Exame.com
Continua após a publicidade

Prepare-se para desafios e tenha um olhar abrangente para novas oportunidades

Na coluna desta semana, conheça a história de Nácia Pupo Taylor, da Johnson & Johnson

Na coluna desta semana, conheça a história de Nácia Pupo Taylor, da Johnson & Johnson  (Editora Global Partners)
Na coluna desta semana, conheça a história de Nácia Pupo Taylor, da Johnson & Johnson (Editora Global Partners)

Nunca tive um destino previamente definido sobre onde queria chegar profissionalmente, mas sempre soube que queria construir algo significativo. Acredito que, mais importante do que ter objetivos específicos para alcançar o sucesso, é ter metas para satisfação pessoal que sejam definidas, mas, ao mesmo tempo, flexíveis o suficiente para serem ajustadas à medida que você amadurece. 

Olhando para trás, percebo que minha jornada tem sido marcada por muito trabalho e muitas realizações: desde meu primeiro emprego como assistente de cobrança na pequena empresa do meu pai, passando por diversos estágios durante a graduação na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EAESP/FGV), até o período na Procter & Gamble e o MBA nos Estados Unidos, na Universidade da Pensilvânia (UPenn). Isso sem mencionar as mais de duas décadas na Johnson & Johnson, em que tive a honra de liderar o time global de políticas em imunização durante a desafiadora Pandemia de Covid-19. Certamente, posso dizer que nunca tive um dia de trabalho entediante. Foram sempre fortes emoções e muito aprendizado. 

Acredito que os seres humanos se constroem pelas suas realizações através do trabalho. Sei o quanto é difícil, na fase inicial da vida profissional, decidir o que estudar, que profissão escolher, que emprego buscar… isso sem falar em lidar com medos como: “Vou ter um trabalho no futuro? Vou conseguir sobreviver com o que escolher?” Eu passei por todas essas angústias e, ao longo dos anos, recebi vários conselhos bem-intencionados, mas alguns completamente equivocados. E, ao longo do processo, colecionei aprendizados que foram extremamente úteis em minha carreira. A seguir, destaco alguns deles. 

Tenha curiosidade: as oportunidades de aprendizado estão por todos os lados  

Durante a maior parte da minha infância, meu pai foi avicultor e teve uma pequena indústria de ração animal. Cresci dividindo o tempo entre duas realidades distintas: o mundo urbano da capital paulista e a vida rural de Jarinu, interior de São Paulo. Meu irmão e eu éramos café-com-leite na carga e descarga de caminhões, no cerco das aves, na recepção de toneladas de milho a granel... E entre uma atividade e outra, aprendi a ter curiosidade tanto pelo mundo das ideias quanto pelo mundo prático e concreto. Aprendi com meu pai que dificuldades existem para serem superadas. E o conhecimento sobre o mundo concreto foi fundamental, especialmente quando comecei a trabalhar com tecnologias médicas e a liderar não apenas times de vendedores e gerentes de marketing, mas também de assistência técnica, de assistência ao consumidor e de apoio clínico.  

Disciplina pessoal, tenacidade e organização pessoal são fundamentais  

Frequentemente me perguntam quem é minha inspiração de líder feminina. Angela Merkel está sempre no topo da lista… Contudo, minha mãe está no topo das minhas influências pessoais. Uma imigrante pobre que chegou de navio ao Brasil aos 8 anos e teve de parar de estudar aos 13 para trabalhar como costureira e ajudar a família. Sozinha e por determinação própria, retornou aos estudos e conseguiu completar a faculdade depois que nasci. Inteligente, intuitiva e trabalhadora, construiu uma carreira de sucesso como pioneira na pesquisa de mercado e de opinião, tornando-se consultora de lançamentos de produto de grandes empresas multinacionais. Posteriormente, migrou para a área de Pesquisa de Opinião Política e trabalhou em campanhas eleitorais no Brasil e na África. 

Da minha mãe, aprendi o valor do trabalho disciplinado, o poder transformador da educação e a importância de se fazer tudo bem-feito e de maneira organizada. Nós duas compartilhamos o amor pelas artes tradicionais e pelo artesanato. Aprendi com ela que a verdadeira qualidade de um bordado se revela no verso – onde repousam os restos das linhas, onde se escondem os nós. Assim como um bom bordado, qualquer trabalho digno de admiração se avalia observando o que fica oculto aos olhos. Nos negócios e nas áreas corporativas que liderei, busquei sempre não apenas entregar os melhores resultados, mas também fazê-lo da maneira mais sustentável, correta e estruturada. Assim como em um bordado, sempre achei importante que o meu trabalho fosse o melhor possível na frente e no verso. 

