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Se você sempre fizer a mesma coisa, ficará para trás, diz Paulo Sergio, presidente da Sesé Brasil

Depois que você atinge o sucesso, percebe que o mais difícil é se manter lá

 (Editora Global Partners)

(Editora Global Partners)

Publicado em 21 de março de 2025 às 13h31.

Sempre que posso, gosto de contar minha história de vida. Ela pode servir de inspiração para quem está enfrentando dificuldades no início da carreira, pois não foi fácil para mim. Eu me considero bem-sucedido profissionalmente, mas a minha maior realização vem no âmbito pessoal, ao ver meus filhos bem criados, trabalhando e tocando a vida. 

Vim do interior do estado de São Paulo. Nasci em uma cidade chamada Cajuru e cresci na Fazenda Amália, localizada em Santa Rosa de Viterbo, a mais de 350 quilômetros da capital. Lá, meu falecido pai começou a cortar cana-de-açúcar cedo – exerceu essa profissão por 56 anos. Era roça, mesmo. Minha mãe também cortou cana, foi cozinheira e hoje está com 87 anos.  

Eu era bem pequeno e ia junto com eles para o trabalho, ficava esperando terminarem o serviço, apenas observando. Minha mãe comprava sacos de açúcar, pintava-os de azul e transformava-os nas minhas roupas e nas do meu irmão. Só aos 14 anos tive acesso a um vaso sanitário pela primeira vez. Hoje, tenho o privilégio de morar em uma casa com seis banheiros. 

Estudava em uma escola na fazenda e foi disponibilizado um curso no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) com cinco vagas. Fiz a prova, passei, mas não me aceitaram pelo fato de meus pais serem cortadores de cana – puro preconceito. 

Mas minha mãe não se conformou e queria outro destino para os filhos. Fomos até Ribeirão Preto, onde nos disseram que, se alguma empresa bancasse o meu curso de torneiro mecânico, eu teria chance de estudar a nova profissão. Então, com muito sacrifício, ela pagou dois meses da minha hospedagem em uma república para ver se eu conseguiria chamar a atenção de alguém que apostasse em mim para realizar meu sonho. Na época, ela fazia 40 refeições pela manhã e outras 40 à noite para conseguir dinheiro e me ajudar. Nesse período, cheguei a ficar 45 dias sem voltar para a fazenda, pois não tinha condições financeiras.  

Durante a semana, eu chegava do Senai e continuava estudando na república. Sábado e domingo, para economizar, minha alimentação era à base de refrigerante e paçocas. De tanto empenho, ganhei um prêmio de melhor aluno entre 550 estudantes. Nos últimos dois semestres do curso, tirei nota 10 em todas as matérias. Tive que correr atrás desde muito novo.  

Continuei os estudos e morei por dois anos em Campinas, a cerca de 300 quilômetros da fazenda. Para visitar a família, pedia carona na estrada. Em 1980, a Volkswagen contratou quase todo mundo da minha turma do Senai para trabalhar no lançamento do Gol, que prometia revolucionar o mercado de automóveis no Brasil.  

Meu irmão queria se formar engenheiro em uma faculdade de Bauru, mas não tinha como pagar. Nem os meus pais. Então, fiz o seguinte: com o meu salário, paguei a faculdade dele. Minha mãe foi morar comigo em São Paulo para ajudar. Ela ia até o Mercado Municipal, comprava carne e linguiça para fazer marmitas e vender na rua. Eu entrava no serviço às 15h e saía às 7h. Fiquei um ano sem tirar folga. Depois que o meu irmão se formou, foi a minha vez de começar uma faculdade.  

Daí em diante, muita coisa aconteceu: eu, um garoto da roça, cheguei a pedir demissão da Volkswagen por duas vezes, trabalhei durante oito meses na Alemanha, recebi propostas que me fizeram mudar de companhia, exerci cargos de gestão, tenho sete cursos superiores, já dei aula de Administração em universidade e procuro ser um líder próximo, presente e humano. Pela minha trajetória, eu não aceito quando alguém se coloca para baixo por ser pobre, nem acho correto ver qualquer tipo de discriminação por conta das origens de alguém. 

