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Resiliência, disciplina e o otimismo compõem o perfil do líder vitorioso, afirma Ruy Cunha

Na coluna desta semana, conheça a história de Ruy Cunha CEO na Lavoro Agro

Na coluna desta semana, conheça a história de Ruy Cunha CEO na Lavoro Agro (Divulgação/Divulgação)

Publicado em 29 de dezembro de 2023 às 19h22.

Não acredito em fórmula de sucesso profissional. Carreiras não são lineares e é muito difícil prever o caminho “certo” a ser seguido. A única coisa certa é que o mundo está cada vez mais dinâmico e os profissionais precisam saber se adaptar rapidamente aos novos contextos.

Tendo isso em perspectiva, com base na minha experiência, daria algumas sugestões a quem está começando. A primeira coisa é ter um propósito, que nada mais é do que entender aquilo que nos trará satisfação profissional. Isso ajuda a tomar decisões mais assertivas ao longo da carreira. Depois ter uma combinação de disciplina e resiliência para lidar com as dificuldades e frustrações, que são parte natural do desenvolvimento. Por fim, uma boa dose de otimismo e acreditar que as coisas vão se encaixar no devido tempo.

Atualmente sou CEO da Lavoro Agro e me sinto privilegiado pelas experiências que acumulei. Meu caminho também não foi linear e atuei em pelo menos três segmentos de mercado muito distintos. No começo foi muito difícil porque eu tinha muita pressa de “chegar lá”, porém, quando parei de me preocupar com títulos e cargos e passei a focar em ter experiências ricas, as coisas começaram a acontecer naturalmente.

Paulistano, nascido em janeiro de 1974, toda a minha família é da capital paulista, onde morei praticamente a vida inteira. Casado com a Fernanda, somos pais do Felipe e da Caroline. Graduei-me em Engenharia Mecânica na Mauá, em 1996, influenciado pela paixão por automóveis.

À época, a Mauá possuía um relacionamento muito forte com as indústrias do setor, o que me ajudou a ingressar na General Motors. Lá passei por diversas áreas, até ser alocado no setor de operações de manufatura. Por ser minha primeira experiência profissional, foi muito marcante. Adquiri conhecimentos sobre gestão, processos e visão sistêmica que me acompanham até hoje.

Após sete anos, deixei a GM, pois senti que era hora de explorar outros espaços para seguir em crescimento. Sentia-me com pouca autonomia, por se tratar de uma instituição com bastante hierarquia – algo comum neste modelo de indústria.

A decisão de realizar uma transição profissional

Em 1999, tratei de me aprimorar ao me especializar em Administração no CEAG da FGV, para complementar o que a Engenharia havia me ensinado. Além de ter assimilado mais habilidades, estabeleci relações próximas com pessoas de outros segmentos, como bens de consumo e bancos. Sem dúvida, ampliou o meu repertório, e decidi que gostaria de explorar mais a Administração, já com o propósito de migrar de carreira.

Neste ínterim, concomitantemente à evolução profissional, contemplei o desejo de cursar um MBA no exterior. Em 2004, fui admitido na Kellogg School of Management, da Northwestern University de Chicago. Lá, conheci gente de diversos países e áreas de atuação e me interessei pelo mundo da consultoria de gestão. Me lembro que achei fascinante a capacidade que alguns de meus colegas consultores tinham para estruturar e resolver problemas complexos.

Assim, em 2005, recebi uma oferta da Booz & Allen, que contemplava a minha lista de desejos. Tornei-me consultor de gestão, começando com indústrias de bens de consumo, para depois trabalhar com alimentos, varejo, mineração, automotivo, medicamentos, enfim, experiências diversas, com foco em estratégia e melhoria de desempenho.

Conforme crescia, gostava ainda mais do trabalho. Porém, depois de cinco anos na consultoria, passei a sentir falta de poder tomar decisões e não só de fazer recomendações. Creio que todo consultor, em determinado momento, se depara com esse questionamento, de querer aplicar o que se está aconselhando. Enfim, passei a nutrir a ideia de regressar à indústria.

