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Transição de carreira: de que maneira se reinventar como executiva

Na coluna desta semana, conheça a história de Maria Laura Tarnow, membro do conselho de administração do Grupo SOMA

Maria Laura Tarnow 

Membro do conselho de administração - Grupo SOMA   (Histórias de Sucesso/Reprodução)
Maria Laura Tarnow Membro do conselho de administração - Grupo SOMA (Histórias de Sucesso/Reprodução)
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Histórias de sucesso

Publicado em 5 de agosto de 2022 às, 13h24.

Por Fabiana Monteiro  

Algumas das minhas características como a inquietude, a curiosidade e a perseverança me conduziram a diversos desafios, e após quase 30 anos de carreira executiva, chegou um momento em que decidi me reinventar para fazer algo diferente, contribuindo com novas trajetórias, por isso escolhi que meus próximos anos de trabalho seriam dedicados a Conselhos de empresas. 

Percebi que a pratica de conselhos trata-se de uma realidade consolidada no Brasil, assim como em outros países, e que seria a continuidade da minha trajetória de uma forma diferenciada. Obviamente, significou um desafio enorme, por precisar de me preparar e de me adaptar para atuar em setores nos quais nunca havia estado. Há também a questão de mudança de postura, já que no conselho o indivíduo não executa – está ali para ser um apoio do CEO, para cuidar da governança e para proteger os interesses dos acionistas. Quando fiz esse movimento, em 2020, participei de treinamentos, principalmente no IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), para assimilar a fundo o papel de um conselheiro.  

Brinco que ao participar das primeiras reuniões, como conselheira do Grupo Soma, havia a vontade de querer executar, em função da minha carreira pregressa, mas aos poucos me adaptei na nova função. Na sequência, entrei para o Grupo Ráscal, em que sou a atual presidente do conselho, depois o Grupo Laces na área de clean beauty, e mais recentemente sou integrante do Conselho da multinacional Softys, do Grupo CMPC. Também aceitei participar do Comitê de Marketing de assessoramento ao Conselho de Administração da ONG Child Fund. 

Sinto-me extremamente realizada – essa oportunidade de integrar conselhos me permite conhecer empresas distintas, e corroboro o conceito de que é um prazer conviver com o empreendedor brasileiro. Eu detinha uma visão muito voltada para as multinacionais, corporações que fortalecem os negócios quando por aqui as situações se complicam. E já o empreendedor está sozinho, lutando diariamente, sem contar com esse apoio externo. São pessoas maravilhosas que tem minha profunda admiração, que construíram negócios a partir do zero, então para mim, além de cooperar pautada em toda a minha experiência, também aprendo demais – há uma troca bastante positiva.  

Participar de um conselho é uma decisão dos dois lados – assim como fui escolhida por eles, também optei por estar integrada ao board. Acredito na necessidade de existir a empatia, uma conexão consistente, uma confiança no negócio e quando entro, começo a me sentir parte do time. Costumo dizer que a minha vida profissional muda a cada década, portanto, para esta nova década, a escolha é essa. Estou descobrindo novas competências, sentindo-me extremamente desafiada, porque são pessoas preparadas, que têm experiências em segmentos distintos. Considero-me situada em um lugar na carreira de recomeço e me divertindo ao mesmo tempo – penso que a pessoa precisa de estar em um espaço que seja desafiador, leve e divertido. Se a pessoa acorda e pensa: “Realmente tenho de fazer isso?”, é a hora de mudar. 

Sou uma conselheira bem interessada, gosto de estudar, de conversar com os executivos, de estar próxima do CEO. Ou seja, sinto-me parte, como membro presente e ativa, demonstrando interesse, participando da vida da empresa, sem ser invasiva, haja vista que não estou lá para executar algo, mas sim pelo propósito de preservar os interesses dos acionistas, garantir a governança, a implementação da estratégia e a perpetuidade da empresa.  