Educação e aprendizado são fins em si mesmos  

A educação formal é e continuará sendo, por muito tempo, a principal ferramenta de acesso a oportunidades de trabalho, de crescimento profissional, de mobilidade social e de melhoria da sociedade. A visibilidade de executivos como Steve Jobs e Mark Zuckerberg fez muitos acreditarem no fim da necessidade de educação formal superior. Para mim, eles são a exceção. E hoje em dia o aprendizado tem muitas formas mais flexíveis, online e híbridas, que são incríveis. Não existe idade para aprender uma área nova, retomar um estudo parado e avançar. 

Quando fiz vestibular, tive a felicidade de entrar em várias universidades, e escolhi o curso que considerei na época o mais difícil e competitivo: Administração Pública na FGV. Já no mercado de trabalho, decidi que precisava fazer um mestrado. Assumi o risco, me endividei em dólares e fiz um MBA nos EUA. Fui aceita em várias escolas e optei por recusar uma bolsa para ingressar na que julguei ser a mais exigente: a Universidade da Pennsylvania, The Wharton School. Anos depois, aprofundei meus estudos em políticas de saúde e em pesquisa e desenvolvimento de fármacos. Todas essas decisões fizeram grande diferença na minha carreira.  

“Siga sua paixão!” pode ser um conselho paralisante  

Se você sabe aos 18 anos qual é sua paixão e ela também te serve de profissão, que ótimo! Considere-se uma exceção. Para a maioria das pessoas, este conselho não é prático e pode ser paralisante. O prazer profissional vem de fazer um trabalho muito bem-feito, de se ter propósito no que faz, de ver o impacto concreto da sua atividade profissional. Não escolhemos um caminho profissional no vácuo. Existem realidades práticas de diferentes trilhas profissionais, de necessidades financeiras, familiares e de aptidões pessoais que precisam ser consideradas nas escolhas profissionais e que podem ser mais determinantes na satisfação profissional do que a “paixão”. 

Alguns estudiosos de satisfação no trabalho separam os aspectos que influenciam a felicidade profissional em dois segmentos: práticos (como remuneração, segurança no emprego, horas de trabalho, local) e motivacionais (como alinhamento de propósitos pessoais com o trabalho, responsabilidade, crescimento pessoal). É importante entender que ambos são independentes (a presença de um não supera a ausência de outro) e nos impactam igualmente.  

Satisfação profissional vem de ser bom no que se faz e ter autonomia  

O início de toda empreitada nova é angustiante, traz incerteza e desconforto, mesmo que seja o que mais queremos fazer. Mas, avançando de forma contínua, com trabalho e foco, tudo vai se clareando. Nesta jornada, a gente erra e acerta, e assim vai ficando melhor. Ao dominar uma nova área, ficamos mais felizes, ganhamos autonomia e, claro, mais responsabilidade. E a satisfação de se sentir confiante na habilidade de fazer algo bem-feito é um dos sentimentos mais felizes e duradouros para o ser humano.  

Quando terminei meu MBA na The Wharton School e fui contratada pela Johnson & Johnson MedTech, para ser treinada nos EUA e depois trabalhar na América Latina, não tinha ideia de que passaria os próximos 11 anos ligada diretamente à área hospitalar. Aceitei a proposta porque me identifiquei com a cultura da empresa. Mas foi só quando entrei na primeira aula de onboarding que me dei conta do que seria esperado de mim. Lembro-me de receber em casa o material de leitura do primeiro treinamento, que incluía um volume sobre nomenclatura médica e anatomia, e do impacto ao descobrir que o programa incluía aulas de anatomia em cadáveres na Universidade de Rutgers, em New Jersey. Claro que o desconforto inicial foi enorme, mas estudei com o mesmo afinco que empreguei para o vestibular, aproveitei cada minuto das duas semanas de treinamento e tirei 100% em todas as provas. Isso me deu confiança para dar o próximo passo. Antes de conversar com qualquer médico novo, identifiquei os que já utilizavam as nossas tecnologias no território onde estava, pedi permissão e assisti a dezenas de cirurgias. Também assisti aos mesmos vídeos de procedimentos centenas de vezes, recitei os passos incessantemente, fiz meu marido assistir a inúmeras apresentações de produto para me ajudar a identificar pontos de melhoria e li todos os estudos clínicos relevantes, entre outras atividades. Como resultado, ganhei confiança para apresentar meu trabalho, pois sabia que tinha valor a agregar aos clientes.  

