Todo empreendedor é um sonhador
A jornada de um empreendedor é permeada por erros e acertos –alguns negócios prosperam e outros não
Publicado em 1 de abril de 2022 às, 16h58.
Por Fabiana Monteiro
Paulo Morais
Fundador e CEO da Espaçolaser
Costumo dizer que nasci contra a vontade dos homens e sob a proteção de Deus. Quando minha mãe Rosalia Iász de Morais estava grávida, meu pai Guilherme Jesus Morais contraiu rubéola e, a indicação natural nesse tipo de situação, à época, era o aborto, para evitar que a criança nascesse com algum problema. Mas, minha mãe contrariou a todos ao decidir que eu viria ao mundo do jeito que fosse.
Oriundo de uma família humilde, nasci em Pirituba, e morávamos em uma residência simples. Meus pais se conheceram no banco onde trabalhavam, mas meu pai, contador de formação, resolveu empreender e assim fundou um escritório, que logo começou a crescer, melhorando bastante nossa condição.
Todavia, quando eu estava com 16 anos, meu pai, praticamente falido, vendeu tudo o que possuía para pagar os credores. O que me levou a buscar formas de ajudar a família. A minha consciência me alertou e eu sabia que a única maneira de crescer profissionalmente seria através dos estudos. Assim, tentei a Escola de Cadetes de Pirassununga. A miopia, no entanto, me impediu de ingressar. Sem esmorecer, decidi cursar o técnico em Agropecuária na UNESP de Jaboticabal, em 1983, pois apreciava agricultura e ainda teria o respaldo dos benefícios do estado, atenuando os gastos dentro de casa. Dedicava-me em regime integral, com tudo subsidiado e realizei os três anos de agropecuária normalmente. Já no último ano, no período da redemocratização do País, com o fim da ditadura militar, o movimento dos grêmios estudantis regressou com força. Eu havia assumido um compromisso com um grupo de estudantes e acabei me tornando um líder. Durante a semana me dedicava totalmente às tarefas acadêmicas e nos fins de semana viajava pelos estados para dialogar com outras lideranças sobre os grêmios.
Isso derivou em uma nova visão de mundo – descobri que gostava demais de plantas e animais, mas o que me encantava de fato era cuidar de gente. As relações humanas passaram e me tocar profundamente e precisei mudar o meu “drive”. Ao terminar o curso técnico conversei com a minha família e expliquei que queria estudar Direito – fazia todo o sentido. Com enorme dedicação, ingressei na USP, em 1986, no mesmo momento em que meus pais decidiram retornar à capital, após um tempo no interior.
Nesse ínterim, meu pai me propôs um desafio: o de retomar o projeto do antigo escritório, algo que aceitei, mesmo o alertando de não saber ao certo como ajudá-lo. Um grande amigo dele emprestou uma salinha para o recomeço – o escritório se situava em Pinheiros e, a partir de então, comecei a aprender o ofício.
Durante o dia me empenhava nessa jornada com o meu pai e no período noturno ia para o Largo São Francisco estudar. Durante cinco anos estive atrelado neste esquema, um processo interessante, pois conforme estudava, percebia que o escritório crescia. No último ano da faculdade, a empresa já contava com cerca de 40 colaboradores, com todos os departamentos estruturados e eu ajudando a gerir esta pequena empresa. Havíamos retomado a condição de vida de outrora – não necessariamente ricos, mas com estabilidade e conforto.
“Costumo dizer que fiz duas faculdades simultaneamente: Direito na USP e Contabilidade com o meu pai”
Após me formar em 1991, me mudei para Portugal, com minha esposa de ascendência portuguesa – inclusive, o nosso primogênito nasceu lá. Trabalhei em uma agência de turismo com o desafio de recuperar a companhia, que se deparava com sérios problemas financeiros e, simultaneamente, aproveitei para realizar a minha pós-graduação na Universidade Clássica de Lisboa.
O sonho colocado em prática
No regresso ao Brasil, em 1993, meu pai me indagou sobre o que faria da vida. Franco, disse que amava ele, mas odiava contabilidade e o meu projeto de vida não envolvia atuar com contabilidade novamente. E expliquei o meu plano: como já era advogado, tentaria prospectar alguns clientes antigos do escritório para praticar a minha profissão.
