Para chegar aonde queremos, não basta ter oportunidade se você não expressar suas ideias
Na coluna desta semana, conheça a história de Lygia Imbelloni, diretora da Unidade de Negócios de Fertilidade na Merck Brasil
Publicado em 25 de novembro de 2022 às, 08h54.
Por Fabiana Monteiro
Nasci em agosto de 77, no Rio de Janeiro. Sou filha de mãe negra e pai branco, que desde sempre me incentivaram a pensar, criar, opinar e questionar o que eu encontrasse pela frente. Ainda pequena, aprendi que toda ação gera uma reação, que liberdade e responsabilidade caminham lado a lado.
Morei em bairro de alto padrão e estudei em escolas particulares, inclusive no exterior, mas cresci com o senso de justiça aguçado, por ter visto de perto os reflexos sociais que a cor da pele da minha mãe e da minha avó causavam nesses mesmos lugares. Cansei de vê-las sendo confundidas com minhas babás ou lavadeiras, por exemplo.
Até a reta final da adolescência, estava convicta de que passaria alguns anos na Itália, estudando desenho industrial ou moda. No último minuto, meus desejos mudaram de forma brusca, e acabei optando pela medicina. Nessa escolha, fui influenciada indiretamente pelos meus pais, que exerciam a profissão.
Da Medicina ao Marketing
Os seis anos de medicina me trouxeram experiências fundamentais para a construção de quem sou – como o estágio em pediatria na Ilha Grande, onde vi precariedade e descaso público, mas também presenciei muita empatia e acolhimento ao lado de uma professora que me deu ensinamentos para além do consultório.
A faculdade foi um test-drive importante, mas que mostrou que a medicina não me traria felicidade. Aos poucos, fui percebendo minha liderança natural e o gosto pela diversidade – de pessoas, de áreas e atividades. Aí nasceu o desejo de harmonizar essas habilidades e interesses com uma carreira em marketing.
Em São Paulo, a mudança profissional se deu com um emprego na indústria farmacêutica, um MBA que me forneceu conhecimentos básicos sobre marketing e administração e um curso de especialização na área aplicado à indústria farmacêutica, ambos pela Fundação Getúlio Vargas. Mas a bagagem teórica adquirida em sala de aula serviu apenas como potencializadora da curiosidade e vontade de experimentar, que já estavam presentes em mim.
Mais tarde, ainda fui atrás de obter conhecimentos em Finanças e Ciência de Dados. Aprendizado sempre foi uma paixão e uma prioridade na minha vida. Até hoje, vejo como uma maneira de superar os meus próprios parâmetros. Desde aquele que é adquirido em uma sala de aula, quanto o que ganhamos a partir de interações e experiências no dia a dia.
Autoconhecimento como fator de sucesso
O autoconhecimento foi um fator decisivo na minha carreira. Sofri com muita insegurança e síndrome de impostora durante os primeiros anos de minha trajetória corporativa. Por não ter uma base sólida em marketing, me achava menos competente do que os colegas.
Um professor do curso, João Baptista Brandão, me auxiliou no processo de traduzir as vivências que tive na medicina para a gestão, mostrando que, como médica, eu já possuía habilidades como visão estratégica e capacidade de reter informação, ao mapear um paciente mentalmente para definir o que investigar e quais caminhos seguir para o tratamento (especialmente os que chegavam em estado grave); e de trabalho em equipe, ao atuar com diversas áreas, especialidades e perfis de profissionais simultaneamente.
Era o empurrão que eu precisava. Essa compreensão ajudou a me reafirmar como profissional de maneira tão intensa que passou a integrar o meu estilo de gestão, me ensinando a importância de levar as competências e vivências individuais em consideração ao montar equipes e guiar outros profissionais nas suas respectivas carreiras, especialmente mulheres.
As mulheres que, assim como eu, têm perfil de comunicação forte e objetivo, crescem com pouquíssimas referências para adentrar no mundo corporativo com um pouco mais de segurança. Durante a minha jornada, tive a sorte de cruzar caminhos com Sabrina Moraes, uma profissional excelente, de muita personalidade, que mostrou a importância de trazer os meus pontos de vista e críticas construtivas para o negócio – ainda que a maioria das pessoas discorde delas. Sem perceber, Sabrina me ensinou o valor da minha essência e tornou-se referência para a minha carreira.
Na mesma época, essa ideia acabou sendo reforçada por Valéria Andrade, outra pessoa importante na minha trajetória, que explicou que perfis como o meu e de Sabrina não são um problema, mas que nem toda empresa ou chefe está preparado para ter alguém com essa atitude na própria equipe.
