(Global Partners)
Colunista
Publicado em 15 de junho de 2025 às 12h24.
Uma das lembranças que vem muito forte à minha mente remete ao meu pai. Ele era médico, tinha contato com muitas pessoas e vivências, e sempre me falava sobre a importância de a mulher ser independente e investir na própria educação. Nunca me esqueci de seu conselho e, desde então, procuro segui-lo à risca, bem como compartilhá-lo com aqueles que estão mais próximos.
Venho de uma família de ascendência judaica. Meus avós, ucranianos e poloneses de nascimento, vieram ao Brasil devido à guerra, e fincaram raízes na cidade de São Paulo. A força e a resiliência deles foram fundamentais para construir uma nova vida e transmitir valores que carrego até hoje: a importância do trabalho árduo, da educação e da busca por um futuro melhor. Foi nesse contexto que nasci e vivi até os 27 anos, no Brasil. Academicamente, cursei Administração de Empresas na Fundação Getulio Vargas (FGV) e, dessa época, lembro-me do anseio em buscar estágios para adquirir experiência.
O primeiro estágio foi em um banco, onde permaneci por, aproximadamente, um ano. Na sequência, fui trainee de uma multinacional, uma experiência muito importante para mim. No entanto, conseguir essa vaga não foi fácil e envolveu inúmeros entraves. Digo isso porque participei de todo o processo seletivo e, ao final, fui aprovada. Pedi demissão do meu emprego e, quando estava prestes a iniciar, fui informada de que, devido a uma mudança na gestão, a vaga havia sido cancelada. Extremamente frustrada, resolvi escrever uma carta ao CFO, destacando minha decepção com a falta de profissionalismo da empresa.
A correspondência surtiu efeito e, internamente, retomaram o programa e me contrataram. Essa experiência foi marcante para mim, pois vi como é importante ir atrás dos objetivos. Conheci pessoas excelentes, em quase sete anos de casa, e considero esse o meu primeiro emprego na área de Finanças. Ali, atuei na parte de planejamento financeiro. Desde o início, sempre acreditei que para crescer na carreira era essencial fazer uma pós-graduação no Brasil ou fora. Já ansiava poder viajar fora do país e ampliar conhecimentos. Preparei-me intensamente para alcançar essa meta, não apenas estudando, mas também me planejando financeiramente. Lembro-me claramente de que, enquanto muitas de minhas amigas estavam se mudando de casa ou focadas em outras conquistas, como adquirir um apartamento, eu priorizei meu sonho de estudar no exterior.
Planejar e equilibrar as finanças foi um grande desafio. Candidatei-me a algumas instituições norte-americanas e escolhi a Universidade de Chicago – e novos horizontes se abriram.
Construa conexões, faça história
Foram dois anos muito bons entre 1996 e 1998 na cidade de Chicago. Algo que me ajudou bastante nesse período foi a amizade com americanos que conheci na universidade, o que contribuiu para que eu me sentisse mais integrada tanto ao país quanto ao mercado de negócios local.
Terminando o mestrado, atuei no setor bancário de Nova York por um tempo, passando por algumas instituições. Enquanto executava as minhas funções com esmero, sempre buscava responder, internamente, às seguintes perguntas: o que posso oferecer à empresa? O que me distingue e me torna diferente entre os pares?
Em 2000, trabalhei em uma grande multinacional no setor de alimentos, onde adquiri profundo conhecimento de gerenciamento e estrutura de processos. Posteriormente, migrei para uma empresa, de médio porte, fabricante de equipamentos médicos a laser, com o desafio de montar o departamento de planejamento estratégico e financeiro. Foram quatro anos dentro de uma empresa global, com grande presença nos Estados Unidos e em outros países. Durante essa fase, utilizei todo o conhecimento adquirido em grandes multinacionais para formar times de alto desempenho, implementar processos eficazes e desenvolver estratégias que impulsionaram o crescimento da empresa.
