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Se você quer ser um líder moderno, precisa ter flexibilidade e adaptabilidade, afirma Javier Gimeno

Leia entrevista com Javier Gimeno, CEO da Saint-Gobain América Latina e Vice-Presidente Sênior do Grupo Saint-Gobain

Se você quer ser um líder moderno, você precisa ter flexibilidade e adaptabilidade, afirma Javier Gimeno (Editora Global Partners)
Se você quer ser um líder moderno, você precisa ter flexibilidade e adaptabilidade, afirma Javier Gimeno (Editora Global Partners)

Uma das qualidades que um líder precisa ter é flexibilidade, capacidade de adaptação, ser maleável a diferentes culturas e diferentes estilos de gestão. Eu tenho tido uma carreira muito internacional. A forma como se lidera no Brasil e na América Latina é muito diferente da forma como realizei a gestão em outros países nos quais trabalhei por muitos anos, como China e França. Aplicar no Brasil, por exemplo, o modo como eu gerenciava as equipes nesses países seria um grande equívoco, um fracasso.  

Se você quer ser um líder moderno, com capacidade para agir não só em um país, mas no mundo inteiro, precisa dessas duas características: flexibilidade e adaptabilidade.  Ressalto, contudo, que essa maleabilidade necessita ser algo genuíno. Tem a ver com a sua personalidade, as pessoas precisam sentir isso. Claro, nem sempre é fácil. 

Acredito que aprendi isso na infância. Nasci em Madri, na Espanha, em 1964, numa época de muito otimismo, expectativa de crescimento e modernização do país. Minha família era de classe média alta. Meu pai era médico, e éramos seis irmãos: três homens e três mulheres. Essa dinâmica familiar influenciou profundamente minha personalidade e minha visão de mundo. 

Crescer em uma família grande ensinou-me dois pontos fundamentais: compartilhar e ser generoso. Ao mesmo tempo, por sermos muitos irmãos, desenvolvi também mecanismos para conseguir espaço e atenção, quando necessários. Saber lidar com essa diversidade compartilhada marcou minha trajetória. 

Importância da formação e dos interesses ecléticos 

Desde a infância, aprendi que repertório é crucial. A educação é um valor fundamental, e não falo apenas de títulos, mas de uma formação verdadeira, ampla e diversa, que inclua conhecimento técnico, moral e intelectual. Sou muito eclético na leitura. Atualmente, estou lendo Discurso do Método, do filósofo francês René Descartes (1596–1650). Leio de tudo, embora hoje um pouco menos devido à rotina corrida. 

Formei-me em Direito e Economia (macro e microeconomia). Fui um bom estudante, mas bastante irregular. Não estudava todos os dias, por vezes deixava para finalizar tarefas quando o prazo já estava acabando, contudo, sempre me esforçava para recuperar e obter boas notas. Para mim, o aprendizado era refletido em notas. Era também uma forma de contribuir para a felicidade dos meus pais, que valorizavam muito a boa formação. 

Uma experiência que me ensinou muito foi o serviço militar obrigatório. Vindo de uma classe média alta, convivi com pessoas de todas as origens sociais, o que foi um choque inicial, porém uma das experiências mais importantes da minha vida. Tornei-me cabo e tive de desenvolver um senso de autoridade, lidando com soldados mais jovens, impondo-me pela cultura e pelo conhecimento que possuía. 

Depois do serviço militar, que durou 12 meses, decidi fazer um MBA intensivo em uma das melhores escolas de negócios da Espanha. Lá, aprendi a lidar com a pressão por resultados. O sistema era rigoroso: a cada trimestre, 10% da turma que não obtinha resultados era expulsa do programa. Isso reforçou meu senso de responsabilidade e competitividade. 

Essa característica permaneceu. Minha carreira progrediu rapidamente. Comecei jovem e logo assumi posições de responsabilidade, liderando equipes com pessoas mais velhas que eu. Isso tornou-se natural para mim e parte da minha rotina. 

O próprio exemplo como meta e estratégia de vida 

Para obter os melhores resultados, é preciso sempre dar o melhor de si. Só assim é possível mobilizar e alcançar resultados coletivos. Um líder deve ser exemplar, pois lida com pessoas, equipes, grupos. É no coletivo que se alcançam os resultados. Não se pode pedir aos membros do time algo que você mesmo não faz. É preciso ser mais disciplinado e exigente consigo, o que dá legitimidade para exigir dos outros. 

Para conquistar respeito e credibilidade entre os colaboradores, é necessário ser sólido, resistir bem à pressão e ao estresse. Em situações difíceis, a equipe precisa sentir segurança e saber que você não vai entrar em pânico. Um líder deve saber decidir rapidamente, sem ficar na dúvida, para não perder a confiabilidade. 