Os sucessos e desafios como executivo do Agronegócio

Em 2010, recebi uma proposta para me tornar diretor da AGCO, multinacional estadunidense de máquinas agrícolas, de capital aberto. O grupo possui uma operação forte no Brasil e eles me contrataram como diretor para cuidar de estratégia, integração de empresas e M&As, ficando à frente dos projetos na América do Sul.

Liderei uma série de iniciativas estratégicas na empresa, incluindo um programa de melhoria de ROIC (retorno sobre o capital investido), que teve impacto muito significativo no negócio. Também liderei projetos de aquisições, sendo que um deles, a Santal Equipamentos, de modelo familiar, dedicada a desenvolver e fabricar equipamentos para plantio e colheita de cana-de-açúcar. Apesar de ser de porte médio, a empresa detinha uma linha de produtos que nos interessava para entrar no mercado. Fizemos uma aquisição majoritária, com 60% de participação, e no conselho havia gente da AGCO, mas também da família, além de termos contratado um presidente experiente, mas que ficou apenas dois anos no cargo.

O negócio não fluiu da forma como gostaríamos, haja vista como enfrentamos uma época repleta de obstáculos, em meados de 2012, por conta de políticas governamentais que prejudicaram as usinas. Essa unidade de negócios vendia equipamentos, tornando tudo muito desafiador. Com o desgaste, o conselho me pediu para assumir a Presidência, gerando-me um certo desconforto, pois teria que sair da função corporativa, do escritório em São Paulo, para tocar uma companhia de porte médio, com problemas operacionais significativos, com déficit de caixa.

A decisão não era óbvia porque eu deixaria o “conforto” de um cargo corporativo de maior status e segurança para assumir um negócio com altas chances de insucesso, levando em conta os desafios da empresa. Aqui pesou o que eu disse anteriormente sobre buscar experiências enriquecedoras. Pensei que no caso de ser bem-sucedido, eu teria um case muito bacana na minha carreira. Caso fosse malsucedido, teria pelo menos uma grande experiência. Ponderando tudo, achei que o risco maior era não aceitar o desafio e me “acomodar” onde estava. De imediato, no primeiro ano, a agenda pautou-se na reestruturação financeira, renegociação de dívidas, com o fechamento de uma das plantas. Já no ano seguinte, compramos a participação dos minoritários e capitalizamos a empresa para, na sequência, renovar a linha de produtos.

Ao final de quatro anos, e com a reestruturação da empresa bem encaminhada, senti que era hora de mudar. Passava muito tempo longe da minha família, pois a sede fica em Ribeirão Preto, e já não me sentia desafiado na posição. Surgiu uma oportunidade na Europa, mas não pretendia deixar o país e, assim, desliguei-me do grupo. Logo no início de 2018, aceitei a proposta do Patria Investimentos, que estava se organizando para montar um projeto na área agrícola. Tratava-se de uma tese de consolidação do mercado de revendas, sendo que o meu papel abarcava as funções como diretor de estratégia, gerenciando o planejamento de expansão, além de apoiar a agenda de M&A e gestão. À época, a empresa se chamava Terra Verde, e eu me reportava ao CEO.

Fizemos uma transformação no mercado de distribuição, com a Terra Verde comprando muitas empresas anualmente, pois detínhamos a visão de ser o maior distribuidor da América Latina, algo que ocorreu em três anos, na metade do tempo estabelecido. Entramos em um ritmo acelerado de aquisições, abrimos lojas, e o grupo se expandiu rapidamente. A estratégia de consolidação começou a dar certo, o movimento angariou muita força, e muita gente quis se juntar a nós.

O sucesso na Lavoro Agro e a ascensão como CEO

Em 2020, ao ser promovido a COO, decidimos mudar o nome da companhia para Lavoro Agro. Mesmo diante de todas as dificuldades impostas pela Pandemia de Covid-19, realizamos as ações com a nova marca, resultando em um grande case. Nesta cadeira, acumulei os setores de estratégia, operações, além de desenvolver outras áreas dentro da companhia, principalmente as áreas de transformação digital, sustentabilidade e marketing estratégico. Continuamos em crescimento, e a Lavoro foi uma das primeiras revendas a lançar um e-commerce ainda em 2020.