Ninguém estuda para virar líder: a conquista vem com ações práticas 

Meu estilo de liderança é muito próprio; sou meio “paizão” e procuro estar presente em todos os níveis da gestão. Meu segredo é preservar a humildade e a honestidade com a equipe. Não existe uma formação específica para ser líder, essa é uma conquista baseada em atitudes.  

Para manter a equipe motivada, você precisa ser verdadeiro, ser participativo e explicitar a real situação da empresa. Nada de ser um “big boss”; isso não funciona mais. É preciso ser democrático e ouvir. Falo com a experiência de quem comanda uma equipe de 4 mil funcionários. Muitas vezes, vou até o “chão de fábrica” ouvir e entender como as coisas estão.  

 Gosto muito de esportes e, aos finais de semana, já participei de torneios entre os departamentos. As pessoas ficam impressionadas, mas eu gosto de participar, de olhar esse lado humano, de valorizar quem está comigo no dia a dia, ajudando a empresa a crescer.  

 Ser o mais honesto possível com o time faz diferença. Quando tudo está bem, é importante deixar isso claro e viver o bom momento. Se as coisas não estão bem, o ideal é dar o respaldo à equipe, mostrando o que está ruim e tentando manter a confiança de todos. Um exemplo bom é o da pandemia. Em determinado momento, reuni os gestores e disse: “Temos que encontrar um meio de impedir demissões”. E, por incrível que pareça, os 12 diretores propuseram suspender os próprios pagamentos por tempo indeterminado para não prejudicar aqueles que ocupam os cargos mais baixos.  

 Tenho a consciência de que isso só aconteceu porque o meu time tem confiança em mim. Como presidente da unidade brasileira da Sesé, tenho direito a um bônus anual. Todo fim de ano, divido metade desse reconhecimento financeiro com a minha equipe. É o justo, porque só consigo resultados por conta do time. Sendo transparente e aberto, construí a minha credibilidade.  

 A pressa atrapalha o crescimento na carreira 

 Você pode investir na formação de um profissional, mas é impossível mudar a personalidade de alguém. Particularmente, valorizo muito a boa conduta, a honestidade e o jeito de agir. Não adianta me tratar bem, porque sou o presidente da empresa, e maltratar quem não exerce uma função de comando. Eu gosto de entender também o lado pessoal, então valorizo muito o olho no olho.  

 E nesse mundo tão digital, a ansiedade e a pressa para conseguir resultados atrapalham no desenvolvimento, especialmente dos mais jovens, que querem tudo muito rápido. Se antigamente passar 15 anos no mesmo lugar era valorizado, hoje é visto como acomodação. Além da pressa, a ganância também atrapalha. Digo sempre para os mais jovens que o tempo de ganhar dinheiro vai chegar, mas é importante valorizar a plantação, investindo no próprio crescimento.  

 Nesse sentido, tenho uma história curiosa. Durante cinco anos, fiz de tudo para ajudar na formação de um funcionário jovem. Estudos, formação, essas coisas. No ano passado, outra companhia abriu um processo seletivo e ele pediu demissão por um emprego para ganhar 800 reais a mais. Para mim, foi um choque. Depois, percebi que errei, porque nem todo mundo valoriza esse investimento. Alguns buscam retorno imediato, o que, ao meu ver, é um grande problema ao longo da carreira.  

Quase morri de covid-19: essa experiência transformou minha vida 

 Tenho dois celulares: um pessoal e outro para o trabalho. Antes, os dois ficavam ligados o tempo todo. Eu ficava disponível 24 horas por dia. Hoje, tento equilibrar isso. Aos finais de semana e feriados, só deixo ligado o aparelho usado para falar com a família e os amigos. E a covid-19 tem tudo a ver com isso.  

Em 2022, lá pelo mês de maio, fui infectado pela segunda vez e quase morri. Foram 12 dias na UTI. Eu fiquei sem voz, mas segui trabalhando, mandando mensagens por escrito. No oitavo dia de internação, o médico entrou, me viu de máscara pendurada, em plena atividade, e me disse: “Aproveita e manda uma mensagem para a sua filha, passa os dados de banco e as senhas, porque a sua situação é ruim demais e a minha expectativa não é nada boa”. Assim, desse jeito, sem sensibilidade.  

 Foi um choque de realidade. Na hora, coloquei o telefone de lado. Pensei que, se morresse, nada mudaria e o trabalho seguiria o fluxo normal. Algumas pessoas até pensaram que eu tinha morrido, porque fiquei incomunicável até sair do hospital.  