Com o fechamento do escritório, em Nova York, e a possibilidade de mudança para a Califórnia, decidi buscar novas oportunidades profissionais. Atuei na área de finanças de uma grande empresa de embalagens para a área de entretenimento, na qual permaneci por 5 anos, entre 2006 e 2012. Foi um período desafiador, pois nessa época meus dois filhos ainda eram pequenos e minha rede de apoio nos Estados Unidos era muito restrita.
Encontre alternativas
Naquela época, enquanto buscava uma forma de equilibrar a criação de filhos pequenos com as altas demandas do trabalho, li um artigo que trouxe uma ideia interessante: dividir o trabalho entre duas pessoas com as mesmas responsabilidades. Inspirada por isso, propus essa solução a uma colega que enfrentava desafios semelhantes. Perguntei: “Por que não sugerimos dividir o trabalho em duas pessoas?” A proposta era inovadora e fora dos padrões da empresa, mas minha reputação e o reconhecimento do valor das nossas competências ajudaram a dar credibilidade à ideia. Felizmente, ela foi aceita.
Conseguimos entregar resultados de alta qualidade, mantendo o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Essa experiência provou que, mesmo diante de práticas consolidadas, vale a pena ter coragem de propor soluções novas. Com isso, abrimos caminho para uma forma mais colaborativa, sustentável e produtiva de trabalhar. Foi um ano transformador e de grande aprendizado.
Busque o que te inspira
Após algum tempo em outras companhias, concluí que, apesar de gostar muito do que fazia, não estava vendo um propósito claro. Queria trabalhar em algo com o qual pudesse me identificar. Foi nesse momento que comecei a atuar em organizações não governamentais (ONGs) ligadas à educação. Durante esse período, fiz trabalho voluntário em um grupo chamado Year Up, uma ONG voltada à preparação de jovens para o mercado de trabalho logo após o ensino médio. Os estudantes fazem cursos especializados, e essa organização oferece estágios em áreas escolhidas pelos alunos junto a empresas. Foi uma experiência inspiradora e transformadora, e foi quando descobri que era isso que eu gostava de fazer: trabalhar com a educação dos jovens.
Nessa época trabalhava na empresa multinacional de mídia e entretenimento e, coincidentemente, recebi a ligação de uma headhunter que estava recrutando para o College Board para liderar o setor de Estratégia Financeira. College Board é uma organização sem fins lucrativos, orientada por uma missão, que promove a excelência e a equidade na educação. Nossa missão – conectar os estudantes ao sucesso e às oportunidades no ensino superior – está no centro de tudo o que fazemos. O College impacta mais de 7 milhões de estudantes anualmente, orientando-os em sua jornada do ensino médio para a faculdade e para suas futuras carreiras. Tem mais de 120 anos de história, é pioneira em programas como o SAT e o AP, que ampliam as oportunidades dos estudantes e os ajudam no desenvolvimento das habilidades essenciais para o sucesso.
Desde 2017 trabalho no College Board, e em 2019, fui promovida a CFO, com responsabilidade de administrar a área financeira desta organização que gera mais de US$ 1 bilhão em receita e tem mais de 2 mil funcionários. Tenho responsabilidade por uma equipe de mais de 70 funcionários e investimentos de mais de $ 1,5 bilhão de dólares.
Hoje, posso dizer que o trabalho, em si, é uma fonte de inspiração para mim. Tenho a oportunidade de ouvir depoimentos de alunos e saber que faço parte de uma organização que pode ajudar outras pessoas. Além disso, conhecer histórias de desafios e superação de estudantes que vieram de situações difíceis, ter contato com professores dedicados e ver colegas realizados com o que fazem são experiências que me inspiram profundamente.
Alimente seu networking
Ter um sistema de apoio é valioso, e construir conexões significativas foi essencial em cada etapa que vivenciei. Em cada fase, construí amizades verdadeiras com colegas de escola e do trabalho, relações que continuam até hoje e fazem toda a diferença. Criei laços profundos com pessoas incríveis, muitas delas vivendo em Nova York, que se tornaram meu suporte nos momentos bons e difíceis. Essas amizades não se limitavam a simplesmente estar lá umas para as outras; eram uma troca constante de histórias, conselhos, aprendizados e ajuda mútua. Ouvir as experiências dos outros e oferecer apoio construiu uma rede de força que me ajudou a superar desafios e a seguir em frente. Essas conexões foram, e continuam sendo, parte fundamental do meu alicerce – elas inspiram, ensinam e mostram que juntos somos sempre mais fortes. No fim, tudo se resume a estar presente, demonstrar interesse e ajudar, sabendo que isso sempre retorna de formas inesperadas e poderosas.