Posteriormente, em fevereiro de 2022, fui promovido a presidente da companhia no Brasil, ficando à frente da operação de distribuição no país. A Lavoro é uma multinacional com dois negócios principais: a distribuição e a fabricação de insumos. Ocupei a posição durante seis meses até que, em meio a uma transição entre diretores, assumi como CEO em junho de 2022. A Lavoro é uma operação muito grande e o principal desafio estava alinhado com o intuito de abrir o capital nos EUA, algo diferenciado no segmento do agro. Foi um processo bastante complexo, mas fomos bem-sucedidos, concluindo a tarefa em março de 2023, listados na Nasdaq.

De certa forma, todos os momentos e experiências da carreira são importantes. Vivenciei grandes momentos na consultoria, e a guinada na operação de cana-de-açúcar foi muito interessante. Mas a Lavoro tem uma característica especial, por ser um projeto com viés empreendedor – quando entrei, tínhamos duas empresas, uma na Colômbia e uma de distribuição no Mato Grosso. À época, faturávamos cerca de R$ 400 milhões anuais, e a Lavoro cresceu exponencialmente em cinco anos, por conta dos esforços de todos, e fui uma das pessoas responsáveis, de traçar a estratégia e colocar os planos em operação.

Foram mais de 24 aquisições, e hoje temos 28 empresas dentro do grupo. Tornou-se uma organização grande, complexa e uma autêntica referência no mercado. Criamos um case único, justamente pelo fato de a Lavoro ser única em diversos aspectos, inclusive pelo crescimento exponencial.

Pense na carreira como um investidor de longo prazo

Comecei a carreira seguindo o conselho de todos os “experts” da época, que diziam que o importante para ser bem-sucedido é seguir a sua paixão. Parece lógico, não? Mas não é bem assim.

Escolhi me tornar engenheiro e trabalhar com automóveis porque era minha paixão, na época. Não fiz um estudo mais profundo para entender os desafios estruturais graves pelos quais as montadoras passavam. Na prática, passei cerca de três dos meus sete anos nessa indústria em meio a programas de demissão voluntária, reestruturações e outras agendas negativas.

O famoso investidor americano Warren Buffett tem um ditado interessante que diz: “quando um profissional com reputação brilhante encontra um negócio com reputação de dificuldades econômicas, a reputação do negócio permanece intacta”.

Então, uma primeira sugestão que eu daria para quem vai começar a vida profissional é pensar como um bom investidor. Estude muito bem as alternativas antes de alocar seu tempo e apostas de futuro em um determinado segmento de negócio. Em alguns segmentos você vai nadar contra a correnteza e em outros terá ela a seu favor. Isso por si só pode fazer uma diferença enorme na velocidade de progressão de carreira, bem como no potencial de crescimento profissional como um todo.

Um segundo ponto é que o bom investidor tem uma visão de longo prazo e é paciente. Vejo muita gente talentosa hoje em dia patinando na carreira porque não consegue lidar com frustrações e não tem paciência de desenvolver um ciclo completo em determinada posição. Essas pessoas vivem pulando de empresa em empresa ou mudando de função constantemente sem ter o tempo de aprender e construir nada de valor por onde passam. Passei (e ainda passo) por momentos muito difíceis na construção da Lavoro, foram inúmeras as frustrações também, porém, em retrospectiva, não ter desistido me permitiu construir algo em que acredito e ter uma experiência fantástica de carreira.

Por fim, o bom investidor também sabe quando é hora de realizar os lucros de um investimento e partir para um próximo. Ter paciência não quer dizer ser acomodado com uma situação confortável. Então, como saber quando mudar? Uma dica é olhar sempre a relação entre o tamanho do seu desafio profissional e o seu nível de habilidades atual. Permanecer muito tempo em uma função na qual o desafio é menor do que suas habilidades é frustrante e improdutivo. Um desafio muito maior do que habilidades obviamente também não é aconselhável, mas para haver crescimento é preciso um certo nível de desconforto. Quando isso não está mais lá, é hora de partir para a próxima. No meu caso, por exemplo, eu acho que deveria ter saído antes do meu primeiro emprego e feito a mudança de carreira mais cedo.