Se você sempre fizer sempre a mesma coisa, vai ficar para trás 

 Sempre respirei fundo e mantive a calma nos momentos decisivos, mesmo nos mais difíceis. Na Volkswagen, eu tinha 26 anos quando pedi demissão, em um momento de promoção, após seis anos de casa. Alguns colegas estavam ali há duas décadas e não haviam alcançado o mesmo patamar que eu. 

 Outro momento que me exigiu maturidade foi quando trabalhava na Elebra, fabricante de radares e impressoras. Chefiei profissionais muito qualificados, formados no ITA, enquanto eu era um engenheiro industrial que começou a formação superior na Universidade Santa Cecília, em Santos, e concluiu no Centro Universitário Braz Cubas. Também pedi demissão de lá para trabalhar em uma empresa de Guarulhos, a Zito Pereira, fabricante de para-lamas de Fuscas.  

 Fui arrojado. Eu trabalhava de paletó e gravata. Na nova empresa, encontrei 32 funcionários, uma única máquina e nada de uniforme. Via gente sem camisa no meio do expediente. Precisei comprar uma botina para a minha segurança, mas não tive medo de encarar o desafio. Saía de São Bernardo até Guarulhos todos os dias. No começo, fabricávamos 3 mil para-lamas por mês. Depois de 15 anos lá, chegamos a um time de 800 funcionários, um prédio próprio para a empresa, 40 mil para-lamas fabricados no mês, com direito à Regina Duarte como garota-propaganda da época.  

 Aqui na Sesé, estou há 13 anos. No começo, só tinha um computador, uma mesa e o sonho de montar a filial da empresa espanhola no Brasil. Hoje, somos 4 mil funcionários. Não foi a única vez que comecei em um novo ambiente assim, construindo tudo do zero, porque, se aceito um trabalho, é porque acredito no projeto.  

 Você só atinge o sucesso se acreditar no próprio potencial. Não vai ser fácil; tudo tem suas dificuldades e pontos de melhoria, mas as coisas só acontecem quando colocamos paixão. E isso só foi possível porque me preocupo muito em não fazer sempre a mesma coisa. Tanto interna quanto externamente, é fundamental se renovar e estar atento às inovações. Caso contrário, fica para trás. Seja para clientes ou para seu time, é fundamental deixar clara a atenção especial às transformações do mundo.  

 Trabalhe para que sua equipe, o mercado e os superiores confiem em você. É importante vender uma imagem positiva. Porque o mundo se transforma continuamente. E, atualmente, cuidar da reputação exige mais inteligência e observação do que no início da minha carreira.  

Para quem está começando, meu conselho é ter foco 

 Se você é jovem e está em início de carreira, faço questão de dizer: tudo é possível – vários caminhos podem ser abertos ao longo do tempo, desde que você tenha foco. Sem trabalho duro e sem correr atrás, fica mais difícil. 

 Quando fui morar sozinho, aos 14 anos, eu dividia um quartinho com quatro policiais. Todas as noites, eles colocavam revólveres em cima da cama. Eu morria de medo de ser atingido por acidente. Mas a minha vontade de me formar, de mudar de vida, de ter uma profissão, era maior que tudo.  

 Depois que você atinge o sucesso, percebe que o mais difícil é se manter lá. As minhas conquistas são resultados de muita dedicação, de anos de trabalho. E essa manutenção exige um alicerce: combinar boa estrutura, honestidade e a certeza de que as escolhas do passado tinham uma motivação, um porquê. Esteja seguro do que faz. Assim, o sucesso virá. 

 Hoje, quero trabalhar mais alguns anos e ir atrás de novos desafios. Mas não parar. Quero aproveitar meus últimos anos de vida e passar adiante alguns conselhos, lições e ensinamentos para quem está começando e buscando crescimento.  

 Muitas vezes, quando há visitas na empresa, chamo os mais jovens para a minha sala, convido-os a tomar um café e ouço quais são seus sonhos e perspectivas de futuro. Pergunto o que estão fazendo para chegar lá, conto um pouco da minha história para tentar dar um pouco de inspiração. Depois de toda essa trajetória e de tantas realizações pessoais e profissionais, sinto que isso é o mínimo que eu posso fazer. 

 

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