Assim comecei minha jornada. Utilizava a mesa antes destinada para contabilidade para praticar Direito. Com suporte dos amigos e amparado pelas pessoas que me apoiavam. Obviamente, seria pouco provável que alguém contratasse um jovem advogado para cuidar de causas sérias, apesar de ter cuidado com bastante carinho, atenção e de ter entregado resultados.
O turning point da minha trajetória ocorreu ao ganhar uma importante causa. Aos 26 anos, um amigo me procurou para tratar dessa questão, com um valor vultuoso em jogo e obtive sucesso. Em razão desse processo, confiado a mim pela mão de um amigo, me tornei um jovem rico. Outros sonhos passaram a ser plausíveis.
Tratou-se de uma causa interessante, envolvendo o Estado de São Paulo, que à época, em 1998, fazia uma retenção sem qualquer respaldo legal de um repasse junto às prefeituras. Meu amigo pediu que eu estudasse o assunto e o meu conhecimento na área fiscal, juntamente com o auxílio de um conhecido da Secretaria da Fazenda, levaram ao indício de ilegalidade. Ingressei com uma medida judicial e ficou estabelecido que, caso vencesse, receberia um percentual do valor.
De imediato, minha primeira decisão foi a de comprar uma casa para a minha família. Com o restante do dinheiro resolvi buscar o meu sonho, o de empreender. Essa paixão se originou ao observar amigos que realizavam negócios na época do escritório de contabilidade. Muitos deles começavam pequenos, cresciam e se tornavam prósperos – aquilo era fascinante, poder contemplar transformações extraordinárias.
Diversificando os negócios
A jornada de um empreendedor é permeada por erros e acertos –alguns negócios prosperam e outros não. O importante é se ater aos aprendizados que ficam quando o projeto é equivocado, pois futuras falhas serão dirimidas. Aprendo com os erros, mas não gosto de ficar lembrando deles, por gostar de trabalhar com boas energias. Gosto de rememorar coisas bem-sucedidas para me manter motivado, vislumbrando um futuro próspero.
“O grande desafio de todo empreendedor é vencer o seu próprio medo.”
Em toda grande iniciativa, nas fases inicias sempre no momento que antecede a decisão vem o medo e a incerteza se você está dando o passo seguinte da forma correta. Esse é um equívoco, deixar de realizar por medo.
Tenho muito orgulho de observar como os negócios que ajudei a fundar e participei ativamente continuam em ascensão, tais como, a empresa de coleta de lixo, o Mundo Terra – empresa de varejo do segmento de esportes e aventura – a revista Let’s Go Bahia, o restaurante Bela Sintra, Gosto de mencionar tais empreendimentos, como forma de apontar que fiz a diferença e profissionais competentes seguiram adiante.
O impacto da Espaçolaser
Evidentemente, a empresa mais significativa da minha carreira é a Espaçolaser, por tudo o que representa, sua história singular, de sucesso enorme e em constante expansão. Já havia realizado alguns negócios com o meu amigo Tito Pinto, inclusive, investindo naquelas máquinas de pegar bichos de pelúcias, que ficavam em padarias. A ideia da operação me chamava atenção, uma máquina com capacidade de gerar receita.
Em 2004, nós estávamos em busca de um novo negócio que pudesse ser replicado. Curiosamente, o Tito estava em uma consulta médica com o dermatologista Ygor Moura, que chefiava uma clínica de estética. A partir desse encontro surgiu uma conversa proveitosa entre ambos e o Tito, por acreditar demais na minha capacidade de realizar análises de negócios, propôs agendar uma conversa junto ao Ygor, algo que denominei como “a reunião dos três malucos”. O Ygor explanou sobre a atividade exercida por ele e exaltou uma nova máquina de depilação, algo que me despertou a atenção. Prontamente ponderei sobre o êxito que esse negócio poderia obter.
