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Para crescer é preciso sair da zona de conforto

O aprendizado contínuo é talvez um dos diferenciais competitivos e de sucesso mais importantes

Costumo brincar com meu time dizendo que tenho duas funções. A principal é não atrapalhar; e a segunda é ajudar (Danilo Bordini/Divulgação)
Costumo brincar com meu time dizendo que tenho duas funções. A principal é não atrapalhar; e a segunda é ajudar (Danilo Bordini/Divulgação)
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Histórias de sucesso

Publicado em 15 de janeiro de 2022 às, 09h00.

Por: Fabiana Monteiro

Danilo Bordini - Vice-presidente regional para a América Latina na MuleSoft, uma empresa do grupo Salesforce

Nasci em Sorocaba, em 1978, e venho de uma família de renda média baixa. Tenho um irmão mais novo e o meu pai trabalha com transportes. Eu me lembro dele acordando às três horas da manhã e dirigindo o dia inteiro por estradas perigosas, sujeito a assaltos. Digo isso com propriedade porque tive muitas oportunidades de viajar com ele. Apesar destes itinerários, ele sempre exigia que eu estudasse. Era o sonho dele que eu seguisse por outra estrada, que não a dele. Minha mãe também foi uma influência muito positiva neste processo, pois lia muito. E este hábito ela transferiu para mim. Recentemente devorei The leading brain, de Friederike Fabritius e Hans Hagermann, que conta a estratégia de como atingir alta performance conhecendo a anatomia do cérebro. Mas o que mais li na vida foi o clássico Como fazer amigos e influenciar pessoas, de Dale Carnegie. Sempre dou um exemplar para cada pessoa nova do time. É um beabá, mas é fantástico, porque o arroz com feijão já resolve muita coisa.

Mas, retomando, quando estava prestes a ir para o antigo Segundo Grau, meu pai  lançou a semente: “Por que não faz um curso técnico e já emenda o estudo com a profissão?”. Entre as opções, eu tinha Administração, Contabilidade e um tal de Processamento de Dados. Um pouco antes, já tinha feito um curso de computação e ali já demonstrava aptidão. E quando meu pai não pôde mais pagar por ele, o dono da escola propôs que eu continuasse, desde que me tornasse instrutor das turmas iniciais.

Comecei então a importunar o meu pai para que comprasse um computador para mim, pois queria colocar em prática aquilo que estudava. Coincidentemente, uma tia que mantinha um escritório de seguro de carros adquiriu um PC novo e ofereceu o antigo a nós por um preço simbólico. E este foi meu primeiro computador: um modelo 286 DX de tela verde e superarcaico. Para irritação geral, consegui quebrá-lo em uma hora de uso. E, para surpresa de todos, o consertei duas horas depois. Gostei daquilo e tive uma pista do que deveria estudar.

Sempre frequentei escola pública. Então, me preparei para fazer o temido vestibulinho da Escola Técnica da rede Paula Souza, pertencente ao Estado, e fui bem-sucedido. Era muito ruim nas matérias básicas, como Português, Matemática, Geografia; e ia muito bem nas matérias técnicas, como Programação. Essa característica chamou a atenção de uma colega de turma, que tinha sido aprovada em primeiro lugar no vestibulinho. Um dia me procurou propondo que eu a ajudasse com o conteúdo técnico e ela, em contrapartida, me ajudaria naquilo em que era deficiente.

A parceria funcionou muito bem e melhorei as minhas notas. Tempos depois, consegui o primeiro estágio no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em Sorocaba. Fui com um grupo de amigos, cheio de esperança. Na hora, a pessoa chamou todos os aprovados, e eu não estava entre eles. Por fim, ela disse que tinha mais um nome, mas que este trabalharia diretamente com ela. Fez-se um instante de silêncio. Então, ela olhou teatralmente para os demais e, como se fosse numa cerimônia do Oscar, anunciou: “Danilo Bordini”.