Ao longo da minha carreira, usei o mesmo foco e determinação para aprender sobre inúmeras outras áreas técnicas e temas amplos de negócios e mercados. Isso me permitiu liderar, com grande sucesso, times de negócios nas áreas de ginecologia, urologia, obesidade, oncologia, cirurgia geral, grandes equipamentos para esterilização e desinfecção de instrumentos médicos, além de consumer healthcare. 

Tomamos decisões de carreira todos os dias, o tempo todo  

Existem momentos de decisões particularmente impactantes, como quando vamos escolher uma capacitação, decidir se vamos permanecer ou mudar de emprego, se é o momento de empreender em um novo negócio... Mas também tomamos, diariamente, outras tantas decisões que, no conjunto, são tão impactantes quanto as primeiras. E todos estes momentos influenciam nossa trajetória profissional.  

Muito pouco na minha carreira foi planejado, mas uma constante foi sempre a de ter aceitado novos desafios, dizendo mais “sim” do que “não”. Às vezes, profissionais que estão começando me perguntam como consegui o emprego que tenho hoje, e a verdade é que eu criei este emprego, assim como todos os que tive desde que fui transferida pela Johnson & Johnson do Brasil para os Estados Unidos, identificando e buscando novos projetos e desafios. 

Quando me mudei pela segunda vez para os EUA, o plano era seguir na área de Negócios, Marketing e Vendas. Mas a curiosidade pelas reformas do sistema de saúde americano, com as mudanças do chamado “Obamacare”, me levou a fazer uma aula de Políticas de Saúde na American University – e este conteúdo expandiu meus horizontes. Percebi o quanto muitos dos problemas fundamentais no sistema de saúde nos EUA eram parecidos com os que havia vivenciado trabalhando nos principais países da América Latina. Esta aula também me trouxe mais clareza sobre como os negócios na área de Saúde são incrivelmente dependentes de decisões governamentais e de políticas públicas.  

A curiosidade pelos temas de políticas públicas me fez conectar com outras áreas dentro da companhia, incluindo a de políticas em saúde e assuntos governamentais em nível global. Foram conversas que iniciei sem nenhuma pretensão, e três delas, realizadas na hora certa e com as pessoas certas, mudaram a minha vida e trajetória. Com o apoio de mentores, propus a criação de uma posição inteiramente nova na área de políticas em saúde para países emergentes. A proposta foi aceita, e fui contratada para essa nova posição. Durante os anos que se seguiram, tive o privilégio de atuar em assuntos governamentais relacionados a políticas de saúde na América Latina e de criar, do zero, uma nova área de atuação em apoio aos negócios da Johnson & Johnson na região, abrangendo os três setores da companhia: Janssen Farmacêutica, J&J MedTech e J&J Consumo. A partir dessa experiência, mais uma vez propus e obtive uma expansão de responsabilidades, tornando-me líder da área de políticas em Global Public Health na Johnson & Johnson, com foco em instituições multilaterais baseadas em Genebra e em países do G7.  

Prepare-se para desafios e tenha um olhar abrangente para novas oportunidades 

Com poucos meses atuando em políticas de saúde pública, participei de uma reunião, na Holanda, no centro de pesquisa e desenvolvimento de vacinas da Johnson & Johnson. Foi quando a companhia anunciou que trabalhava para a identificação de targets para o novo vírus que se espalhava pela Ásia. Mal sabíamos que estaríamos diante da Pandemia de Covid-19. Mas, naquele dia, conversando com um colega, lembro-me de dizer a ele que não tínhamos experts em política de imunização no nosso time e que eu iria começar a estudar o tema e me conectar com nossa associação global e pares da indústria sobre o assunto. Mais uma vez, uma decisão sem maiores planos teve um impacto fundamental na minha trajetória profissional. Em poucas semanas, passei a liderar a área de políticas de imunização em meio a uma pandemia e durante o primeiro lançamento de uma vacina em larga escala pela organização. Foram meses de trabalho incansáveis. Ainda tenho trauma desse período; só quem passou por ele entende o que foi trabalhar em uma empresa de saúde durante a pandemia. Ao mesmo tempo, foi uma experiência que não trocaria por nada e uma honra enorme saber que fui parte de um time que deu o melhor de si para um bem comum: salvar vidas. 

Entenda sobre juros compostos e valor presente e aplique esses conceitos a todas as decisões 

O poder dos juros compostos não se aplica apenas às finanças, mas a quase todos os investimentos da vida. Pensar no longo prazo ajuda a decidir onde gastar o tempo e as energias hoje. Você “deposita” sistematicamente nas relações pessoais e elas crescem e dão resultados a longo prazo. Você “deposita” na saúde, na educação, na educação dos filhos – e isso acontece. Quando negligencia esses investimentos, pode tomar decisões equivocadas. Pensando apenas no campo profissional, se eu tivesse considerado apenas o curto prazo, nunca teria aceitado muitos dos desafios que aceitei ou feito os investimentos que fiz na minha educação. 