A complementaridade da liderança

Meu primeiro emprego me ensinou muitas coisas, mas uma das mais importantes foi como não ser um líder. O modelo de chefes inacessíveis, que só mandam para os colaboradores executarem, está fadado ao fracasso.

Acredito no modelo de liderança descentralizado, embasado por aquilo que você fala e faz, além de contar com os profissionais certos nos lugares devidamente adequados. Na minha carreira, tudo sempre foi mais fácil quando os times estavam bem montados. Hoje, os profissionais são muito mais completos, questionam constantemente, têm acesso amplo sobre informações. Portanto, o papel do líder está relacionado ao ato de inspirar, direcionar, e, por muitas vezes, ser um coach, um facilitador de trocas. Além de, obviamente, saber decidir, criando caminhos para que seja a recomendação correta.

No caso da Lavoro, por exemplo, seria literalmente impossível fazer metade do que fizemos se não tivéssemos uma grande equipe e um modelo de liderança mais descentralizado. A cada ano fazíamos quatro a cinco aquisições e abríamos organicamente mais de 20 lojas, o que somado resultava em um crescimento inacreditável. Quando se cresce nesse ritmo, é muito difícil manter o controle da empresa, porque os sistemas de tecnologia e processos de gestão não podiam ser implantados nessa mesa velocidade. Então, qual seria a solução? Na minha opinião, ter uma equipe de líderes capazes de preencher as lacunas de processos e sistemas e integrar áreas e outras equipes para garantir o sucesso da empresa. Se tivéssemos alguns poucos chefes mandando e funcionários que se limitassem a executar seu escopo de trabalho, a empresa simplesmente não estaria aqui hoje.

Tendo em vista como analiso as lideranças, aplico filosofia similar ao procurar profissionais que estarão ao meu lado. Contudo, há de se enfatizar algumas habilidades intrínsecas neste aspecto. Acima de tudo, valorizo o senso de trabalho em equipe, e busco pessoas com capacidade de liderar – independentemente de crachá, devem dispor de autonomia, respeitados pelas próprias ideias e iniciativas.

Sinto que um dos maiores desafios na seleção de outros líderes para compor a equipe é resistir à tentação de contratar pessoas que tenham um perfil similar e pensem exatamente igual a você. No meu tempo de consultoria, por exemplo, me lembro que todos nós tínhamos um perfil bastante similar, o que ajudava na convivência das longas horas de trabalho. Tínhamos também de modo geral um problema específico para tratar, uma divisão clara de responsabilidades e operávamos em equipes muito pequenas de 4 a 5 pessoas. Funcionava, mas é a exceção que prova a regra. O que quero dizer é que em todas as minhas outras experiências, a diversidade de perfis traz melhores resultados porque há uma maior complementaridade de habilidades. No dia a dia das grandes empresas, os desafios são mais diversos, muitas vezes não são tão bem definidos, e ter líderes com capacidades complementares ajuda muito.

Disciplina e resiliência pavimentam a jornada de sucesso

Acho que o mundo hoje está ficando mais interessante do ponto de vista profissional, com novas oportunidades sendo abertas pela evolução da tecnologia. Mais interessante, porém, mais complexo e imprevisível também, dado que a velocidade das mudanças parece cada vez maior. Algumas carreiras estão desaparecendo e outras surgindo.

No contexto atual, o profissional precisa se acostumar com um maior nível de desconforto, saber lidar com incertezas e estar aberto a mudanças de planos. Vide o meu caso, pois não passou pela minha cabeça ser o CEO de uma companhia de agronegócio – sabia que gostaria de perseguir uma carreira executiva e participar de projetos transformadores que de alguma forma tornassem minhas experiências cada vez mais ricas. Manter essa visão um pouco mais “generalista” ajudou a olhar as oportunidades com uma cabeça mais aberta.

