessoas poderiam ter visto isso como uma tarefa entediante, mas eu vi como uma oportunidade de aprendizado. É verdade que eu não tinha alternativa: tive que fazer o que o diretor mandou. Mas, fui além. Não apenas arrumei os documentos, como arranjei tempo para ler cada um deles. Foi como fazer uma pós-graduação em setor elétrico, pois havia muito conhecimento condensado naquela “bagunça”. Assim, adquiri um volume incalculável de conhecimento sobre um assunto extremamente relevante.
Pouco tempo depois, a Trevisan foi contratada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para fazer a avaliação e a precificação de duas distribuidoras de energia que seriam privatizadas. Inevitavelmente, fui incluída na equipe e com isso, dei um imenso “salto de crescimento” em minha carreira: trabalhei junto com o BNDES, ajudei a fazer a modelagem financeira que determinou o preço mínimo das empresas no leilão, participei de reuniões com investidores internacionais, enfim, tive uma grande exposição e fui protagonista nesse processo. E nunca mais saí do setor elétrico.
Toda essa ascensão pela qual passei na Trevisan, e que foi determinante em minha trajetória, começou com um “castigo”, ou seja, um trabalho que me mandaram fazer, que parecia meramente burocrático e de menor valor. No entanto, esse trabalho praticamente me deu a minha área de especialização. Por isso digo que tudo o que acontece na vida, todas as experiências pelas quais passamos, qualquer desafio ou tarefa que enfrentamos, são oportunidades de aprendizado. Não importa se é algo “menos importante” ou até uma posição fora de sua área de formação (como era o trabalho de atendente no Citibank), pois é preciso buscar aprendizado, evoluir, adquirir conhecimento com o que está disponível, ao “alcance da mão”, e aquilo que estamos fazendo em cada momento. Ninguém cresce apenas nos acontecimentos grandiosos. Ao contrário, é justamente o aprendizado acumulado, nas pequenas experiências, que nos leva às melhores oportunidades e aos grandes feitos.
Depois de três anos na Trevisan, era chegada a hora de alçar novos voos. Uma das empresas que ganhou o leilão das distribuidoras foi a norte-americana AES, que estava entrando no Brasil, e montando seu primeiro escritório aqui. Eles me convidaram para integrar a equipe que tinha como meta consolidar a presença da empresa no Brasil. Na época, era uma empresa desconhecida no Brasil, e bem menor que seu tamanho atual. Meus colegas de Trevisan tentaram me dissuadir da ideia, dizendo que seria uma loucura trocar uma posição estável em uma empresa consolidada por uma aventura. Mas, o convite da AES fez meus “olhos brilharem", pois era a chance de trabalhar em uma multinacional norte-americana, que cresceria no país, permitindo que eu crescesse junto, pareceu imperdível.
São os desafios que constroem a trajetória profissional
Acredito que uma carreira de sucesso exige isso: disposição para assumir risco, para sair da zona de conforto, para buscar novos desafios. Isso prevalece especialmente para o começo da carreira, quando somos mais jovens e temos mais margem para errar, para refazer a rota se for preciso, para tentar de novo no futuro. É importante saber também que nós nunca estamos 100% preparados para todos os desafios. Nessa ocasião, tive que fazer uma entrevista em inglês, pois precisaria reportar indiretamente para um chefe norte-americano. Eu nunca tinha vivenciado isso, e só tinha o domínio básico do idioma. Mas, entendi que isso era parte do desafio. Então, fui em frente e deu certo.
Quando entrei na AES, integrei uma equipe responsável pelos novos negócios, que eram as aquisições e as participações em empresas do setor elétrico. Nessa época, a AES cresceu muito, ganhou muitos leilões e adquiriu muitas participações. Meu trabalho era entender cada negócio, e fazer a análise financeira do investimento.