Sempre faço questão de atender às ligações que recebo, de responder as mensagens, pois essa troca é sempre produtiva. Além disso, quero ressaltar que nunca devemos nos esquecer de que o ser humano, de maneira geral, gosta de ajudar e quer compartilhar experiências. Não hesite em demonstrar admiração pelo trabalho do outro, manifeste interesse em aprender e solicite uma breve conversa para pedir orientações.
Quando eu estava pensando em migrar para o terceiro setor, por exemplo, fiz muita pesquisa e encontrei uma CFO que havia deixado sua carreira em bancos para liderar a área financeira de uma das maiores universidades dos Estados Unidos. Buscando saber mais sobre sua experiência, resolvi enviar-lhe um e-mail pedindo alguns minutos para uma conversa. Surpreendentemente, recebi uma resposta imediata, o que me impressionou muito. Esse simples ato de iniciativa me mostrou que oportunidades podem surgir quando você tem a coragem de pedir.
Saiba o que quer e foque no objetivo
Estar morando no exterior, em um país com um idioma diferente, e ser mulher foram, sem dúvida, grandes desafios enfrentados ao longo da jornada. Contudo, o que me ajudou muito foi ter clareza sobre o que eu queria e o que desejava estar fazendo. “Qual é a situação ideal para mim? O que considero importante?” Esse autoconhecimento foi fundamental para que eu mantivesse o foco na meta, pois, à medida que as adversidades surgiam, era essencial saber como lidar com elas.
Uma das dificuldades, logo no início, foi o visto de trabalho. Essa questão me limitou a algumas companhias, pois nem todas as empresas patrocinavam esse tipo de visto.
A competição também esteve presente muitas vezes, assim como o contato com superiores hierárquicos desafiadores. Diante desses desafios, aprendi a focar no que estava ao meu alcance e a buscar entregar o meu melhor, independentemente das circunstâncias. Acredite: ter clareza das prioridades e agir com autoconfiança faz toda a diferença.
Os desafios da liderança feminina
Por muito tempo, enfrentei desafios por ser mulher e estrangeira. Houve momentos em que me perguntei se as dificuldades eram apenas minhas ou compartilhadas por outras mulheres. Conversar com uma líder mais experiente me mostrou que esses sentimentos eram comuns, mas que não deveriam nos definir.
Esse encontro me trouxe uma lição poderosa: não devemos nos esconder ou nos deixar abalar. Mulheres têm o talento, a força e a capacidade de entregar resultados com maestria, mesmo diante de situações desafiadoras. Aprendi a focar no que eu podia controlar, eliminando os ruídos que surgem pelo caminho e sempre buscando dar o meu melhor.
O conselho que dou, especialmente às mulheres que trilham um caminho semelhante, é que não deixem o ambiente limitar seu potencial. Usem suas vozes, suas habilidades e apoiem umas às outras. Quanto mais mulheres se destacam, inspiram e criam espaços, mais conseguiremos reduzir os desafios de gênero.
Escuta ativa: a notável habilidade de um líder
O líder precisa ter clareza na visão, necessita saber se comunicar com aqueles ao seu redor. Mais do que isso, ele precisa ter muita humildade e transparência, pois a confiança dos colaboradores nasce quando percebem sinceridade e coerência em suas ações.
A empatia e o autoconhecimento também devem ser atitudes presentes para liderar. Liderança não é apenas dar ordens; é se mostrar acessível, criar conexões e conhecer as pessoas com quem trabalha. Mas atenção: estar acessível não significa que todos se sentirão à vontade para falar com você. Isso exige consistência, sinceridade e a criação de um ambiente seguro e de confiança.
