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Se seu sonho é chegar ao topo, defina antes onde fica este lugar

Quando acabei a educação secundária, realmente queria ser meu pai, trabalhar com ele, acompanhá-lo, contribuir para a empresa dele

No meio do curso universitário, senti a necessidade de obter um pouco de experiência profissional, antes de me juntar ao meu pai (Juan/Divulgação)
No meio do curso universitário, senti a necessidade de obter um pouco de experiência profissional, antes de me juntar ao meu pai (Juan/Divulgação)
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Histórias de sucesso

Publicado em 23 de outubro de 2021 às, 09h00.

Por: Fabiana Monteiro

Juan Pablo Udry, General Manager Brazil & Latam da Boiron, laboratório farmacêutico de origem francesa especializado em homeopatia e presente em 70 países

Eu sou argentino e graduei-me em 2001, em Administração, pela Pontifícia Universidade Católica de Argentina (PUC) “Santa Maria de los Buenos Aires”. Meu pai tinha uma empresa quando eu era criança, uma distribuidora de combustíveis e lubrificantes para aviões. Quando acabei a educação secundária, realmente queria ser meu pai, trabalhar com ele, acompanhá-lo, contribuir para a empresa dele. Por isso escolhi Administração.

No meio do curso universitário, senti a necessidade de obter um pouco de experiência profissional, antes de me juntar ao meu pai. Na época vivia-se o boom das telecomunicações, e consegui meu primeiro emprego na Velocom, como Vendedor de Serviços para outras companhias. Ali percebi o meu DNA para a área comercial. Depois disso, meu pai acabou vendendo sua empresa e senti-me livre para buscar outras oportunidades.

Nessa procura e com a ajuda de minha faculdade, fui parar na Nielsen da Argentina, para fazer uma experiência. Para ser sincero, naquele momento, ainda não sabia muito bem que rumo queria dar à minha carreira. Mas tinha ciência de que a Nielsen era uma gigante, o que permitia muitas possibilidades. Entrei como assistente de uma gerência que tinha nove companhias muito grandes, entre indústrias cervejeiras, Kraft e outras. Ali conheci o mundo da consultoria, no entanto, fiquei por muito pouco tempo. Foi quando decidi que a minha carreira era mais hands-on (mãos na massa) do que só mostrar dados e análises. Aprendi muito também sobre como analisar e apresentar os dados. Porém, na minha condição, só poderia expressá-los, mas não tomar decisão em função deles. Eu queria estar do outro lado.

Quando estava na Nielsen, a Kraft, uma das maiores empresas da Argentina, convidou-me para um projeto muito grande de reestruturação de sua estratégia go-to-market. Entrei como Assistente da Diretoria para fazer um projeto de reformulação que ia durar entre três e oito meses. Na época tinha entre 19 e 20 anos e trabalhava diretamente com os Diretores de Vendas, o Financeiro e o de Supply Chain. Estava, enfim, na minha primeira grande escola, onde eu não tinha uma linha de reports muito grande. E a contratação temporária acabou se convertendo em uma efetivação que durou dois anos.

Ajudava os diretores na análise de dados para que tomassem as decisões certas. E do meu canto dizia: “Um dia quero chegar lá!”, “Quero ser isso, esse é o meu objetivo!”. Realmente foi quando a minha carreira começou, e ali eu era aquilo que queria ser. Era uma função muito parecida com a do meu pai, só que estava em uma grande multinacional, em que até pouco tempo antes jamais tinha pensado em entrar. Assim a minha carreira foi se formando a partir de diferentes oportunidades que o mercado e a vida me ofereceram. Nessa escalada, fui tomando posições cada vez maiores, até chegar a uma expatriação ao Brasil, para onde vim como diretor de vendas da Danone, em 2009.