 

Carreira e desenvolvimento 

Nascida em Minas Gerais, cresci no Rio de Janeiro, pois a minha família se mudou quando estava com apenas dois anos de idade. Posteriormente, fui para São Paulo, aos 22 anos, depois de me casar, e assumi a megametrópole como lar. Ou seja, possuo um espírito carioca muito forte, oriunda de família mineira tradicional e tendo adotado a capital paulista como lar.  

Indecisa no momento de prestar vestibular, optei por cursar Comunicação Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro, depois para completar minha formação fiz pós-graduação e diversos cursos de educação executiva no exterior. Conforme explanarei, ao descobrir o Marketing apaixonei pelo ofício e fui me dedicar ao setor durante muito tempo, aprendendo sobre hábitos de consumo, canais, construção de marcas entre outros. 

Quando cheguei em São Paulo, tendo sido transferida pela Odebrecht, tive a oportunidade de passar pelo Banco Real e, posteriormente, ingressei no mundo da beleza, após ser prospectada pela Sanofi Beaute, assumindo como gerente de produtos, em fevereiro de 1996. A companhia possuía muitas marcas de luxo e eu atuava com bens de consumo para a América Latina. Recordo-me como era muito difícil trabalhar com luxo, pois era um mercado pequeno por causa do alto valor do dólar e dos altos impostos. 

 

O mercado da beleza 

Na sequência, ingressei na Davene que à época era líder da categoria de cremes e loções no Brasil. Na década de 1990, o mercado ainda era muito fechado, com pouquíssimos produtos disponíveis, sequer se compara com a variedade dos dias atuais. A Davene era muito maior que muitas empresas em operação atualmente, e já contava com o poderoso setor de pesquisa de mercado e com a área de marketing operando próximo ao time comercial. Enfim, esse período da minha carreira foi muito importante, pois aprendi muito sobre ferramentas de marketing. 

Em janeiro de 2000, um amigo me indicou para uma empresa alemã que estava começando a formar um time de marketing. Simplesmente se tratava da Nivea que estava começando as suas operações no país. Assim comecei uma trajetória de 10 anos. Comecei na área de Marketing e após alguns anos, assumi a diretoria de Vendas com um desafio enorme pela frente, liderando uma equipe numerosa, com mais de duzentas pessoas. Realizamos um grande trabalho, implementando mudanças de pensamentos, de sell in para sell out, de organizar o departamento e trademarketing, pois tal área inexistia até então.  

Além disso, tive que lidar com o desafio de me defrontar com um universo deveras masculino – apesar de ser uma multinacional, fui a primeira ou segunda diretora de vendas globalmente, e fui a primeira diretora mulher no Brasil, mesmo sendo uma empresa de cosméticos. Muitas vezes, reunia com clientes e eles pensavam que o vendedor era o diretor. Ou seja, precisei superar algumas barreiras, mas tudo fluiu bem após montarmos uma equipe sólida, e com a abertura de novos canais de vendas – as farmácias, por exemplo, começaram a incorporar os cosméticos. Quando deixei o time de vendas já contávamos com mais de 50% de mulheres, o que para mim fez todo o sentido, já que a mulher é a principal consumidora desse segmento e fala com mais propriedade no momento de vender.  

 

“Sempre abri portas. Dizem que uma mulher puxa a outra, e faço isso desde que iniciei a minha carreira 

A Nivea cresceu rapidamente no período que ingressei a companhia tornou-se cerca de dez vezes maior – e já estava com um time bem completo no marketing. Avancei nos processos, e abri espaço para desenvolver alguns projetos multidisciplinares tanto no Brasil quanto no exterior. A filial começou a ser incluída no top 10 em algumas categorias, e por causa disso eu participava de grupos internacionais de promoção de produtos e de campanhas. 

