Resiliência: o poder de transformar obstáculos em oportunidades
Na coluna desta semana, conheça a história de Bruno Ahrens, diretor-geral da unidade de negócios de eletrificação na Bosch China
Publicado em 1 de novembro de 2024 às, 13h00.
A vida apresenta desafios constantes, mas acredito que fatores externos não devem ser a razão para limitar o desenvolvimento de ninguém. Devemos nos responsabilizar pelo nosso destino e criar nossas próprias oportunidades. Para mim, essa é uma filosofia de vida. Tenho certeza de que todos temos o poder de influenciar positivamente as pessoas ao nosso redor, e isso pode impulsionar negócios e transformar organizações.
O controle está nas suas mãos: como assumir o volante da sua carreira
Durante minha trajetória, aprendi que, mais importante do que as escolhas que fazemos, é o que fazemos com essas escolhas. Independentemente do caminho a seguir, é a nossa perseverança, resiliência e dedicação em tirar o melhor de cada experiência que realmente faz a diferença. No início da carreira, muitas vezes não entendemos plenamente por que estamos aprendendo certas coisas ou por que tomamos determinadas decisões. No entanto, ao nos prepararmos e ampliarmos nosso conhecimento e experiências, estamos nos equipando para os desafios futuros que, muitas vezes, nem imaginamos que enfrentaremos. O segredo está em estar sempre aberto a aprender e crescer, mesmo sem saber exatamente aonde isso nos levará, porque quando as oportunidades surgirem, estaremos prontos para aproveitá-las ao máximo.
Desde o começo, essa abordagem guiou meus passos. Comecei minha trajetória com determinação, sempre buscando novos desafios, tecnologias inovadoras e culturas diversas. Ao longo desse caminho, aprendi que o erro faz parte do aprendizado e que a verdadeira conquista vem quando deixamos o medo de lado e seguimos adiante em direção ao que queremos. Esse aprendizado moldou tanto minha vida profissional quanto pessoal.
Da incerteza ao crescimento: lições de uma infância em constante mudança
Nasci em Curitiba, no Paraná, e hoje sou casado e pai de duas meninas de 11 e 9 anos. Tenho vivido e trabalhado fora do Brasil por mais de 17 anos, mas minha história começa muito antes disso, em uma realidade bastante diferente. Quando eu tinha apenas dois anos, minha família se mudou para Ourinhos, no interior de São Paulo, devido à transferência profissional do meu pai, que era servidor público estadual. No entanto, quando meus pais se separaram, passei a viver com minha mãe e minha irmã. Mudávamos constantemente, e durante esse período, vivemos em 13 diferentes casas.
Esse ciclo de mudanças e incertezas me ensinou a ser resiliente e flexível. Desde muito jovem, aprendi a me adaptar rapidamente às circunstâncias, algo que mais tarde seria uma vantagem crucial na minha vida adulta e carreira. A experiência de ter de me reorganizar tantas vezes me fez entender que, apesar das dificuldades externas, a capacidade de seguir em frente depende da nossa resiliência interna.
Minha mãe sempre valorizou profundamente a educação. Para ela, o conhecimento era a única conquista que ninguém poderia tirar de nós. Mesmo em tempos difíceis, ela se esforçou para garantir que eu e minha irmã estudássemos em boas escolas. Esse incentivo ao aprendizado foi o que despertou em mim o amor pelo estudo e pelas disciplinas de exatas, como matemática, física e economia, mais tarde definidoras de minha carreira.
Educação como bússola: o valor de investir em conhecimento
Em 2001, iniciei minha graduação em Engenharia Industrial Mecânica na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), em Curitiba. O curso me ofereceu uma base sólida para analisar e resolver problemas, algo de que sempre gostei. Eu sabia que a engenharia industrial abriria portas em diversas áreas, porém o que mais me atraía era a possibilidade de trabalhar com eficiência operacional e gestão de negócios.