O avanço da carreira
Mesmo tendo me encontrado no marketing em saúde, continuei realizando movimentações laterais para ter visão ampla sobre o negócio. Avancei pelas áreas de Marketing e Vendas, Inteligência de Mercado, Novos Negócios e Transformação Digital nos segmentos hospitalar e varejo, focada na promoção de produtos exclusivos de alto valor agregado para Hepatologia, Oncologia, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, tanto no setor público quanto privado.
Em seguida àquele primeiro cargo na equipe de marketing do Laboratório Cristália, adicionei ao meu currículo passagens pela Biolab, União Química e Ferring Pharmaceuticals, onde fiquei a maior parte da minha carreira até aqui. Lá, fui responsável pela consolidação da companhia no mercado Hospitalar e de Fertilidade, além de ter atuado como Gerente de Inteligência Competitiva na sede da empresa, na Suíça.
Também tive uma passagem pela Organon e, hoje, na Merck, sou diretora da Unidade de Negócios de Fertilidade no Brasil. Com apenas poucos meses na empresa, fui convidada para representar o país no WIL (Women in Leadership) – grupo de trabalho que ajuda a promover um ambiente inclusivo, capaz de reconhecer, desenvolver e promover mulheres para cargos de liderança, assegurando, assim, o sucesso dos negócios em longo prazo.
E os aprendizados
Um dos meus grandes desafios profissionais ocorreu durante a pandemia, quando passei por uma demissão que, apesar de ter sido realizada com muita humanidade, me fez questionar novamente a minha capacidade e potencial na indústria. Após quase 13 anos em uma empresa, fiquei oito meses fora do mercado de trabalho, o que, consequentemente, trouxe à tona os sentimentos de impostora e insegurança.
Mais uma vez, precisei olhar para dentro. Parar e me lembrar das minhas habilidades, as quais aprendi, com o passar dos anos, que se sobressaem às questões que são lidas como defeitos. Aprendi, também, que para chegar aonde queremos, não basta ter oportunidade se você não expressar suas ideias e não der o seu melhor em qualquer que seja o desafio.
Como líder, observo esses traços ao montar uma equipe ou realizar uma contratação. O profissional que me chama atenção sempre será aquele que incorpora as suas competências ao seu trabalho, mas que também tem perfil colaborativo, capacidade analítica, trazendo soluções criativas e inovadoras aos desafios do mundo corporativo – sempre considerando as características individuais que podem agregar ao todo. Esse é um atributo imprescindível para a boa liderança.
Uma questão muito importante, que compreendi no dia a dia da profissão e que trato sempre com muita transparência, é o fato de que trabalhar é um ato desafiador. Principalmente após a pandemia – em que aprendemos a valorizar outros elementos no mundo corporativo –, é sabido que o dia a dia não é muito inspirador. A rotina tem exaustão, impaciência e contrariedades. Por isso, cabe ao líder trazer humor e humanização para o cotidiano da equipe. Somados à franqueza, feedback constante e equilíbrio de prioridades, criando um ambiente de trabalho sólido.
Impacto positivo na vida de outras mulheres
Como diretora de Fertilidade, participo da promoção da saúde feminina em diversas frentes. Sempre fiz questão de salientar que o entendimento sobre a própria saúde reprodutiva é um pilar essencial para o real empoderamento da mulher perante a sociedade. Com a compreensão do que o seu corpo demanda e do que ele é capaz, a mulher consegue não apenas tomar suas decisões com mais autonomia e segurança, mas tem mais capacidade de analisar as suas opções e reivindicar seus direitos.
Mas a minha atuação em prol das mulheres não se limita a área de negócio em que trabalho. Como embaixadora do WIL, um dos meus principais objetivos é estimular que outras mulheres se sintam confortáveis e seguras para se posicionar e ocupar seus espaços. Seja buscando as qualificações adequadas, seja recebendo mentoria, orientação e treinamento para que elas possam ocupar cargos de liderança, se assim desejarem.
Também busco ser referência para outras pessoas, incentivando-as a se apropriarem da própria voz para expressá-la sem receios, em todos os momentos e ambientes, assim como eu aprendi ainda pequena com meus pais. Principalmente para as mulheres que não tiveram uma criação parecida com a minha e que, muitas vezes, se calam por receio de como sua opinião será recebida.
Medicina vem do latim mederi, que significa “saber o melhor caminho” e, por isso, me sinto exercendo sempre a medicina mesmo trabalhando como executiva. Afinal, sigo apoiando as mulheres a minha volta para descobrirem qual é o melhor caminho para suas carreiras e como elas podem –e devem—se posicionar e falar a sua verdade, sem medo e confiantes de que para crescer profissionalmente precisam encontrar a sua voz!