 

Aprendizados intrínsecos no setor de vendas 

Sinceramente, acredito que meu turning point aconteceu quando assumi a área de vendas da Nivea pelo tamanho do obstáculo a ser transposto. Atuar nesse setor demanda saber lidar com emoções, resiliência para ouvir muitos “nãos”, e deixar a sede da empresa para encarar as ruas. Em suma, proporciona um choque de realidade para qualquer executivo, expondo a diferença do conforto de um escritório.  

Essa foi uma grande virada, pois deixei de atuar em uma área que era uma zona de conforto (marketing) para encarar algo novo e com propósito de delinear o direcionamento, as estratégias de campo, uma mudança que assomou em minha vida. Pude conhecer melhor as pessoas, estabelecer relações, conceber que realizar uma venda não é tarefa fácil, aprender a empreender uma boa negociação, enfim diversos aprendizados que me prepararam para o futuro. Foi um período muito rico, que me credenciou a dar um novo salto na carreira, haja vista a necessidade de realizar algo diferenciado, e de partir rumo a um outro desafio depois de 11 anos dentro da companhia.  

Ao mesmo tempo, havia o desejo de viver por um período sabático, porque sempre trabalhei muito, comecei cedo, aos 16 anos, e carregava um pouco a culpa de investir demais na carreira, tendo uma família para cuidar também. Sou casada, tenho dois filhos, e o meu marido, Nils Tarnow, tem outros dois filhos, então costumamos dizer que são quatro com idades bastante próximas.  

Em meio às dúvidas, surgiu uma proposta para liderar a operação brasileira da Estée Lauder Companies, o maior grupo de cosméticos de luxo do mundo. A empresa estava começando uma pequena operação no Brasil, com somente cinco lojas, e tinha o objetivo de acelerar e de crescer. Enfim, a área comercial e de marketing compunham as minhas fortalezas, logo considerei como um bom desafio. Adentrei no grupo em janeiro de 2011, mas a empresa carecia de muito mais, tratava-se de um momento de reconstruir time, reorganizar alguns setores, assim trabalhei intensamente durante pouco mais de um ano.  

Por isso, resolvi me dedicar ao meu período sabático, permanecendo fora do mercado durante um ano. E não foi para me aperfeiçoar ou estudar – eu queria exercer 100% o papel de mãe, pois minha filha estava com 12 anos e meu filho com 9, portanto estar com eles tornou-se prioridade inconteste. Após um tempo, notei como os meus filhos estavam bem-criados, cientes de como conviver com o mundo, interagir com outras pessoas, e minha preocupação se desfez.  

Isso me permitiu repensar o plano de carreira, e recomecei assumindo como diretora na Flora Cosméticos e Limpeza, em 2013, era um trabalho que sabia realizar sem dificuldades, lidando com os projetos tranquilamente. Outra reviravolta se deu ao saber que a pessoa responsável por ocupar o meu cargo na Estée Lauder Companies estava de saída, e assim acertei o meu retorno. 

Então, em 2015, voltei à empresa na mesma posição em que saí para o meu período sabático, e durante 8 anos contribui com o crescimento da companhia. Havíamos começado com aproximadamente cinco marcas, chegamos em 2021 com 11 marcas, a rede de lojas chegou a 70 pontos próprios, 4 lojas on-line e com uma equipe sólida e preparada. Foi um período bastante rico, além de contribuir para o crescimento do grupo no brasil, pude presenciar a mudança do mercado e do consumidor, cada vez mais digital. E depois de quase oito anos, considerei dar outra guinada profissional, inclusive diante das incumbências do meu marido.  

 

Cases 

Colocar a Nivea no território brasileiro e ajudar a transformá-la em uma marca tão grande e amada é um case sensacional. Quando a empresa aportou no Brasil era conhecida somente pela “latinha azul”, e atualmente é difícil encontrar alguém que não utilize um protetor solar, um hidratante, um desodorante da companhia. Tudo isso foi muito planejado – alcançar a liderança de algumas categorias representou algo relevante e edificado. Tenho um orgulho enorme disso, marcou pela excelência na distribuição, na entrada nas farmácias, uma grande novidade na década de 2000.  