Foi no terceiro ano de faculdade que busquei minha primeira oportunidade de estágio na indústria. Esse passo me levou à Bosch, na área de planejamento técnico de manufatura, o que seria um ponto de virada na minha trajetória. Meu primeiro contato com o mundo corporativo foi fascinante. A Bosch me deu a chance de trabalhar diretamente com profissionais incríveis, que me deram liberdade para implementar minhas próprias ideias e projetos. Um dos projetos mais importantes foi a otimização de uma linha de usinagem, onde aplicamos os princípios da manufatura enxuta, inspirados no Sistema Toyota de Produção. Ver os resultados concretos dessa melhoria foi um divisor de águas para mim. Essa experiência me fez querer aprender mais sobre o processo industrial e o impacto da eficiência nas operações.
Após a experiência na Bosch, estagiei em outras duas gigantes da indústria automotiva: a Volkswagen e a Volvo, ambas localizadas na região de Curitiba. Trabalhar em empresas de grande porte me proporcionou uma visão holística do setor automotivo, tanto nas operações produtivas quanto no pós-venda e serviços. Essas experiências consolidaram minha vontade de seguir carreira nesse ramo e me prepararam para os próximos passos.
Viver e aprender: a jornada transformadora na Alemanha
Em 2007, no último ano da faculdade, decidi participar de um programa de intercâmbio na Alemanha. Eu sempre fui fascinado por diferentes culturas, e isso é algo que faz parte da minha identidade. Do lado paterno, minha família tem raízes alemãs e libanesas, enquanto, por parte de mãe, minhas origens são portuguesas e polonesas. Essa diversidade cultural sempre me motivou a explorar o mundo.
Para financiar os primeiros seis meses na Alemanha, vendi meu carro. Após quatro meses no país, consegui um estágio na Siemens, na área de geração de energia com turbinas a gás. A escolha pela Alemanha foi influenciada tanto pela experiência que já havia adquirido na Bosch e Volkswagen quanto pela minha curiosidade em entender o que movia um dos polos mais inovadores da indústria automotiva mundial.
Pouco tempo depois, surgiu uma oportunidade ainda mais empolgante: trabalhar na Rolls-Royce, em Berlim, no desenvolvimento de turbinas para aeronaves. Na Rolls-Royce, atuei como assistente de um gerente de projetos sênior, acompanhando o desenvolvimento de um motor para o jato executivo Gulfstream. Essa experiência foi especialmente importante porque me permitiu trabalhar em um ambiente global, gerenciando fornecedores europeus e desenvolvendo soluções técnicas em escala internacional. Esse foi um dos momentos em que percebi que queria seguir uma carreira global.
Ao retornar ao Brasil em 2008, estava determinado a concluir minha graduação e ingressar em uma grande companhia por meio de um programa de trainee. Meu foco era expandir minhas experiências e construir minha trajetória, pouco a pouco, porém com uma visão de futuro clara: atuar em nível internacional.
Expandindo horizontes: a busca por uma carreira global
Pouco tempo após voltar ao Brasil, consegui uma posição temporária na Volvo, na área de compras, enquanto finalizava meu curso. Porém, eu estava de olho em programas de trainee que oferecessem uma perspectiva global. O programa de trainee da Bosch me chamou atenção por sua reputação internacional e pelo fato de incluir uma experiência no exterior. Decidi me candidatar tanto ao processo no Brasil quanto ao programa global.
Surpreendentemente, poucas semanas após a inscrição, fui chamado para a fase final de entrevistas na sede da Bosch, em Stuttgart. Em 2009, voltei à Alemanha para trabalhar na área de vendas técnicas, onde passei a interagir com grandes clientes do setor automotivo. Mais tarde, em 2012, completei um MBA Executivo em General Management pela ESMT (European School of Management and Technology, em português: Escola Europeia de Gerenciamento e Tecnologia), em Berlim, o que ampliou ainda mais minhas habilidades de gestão e liderança.