Penso que ter um propósito, ainda que mais aberto, ter disciplina e resiliência para lidar com as frustrações, fazer o que tem de ser feito e contar com uma certa dose de otimismo, seguem sendo coisas importantes. Certamente não garantem o sucesso, mas pavimentam o caminho.

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Não acredito em fórmula de sucesso profissional. Carreiras não são lineares e é muito difícil prever o caminho “certo” a ser seguido. A única coisa certa é que o mundo está cada vez mais dinâmico e os profissionais precisam saber se adaptar rapidamente aos novos contextos.

Tendo isso em perspectiva, com base na minha experiência, daria algumas sugestões a quem está começando. A primeira coisa é ter um propósito, que nada mais é do que entender aquilo que nos trará satisfação profissional. Isso ajuda a tomar decisões mais assertivas ao longo da carreira. Depois ter uma combinação de disciplina e resiliência para lidar com as dificuldades e frustrações, que são parte natural do desenvolvimento. Por fim, uma boa dose de otimismo e acreditar que as coisas vão se encaixar no devido tempo.

Atualmente sou CEO da Lavoro Agro e me sinto privilegiado pelas experiências que acumulei. Meu caminho também não foi linear e atuei em pelo menos três segmentos de mercado muito distintos. No começo foi muito difícil porque eu tinha muita pressa de “chegar lá”, porém, quando parei de me preocupar com títulos e cargos e passei a focar em ter experiências ricas, as coisas começaram a acontecer naturalmente.

Paulistano, nascido em janeiro de 1974, toda a minha família é da capital paulista, onde morei praticamente a vida inteira. Casado com a Fernanda, somos pais do Felipe e da Caroline. Graduei-me em Engenharia Mecânica na Mauá, em 1996, influenciado pela paixão por automóveis.

À época, a Mauá possuía um relacionamento muito forte com as indústrias do setor, o que me ajudou a ingressar na General Motors. Lá passei por diversas áreas, até ser alocado no setor de operações de manufatura. Por ser minha primeira experiência profissional, foi muito marcante. Adquiri conhecimentos sobre gestão, processos e visão sistêmica que me acompanham até hoje.

Após sete anos, deixei a GM, pois senti que era hora de explorar outros espaços para seguir em crescimento. Sentia-me com pouca autonomia, por se tratar de uma instituição com bastante hierarquia – algo comum neste modelo de indústria.

A decisão de realizar uma transição profissional

Em 1999, tratei de me aprimorar ao me especializar em Administração no CEAG da FGV, para complementar o que a Engenharia havia me ensinado. Além de ter assimilado mais habilidades, estabeleci relações próximas com pessoas de outros segmentos, como bens de consumo e bancos. Sem dúvida, ampliou o meu repertório, e decidi que gostaria de explorar mais a Administração, já com o propósito de migrar de carreira.

Neste ínterim, concomitantemente à evolução profissional, contemplei o desejo de cursar um MBA no exterior. Em 2004, fui admitido na Kellogg School of Management, da Northwestern University de Chicago. Lá, conheci gente de diversos países e áreas de atuação e me interessei pelo mundo da consultoria de gestão. Me lembro que achei fascinante a capacidade que alguns de meus colegas consultores tinham para estruturar e resolver problemas complexos.

Assim, em 2005, recebi uma oferta da Booz & Allen, que contemplava a minha lista de desejos. Tornei-me consultor de gestão, começando com indústrias de bens de consumo, para depois trabalhar com alimentos, varejo, mineração, automotivo, medicamentos, enfim, experiências diversas, com foco em estratégia e melhoria de desempenho.

Conforme crescia, gostava ainda mais do trabalho. Porém, depois de cinco anos na consultoria, passei a sentir falta de poder tomar decisões e não só de fazer recomendações. Creio que todo consultor, em determinado momento, se depara com esse questionamento, de querer aplicar o que se está aconselhando. Enfim, passei a nutrir a ideia de regressar à indústria.

Os sucessos e desafios como executivo do Agronegócio

Em 2010, recebi uma proposta para me tornar diretor da AGCO, multinacional estadunidense de máquinas agrícolas, de capital aberto. O grupo possui uma operação forte no Brasil e eles me contrataram como diretor para cuidar de estratégia, integração de empresas e M&As, ficando à frente dos projetos na América do Sul.