Exército de um homem só

Quando saí da Kraft, fui para uma empresa de origem holandesa que, na época, se chamava Numico e, depois, foi comprada pela Danone. Ambas estavam em um processo de joint-venture, em um momento de startup e com grande desafio. Eles já tinham uma experiência no canal farmacêutico, mas não no de consumo massivo. Procuravam uma pessoa que assumisse a responsabilidade de desenvolver o mercado de consumo para as categorias de fórmulas infantis na Argentina. Ali tive meu primeiro grande choque na carreira, porque saí de uma companhia colossal, com todos os recursos do mundo, na qual era fácil implementar uma ideia bem pensada — porque tinha dinheiro, orçamento, possibilidades —, e passei para uma startup que não tinha nada disso.

Então, tive de provar que conseguia fazer numa empresa que estava começando o mesmo que faria numa gigante. E fiz isso sozinho, porque comecei na área sem mais ninguém. Porém, com o decorrer do tempo, fomos estruturando equipamentos, contratando gente, crescendo, aumentando e, nesse compasso, de sozinho passei a ter dezenas de pessoas diretamente e mais de cinquenta indiretamente. Foi algo realmente apaixonante, porque foi um lugar que me deu muita liberdade para tomar as decisões e criar processos e estratégias de go-to-market sobre essa categoria. E os resultados vieram. Quando eu entrei, era apenas uma divisão de negócios que representava mais ou menos 1 milhão de dólares e, ao deixar a Argentina, estava em 40 milhões de dólares. Tudo isso em seis anos.

Foi uma adaptação, porque era uma companhia que estava nascendo na Argentina, apesar de muito forte na Europa. Além disso, com a joint-venture, tinha expectativas bem grandes com o mercado local, porque estava se associando a uma marca muito forte também. No entanto, ninguém ali tinha expertise na área de consumo. Enfim, eu tinha de, obviamente, apresentar as decisões para o gerente-geral e demais diretores, todavia as estratégias e as ideias partiam de mim. Foi uma experiência com erros e acertos, mas que resultou em um crescimento significativo e constante.

Ninguém se faz sozinho

Tive muito boa sorte de contar com o suporte de várias pessoas ao longo de minha carreira. Só na Kraft foram duas. Uma era um líder incrível, Federico Sala. Na época eu ainda estava estudando, e foi ele quem me ajudou, primeiro a acreditar no meu potencial. Além disso, ensinou-me a trabalhar com diversão e sempre tentando fazer da melhor forma, não só para mim, mas para as pessoas que estão ao meu redor. Ele é um argentino que hoje está fora do mundo corporativo. Era então o diretor financeiro da Kraft e, depois, foi o líder do projeto para o qual entrei. Enquanto eu auxiliava a Diretoria inteira, tinha ao meu lado um profissional de longa experiência, com mais de sessenta anos, mas que não era de um nível hierárquico alto, Coco Mouriño. Ele nunca se furtou a me ensinar, e eu usufruí muito do seu conhecimento.

Outra figura importante e que me marcou muito foi o Gerente-Geral da Danone no momento em que fui transferido para a Divisão de nutrição infantil aqui no Brasil, Gustavo Hildenbrand. Atualmente ele mora em Londres. Foi quem me apresentou o Brasil e me ajudou na minha adaptação ao mercado brasileiro. Posso dizer que soube cuidar de mim, não só como profissional, mas como pessoa. Sinceramente, não era fácil naquele momento, pois estava morando fora do meu país e sem amigos.

Além destes, atualmente na companhia em que estou, a Boiron, tenho um grande líder, que tem uma missão mundial, por ser responsável pelas operações comerciais no mundo inteiro. Embora jovem, continua me ajudando a desenvolver o meu potencial e a melhorar certos aspectos meus como profissional.

Sou grato à vida por todos eles. Se eu não tivesse essas pessoas que marcaram positivamente a minha trajetória, não estaria onde estou. Como sinal de gratidão, tento causar em outras pessoas o mesmo impacto que eles tiveram sobre mim. Quando tento fazer um mentoring, um coaching ou simplesmente ajudar na melhoria do meu time, busco pincelar e usar como exemplo o melhor dessas pessoas.