Depois dessa conversa, sem muita formalidade, pautados na confiança, decidimos fundar a Espaçolaser, com o desafio inicial de montar a primeira unidade padrão. Coube a mim achar um shopping, no caso o Morumbi, e negociar com a administração. A opção pelo local se deu pela falta inicial de verba para investir em marketing. A transação se estendeu por três meses e, como bom teimoso que sou, não abdiquei de ir até o fim, convencendo o shopping a vender um ponto para nós.
Formulamos o nosso primeiro modelo de unidade replicável e assim iniciamos a operação. O que antes era a clínica médica do Ygor passou a ser Espaçolaser, para não haver conflito. Devidamente preparados, abrimos duas lojas, a do shopping e uma em Moema, porém, contando com somente uma máquina, já que o investimento era e continua sendo muito alto, na casa dos US$ 108mil. A logística consistia em intercalar os dias onde a máquina operaria, alternando a unidade de Moema com a do shopping, sendo que todos os dias precisávamos transportar o equipamento de 120 quilos, durante dois anos. Isso até surgir nossa terceira loja, no Shopping Frei Caneca, com apoio de um amigo, que detinha caixa para investir.
O primeiro momento que imaginei que o negócio ganharia tração, cresceria e ficaria forte aconteceu de forma inusitada e vale como um aprendizado aos futuros empreendedores. Muitas vezes, evita-se ouvir outras pessoas por falta de disposição e isso é um erro enorme. Não raro, nessas reuniões informais, grandes insights podem gerar viradas significativas dentro das companhias. Foi exatamente isso o que aconteceu com a Espaçolaser.
Em 2010, o Tito disse que a namorada dele queria apresentar um negócio novo e eu e o Ygor estávamos um pouco contrariados. Por respeito ao nosso sócio, aceitamos participar. A ideia dela abordava uma nova tendência tecnológica, assegurando que o custo seria zero – ela só receberia um percentual caso a venda ocorresse. Nessa condição, seguimos adiante, mesmo com riscos, e ingressamos no universo das vendas coletivas. Foi um estouro.
No primeiro dia envoltos nesse canal vendemos 1800 tratamentos. Entrementes, a soma de 1800 tratamentos para uma empresa que naquela época possuía sete unidades, sem call center e estrutura de atendimento, representou uma avalanche de clientes. Notamos a necessidade de acelerar e assim organizamos o call center, abrimos mais lojas e, rapidamente, passamos de sete para vinte unidades. Percebi que a empresa tinha futuro – havia sido a primeira grande virada do negócio.
Já em 2015, houve a chegada do empresário José Carlos Semenzato e da Xuxa Meneghel ao nosso negócio e o mote da franquia passou a ser tratado com mais seriedade. Não havia dinheiro para se investir em lojas próprias e o caminho apontava para franquear a empresa. Antes dessa aproximação, sabíamos o que tínhamos de fazer, mas não como executar. Procurei pelo Semenzato, amigo de longa data, que me disse “não” duas vezes antes de entrarmos em um acordo.
A Xuxa pensava em investir em algo vinculado à estética e beleza e deu tudo certo. Ela é uma pessoa admirável e veio a se tornar sócia e embaixadora da companhia. No primeiro ano, imaginávamos vender 40 franquias e chegamos a 120. Além de comercializar, implementamos às 120 lojas todo o conhecimento que havíamos erigido ao longo de 10 anos. Atualmente, são mais de 750 lojas no Brasil, Argentina, Chile e Colômbia.
O IPO aconteceu em meio à pandemia, no dia primeiro de fevereiro de 2021, quando tocamos o sino da B3, algo muito emocionante. É um fato importantíssimo na história de qualquer empreendedor, de poder construir uma empresa que obtenha condições de chegar na Bolsa de Valores de São Paulo, sendo a primeira neste segmento. Mostramos para os empresários do setor que era possível trilhar esse caminho.
Vamos fazer juntos
Ao longo da minha carreira, conforme já destaquei, coloco os relacionamentos como ponto crucial para meu crescimento. Nesse âmbito, estar em conexão com pessoas experientes e competentes é algo que jamais abrirei mão. Há tempos, guardei um artigo chamado “Sete Dicas para um Homem de Sucesso”. Um, em especial, me marcou: “Identifique uma pessoa de sucesso como referência para ser o seu mentor, orientá-lo para que você erre menos”. Um dos meus filhos, inclusive, colou esse ensinamento na escrivaninha como dogma.