Depois de alguns anos, no entanto, dei mais um “salto de crescimento” na carreira. Foi montada uma equipe para construir uma usina em Uruguaiana (RS), na fronteira da Argentina e Uruguai. O responsável pelo projeto me convidou para comandar não só a parte financeira, mas toda a parte comercial, regulatória, busca por financiamentos, negociações de contratos, enfim, tudo o que não era a obra propriamente dita. Fui promovida, então, e de Analista Financeira era Gerente Financeiro-Comercial. Logo, tive envolvimento com temas completamente novos para mim. Foi um período de muito trabalho. E, especialmente, muitas viagens a trabalho. Metade do tempo eu passava in loco, na obra. A outra metade era dividida entre Rio de Janeiro, Brasília e outros lugares. Foi nessa mesma época que eu me casei e tive dois filhos. Lembro de ir e voltar algumas vezes de Uruguaiana quando estava grávida. É importante dizer que isso também faz parte do “pacote” carreira de sucesso.
Neste período também fiz meu MBA Executivo, na Coppead/UFRJ. Afinal, aprender na prática é fundamental, mas educação formal também é indispensável. É importante voltar aos “bancos escolares” de tempos em tempos, não só para aumentar o repertório e para adquirir novos conhecimentos, mas também para organizar e disciplinar o conhecimento que adquirimos na prática. Nesse sentido, foi importante para mim – e essa é uma dica que compartilho – fiz um intervalo de seis anos entre a conclusão da graduação e a realização do MBA, pois pude acumular muito conhecimento prático e, assim, dialogar melhor com a teoria.
Finalizado o projeto da usina, fui morar em São Paulo, já como Diretora Comercial da AES Tietê. Eu era responsável pela área comercial e pelos projetos especiais. Foi mais um período movimentado na minha carreira. Participei de muitas negociações, em particular da reestruturação de um Bond que a empresa havia emitido nos Estados Unidos, e foi quando o Brasil enfrentou o problema do racionamento de energia, o que certamente marcou a carreira de quase todos que trabalhavam no setor elétrico.
Finalmente, depois de 12 anos, a AES passou por uma mudança, e decidiu suspender novos investimentos no Brasil. Assim, a área que eu dirigia deixou de existir, então fui desligada da empresa.
Considero que a minha passagem pela AES foi bem longa em comparação aos padrões atuais, mas não foi uma passagem estática ou monótona. Ao contrário, foi uma trajetória ascendente e diversificada – de Analista à Diretora Estatutária – em que atuei nas variadas frentes, desde a análise financeira até o acompanhamento de obras, passando pelas áreas comercial e regulatória. Participei de grandes aquisições e de negociações internacionais, pois a usina de Uruguaiana comprava gás da Argentina, o que me obrigou a aprender espanhol. Assim, reitero a lição sobre nunca se acomodar, não permanecer na zona de conforto e buscar sempre novos desafios. Mas, isso não significa, obrigatoriamente, mudar de empresa várias vezes ou estar sempre recomeçando do zero. O importante é estar em movimento, aprender coisas novas, encontrar novos meios de agregar valor, mesmo permanecendo por anos em uma mesma organização.
Em 2009, fui convidada para me juntar à ContourGlobal. A história parecia repetida: um grupo norte-americano, ligado ao setor elétrico, começando no mercado brasileiro. Fui contratada como Diretora de Novos Negócios, justamente para identificar oportunidades de crescimento da empresa no Brasil. Assim, uma nova temporada de desafios foi aberta em minha carreira. Na época, os primeiros grandes parques eólicos estavam sendo viabilizados, e havia muito investimento em pequenas centrais hidrelétricas, dessa maneira mais uma vez tive a oportunidade de conhecer novidades e de concretizar o crescimento da empresa no Brasil. Na ContourGlobal tive a possibilidade de atuar em posições de liderança, como CEO Brasil e Vice-Presidente Executiva, no Brasil e na América Latina, além de ocupar assentos em Conselhos de empresas investidas, associações e Comitês no Brasil e no exterior, o que trouxe um amadurecimento profissional e pessoal.
Nesse período, consolidar minha experiência internacional foi desafiador e gratificante. Mas, nesse momento, a capacidade de aprender na prática, com as experiências, já fazia parte de meu “DNA”. Liderei transações no Peru, na Colômbia, no México e noutros países da América Latina, e a cada novo negócio aprendia mais sobre a cultura e o ambiente de negócios dos países em que atuei.