Apoiado por minha família, segui confiante nessa nova jornada. Minha mãe, sempre minha maior incentivadora, entendia a importância de buscar novos horizontes. Minha namorada, que já estava comigo há cinco anos, também foi essencial nesse processo. Decidimos nos casar antes de partir definitivamente para o exterior. Nossa mudança para a Alemanha não só fortaleceu nossa vida pessoal, mas também me deu a segurança emocional de que precisava para enfrentar desafios maiores no ambiente profissional.
Liderar é inspirar: construindo resultados com as pessoas
Ao longo dos anos, fui assumindo diferentes funções na Bosch, o que me permitiu desenvolver uma visão mais ampla do negócio. Passei por áreas como vendas, gerenciamento de produtos e, por fim, assumi a posição de diretor-geral. Cada uma dessas transições não representou apenas um aumento de responsabilidade, mas também uma oportunidade de imersão em diferentes culturas e formas de trabalho.
Observar como outras sociedades enfrentam desafios semelhantes me ensinou muito. Cada cultura tem uma maneira única de resolver problemas, e estar aberto a essas lições foi fundamental para meu desenvolvimento como líder. Sempre acreditei que um líder deve aprender continuamente, adaptando-se a diferentes contextos.
A liderança, para mim, é sobre inspirar as pessoas ao seu redor a darem o seu melhor, ao mesmo tempo em que se entrega resultados sólidos. Gerar resultados é essencial para construir credibilidade e respeito, tanto no time quanto na organização.
Entretanto, não podemos esquecer que, no centro da liderança, estão as pessoas. Um líder eficaz deve entender suas equipes, demonstrar interesse genuíno e saber onde estão as áreas que precisam de aprimoramento. Além disso, acredito fortemente na importância da comunicação. Saber adaptar sua mensagem para diferentes públicos, seja ao conversar com uma equipe técnica ou ao apresentar uma visão estratégica para o board da empresa, é uma habilidade indispensável.
Adaptação rápida: o diferencial em um mundo de mudanças constantes
Vivemos em um mundo volátil, onde as mudanças acontecem de forma cada vez mais rápida e imprevisível. Por isso, ser um profissional de alta performance não é apenas sobre se antecipar a essas mudanças, mas sim sobre a capacidade de se adaptar e reagir com rapidez. Essa flexibilidade é o que diferencia aqueles que conseguem prosperar em ambientes de alta pressão.
As experiências que mais moldaram minha visão de liderança foram aquelas em que precisei me adaptar rapidamente às circunstâncias. O programa de trainee da Bosch foi um exemplo claro disso. Nele, fui inserido na indústria de eletrificação automotiva, uma área nova para mim. Hoje, após 15 anos de atuação nesse segmento, posso dizer que foi essa capacidade de adaptação que me permitiu crescer e me destacar dentro da Bosch.
Conectando culturas: lições valiosas da experiência na Ásia
Um dos momentos mais marcantes da minha carreira foi a experiência na Ásia, especialmente na China, onde mais aprendi nos últimos anos. Durante o programa de trainee, passei seis meses no Japão, o que despertou em mim o desejo de explorar mais essa região. Trabalhar com japoneses foi uma experiência única. A forte sensação de comunidade e a empatia cultural que encontrei lá foram inspiradoras.
Após esse período, retornei à Alemanha, porém a Ásia continuava me chamando. Fui para a Coreia do Sul, onde passei três anos enriquecedores, de 2014 a 2017. No entanto, foi na China, assumindo a responsabilidade como diretor-geral, onde enfrentei os maiores desafios e também as maiores oportunidades de crescimento.
O mercado e a economia chinesa são incrivelmente dinâmicos, e a cultura local é rica e profunda. Acredito que manter um nível alto de curiosidade é essencial para aprender com outras culturas e ser bem-sucedido em ambientes globais. A China não apenas me ensinou sobre gestão e negócios em uma escala muito maior, mas também me fez ver o mundo de uma perspectiva completamente nova.
