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Thiago Veiga, Global VP de Digital do grupo Mars: a IA é uma aliada na liderança com propósito

Propósito, Mutualidade e Tecnologia: Os Pilares de uma Liderança Global de Sucesso

 (Global Partners)

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Publicado em 22 de junho de 2025 às 10h18.

Sempre tive o sonho de trabalhar em uma empresa global. Desde quando acompanhava meu pai, que era metalúrgico na General Motors, nas idas à fábrica me imaginava naquele contexto de funcionários, máquinas e todo um ecossistema em prol da construção de um produto, algo que as pessoas pudessem tocar. As viagens, viver culturas diferentes, impactar a vida das pessoas e aprender coisas novas diariamente me fascinavam, e esse interesse foi determinante para guiar meus caminhos rumo ao mundo corporativo.

Este ano irei completar 20 anos de Mars, multinacional do ramo de snacking, petcare e nutrição. Posso afirmar que a motivação segue a mesma, talvez até maior que no início da carreira. Em minha função atual, trabalho como vice-presidente global, liderando a agenda de tecnologias digitais para as funções globais de cadeia de suprimentos, manufatura, engenharia, P&D e sustentabilidade na divisão de snacking da companhia.

Ter um cargo importante em uma empresa presente em quase todos os países do mundo, famosa por marcas consagradas como M&M’S, Snickers e Pedigree é uma grande responsabilidade que requer comprometimento e sacrifícios, como menos tempo com a família e amigos, mas ao fim de cada dia de trabalho, a sensação que tenho é de dever cumprido.

Liderar com propósito é compreender, com plena consciência, que todo cargo é transitório – por mais longevo que pareça – e deve ser exercido a serviço das pessoas, da comunidade e dos resultados almejados pela organização. Por isso, tenho a convicção de que cada decisão tomada, cada contrato firmado ou investimento realizado carrega em si o poder de construir um legado real e duradouro. 

Início e influências na carreira

Nasci e fui criado na cidade de Caçapava, interior de São Paulo. Sou o filho mais velho de dois irmãos e cresci com pai e mãe em casa, com muito amor e muito carinho. Tive forte inspiração de vida nos meus pais – Dona Nurimar era professora de educação infantil, que me ensinou o valor do conhecimento e aprendizado contínuo, e Seu Luiz Wander, metalúrgico durante 36 anos na mesma empresa, pelo comprometimento na profissão, humildade e integridade.

No ambiente em que cresci, pertencendo à “classe média-média” no fim dos anos 1980, com altíssima inflação e instabilidade econômica no Brasil, sentia a pressão natural para acertar na carreira profissional – não podia arriscar. Minhas opções restringiam-se às tradicionais: médico, advogado ou engenheiro. Optei pela engenharia pela facilidade com números e resolução de problemas.

A região em que cresci era industrial e saí do segundo grau com o diploma de técnico em informática industrial, o que me abriu as portas para o mercado de trabalho. Uma das primeiras e marcantes influências que carrego até hoje vêm dessa época. O professor Alberto Campelo de Oliveira, mais conhecido como “Alberto Português”, sempre reforçou a importância de uma comunicação clara e efetiva como parte do desenvolvimento de seus alunos. Além disso, demandava desde cedo que desenvolvêssemos a capacidade de trabalhar em equipe. Muitos dos amigos com quem convivo até hoje advém dessa época de aprendizado intenso conjunto. 

Minha primeira experiência profissional foi um estágio no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), antes de iniciar o curso de Engenharia de computação na Universidade do Vale do Paraíba. Durante a faculdade, trabalhei na Embraer em São José dos Campos. Lá, tive o meu primeiro contato com a liderança, ainda que de maneira informal: ao final do expediente, reunia os pares e colegas para refletirmos sobre as atividades do dia, o que gerou impactos positivos na equipe e despertou a confiança da empresa em mim.

Naturalmente fui empossado ao cargo de coordenador, mesmo sendo tão jovem. Tive a oportunidade de evoluir e aprender lições valiosas, como reconhecer a importância de se estabelecer processos eficientes que ajude a alavancar o melhor das pessoas, e que motivação tem significado único para cada membro da equipe.

A indústria de bens de consumo sempre foi uma paixão, pois tenho um fascínio por marcas e o impacto que elas despertam nos consumidores. E ainda faltava a perspectiva de conseguir trabalhar fora do Brasil. Com a progressão na carreira e recém-formado, fui chamado para trabalhar na Mars em 2005 como supervisor de suporte em tecnologia da informação (TI) na cidade de Guararema (SP), mas logo fui enviado para os Estados Unidos por seis meses para imersão e aprendizado sobre a cultura e dinâmica da empresa.