Assim, acredito que o líder nos dias de hoje precisa estar continuamente se aperfeiçoando e buscando desafios. Não se trata apenas de fazer cursos (ainda que educação formal seja necessária), mas também aprender na prática, com o que se está fazendo, além de ler, de se instruir e de aprender com as pessoas. E algo muito importante, não ter medo de voltar atrás e corrigir o rumo, quando necessário.
Comprometimento, transparência, assertividade e trabalhar de forma cooperativa com sua equipe também são cruciais para se evoluir como líder. Outro ponto importante é estimular a autonomia da equipe, preocupando-se com o seu desenvolvimento profissional. Quanto mais complexos foram os projetos que liderei mais eu precisei me apoiar na equipe, e ter o seu comprometimento e o alinhamento de objetivos.
Deixarei mais uma dica que é: o líder precisa aprender sempre, com tudo e com todos, para nunca parar de evoluir, e de trabalhar de forma cooperativa e integrada com sua equipe.
Por Fabiana Monteiro
Sou nascida e criada na capital paulista, no bairro de Pinheiros. Minha infância foi marcada por um convívio familiar intenso. Eu, meus pais e dois irmãos morávamos perto de muitos parentes. Nos fins de semana, estávamos sempre reunidos na casa do meu avô paterno, principalmente, para os célebres almoços de domingo. Nos feriados, o local de encontro predileto era o sítio dos meus avós maternos, em Atibaia (SP). Onde quer que fosse, a casa estava sempre cheia e rodeada de família. Foi uma infância feliz e tranquila.
Esse ambiente acolhedor me permitiu receber as boas influências que tinha em casa. Com orgulho, digo que meu avô materno foi uma grande inspiração na vida. Imigrante italiano, ele carregava a força, a coragem e a determinação dessas pessoas que deixaram sua terra-natal no período do pós-guerra, e reconstruíram suas histórias no Brasil, à base de muita luta, de senso de oportunidade e de disposição para o trabalho. Executivo de vendas e empreendedor bem-sucedido, ele me inspirou também na trajetória profissional, pois, por sua influência, decidi cursar a faculdade de Administração.
Minha entrada no ensino superior reflete também traços marcantes da minha personalidade que são de uma visão otimista e de uma atitude muito prática diante da vida. Quando tive que escolher o curso que faria, comprei um tipo de guia que se vendia na época para aspirantes ao ensino superior – um livro que resumia as principais características, o perfil do egresso e outras informações de praticamente todos os cursos universitários. Uma leitura rápida bastou para eliminar 90% das opções. Meu critério era simples: eu queria uma formação que me permitisse rapidamente fazer estágio e ingressar no mercado de trabalho, pois o meu objetivo era crescer profissionalmente, ter uma carreira de sucesso, conquistar a independência financeira.
Por fim, a minha dúvida era entre Administração, Economia e algumas áreas da Engenharia. E optei por Administração, não só pela influência do meu avô, mas também por ser uma área abrangente, que me permitiria conhecer as diversas partes de uma empresa – e eu não sabia ainda exatamente em qual delas me especializaria. Foi uma escolha intuitiva, mas, ao mesmo tempo, precocemente consciente, pois eu estava com 17 anos. Assim, antes mesmo da maioridade, entrei no ensino superior, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Todas as experiências são oportunidades de aprendizado
Esse meu jeito prático me fez começar a trabalhar ainda na adolescência, nos negócios do meu pai, fazendo bicos, pois eu queria a minha independência financeira. Aos 16 anos, consegui meu primeiro emprego com carteira assinada. Fui vendedora de uma loja de roupa, nos Jardins. Cheguei a ganhar um prêmio de melhor vendedora do ano, o que me permitiu conhecer o Rio de Janeiro – era uma marca carioca e houve um encontro das melhores vendedoras na matriz. Foi a primeira vez que viajei sozinha, a primeira viagem de avião e, também, a primeira vez que meus olhos brilharam por uma conquista de trabalho. Além da independência financeira, da vontade de viver grandes experiências, de conhecer novos lugares, de viajar, de crescer pessoal e profissionalmente, tornou-se, desde então, uma motivação para mim.