Atualmente, estou em uma companhia pequena, contudo em pleno crescimento. A maioria das pessoas que são meus reports diretos chegaram ao nível em que estão pela primeira vez. Todos foram promovidos, do meu Gerente de Marketing ao meu Gerente de Vendas Nacional, passando pelo Gerente de Canal. Então sob todos eles tenho que, obrigatoriamente, fazer um acompanhamento especial, para ajudá-los a se desenvolver. É uma das coisas de que mais gosto do meu trabalho. Ali sou um tipo de treinador de futebol, que tentou escolher as pessoas certas para as posições certas, não necessariamente pelo que o currículo diz, mas pelo que a experiência delas fala.

Um líder emocional e motivador

Acho que somos pessoas em evolução e temos muito a aprender. Gosto de aprender com meu time e para meu time. Considero que somos, independentemente de estar preparados ou não, espíritos em contínua evolução. Então, sempre tem algo que a gente tem de melhorar. Na minha função anterior, principalmente estando na Danone como Diretor de Vendas, sentia que tinha a capacidade de gerir outros departamentos, que não fosse só de Vendas.

Eu tenho muita experiência nisso, contudo acreditei que era o momento de buscar uma posição que me permitisse mais, aproveitando o meu conhecimento nesta área e o que ela pode fazer em outros departamentos. Enfim, liderar uma empresa como um todo. Isso foi um processo de adaptação. Até hoje a minha cabeça ainda continua com um histórico muito forte de Diretor de Vendas. Às vezes, preciso me policiar, porque hoje cuido de outras funções. Não me defino como um tipo pensador, que depois outro tem de executar minha ideia enquanto fico tomando café. Gosto muito da geração de ideias e das estratégias, evidentemente; porém, não consigo ficar fora da execução.

Gosto também de ser eu mesmo. Vivo a minha vida como Juan e não tento ser um Juan como pessoa e outro como executivo. Sou a mesma pessoa e não me separo em duas personalidades. Assim, em qualquer ambiente, tenho os mesmo valores e fundamentos. Mas, como líder, sou um pouco mais emocional e motivador. Não sou do tipo totalmente técnico, que busca vírgulas e zeros. E este caráter foi forjado no Brasil. Acredito que conseguimos muito mais das pessoas quando elas entendem você e abraçam a ideia. Sei que funciona quando você explica, caminha e luta junto e demonstra que está com eles e para eles. Esse é o meu estilo de liderança. No mundo inteiro a empatia gera um pouco mais de compromisso. E conosco, latinos, mais ainda. Resulta em uma força extra. É nisso que acredito.

Uma frustração e muitas lições

O mundo está cada vez mais competitivo e com mais acesso à informação. Neste contexto, todo mundo quer ser CEO hoje ou amanhã, e muitos nem sabem o que significa isso, o impacto de deixar de lado muita gente pelo caminho. Às vezes, é melhor fazer este trajeto passo a passo, todavia de forma consistente. No entanto, num momento em que tudo é tão rápido, muitos jovens também acham que, no que diz respeito à carreira, também deve ser assim. Nestas horas, a experiência de executivos tarimbados é fundamental no sentido de orientar.

Vale destacar que quem vai ter sucesso amanhã não é necessariamente o melhor tecnicamente hoje, mas aqueles com cabeça para afrontar determinadas situações. Dou um exemplo: fiz uma escolha na minha carreira quando ainda estava na faculdade. Ao acabarmos o curso, muitos dos meus colegas partiram diretamente para um MBA. Nenhum deles ainda trabalhava na época. Já eu escolhi buscar uma oportunidade profissional e postergar aquela opção. Queria ganhar experiência no mercado.

Quando meus companheiros foram para o mercado de trabalho, não tinham conhecimento técnico, prático, do dia a dia. E a carreira começa no mesmo momento para todos. Assim, muitos ficaram para trás. Fiz a minha escolha por começar a trabalhar mais cedo e, neste caminho, se necessitava de conhecimentos novos — e sempre se faz necessário —, eu procurava. Mas sempre me guiei mais pela escola da experiência do que por aquela só de papel.