O desafio de liderar uma operação global desde o Brasil

Durante minha primeira expatriação nos EUA, compreendi a dimensão de um negócio verdadeiramente global, com marcas reconhecidas mundialmente – algo que, até então, eu conhecia apenas de longe, na teoria. Também tive a oportunidade de vivenciar, na prática, a cultura americana de negócios e gestão, o que foi significativo para a minha formação e, mais tarde, permitiu que eu me tornasse um executivo global. 

Retornando ao Brasil, iniciei um hubsite, que é um centro de serviços compartilhados onde provemos serviços e suporte de tecnologia, financeiros, recursos humanos e suprimentos para toda a empresa. Essa operação iniciou com dez pessoas e atualmente emprega mais de 500 associados, o que considero um dos meus maiores feitos profissionais até aqui. Esse desafio exigiu que eu expandisse minha perspectiva e atuação para muito além da área funcional que eu dominava – tecnologia – tomando responsabilidade por estratégia de contratação e retenção de talentos, gestão financeira e adequação de espaço físico para que todos pudessem trabalhar.

Por meio da transformação digital, meu objetivo é criar valor corporativo impulsionando oportunidades de crescimento e eficiência, com negócios que impactam a vida das pessoas e comunidades em larga escala.

Experiências internacionais e o impacto da tomada de riscos na carreira 

Ao longo de quase 20 anos, exerci vários cargos de liderança na Mars, trabalhando tanto na divisão de petcare e, posteriormente, na de snacking. Antes de assumir o cargo de vice-presidente global de Tecnologia, tive a responsabilidade de liderar a função de tecnologia da companhia na América Latina e, posteriormente, em todos os mercados emergentes, viajando muito para países como Argentina, México e Chile. Em uma expatriação anterior, vivi um ano na Rússia, antes de me realocar para Nova Iorque (EUA), agora com a família, em 2018. Cada uma dessas experiências me ensinou que todas as culturas têm algo fascinante a ensinar, mas precisamos estar abertos e dispostos a aprender.

A curiosidade aguçada e o investimento em networking interno me deram a oportunidade de atuar em projetos especiais de larga escala. Em particular, as integrações decorrentes das aquisições que a Mars realizou na última década em diferentes mercados (EUA, Equador, México e Europa) foram oportunidades de desenvolvimento muito significativas, pois me colocaram em um ambiente de rápida tomada de decisão, marcado por grande ambiguidade, no qual é crucial ter uma visão global, e não apenas focar nos departamentos. A soma dessas experiências, incluindo sucessos e fracassos, acelerou significativamente meu amadurecimento profissional, preparando-me de fato para desafios maiores, como o cargo que ocupo atualmente.

Mutualidade, liberdade e propósito: as chaves para o sucesso

Por experiência própria e por tudo o que passei na carreira, tanto erros como acertos, além do que observei em grandes líderes, destaco a mutualidade, a liberdade e o propósito como três pontos-chave para o sucesso.

A mutualidade é um princípio coletivo, que parte da convicção de que um benefício só se perpetua se for compartilhado, o que aumenta significativamente as chances de êxito a longo prazo, seja qual for a natureza da relação. Quando apenas uma das partes busca vantagem, pode haver ganho imediato, mas dificilmente a relação será duradoura. Considero esse princípio fundamental tanto em minhas relações pessoais (família, amigos, colegas) quanto nas corporativas.

A liberdade, que pode ser adquirida e medida pelo sucesso financeiro individual e das organizações, é o que não nos deixa reféns das instabilidades externas no curto prazo e permite comprometimentos com planos, metas e sonhos de maneira firme e duradoura.

O senso de propósito também é muito importante para o sucesso. Entender não somente o “o quê” mas o “porquê” sempre foi crucial na minha carreira. Da mesma forma que propósito sem performance é impossível, performance sem propósito não tem significado. Admiro pessoas que tem uma grande visão e, mesmo com os desafios, não desistiram de seus valores e ideais, como Mahatma Gandhi, Barack Obama, Nelson Mandela e outros grandes líderes sociais e políticos. 

Assisto muito o programa do Luciano Huck, pois me inspira ver como pessoas comuns estão lutando para mudar sua comunidade com poucos recursos e muitas dificuldades, mas ainda assim não desistem.

Atuações como a da minha colega Maira Habimorad, CEO do Instituto de Tecnologia e Liderança (Inteli), em São Paulo, formando profissionais de tecnologia e impactando positivamente o trabalho de milhares de jovens são bons exemplos de trabalho com propósito que me inspiram.

Procuro utilizar esses exemplos no meu dia a dia, liderando as equipes. Gosto de tomar a iniciativa e empoderar meu time, equipando-os com conhecimento, perspectivas e narrativas para despertar a confiança deles, de modo a terem benefícios na relação de trabalho, com liberdade e senso de propósito.