A minha primeira grande oportunidade profissional de liderar um negócio inteiro na Johnson & Johnson me foi oferecida quando estava grávida do meu primeiro filho. Apavorada pela responsabilidade (do primeiro filho e da promoção), declinei. Para minha sorte, uma executiva e mãe mais sênior que eu me ofereceu novamente a posição logo que retornei de licença-maternidade. O curto prazo me dizia que deveria rejeitar de novo a oferta, mas o longo prazo me deu coragem para seguir adiante, e assim fui. Tive uma experiência única liderando os negócios de Women’s Health e de Advanced Sterilization Products da Johnson & Johnson para o Brasil. Essa experiência me qualificou para tantas outras como líder de Marketing e de Negócios em grandes áreas da companhia, como Diabetes Care e Ethicon Endo Surgery. Os times que liderei nessas áreas de Negócios ganharam prêmios internacionais de vendas e instalação de equipamentos, e juntos transformamos a lucratividade e o share de mercado de outros.  

Família, amigos e comunidade são a arma secreta para satisfação pessoal e profissional  

Eu sempre quis ser mãe e ter uma carreira sólida. Não creio que a maternidade ou a paternidade seja para todos, nem que seja uma condição para a felicidade de alguém. Mas acredito que assumir compromissos com uma família, uma comunidade ou um círculo de amigos, e ter uma vida familiar e social rica, pode ser a “arma secreta” na vida profissional de qualquer executivo. Ter compromissos em cuidar de outro torna o ser humano menos egocêntrico, mais comprometido, força a se organizar melhor, a avaliar os riscos e a tomar melhores decisões. Não vou dizer que ser mãe de dois filhos e trabalhar como executiva seja fácil. Mas sei que não teria realizado profissionalmente tudo que realizei se não fosse por ter contas para pagar e por querer construir uma realidade melhor para minha família e, junto do meu companheiro de vida, sermos um exemplo para nossos filhos. Família, amigos e comunidade não apenas te movem adiante, mas também estão ao teu lado quando mais precisa. São pessoas que te amam pelo que você é 

Confie um pouco na sorte  

Ser realista e racional é importante, mas manter o otimismo e acreditar um pouco na sorte também o é. Ao longo dos anos, acreditei na sorte, mesmo com a probabilidade de que ela não estivesse ao meu lado. Com menos de dois anos de formada, trabalhando na Procter & Gamble, meu então namorado (hoje marido), retornou aos Estados Unidos para fazer mestrado. Eu precisava encontrar uma maneira de me mudar com ele.  

Sem nada a perder, pedi para ser transferida, e qual foi a minha surpresa ao descobrir que havia uma profissional do mesmo nível em Baltimore que precisava morar em São Paulo. Assim, fiz o primeiro expatriamento, trocando de emprego com essa colega. Anos depois, retornei ao Brasil e, depois de quase uma década, mudei-me novamente para os EUA, desta vez já bem mais experiente e sem ter que contar tanto com a sorte. Ser otimista e acreditar um pouco na sorte ajuda a transformar o improvável em possível. 

Continuo sem metas profissionais rígidas, mas hoje tenho clareza do que me traz satisfação no trabalho. Acredito no papel crucial que o setor privado tem em gerar desenvolvimento econômico, social e humano, e reflito com satisfação sobre o impacto que meus anos de trabalho no setor de tecnologia médica avançada (biofarmacêutica e MedTech) tiveram em criar empregos, gerar negócios e trazer, especialmente para o Brasil e para a América Latina, produtos que verdadeiramente melhoraram a qualidade de vida. Também reflito com satisfação sobre como tenho tido a oportunidade de contribuir para a melhoria nas políticas de saúde global. 

Mais do que nunca, valorizo trabalhar e construir uma organização com a qual me identifico, bem como ter a chance de formar e desenvolver times compostos por pessoas que respeito e admiro. Convido todos os profissionais em início de carreira a procurarem, não a sua paixão, mas sim o seu lugar de impacto no mundo e de satisfação pessoal. Quando impacto profissional e satisfação pessoal se juntam, o sucesso acontece. 

Leitura recomendada por Nácia Pupo Taylor: 

So Good They Can’t Ignore You: Why Skills Trump Passion in the Quest for Work You Love, de Cal Newport. Grand Central, 2012.