Eu identifiquei uma pessoa que é amiga minha até hoje, o José Paulo Figueiredo. Um empresário que mora em Portugal, envolvido com área de mineração e que respeito muito. Excelente na análise de negócio, na parte comercial e percepção de relações. Sempre praticamos trocas e sanei muitas dúvidas com ele. É sempre importante contar com alguém experiente e competente com quem possa dividir.
Assim, torna-se mais fácil analisar como o líder deve se portar. Sou adepto da liderança humanizada, guiada pelo exemplo, é a liderança que acredito e pratico. Penso com carinho nas novas gerações, muitos profissionais entram no mercado vislumbrando mais o dinheiro do que a qualidade do trabalho. Monetizar é importante, mas junto disso é preciso ponderar quem será o chefe, os relacionamentos e valores da instituição.
O grande desafio do líder é executar ao lado do seu time, inclusive quando o projeto é difícil. Quando houve a reabertura das lojas depois da primeira onda da pandemia, eu assegurei que atuaria ao lado da equipe. Fomos juntos. É assim que fazemos as coisas por aqui. O líder que grita “vamos, vamos, vamos”, à distância, cada vez mais vai perder espaço e a condição de gerir.
É notável também destacar a importância de investimentos em temas atuais como sustentabilidade e inclusão. O esporte é uma ferramenta importante de inclusão e transformação social, para a formação de qualquer ser humano. A Atletas Espaçolaser é uma plataforma que atende cerca de 50 atletas, de oito modalidades diferentes, especialmente aquelas que contam com poucos recursos.
Determinação, Dedicação e Disciplina
Ao mencionar ser um exemplo para os liderados, claro que busco contar com indivíduos que estejam em sintonia com os meus princípios. Portanto, espero trabalhar ao lado de quem demonstra conhecimento daquilo que será executado, pessoas comprometidas, engajadas e com energia, capazes de realizar coisas acima do esperado. É preciso amar o que se faz.
O cenário pandêmico comprova a tese de que somos capazes de nos adaptarmos às situações complexas. O ser humano tem uma capacidade extraordinária de se reinventar.
O impacto da pandemia abalou o negócio. A rede depende das lojas abertas para atender aos clientes e a depilação a laser, por várias questões regulatórias, não pode ser feita fora de uma unidade que não seja autorizada pela ANVISA, tornando a entrega inexistente. Esse talvez tenha sido o teste de fogo para manter os times absolutamente engajados e conectados, dado o grande risco daquele momento. Poderia ter ocorrido uma fragmentação e disruptura dentro da empresa, mas conseguimos superar contando com o apoio de todos.
Fiz questão de me reportar diretamente com os times para eles saberem como eu estava pensando, sem ruídos. A tecnologia permite isso e passamos a ter reuniões diárias – a dinâmica de decisão tinha de ser imediata. Me comprometi a fazer essa entrega, até pensar em abrir as lojas novamente.
Realizar algo bem uma vez é completamente possível, mas o grande desafio é conseguir executar isso todos os dias de forma consistente. Então, essa disciplina precisava ser mantida, ainda que seja algo desafiador. Às vezes, os obstáculos são tão grandes que as pessoas pensam em desistir.
“Vence quem é disciplinado, determinado e dedicado no que se propõe a fazer”
Meu legado é a minha família
Gostaria de expressar a minha gratidão a todos que me auxiliaram a atingir esse patamar, em especial, à minha família. Dedico essa vitória aos meus pais Guilherme Jesus N Morais e Rosalia Iasz de Morais, aos meus filhos Paulo Guilherme Guerra de Morais, Gabriella Guerra de Morais, João Paulo Flora de Morais e Marco Morais e à minha esposa Márcia Regina Guerra de Morais.
“A Espaçolaser é a maior empresa que já fundei, mas meu maior e melhor projeto é a minha família – esse é o meu grande case de sucesso.”