Entrei na faculdade com esse desejo. Optei pelo curso noturno, justamente para poder trabalhar ou fazer estágio durante o dia. Já no começo do curso, consegui uma oportunidade no Citibank, na central de atendimento – naquela época, cada banco tinha a sua própria. Foi uma ótima experiência, pois tive meu primeiro contato com o mundo financeiro, que se tornaria, na sequência, um dos eixos da minha carreira. Comecei no atendimento a pessoa física, depois fui transferida para o setor de pessoas jurídicas. Assim, ainda que superficialmente, aprendi o que é uma aplicação financeira, como se faz um investimento, como funciona um esquema de pagamentos etc. Pode parecer pouco, mas, na época, foi uma ótima oportunidade de aprendizado, que eu soube aproveitar muito bem.
Essa passagem pelo Citibank contribuiu para que, no terceiro ano do curso, eu conseguisse uma vaga de trainee na Trevisan, na área de consultoria. Escolhi essa área, pois, nesse momento, eu já sabia que queria trabalhar na área financeira. Foi um período intenso. Eu trabalhava muito. Eram horas e mais horas de dedicação. Mas, novamente, não desperdicei a chance de adquirir conhecimento. Eu trabalhava com análise financeira, avaliação de empresas, due diligence etc. Aprendi muito sobre contabilidade, modelagem financeira, dentre outras coisas, mais até que estava aprendendo na faculdade.
Depois de um ano na Trevisan, já contratada como Analista, mas ainda no início da carreira, aconteceu um episódio que marcaria para sempre a minha trajetória. Um dia, o diretor da área de consultoria me chamou e me levou até a sala de um ex-gerente que tinha saído da empresa. Esse ex-gerente estivera à frente de um grande projeto, contratado pelo Governo Brasileiro e executado por um consórcio de empresas, formado por empresas de engenharia, de auditoria e de consultorias financeiras – a Trevisan era a líder desse consórcio. O objetivo do projeto era fazer um abrangente estudo sobre modelos de sistema elétrico, comparando experiências e características de vários países, e identificando caminhos possíveis para o Brasil. Na época, estavam começando as privatizações dos setores de infraestrutura, incluindo o de energia.
A sala do tal ex-gerente era pequena (não mais que 5 m2) e estava desocupada, porém com um acúmulo de relatórios. O diretor disse: “Está vendo essa sala? Então, dá uma arrumada nessa bagunça, por favor. Veja se todas as consultorias entregaram os relatórios, se está tudo certinho. Faz um índice do que tem aí, organiza tudo, porque pode ser que a gente precise disso”. Outras pessoas poderiam ter visto isso como uma tarefa entediante, mas eu vi como uma oportunidade de aprendizado. É verdade que eu não tinha alternativa: tive que fazer o que o diretor mandou. Mas, fui além. Não apenas arrumei os documentos, como arranjei tempo para ler cada um deles. Foi como fazer uma pós-graduação em setor elétrico, pois havia muito conhecimento condensado naquela “bagunça”. Assim, adquiri um volume incalculável de conhecimento sobre um assunto extremamente relevante.
Pouco tempo depois, a Trevisan foi contratada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para fazer a avaliação e a precificação de duas distribuidoras de energia que seriam privatizadas. Inevitavelmente, fui incluída na equipe e com isso, dei um imenso “salto de crescimento” em minha carreira: trabalhei junto com o BNDES, ajudei a fazer a modelagem financeira que determinou o preço mínimo das empresas no leilão, participei de reuniões com investidores internacionais, enfim, tive uma grande exposição e fui protagonista nesse processo. E nunca mais saí do setor elétrico.