Ela disse que eu não trabalharia no atendimento, mas sim na administração, e que percebeu o meu espírito de liderança e a ascendência que tinha sobre os demais que estavam comigo. Foi ela, Sueli – de quem me lembro até hoje – quem primeiro enxergou este importante caráter em mim, antes que nem eu mesmo o tivesse notado. Ali recebi o primeiro salário e me lembro que, com aquele valor, comprei a primeira carteira.

 

De estágio em estágio

Um dos professores da Etec me recomendou outro estágio, na Faculdade de Tecnologia (Fatec) de Sorocaba, das 18h às 22h. Me tornei monitor dos alunos e amigo do corpo docente. Eles me influenciaram muito e começaram: “Danilo, vem estudar aqui com a gente!”. E eu comprei a ideia. Na primeira tentativa, não consegui entrar. Na segunda, sim. Desta vez, recebi ajuda daquela colega da escola, a quem auxiliei na parte técnica. Diferentemente de mim, ela tinha passado em todos os vestibulares em que se inscreveu e me cedeu todo o material de preparação que ela dispunha. E mais: estudou comigo.

Isso também é algo importante que aprendi na minha vida e que trago comigo até hoje: uma mão lava a outra. É bom ajudar as pessoas. Fui aprovado para o curso de Tecnólogo em Processamento de Dados na Fatec, que comecei em 1997. Ali me senti em casa, pois já conhecia todo mundo. Eu era o estagiário que virou aluno, e os professores gostavam de mim. Nesta fase fui para meu terceiro estágio, agora na empresa Diageo, que faz importação de bebidas. Fui indicado pelo professor Antonio Tadeu Maffeis, que viu em mim potencial. Isso foi bem na virada de 1999 para 2000, ano do temido “Bug do Milênio”. Todo mundo reclamando porque tinha de passar a madrugada trabalhando e eu achando o máximo, me sentindo a pessoa mais importante do mundo por estar exercendo aquela vigilância. Na Diageo tive a oportunidade de ser efetivado na área de Tecnologia, mas teria de me mudar para São Paulo. Recusei a oferta e fui abrir a própria empresa em parceria com dois amigos. Conseguimos quebrá-la em um ano.

 

Evangelista da tecnologia

Foi frustrante encerrar a empresa, mas foi marcante aquela experiência. Depois disso, fui para o mercado, sempre buscando por multinacionais. Assim, em 2002, acabei encontrando a T-Systems, empresa alemã de outsourcing. Ali eu realmente entendi o que era tecnologia aplicada para resolver problemas. Depois, tive uma breve passagem pela Cervejaria Petrópolis, antes de conseguir realizar meu primeiro grande sonho profissional: trabalhar na IBM, entre 2003 e 2005. Lembro-me até hoje, da conversa com Jorge Lacombe, que seria o meu futuro gestor, na sede da empresa em Hortolândia. Ele me mostrou todo o campus e disse: “Isso aqui é tecnologia que muda o mundo; e você vai fazer parte disso”.

O processo seletivo da IBM foi marcante. Na prova técnica, de 100 perguntas, eu acertei 97, façanha que ninguém jamais tinha alcançado. No entanto, fui reprovado no teste de inglês. Ainda assim, a IBM resolveu investir em mim. Eles tinham uma parceria com uma escola de idiomas e todos os dias eu entrava uma hora mais cedo para estudar. Fui alocado em um projeto internacional, fiz um intensivo e, depois, enviado para os Estados Unidos, onde fiquei um mês desenvolvendo um projeto com um cliente. Até que, em novembro de 2005, surgiu a oportunidade da Microsoft, uma empresa fantástica. Só então me mudei para São Paulo.

Na época, a Microsoft tinha uma divisão que era chamada de Evangelista, que hoje é conhecida como Advocate (Advogados). São pessoas que combinam conhecimento técnico e trabalham na divulgação de tecnologia, a partir de palestras, produção de artigos, escrita para blogs, entre outras iniciativas. Gostava demais do meu novo papel, que incluía compartilhar informação e ensinar. Até porque já tinha tido experiência como professor em colégio técnico e faculdade. Assim, continuava usando minha bagagem, mas agora fazendo uma interação social bem maior.

 

Qual a última coisa que você estudou?