E essa estratégia me trouxe até aqui, tendo inclusive neste caminho algumas frustrações. Alguns anos atrás, por exemplo, já no Brasil, apostei numa mudança por acreditar em um projeto que acabou não acontecendo, mais por questões pessoais do que profissionais. Em algum momento, mesmo com bons resultados, senti-me traído, e a confiança foi abalada. Nessa experiência, tive de sair da companhia, de um jeito muito surpreendente para mim. Em lugar de se sentar, conversar e falar que a história tinha simplesmente chegado ao fim, o desligamento foi feito com a presença de segurança e num prédio à parte. Não merecia aquele tratamento, até pela forma como sempre me comportei por onde passei. Entendo que, na vida profissional, o que é hoje, amanhã pode não ser, muda-se chefe, mudam-se as pessoas. Contudo não sou um número, tenho um nome e uma história. Isso me chocou, mas me ensinou como não quero que as pessoas sintam.

Cada um numa organização tem uma função importante, e isso faz o negócio como um todo. Sem um o outro não funciona. Agradeço todos os dias a Deus, pois não seria o gestor que tento ser se não tivesse passado por experiências como aquela. Serviu para eu evoluir, e sigo evoluindo o tempo todo. Estranho quando ouço alguém dizer que está 100% pronto para determinado desafio. Este pode até se sentir preparado baseado na sua história pregressa, quando superou obstáculo similar rodeado de determinadas pessoas. No entanto, os cenários mudam e, neste próximo momento, pode estar ao lado de outros companheiros e outra situação.

Onde fica o topo?

Se perguntam para mim qual é o meu objetivo de vida, eu respondo: é poder ter uma vida como sempre sonhei para mim e para minha família, sem prejudicar ninguém e tentando ajudar o maior número de pessoas possível. Isso seria para mim uma vida de sucesso. Onde eu estou neste caminho, se em cima, no meio ou um pouquinho mais abaixo, é o que determina meu sucesso. Mas nada se consegue sem esforço, ao passo que o esforço é realmente retribuído. Contudo, dedicar ao máximo a uma causa não significa viver em função dela. Não adianta querer ser o CEO se vou estar infeliz, ter depressão ou não ter família. É isso que quero?

Portanto, realmente é necessário parar e colocar no papel o que se vai querer da vida quando tiver 50, 60 ou mais anos. Eu quero isso! Então, o que vou fazer para chegar lá? Eu sou parte do mundo corporativo, e temos metas, objetivos e ambições. Acredito que podemos ser felizes atingindo os resultados. Reproduzem um grande mito aqueles que dizem que temos de deixar de lado a vida pessoal para investir na profissional, ou o contrário. É possível fazer os dois, sempre que se tem claro os limites de cada um.

Se seu sonho é chegar ao topo, defina então antes onde é este lugar. Nossa vida são todos os momentos, e alguns até chegam lá, mas é uma utopia imaginar que vão se manter lá pelas próximas décadas. Considero importante entender que a vida é feita realmente de instantes. Então temos de aproveitar cada um deles, bons ou ruins. No geral, costumamos ter muitas expectativas, tanto no pessoal quanto no profissional, e muitas delas não se realizam. Por isso acredito que o objetivo da vida não deve ser “se manter lá”, mas evoluir. Isso implica, necessariamente, seguir crescendo e, até mesmo, descer. Às vezes, recuar um degrau é o que precisamos para evoluir.

Acho que a vida é isso. “Ah, cheguei a Gerente-Geral da América Latina, então nos próximos 15 anos só preciso me manter. ” Eu não vivo assim. Gosto de me questionar: “Para que que eu estou aqui? ”, “O que que estou fazendo nesta função? ”. Às vezes, não preciso do resto da minha carreira para realizar tudo que poderia fazer ou contribuir naquela função. Além disso, não sei qual será a minha necessidade daqui a cinco ou dez anos, podendo outro desafio me proporcionar maior prazer. Esse é o meu jeito de ver e viver a vida.