Família e liderança: lições de empatia e paciência
Outra transformação significativa na minha vida foi o nascimento das minhas filhas. Ser pai me ensinou a ter mais empatia e paciência, qualidades essenciais para liderar equipes diversas e complexas. Ao ver minhas filhas crescerem, percebo que parte do papel de um líder é remover obstáculos para as pessoas poderem atingir seu potencial máximo, muitas vezes superando até suas próprias expectativas.
Essa lição é algo que levo para minha vida profissional até hoje. O desenvolvimento das pessoas ao meu redor sempre foi um dos meus maiores focos, porque acredito que o sucesso de um líder está diretamente relacionado ao sucesso de sua equipe.
Mentoria: os líderes que moldaram meu caminho
Ao longo da minha carreira, tive a sorte de contar com grandes mentores, que me ajudaram a moldar a forma como vejo a liderança. Yagyu Naoki, meu supervisor durante o tempo que passei no Japão, foi um dos primeiros a me ensinar a importância de abordar problemas complexos com paciência e profundidade. Ele me mostrou que nem sempre a solução é imediata, mas que, com estrutura e análise, é possível chegar a resultados sólidos.
Outro mentor significativo foi Walter Reichert, ex-vice-presidente sênior global da Bosch na área de Power Electronics. Walter me desafiou a pensar de maneira independente, criando minha própria visão de negócios, em vez de seguir apenas as orientações recebidas. Esse foi um dos momentos mais desafiadores da minha carreira, pois estava saindo da minha zona de conforto. Minha formação era em Engenharia Mecânica, e não em Eletrônica de Potência. No entanto, a confiança de Walter em mim me permitiu crescer, aprendendo com cada decisão.
Por fim, Ralf Schmid foi crucial durante minha transição para o cargo de diretor-geral na China. Comandando uma equipe com mais de 1.500 pessoas, eu estava inseguro sobre assumir uma responsabilidade tão grande. Mas Ralf me encorajou, dizendo que só passamos a dominar novas experiências se as enfrentarmos. Com seu apoio, superei minhas dúvidas e me senti pronto para o desafio.
Essas interações moldaram não apenas meu estilo de liderança, mas também minha abordagem ao desenvolvimento de talentos. Alguns líderes esperam que o profissional demonstre suas capacidades ao longo de muito tempo antes de oferecer oportunidades de crescimento. Outros, como Ralf, identificam o potencial precocemente e oferecem a chance de desenvolvimento. Essa abordagem é algo que trago para meu dia a dia como líder, especialmente em tempos de adversidade.
Paixão e propósito: o que realmente motiva uma carreira de sucesso
Trabalhar com paixão é o que nos impulsiona a alcançar resultados extraordinários. Quando você se identifica profundamente com sua área, como eu me identifico com a eletrificação de veículos, a motivação para se aprimorar e se destacar é natural. Para mim, contribuir para a transformação global rumo à mobilidade sustentável é o que me inspira. Essa motivação intrínseca me dá a energia para expandir meu negócio e buscar um impacto cada vez maior.
A convivência com diferentes culturas nos países onde vivi foi uma experiência transformadora. Estar fora da zona de conforto me ensinou a gerenciar recursos de forma eficiente e a tomar decisões de maneira independente, enfrentando contextos completamente novos. Busquei oportunidades em grandes corporações e, com empenho, adquiri vivências valiosas em empresas com perfis bastante distintos.
As decisões que tomamos no início da carreira farão muita diferença no longo prazo. Evite limitações e busque experiências ampliadoras de suas oportunidades. Além disso, o planejamento financeiro é algo que não pode ser negligenciado. Investir em algo que traga retorno a longo prazo, seja em educação ou em habilidades, é a chave para garantir estabilidade e sucesso.
Livro Recomendado por Bruno Ahrens:
Shift: Inside Nissan's Historic Revival, de Carlos Ghosn. Editora Crown Business, 2004.