O aprendizado contínuo é talvez um dos diferenciais competitivos e de sucesso mais importantes. Quando faço uma entrevista para contratar alguém, sempre pergunto: “Qual o último livro que leu?” ou “O que você está aprendendo?”. Quanto mais estudamos, mais o cérebro humano se desenvolve, e isso é muito importante, principalmente neste mundo de tecnologia onde tudo muda muito rápido. Brinco que não usei nada daquilo que aprendi na faculdade. Não porque o que aprendi não fosse importante, mas porque as coisas mudaram de lugar.

Mas algo que me ajudou muito não foi só aprender de maneira continuada a parte técnica, mas também a desenvolver human skills. Fui estudar marketing, gestão de pessoas, liderança de alta performance e outras competências complementares ao meu perfil. Quis sempre aprender mais. Então fui estudar Administração, Marketing, Gerência de Produtos, e aí minha carreira decolou. Hoje tem lugar para todo mundo, mas, às vezes, algumas oportunidades requerem outros conhecimentos. E precisamos saber quais são nossos pontos fracos e trabalhar para corrigi-los. Por isso que, para mim, um dia bom é quando aprendo alguma coisa.

Entre mentores, amigos e turning points

Algumas pessoas realmente me ajudaram muito a partir de determinado ponto da minha carreira. Elas me proporcionaram entender um pouco do meu próprio perfil, do meu potencial e me deram oportunidades. Todas fazem parte da minha passagem pela Microsoft, que foi onde mais cresci como profissional, até por conta do tempo que ali permaneci. O primeiro deles foi Antônio Moraes, que me deu a oportunidade de sair da área técnica e trabalhar em Marketing de Produto. Ele acreditava muito em mim e isso foi um turning point na minha carreira. Isso aconteceu no final de 2008 e exigiu que, praticamente, colocasse de lado toda minha caminhada de técnico e partisse para aprender algo novo. Ali abri muito a mente, pois, quando somos um técnico, geralmente alimentamos aquela visão de que o resto é perfumaria. Estando neste novo nicho, me aproximei das áreas de negócio, das tomadas de decisão e aprendi a ser mais estratégico e planejador.

Depois vem Paulo de Iudicibus, que considero meu mentor até hoje. Ele sempre me ajudou na construção da minha carreira e foi quem primeiro confiou a mim um cargo de gestão de pessoas. Aqui foi outra mudança de rota significativa. Até então eu nunca tinha gerido pessoas e o Paulo me levou para a equipe dele e eu passei a ser gestor de um time. Além disso, possibilitou que eu fosse transferido para os Estados Unidos, onde morei de janeiro de 2016 a janeiro de 2018, em Seattle. Este também foi outro importante ponto de inflexão, porque além da cultura ali ser totalmente diferente da brasileira, no Brasil todos da empresa me conheciam e me respeitavam. De repente, estava em um lugar que só era apenas um brasileiro, que mal falava o inglês, em meio a profissionais formados basicamente em Harvard e no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Mas ali estava eu, para cuidar de um programa global de uma grande e complexa organização. Era para mim algo de outro mundo.

Outro mentor que tenho até hoje é o Roberto Prado. Ele é uma pessoa que me ajudou muito a desenvolver qualidades e capacidades não técnicas, pois tem uma conexão com o ser humano muito grande. Destes que já citei, ainda mantenho contato próximo com dois deles – Paulo de Iudicibus e Roberto Prado – pois tenho a felicidade de trabalhar com eles na Salesforce, onde agora estamos. São pessoas que sempre me deram bons conselhos e me ajudaram em momentos marcantes da carreira.

E desta lista não pode faltar Paula Bellizia, que em 2021 é vice-presidente de Marketing do Google para a América Latina. Ela foi uma grande fonte de inspiração, por sua coragem, uma vez que o mundo de tecnologia, por padrão, é ainda muito do homem, machista muitas vezes e que, em termos de diversidade, ainda tem muito a melhorar. Mas a Paula é superinteligente, supercompetente e apaixonada pelo que faz, se impôs e se fez respeitar.