No caso do cosmético de luxo foi quebrada uma barreira, pois houve uma abertura colossal, com inauguração de dezenas de lojas físicas e, principalmente, com a implementação da primeira loja e-commerce em 2011, quando pouco se abordava sobre o universo digital.  

 

Equidade e sensibilidade comportamental 

Considero a empatia como algo fundamental, pois é preciso saber se colocar no lugar dos outros. Sempre trabalhei com muitas mulheres e sentia ser impossível cobrar muito em determinadas ocasiões – e as mulheres se posicionam mais sobre os seus sentimentos que o homem. Muitas vezes, o time está cansado, desgastado, alguns com dificuldades em casa, então é necessário ter uma flexibilidade. 

 

“O líder precisa saber voltar atrás e renegociar algumas decisões” 

Eu mesma sempre achei muito difícil conciliar a vida pessoal e a carreira, especialmente quando se tem filhos. No meu caso minha prioridade sempre foi eles. Acredito que, apesar de as tarefas estarem mais divididas, para as mulheres ainda há o problema de crescer na profissão diante da dificuldade de cuidar da família e ainda encontrar dia para se dedicar à carreira. Eu não acho que esse dilema foi solucionado, mesmo com o cenário atual indicando flexibilidade maior em comparação às gerações anteriores. Remeto a um lema bem sexista: “Mulheres fortes são mulheres bravas e homens fortes são homens pragmáticos”. Ainda precisamos quebrar essa barreira, infelizmente, essa imagem persiste, mas o mundo está mudando, ficando mais equilibrado, com mulheres encontrando o seu espaço. Contudo, a luta continua – ainda é bastante desigual. 

 

Seja curioso, reinvente-se e inspire valores 

Acredito que é preciso ter o equilíbrio entre habilidades técnicas e comportamentais. O bom humor para mim é essencial e aprecio pessoas respeitosas, curiosas, corajosas e interessadas. A garra deve imperar, é uma competência que deve ser valorizada. 

Já com a pandemia, descobrimos que podemos trabalhar à distância, isso foi sacramentado. A produtividade é mais relevante que às oito horas sentada no escritório. Do lado humano, vejo um crescimento da empatia, mas há a dificuldade da relação interpessoal – pelo vídeo não existe isso. Portanto, acho que devemos ser compreensivos antes de despejar tudo em outrem. 

No meu caso, nunca sonhei em ser a número 1, o meu objetivo sempre foi o de entregar o trabalho bem feito. Acho que o profissional alcançará sua meta se produzir com qualidade e empenho, e há muita gente boa no mercado. Atuar em lugares com valores alinhados aos seus – não acredito em me dedicar somente para ganhar dinheiro – isso é consequência do trabalho bem realizado.  

Além disso, aponto para o valor das relações cotidianas e do prazer de fazer algo que goste. Saber construir sua rede de apoio, manter suas relações profissionais com respeito e descobrir amizades duradoras. Encontro com frequência pessoas que trabalhei em vários momentos da minha carreira e é sempre divertido. É uma rede única, de gente que cresceu profissionalmente ao mesmo tempo, que se admira e que mesmo não estando em contato todos os dias, sei que posso contar com eles e eles comigo. 

Aprendi na minha carreira que a oração de Santo Agostinho é uma verdade absoluta, por isso, tento colocar em prática diariamente: “Deus, dai-me coragem para mudar o que pode ser mudado, serenidade para aceitar o que não pode ser mudado e sabedoria para distinguir uma da outra.” 

 

“Encontrei muitas pessoas especiais durante minha carreira e nos tornamos uma rede única. Apesar de não estarmos em contato todos os dias, temos uma admiração mútua e sei que posso contar com eles e eles comigo. Sempre.”