Sempre penso: quantas vidas essa minha decisão vai impactar? – e isso me motiva a ser cada vez melhor. Meço meu sucesso individual pelo impacto que causo na minha família e na empresa, nos profissionais que trabalham comigo, na comunidade que estou inserido e pessoas envolvidas nas minhas ações. Isso é o que verdadeiramente importa.

A jornada vale a pena, mas é preciso ter disposição

Aos que almejam ser líderes em grandes corporações, acredito que a agilidade tem papel determinante no mundo tecnológico em que vivemos. “O feito é mais importante que o perfeito”. Deve-se ter a habilidade de tomar decisões rápidas, analisando o impacto das ações e corrigindo eventuais erros, sabendo reconhecer o que deu errado e mudar quando for necessário.

A paciência e resiliência são vitais no início da carreira para evitar a ansiedade e armadilhas do setor corporativo. Alguns profissionais querem “resolver” uma carreira de 30, 40 anos em quatro ou cinco anos, com ambição desmedida, ignorando oportunidades de desenvolvimento que podem ser benéficas. Lá para a frente isso pode gerar estagnação na carreira, porque eles não se preocuparam em formar uma base sólida de conhecimento, técnica e amadurecimento, que uma hora irão cobrar o preço. 

E para chegar aonde se almeja, posso dizer que o caminho é difícil e longo, mas dá muita satisfação. A posição de liderança faz os percalços pelo caminho valerem a pena. É possível, acreditem, mas tirem proveito da jornada por inteiro. Não pensem apenas daqui há 30, 40 anos. Tirem satisfação de todo o aprendizado, dos sorrisos da equipe, de quem está ao seu lado na caminhada. Às vezes um simples “muito obrigado” pode gerar um grande impacto na vida das pessoas.

Identifiquem desde cedo quem vocês querem ao lado quando o sucesso vier, pois ninguém cresce sozinho, seja em qual carreira for. Escolha essas pessoas e crie esse círculo virtuoso de conexões com quem você possa compartilhar os desafios, pedir conselhos e orientação. Isso faz toda a diferença durante a caminhada corporativa.

O controle do ego é fundamental para uma liderança assertiva

Controlar o ego é fundamental durante o processo de crescimento na carreira. Há o risco de o profissional ficar cego e se cercar de pessoas que só falam o que ele quer ouvir. Em alguns momentos, quando sentia que poderia estar exagerando em relação ao ego, procurei olhar mais para o outro, ser mais empático, olhar para o todo. Prezar pelo coletivo em detrimento do individual é a chave para superar o ego.

Para liderar com assertividade e inteligência, a habilidade de se familiarizar com novas tecnologias é necessário. O profissional que conseguir utilizar as novas ferramentas tecnológicas como inteligência artificial para amplificar o potencial humano estará muito à frente dos demais.

Sobre liderança, também posso compartilhar outros três conselhos importantes que recebi ao longo da minha carreira: 

  1. Responda às perguntas que lhe fizerem, seja assertivo. Analisando várias culturas durante a minha trajetória, vejo como esse aspecto é difícil para alguns profissionais, principalmente para os brasileiros. Costumamos dar muitas voltas antes de concluir coisas que deveriam ser mais simples e diretas.
  2. Se questionar sobre “o que tira o sono do meu chefe e do chefe do meu chefe?”. Isso dá outra perspectiva para entender o desafio macro, o contexto em que está inserido. Isso me ajuda com frequência a sair da zona de conforto.
  3. Lidere genuinamente para servir, e não para se exibir. Isso faz toda a diferença para os liderados e para as organizações.

Impactar os outros é também gerar valor como ser humano

Sou pai de duas meninas de 10 anos e já tento despertar nelas a importância do aprendizado contínuo. Me preocupa saber que o modelo de aposentadoria e programas sociais não se sustenta sem uma sociedade que produza. Nenhum governo conseguirá sustentar uma população que não trabalhe. Não acredito que tenham pessoas que “não gostem de fazer nada”, acredito que falta diálogo para motivar. O valor do ser humano também está ligado na capacidade de impactar os outros, isso é inerente à condição de ser humano.

Lições do aprendizado contínuo

Para qualquer profissão, a capacidade de aprendizado contínuo é o que diferencia e define quem serão os profissionais que estarão no topo e os que ficarão pelo meio do caminho. O mundo está mudando rápido demais com o advento de novas tecnologias, colocando quase tudo sob nova perspectiva. A maneira de se fazer a gestão de equipes dentro da empresa ou engajamento com clientes e consumidores não é a mesma de 10, 15 anos atrás. O profissional que não está diariamente em busca de aprender, fica obsoleto. 

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