Toda essa ascensão pela qual passei na Trevisan, e que foi determinante em minha trajetória, começou com um “castigo”, ou seja, um trabalho que me mandaram fazer, que parecia meramente burocrático e de menor valor. No entanto, esse trabalho praticamente me deu a minha área de especialização. Por isso digo que tudo o que acontece na vida, todas as experiências pelas quais passamos, qualquer desafio ou tarefa que enfrentamos, são oportunidades de aprendizado. Não importa se é algo “menos importante” ou até uma posição fora de sua área de formação (como era o trabalho de atendente no Citibank), pois é preciso buscar aprendizado, evoluir, adquirir conhecimento com o que está disponível, ao “alcance da mão”, e aquilo que estamos fazendo em cada momento. Ninguém cresce apenas nos acontecimentos grandiosos. Ao contrário, é justamente o aprendizado acumulado, nas pequenas experiências, que nos leva às melhores oportunidades e aos grandes feitos.
Depois de três anos na Trevisan, era chegada a hora de alçar novos voos. Uma das empresas que ganhou o leilão das distribuidoras foi a norte-americana AES, que estava entrando no Brasil, e montando seu primeiro escritório aqui. Eles me convidaram para integrar a equipe que tinha como meta consolidar a presença da empresa no Brasil. Na época, era uma empresa desconhecida no Brasil, e bem menor que seu tamanho atual. Meus colegas de Trevisan tentaram me dissuadir da ideia, dizendo que seria uma loucura trocar uma posição estável em uma empresa consolidada por uma aventura. Mas, o convite da AES fez meus “olhos brilharem", pois era a chance de trabalhar em uma multinacional norte-americana, que cresceria no país, permitindo que eu crescesse junto, pareceu imperdível.
São os desafios que constroem a trajetória profissional
Acredito que uma carreira de sucesso exige isso: disposição para assumir risco, para sair da zona de conforto, para buscar novos desafios. Isso prevalece especialmente para o começo da carreira, quando somos mais jovens e temos mais margem para errar, para refazer a rota se for preciso, para tentar de novo no futuro. É importante saber também que nós nunca estamos 100% preparados para todos os desafios. Nessa ocasião, tive que fazer uma entrevista em inglês, pois precisaria reportar indiretamente para um chefe norte-americano. Eu nunca tinha vivenciado isso, e só tinha o domínio básico do idioma. Mas, entendi que isso era parte do desafio. Então, fui em frente e deu certo.
Quando entrei na AES, integrei uma equipe responsável pelos novos negócios, que eram as aquisições e as participações em empresas do setor elétrico. Nessa época, a AES cresceu muito, ganhou muitos leilões e adquiriu muitas participações. Meu trabalho era entender cada negócio, e fazer a análise financeira do investimento.
Depois de alguns anos, no entanto, dei mais um “salto de crescimento” na carreira. Foi montada uma equipe para construir uma usina em Uruguaiana (RS), na fronteira da Argentina e Uruguai. O responsável pelo projeto me convidou para comandar não só a parte financeira, mas toda a parte comercial, regulatória, busca por financiamentos, negociações de contratos, enfim, tudo o que não era a obra propriamente dita. Fui promovida, então, e de Analista Financeira era Gerente Financeiro-Comercial. Logo, tive envolvimento com temas completamente novos para mim. Foi um período de muito trabalho. E, especialmente, muitas viagens a trabalho. Metade do tempo eu passava in loco, na obra. A outra metade era dividida entre Rio de Janeiro, Brasília e outros lugares. Foi nessa mesma época que eu me casei e tive dois filhos. Lembro de ir e voltar algumas vezes de Uruguaiana quando estava grávida. É importante dizer que isso também faz parte do “pacote” carreira de sucesso.
Neste período também fiz meu MBA Executivo, na Coppead/UFRJ. Afinal, aprender na prática é fundamental, mas educação formal também é indispensável. É importante voltar aos “bancos escolares” de tempos em tempos, não só para aumentar o repertório e para adquirir novos conhecimentos, mas também para organizar e disciplinar o conhecimento que adquirimos na prática. Nesse sentido, foi importante para mim – e essa é uma dica que compartilho – fiz um intervalo de seis anos entre a conclusão da graduação e a realização do MBA, pois pude acumular muito conhecimento prático e, assim, dialogar melhor com a teoria.