Uma vez, ouvi uma frase que nunca esqueci: “As pessoas podem não lembrar o que você fez, mas sempre vão lembrar como você as fez sentir.” Tratar as pessoas com respeito, atenção e humanidade não é apenas um diferencial – é a marca que você deixa no mundo.
Quando surgirem situações desafiadoras, pratique o autoconhecimento. Pare, reflita e pergunte-se: “Por que estou reagindo assim? Qual é a verdadeira questão?” Tenha a humildade de ouvir, ajustar e aprender. Ser líder não é sobre estar sempre certo, mas sobre ter sabedoria para deixar o ego de lado e encontrar a melhor solução.
Integre a equipe ao processo
Um time entrega o melhor de si quando tem clareza e autonomia. Defina expectativas com precisão: comunique o que é esperado, os objetivos e as metas que devem ser alcançadas. Quando cada pessoa entende seu papel e como contribuir, elas reagem com mais motivação, propósito e foco. Por exemplo, eu me reúno semanalmente com cada membro que se reporta para mim para garantir alinhamento e apoiar suas iniciativas. Além disso, organizo reuniões trimestrais com toda a divisão, nas quais preparo cuidadosamente as diretrizes que norteiam nosso trabalho. Nessas reuniões, também celebramos as conquistas da equipe, reconhecendo tanto os resultados individuais quanto coletivos – o que fortalece a motivação e o senso de pertencimento.
No início do ano, dedicamos um tempo significativo para definir objetivos claros para cada pessoa. Além disso, realizamos avaliações de desempenho duas vezes ao ano, o que nos permite monitorar o progresso e ajustar o rumo, se necessário. Todos os gerentes, incluindo eu, participam de um processo de 360°, uma iniciativa organizacional que reflete nossa crença de que os gestores têm a responsabilidade de fazer sua parte em termos de esclarecer responsibilidades, definir expectativas e contribuir para o crescimento das equipes. Promovemos uma cultura de feedback, sincero e direto, que fortalece a comunicação e o crescimento contínuo.
Mais do que delegar tarefas, delegue confiança. Dê às pessoas autonomia para realizar o trabalho, mostre que você acredita nelas e esteja ali para apoiá-las. Valorize o esforço, reconheça os resultados e celebre as conquistas – grandes ou pequenas. O reconhecimento fortalece o senso de pertencimento e mantém a equipe engajada e inspirada.
Não caia na armadilha da culpa
Esconder-se diante de uma situação desafiadora só atrapalha. É energia desperdiçada que não leva a lugar nenhum. “Não fui bem porque sou mulher, porque sou estrangeira, porque…” Esse tipo de pensamento limita o seu crescimento. Em vez disso, adapte-se, aprenda e descubra novos caminhos para executar o seu trabalho. A busca pelo conhecimento é fundamental nesse processo, pois quem é resiliente é capaz de evoluir. Nunca se esqueça: a sua situação de hoje não é, necessariamente, a de amanhã. O importante é manter o foco na sua meta e seguir em frente, dando o seu melhor a cada dia.
Deixe a sua marca no mercado
Esteja aberto às oportunidades. Independentemente do que se fizer – mesmo que não goste –, deve ser feito da melhor forma possível e com os recursos que se têm. Deixe uma marca positiva por onde passar. Esteja sempre aberto a aprender, se reinventar e buscar crescimento. Com muito trabalho duro, perseverança, adaptabilidade e uma boa educação, consegui alcançar o meu sonho de ser uma latina a ocupar um cargo de CFO em Nova York, em uma organização com impacto significativo e sem fins lucrativos. Não tenha medo de pedir ajuda ou conselhos a pessoas que admira. E, acima de tudo, não desista: tenha garra, perseverança, trabalhe duro e vá atrás do que deseja! Não será fácil, mas, no final, valerá a pena.
Leitura recomendada por Daniela Berger Pollack:
Negocie como se sua vida dependesse disso: um ex-agente do FBI revela as técnicas da agência para convencer as pessoas, de Chris Voss e Tahl Raz. Editora Sextante, 2019.