Liderei uma série de iniciativas estratégicas na empresa, incluindo um programa de melhoria de ROIC (retorno sobre o capital investido), que teve impacto muito significativo no negócio. Também liderei projetos de aquisições, sendo que um deles, a Santal Equipamentos, de modelo familiar, dedicada a desenvolver e fabricar equipamentos para plantio e colheita de cana-de-açúcar. Apesar de ser de porte médio, a empresa detinha uma linha de produtos que nos interessava para entrar no mercado. Fizemos uma aquisição majoritária, com 60% de participação, e no conselho havia gente da AGCO, mas também da família, além de termos contratado um presidente experiente, mas que ficou apenas dois anos no cargo.

O negócio não fluiu da forma como gostaríamos, haja vista como enfrentamos uma época repleta de obstáculos, em meados de 2012, por conta de políticas governamentais que prejudicaram as usinas. Essa unidade de negócios vendia equipamentos, tornando tudo muito desafiador. Com o desgaste, o conselho me pediu para assumir a Presidência, gerando-me um certo desconforto, pois teria que sair da função corporativa, do escritório em São Paulo, para tocar uma companhia de porte médio, com problemas operacionais significativos, com déficit de caixa.

A decisão não era óbvia porque eu deixaria o “conforto” de um cargo corporativo de maior status e segurança para assumir um negócio com altas chances de insucesso, levando em conta os desafios da empresa. Aqui pesou o que eu disse anteriormente sobre buscar experiências enriquecedoras. Pensei que no caso de ser bem-sucedido, eu teria um case muito bacana na minha carreira. Caso fosse malsucedido, teria pelo menos uma grande experiência. Ponderando tudo, achei que o risco maior era não aceitar o desafio e me “acomodar” onde estava. De imediato, no primeiro ano, a agenda pautou-se na reestruturação financeira, renegociação de dívidas, com o fechamento de uma das plantas. Já no ano seguinte, compramos a participação dos minoritários e capitalizamos a empresa para, na sequência, renovar a linha de produtos.

Ao final de quatro anos, e com a reestruturação da empresa bem encaminhada, senti que era hora de mudar. Passava muito tempo longe da minha família, pois a sede fica em Ribeirão Preto, e já não me sentia desafiado na posição. Surgiu uma oportunidade na Europa, mas não pretendia deixar o país e, assim, desliguei-me do grupo. Logo no início de 2018, aceitei a proposta do Patria Investimentos, que estava se organizando para montar um projeto na área agrícola. Tratava-se de uma tese de consolidação do mercado de revendas, sendo que o meu papel abarcava as funções como diretor de estratégia, gerenciando o planejamento de expansão, além de apoiar a agenda de M&A e gestão. À época, a empresa se chamava Terra Verde, e eu me reportava ao CEO.

Fizemos uma transformação no mercado de distribuição, com a Terra Verde comprando muitas empresas anualmente, pois detínhamos a visão de ser o maior distribuidor da América Latina, algo que ocorreu em três anos, na metade do tempo estabelecido. Entramos em um ritmo acelerado de aquisições, abrimos lojas, e o grupo se expandiu rapidamente. A estratégia de consolidação começou a dar certo, o movimento angariou muita força, e muita gente quis se juntar a nós.

O sucesso na Lavoro Agro e a ascensão como CEO

Em 2020, ao ser promovido a COO, decidimos mudar o nome da companhia para Lavoro Agro. Mesmo diante de todas as dificuldades impostas pela Pandemia de Covid-19, realizamos as ações com a nova marca, resultando em um grande case. Nesta cadeira, acumulei os setores de estratégia, operações, além de desenvolver outras áreas dentro da companhia, principalmente as áreas de transformação digital, sustentabilidade e marketing estratégico. Continuamos em crescimento, e a Lavoro foi uma das primeiras revendas a lançar um e-commerce ainda em 2020.