Finalizado o projeto da usina, fui morar em São Paulo, já como Diretora Comercial da AES Tietê. Eu era responsável pela área comercial e pelos projetos especiais. Foi mais um período movimentado na minha carreira. Participei de muitas negociações, em particular da reestruturação de um Bond que a empresa havia emitido nos Estados Unidos, e foi quando o Brasil enfrentou o problema do racionamento de energia, o que certamente marcou a carreira de quase todos que trabalhavam no setor elétrico.
Finalmente, depois de 12 anos, a AES passou por uma mudança, e decidiu suspender novos investimentos no Brasil. Assim, a área que eu dirigia deixou de existir, então fui desligada da empresa.
Considero que a minha passagem pela AES foi bem longa em comparação aos padrões atuais, mas não foi uma passagem estática ou monótona. Ao contrário, foi uma trajetória ascendente e diversificada – de Analista à Diretora Estatutária – em que atuei nas variadas frentes, desde a análise financeira até o acompanhamento de obras, passando pelas áreas comercial e regulatória. Participei de grandes aquisições e de negociações internacionais, pois a usina de Uruguaiana comprava gás da Argentina, o que me obrigou a aprender espanhol. Assim, reitero a lição sobre nunca se acomodar, não permanecer na zona de conforto e buscar sempre novos desafios. Mas, isso não significa, obrigatoriamente, mudar de empresa várias vezes ou estar sempre recomeçando do zero. O importante é estar em movimento, aprender coisas novas, encontrar novos meios de agregar valor, mesmo permanecendo por anos em uma mesma organização.
Em 2009, fui convidada para me juntar à ContourGlobal. A história parecia repetida: um grupo norte-americano, ligado ao setor elétrico, começando no mercado brasileiro. Fui contratada como Diretora de Novos Negócios, justamente para identificar oportunidades de crescimento da empresa no Brasil. Assim, uma nova temporada de desafios foi aberta em minha carreira. Na época, os primeiros grandes parques eólicos estavam sendo viabilizados, e havia muito investimento em pequenas centrais hidrelétricas, dessa maneira mais uma vez tive a oportunidade de conhecer novidades e de concretizar o crescimento da empresa no Brasil. Na ContourGlobal tive a possibilidade de atuar em posições de liderança, como CEO Brasil e Vice-Presidente Executiva, no Brasil e na América Latina, além de ocupar assentos em Conselhos de empresas investidas, associações e Comitês no Brasil e no exterior, o que trouxe um amadurecimento profissional e pessoal.
Nesse período, consolidar minha experiência internacional foi desafiador e gratificante. Mas, nesse momento, a capacidade de aprender na prática, com as experiências, já fazia parte de meu “DNA”. Liderei transações no Peru, na Colômbia, no México e noutros países da América Latina, e a cada novo negócio aprendia mais sobre a cultura e o ambiente de negócios dos países em que atuei.
Assim, acredito que o líder nos dias de hoje precisa estar continuamente se aperfeiçoando e buscando desafios. Não se trata apenas de fazer cursos (ainda que educação formal seja necessária), mas também aprender na prática, com o que se está fazendo, além de ler, de se instruir e de aprender com as pessoas. E algo muito importante, não ter medo de voltar atrás e corrigir o rumo, quando necessário.
Comprometimento, transparência, assertividade e trabalhar de forma cooperativa com sua equipe também são cruciais para se evoluir como líder. Outro ponto importante é estimular a autonomia da equipe, preocupando-se com o seu desenvolvimento profissional. Quanto mais complexos foram os projetos que liderei mais eu precisei me apoiar na equipe, e ter o seu comprometimento e o alinhamento de objetivos.
Deixarei mais uma dica que é: o líder precisa aprender sempre, com tudo e com todos, para nunca parar de evoluir, e de trabalhar de forma cooperativa e integrada com sua equipe.