Não concordo com a ideia de que o mercado de trabalho atual seja mais difícil do que há 20 anos. As empresas evoluíram positivamente, respeitando a diversidade e equilibrando a vida profissional e pessoal, algo que era raro duas décadas atrás, quando se começava a trabalhar às 8h e saía às 22h. Sair antes disso era visto como falta de compromisso com a carreira e indicava que a pessoa não estava disposta a sacrificar tudo pelo sucesso profissional.  

Acredito que hoje o clima nas empresas é menos agressivo do que era há 20 ou 30 anos. O que mudou em termos de liderança é que, naquele tempo, o ambiente era mais estressante, a hierarquia e a autoridade eram muito mais intensas. Atualmente, você é reconhecido como líder não apenas pela posição ocupada na empresa, mas também pelas suas qualidades pessoais, o quão inspirador você pode ser. Antes, quando você falava, era ouvido imediatamente e suas ordens eram executadas sem questionamento. Agora, com um ambiente mais relaxado e igualitário, usar essa mesma abordagem pode não ser a melhor estratégia. Hoje, além de ser necessário ter uma capacidade de convencimento mais apurada, estar aberto a ouvir e colaborar, enquanto time, pode ser muito enriquecedor para o surgimento de novas ideias, frescas e inovadoras. 

Os resultados da empresa também são importantes para o país 

Tento mostrar para minha equipe algo que aprendi: a vida profissional vai além dos resultados econômicos. Estamos aqui, se posso dizer assim, para “fazer história”, levar inspiração e realizar algo épico. Estamos construindo a história da empresa para os próximos 20 anos. É um projeto ambicioso, e acredito que posso contribuir significativamente também para o país. Quando nos aposentamos, não somos lembrados pelo quanto ganhávamos, e sim pelo que fizemos, o legado que deixamos. Se criamos empregos, desenvolvemos o mercado, fizemos investimentos, etc. Ter a sensação de que contribuímos para melhorar a vida da empresa e do país é fundamental. Essa dimensão é mais épica do que puramente econômica. Para mim, é muito importante motivar as equipes nesse sentido. Acho essencial criar uma conexão sentimental com as equipes. 

Eu gosto muito de história, literatura e dos grandes líderes da história mundial, as quais são fontes de inspiração e aprendizagem. Exemplos disso são Alexandre, o Grande, Júlio César e Napoleão Bonaparte. No entanto, modernamente, não sou fã de um CEO em particular. Tento relativizar a importância dos líderes, pois, neste mundo, tudo está hiperdimensionado. Uma das lições que aprendi é que, mesmo as pessoas que alcançaram posições elevadas, são completamente normais. Acredito que não é o posto que faz o homem, mas o homem que faz o posto. Idolatrar alguém como se fosse maravilhoso não faz sentido para mim. A admiração, para mim, está no modo como esses profissionais lidam com as adversidades do dia a dia, como interagem em sociedade e como gerem seus times.  

Com perseverança, determinação e ambição, todos estão capacitados para chegar ao topo. Não são alienígenas essas pessoas, são pessoas comuns, que trabalharam duro e tiveram um pouco de sorte na vida. Porque na vida, a sorte também é um fator importante. Napoleão dizia que gostava de ter generais sortudos ao seu redor. 

Ser apressado para alcançar resultados, pode ser uma armadilha. É preciso exercitar a paciência. Construir leva tempo.  Se você tem pressa demais, perde o sentido do coletivo. Ter uma atitude autocentrada atrapalha nossa capacidade de influenciarmos e inspirarmos — as pessoas se inspiram quando se sentem acolhidas enquanto time, conjunto. Se você trabalhar bem e fizer o que precisa ser feito, mais cedo ou tarde, você      vai progredir. Tem de ter confiança. Seguramente, há casos em que um talento extraordinário ficou perdido, contudo, em 95% deles, se você é bom, trabalha, acaba atingindo os postos mais altos da organização.   

Eu me cobro muito. Quando sou responsável por algo, sou inteiramente. Tenho um espírito competitivo, no sentido esportivo de uma concorrência saudável. Nasci com isso e mesmo com a idade, tenho mantido essa postura. Uma comunicação transparente, sincera, genuína cria um ambiente de trabalho positivo e engajador.  

Algo que aprendi na vida: em tudo o que fizer, seja você mesmo. Não tente ser quem você não é. Claro que pode se inspirar em pessoas e personagens, entretanto, seja autêntico. Nunca falseie sua própria personalidade. Além disso, seja muito perseverante. Quem persevera vence, isso é uma regra da vida. Normalmente, os grandes vencedores são aqueles que perseveraram mais. Até o último segundo essas pessoas dão o melhor de si. Quem perde é aquele que não adquiriu a capacidade de resistir. 

Que livro indica: o clássico espanhol “Dom Quixote de La Mancha”, de Miguel de Cervantes.