Quando fui para Marketing, ela era diretora da área ou a chefe do meu futuro chefe. Quando fiz a entrevista com ela, contou-me que também vinha de escola pública e havia feito Fatec. Assim, a história dela se conectou com a minha. Paula me ajudou bastante na orientação da minha carreira e, inclusive, foi quem, na condição de presidente da Microsoft Brasil, me trouxe de volta quando estava nos Estados Unidos.

Também foi com quem tive a conversa mais difícil quando decidi sair da Microsoft. Já vice-presidente de Vendas, Marketing e Operações para América Latina, ela me ligou e quis saber o que estava acontecendo. Expliquei os meus motivos e, ao final, ela disse que estava triste com a minha saída, mas que, ao mesmo tempo, respeitava minha decisão, pois sabia que estava buscando algo melhor para mim. Enfim, recebi a sua “bênção” e segui o meu caminho.

 

A dor do crescimento

Foram 13 anos e meio na Microsoft e ali fiz coisas muito diferentes. De evangelista fui para área de Marketing como gerente de Produto; depois para os Estados Unidos,  voltei para o Brasil para a área comercial e ascendi a diretor-chefe em Tecnologia (CTA), no início de 2019. Neste meio tempo, alguns amigos tinham se juntado à Salesforce e coincidentemente, uma recrutadora estrangeira entrou em contato comigo. A Salesforce havia comprado outra empresa, a MuleSoft, que oferecia soluções supertécnicas, e eles me falaram que não conheciam outra pessoa com background técnico melhor para montar a operação na América Latina.

Aquela oportunidade me pareceu muito difícil de aparecer duas vezes na carreira: montar um negócio do zero com o respaldo de uma companhia global e com uma cultura de soluções inovadoras muito forte. Foi uma decisão dolorosa, mas precisava tomá-la.. Hoje entendo que aquilo que senti foi a tal dor do crescimento. Afinal, para crescer é preciso sair da zona de conforto, e, na Microsoft, eu já estava superconfortável. Este foi o último dos turning points da minha vida. Ouvi colegas me advertirem: “Você está louco? Ninguém pede para sair da Microsoft?”. Eu pedi, pois abracei a ideia de edificar um negócio do zero, algo que me lembrou muito o início de minha carreira, quando abri minha própria empresa. Estou feliz e não me arrependi.

Do limão uma limonada

Costumo brincar com meu time dizendo que tenho duas funções. A principal é não atrapalhar; e a segunda é ajudar. Defendo que o líder deve escutar muito e falar pouco. É preciso realmente praticar a escuta ativa, porque o mundo quer ser ouvido. Outra característica que julgo importante é a mentalidade de crescimento, que implica querer aprender sempre mais. Por isso que, na hora de contratar alguém, umas das habilidades comportamentais que mais busco é se o candidato é coachable. Em outras palavras, se ele está aberto a aprender e a receber feedbacks.

No entanto, dá para ensinar tudo, menos paixão. Então esta é a segunda qualidade que observo durante a contratação: se aquela pessoa tem brilho nos olhos, se tem orgulho do que fez, inclusive dos erros. Não é se orgulhar de fazer tudo errado, mas do aprendizado que obteve a partir de uma falha. Olho ainda a questão da inteligência emocional, como o profissional reage diante de notícias e cenários adversos. Ou, como digo costumeiramente, como ele faz do limão uma limonada. O que sei é que a vida nos dá limões todos os dias. Portanto, precisamos aprender a transformar situações difíceis em oportunidades.

Sucesso vem de paz de espírito

Sou um eterno otimista. Para esta geração mais nova que está chegando, peço que tente fazer a diferença neste mundo. Carreira é importante, mas faça esse questionamento: “Como posso ter uma carreira de sucesso e ao mesmo tempo causar impacto positivo na minha comunidade, na minha família, entre meus amigos?”. Ainda tem muito trabalho pela frente, pois ainda há muito o que melhorar. Há também muitas escolhas a serem feitas. Descubra qual é a sua paixão e, independentemente de qual seja, vale lembrar que sucesso vem da paz de espírito. Sucesso é poder olhar para trás e ver o quanto se contribuiu para que algo se tornasse melhor. Faça a diferença e seja melhor que a geração anterior.