Posteriormente, em fevereiro de 2022, fui promovido a presidente da companhia no Brasil, ficando à frente da operação de distribuição no país. A Lavoro é uma multinacional com dois negócios principais: a distribuição e a fabricação de insumos. Ocupei a posição durante seis meses até que, em meio a uma transição entre diretores, assumi como CEO em junho de 2022. A Lavoro é uma operação muito grande e o principal desafio estava alinhado com o intuito de abrir o capital nos EUA, algo diferenciado no segmento do agro. Foi um processo bastante complexo, mas fomos bem-sucedidos, concluindo a tarefa em março de 2023, listados na Nasdaq.

De certa forma, todos os momentos e experiências da carreira são importantes. Vivenciei grandes momentos na consultoria, e a guinada na operação de cana-de-açúcar foi muito interessante. Mas a Lavoro tem uma característica especial, por ser um projeto com viés empreendedor – quando entrei, tínhamos duas empresas, uma na Colômbia e uma de distribuição no Mato Grosso. À época, faturávamos cerca de R$ 400 milhões anuais, e a Lavoro cresceu exponencialmente em cinco anos, por conta dos esforços de todos, e fui uma das pessoas responsáveis, de traçar a estratégia e colocar os planos em operação.

Foram mais de 24 aquisições, e hoje temos 28 empresas dentro do grupo. Tornou-se uma organização grande, complexa e uma autêntica referência no mercado. Criamos um case único, justamente pelo fato de a Lavoro ser única em diversos aspectos, inclusive pelo crescimento exponencial.

Pense na carreira como um investidor de longo prazo

Comecei a carreira seguindo o conselho de todos os “experts” da época, que diziam que o importante para ser bem-sucedido é seguir a sua paixão. Parece lógico, não? Mas não é bem assim.

Escolhi me tornar engenheiro e trabalhar com automóveis porque era minha paixão, na época. Não fiz um estudo mais profundo para entender os desafios estruturais graves pelos quais as montadoras passavam. Na prática, passei cerca de três dos meus sete anos nessa indústria em meio a programas de demissão voluntária, reestruturações e outras agendas negativas.

O famoso investidor americano Warren Buffett tem um ditado interessante que diz: “quando um profissional com reputação brilhante encontra um negócio com reputação de dificuldades econômicas, a reputação do negócio permanece intacta”.

Então, uma primeira sugestão que eu daria para quem vai começar a vida profissional é pensar como um bom investidor. Estude muito bem as alternativas antes de alocar seu tempo e apostas de futuro em um determinado segmento de negócio. Em alguns segmentos você vai nadar contra a correnteza e em outros terá ela a seu favor. Isso por si só pode fazer uma diferença enorme na velocidade de progressão de carreira, bem como no potencial de crescimento profissional como um todo.

Um segundo ponto é que o bom investidor tem uma visão de longo prazo e é paciente. Vejo muita gente talentosa hoje em dia patinando na carreira porque não consegue lidar com frustrações e não tem paciência de desenvolver um ciclo completo em determinada posição. Essas pessoas vivem pulando de empresa em empresa ou mudando de função constantemente sem ter o tempo de aprender e construir nada de valor por onde passam. Passei (e ainda passo) por momentos muito difíceis na construção da Lavoro, foram inúmeras as frustrações também, porém, em retrospectiva, não ter desistido me permitiu construir algo em que acredito e ter uma experiência fantástica de carreira.

Por fim, o bom investidor também sabe quando é hora de realizar os lucros de um investimento e partir para um próximo. Ter paciência não quer dizer ser acomodado com uma situação confortável. Então, como saber quando mudar? Uma dica é olhar sempre a relação entre o tamanho do seu desafio profissional e o seu nível de habilidades atual. Permanecer muito tempo em uma função na qual o desafio é menor do que suas habilidades é frustrante e improdutivo. Um desafio muito maior do que habilidades obviamente também não é aconselhável, mas para haver crescimento é preciso um certo nível de desconforto. Quando isso não está mais lá, é hora de partir para a próxima. No meu caso, por exemplo, eu acho que deveria ter saído antes do meu primeiro emprego e feito a mudança de carreira mais cedo.

A complementaridade da liderança

Meu primeiro emprego me ensinou muitas coisas, mas uma das mais importantes foi como não ser um líder. O modelo de chefes inacessíveis, que só mandam para os colaboradores executarem, está fadado ao fracasso.

Acredito no modelo de liderança descentralizado, embasado por aquilo que você fala e faz, além de contar com os profissionais certos nos lugares devidamente adequados. Na minha carreira, tudo sempre foi mais fácil quando os times estavam bem montados. Hoje, os profissionais são muito mais completos, questionam constantemente, têm acesso amplo sobre informações. Portanto, o papel do líder está relacionado ao ato de inspirar, direcionar, e, por muitas vezes, ser um coach, um facilitador de trocas. Além de, obviamente, saber decidir, criando caminhos para que seja a recomendação correta.

No caso da Lavoro, por exemplo, seria literalmente impossível fazer metade do que fizemos se não tivéssemos uma grande equipe e um modelo de liderança mais descentralizado. A cada ano fazíamos quatro a cinco aquisições e abríamos organicamente mais de 20 lojas, o que somado resultava em um crescimento inacreditável. Quando se cresce nesse ritmo, é muito difícil manter o controle da empresa, porque os sistemas de tecnologia e processos de gestão não podiam ser implantados nessa mesa velocidade. Então, qual seria a solução? Na minha opinião, ter uma equipe de líderes capazes de preencher as lacunas de processos e sistemas e integrar áreas e outras equipes para garantir o sucesso da empresa. Se tivéssemos alguns poucos chefes mandando e funcionários que se limitassem a executar seu escopo de trabalho, a empresa simplesmente não estaria aqui hoje.

Tendo em vista como analiso as lideranças, aplico filosofia similar ao procurar profissionais que estarão ao meu lado. Contudo, há de se enfatizar algumas habilidades intrínsecas neste aspecto. Acima de tudo, valorizo o senso de trabalho em equipe, e busco pessoas com capacidade de liderar – independentemente de crachá, devem dispor de autonomia, respeitados pelas próprias ideias e iniciativas.

Sinto que um dos maiores desafios na seleção de outros líderes para compor a equipe é resistir à tentação de contratar pessoas que tenham um perfil similar e pensem exatamente igual a você. No meu tempo de consultoria, por exemplo, me lembro que todos nós tínhamos um perfil bastante similar, o que ajudava na convivência das longas horas de trabalho. Tínhamos também de modo geral um problema específico para tratar, uma divisão clara de responsabilidades e operávamos em equipes muito pequenas de 4 a 5 pessoas. Funcionava, mas é a exceção que prova a regra. O que quero dizer é que em todas as minhas outras experiências, a diversidade de perfis traz melhores resultados porque há uma maior complementaridade de habilidades. No dia a dia das grandes empresas, os desafios são mais diversos, muitas vezes não são tão bem definidos, e ter líderes com capacidades complementares ajuda muito.

Disciplina e resiliência pavimentam a jornada de sucesso

Acho que o mundo hoje está ficando mais interessante do ponto de vista profissional, com novas oportunidades sendo abertas pela evolução da tecnologia. Mais interessante, porém, mais complexo e imprevisível também, dado que a velocidade das mudanças parece cada vez maior. Algumas carreiras estão desaparecendo e outras surgindo.

No contexto atual, o profissional precisa se acostumar com um maior nível de desconforto, saber lidar com incertezas e estar aberto a mudanças de planos. Vide o meu caso, pois não passou pela minha cabeça ser o CEO de uma companhia de agronegócio – sabia que gostaria de perseguir uma carreira executiva e participar de projetos transformadores que de alguma forma tornassem minhas experiências cada vez mais ricas. Manter essa visão um pouco mais “generalista” ajudou a olhar as oportunidades com uma cabeça mais aberta.

Penso que ter um propósito, ainda que mais aberto, ter disciplina e resiliência para lidar com as frustrações, fazer o que tem de ser feito e contar com uma certa dose de otimismo, seguem sendo coisas importantes. Certamente não garantem o sucesso, mas pavimentam o caminho.

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