Ordens não constroem relacionamentos duradouros
Na coluna desta semana, conheça a história Laurent Delache CEO da Foundever Brasil
Publicado em 14 de abril de 2023 às, 14h28.
Por Fabiana Monteiro
Nasci em 1967 no norte da França, na cidade de Hazebrouck, na fronteira com a Bélgica, e cheguei ao Brasil há mais de 30 anos, em 1991. Meus pais tinham uma pequena corretora de seguros, que atendia pessoas físicas e jurídicas, e o sonho deles era que eu assumisse o negócio, que vinha sendo passado de geração em geração. Mas aquele não era o meu caminho. Fiz faculdade de Administração de Empresas no Instituto Superior de Economia Científica e Gestão (IÉSEG); tive a oportunidade de estagiar em uma fábrica de pães e em uma instituição financeira pertencente ao Banco Société Générale, avaliando a concessão de crédito ou leasing para pequenos empresários. Embora gostasse do setor financeiro, percebi que sentia falta da interação humana e de uma função mais comercial.
Aos 24 anos, depois que concluí a faculdade, tive a oportunidade de trabalhar por 18 meses na Embaixada da França em Brasília, como alternativa ao serviço militar obrigatório. Ali, minha função era fazer a gestão e o apoio logístico de pesquisadores franceses que tinham parceria com agências brasileiras e trabalhavam em áreas remotas do Amazonas e do Amapá. Foi em Brasília que minha vida tomou um novo rumo e começou meu vínculo profissional com este país. Quando meu tempo na embaixada acabou, retornei para o meu país, onde encontrei, em 1993, um emprego de gerente comercial na Bull Information, uma empresa de tecnologia francesa. No entanto, embora feliz com aquele começo, sentia um forte desejo de regressar ao Brasil.
Essa oportunidade chegou em 1996, quando fui convidado a fazer o caminho de volta, como parte de uma equipe formada por meio de uma parceria entre o Grupo Algar, de Uberlândia, e a Bull Information, da França, conhecida aqui como ABC Bull. Comecei então a trabalhar nessa parceria, tendo como base São Paulo, e, de lá para cá, nunca mais deixei o mercado de tecnologia, nem São Paulo, cidade que aprendi a amar.
Uma jornada à brasileira
Em 1998, durante um passeio de escuna em Paraty, conheci um conterrâneo francês, diretor regional para a América Latina da empresa Alcatel. Na embarcação, tomando uma boa caipirinha, falamos animadamente sobre política, futebol e, finalmente, de trabalho. Ele então me convidou para continuarmos a conversa na segunda-feira no escritório em São Paulo e, naquela oportunidade, ofereceu-me uma posição para cuidar de projetos na Alcatel. Para mim, foi então o início de um novo capítulo: conduzir projetos na América Latina, descobrindo novos países, como México, Venezuela, Colômbia, Peru, Chile e Argentina. Já apaixonado pelo Brasil, pude me conectar também com outros povos latino-americanos.
Aconteceu, então, um evento relevante para a minha jornada profissional: no final do ano 1999, a Alcatel adquiriu a Genesys, uma empresa americana de software, provedora de soluções para operações de contact center. Fui escolhido para me tornar o responsável pela gestão dos projetos Genesys para a América Latina (entre os anos 2000 e 2005).
No início de 2006, a Alcatel comprou também a GMK, uma empresa brasileira de tecnologia, muito conhecida por ser fornecedora de Unidade de Resposta Audível (URA). Assumi então como diretor-geral dessa unidade de negócio, com a missão de transformá-la na Genesys do Brasil, uma filial do novo grupo Alcatel-Lucent (pois, na mesma época, as empresas Alcatel e Lucent decidiram fazer um processo de fusão, que seria concluído em novembro de 2006). Assim foi criada uma das maiores fornecedoras globais de equipamento de rede para telefonia celular e de internet de alta velocidade. Tempos de mudanças, tempos de oportunidades.
Em 2011, a Alcatel-Lucent decidiu vender a unidade de negócio Genesys para fundos de investimentos e, aproveitando essa transição, decidi seguir meu próprio caminho, buscando novos desafios. A jornada de dez anos com Genesys foi realmente incrível, cheia de encontros e oportunidades, que me levaram a desenvolver habilidades, cultura empresarial e liderança, além de me tornar responsável pela transformação de empresas nacionais em filiais internacionais. Passei três anos como responsável de uma empresa de serviços de consultoria no Brasil com foco em governança para operações de contact centers (Kenwin/COPC) e, na sequência, em 2014, uma outra empresa americana veio me buscar, a Aspect Software, também especializada em soluções para contact centers.
Na Aspect, assumi o papel de responsável do business para a América Latina, incluindo México, Caribe, América Central, América do Sul e Brasil. Minhas atividades demandavam muitas viagens, o que tornava difícil conciliar a vida pessoal e profissional. Percebi que precisava me reaproximar da minha família, passar mais tempo com minha esposa, minhas filhas e investir mais em relacionamentos. Nisso, outro encontro me conduziria à realização desse desejo. Em uma festa da escola das minhas filhas, no Liceu Francês, outro conterrâneo, que já conhecia minha atuação em contact center e tecnologia, abordou-me.
Ele era o responsável pela Sitel no Brasil, havia sido promovido para uma função nos Estados Unidos e procurava um sucessor. Durante nossa conversa no Liceu, costuramos e acordamos um plano de transição, e assumi finalmente o cargo dele em janeiro de 2018. Desde então, tenho exercido o papel de liderança no grupo, que recentemente mudou de nome para Foundever. Apesar da repaginação da marca, a essência do business permanece o mesmo e estou feliz com a oportunidade, pois isso me permitiu, finalmente, reequilibrar minha vida pessoal e profissional, além de crescer ainda mais profissionalmente.
Ajuda para ir além da zona de conforto
Durante a minha jornada profissional, tive a sorte de contar com um coach profissional, Sergio Ledesma, que me ajudou a trabalhar em diversos processos pessoais, como a aceitação de mim mesmo e das minhas limitações, a confiança, a delegação de tarefas e o desenvolvimento das minhas qualidades. Ele é argentino, e, desde 2006, vem me ajudando a crescer e a desenvolver minha carreira. Nossa interação foi muito além do ambiente profissional e se tornou uma amizade ao longo dos anos. Com sua ajuda, pude trabalhar em assuntos incômodos e desafiadores, discutindo temas que, muitas vezes, colocaram-me fora da minha zona de conforto. Com as trocas e as conversas que tivemos ao longo destes anos, pude lapidar quem eu sou hoje: o líder da Foundever Brasil.
Lembro-me de um momento muito difícil em minha carreira, quando fui colocado à frente de um grande desafio: gerir a GMK. Como empresa brasileira de tecnologia comprada pelo grupo francês Alcatel, enfrentamos grandes desafios culturais e de gestão, o que tornava o processo complexo e desafiador. Nessa época, pude contar com a ajuda de Ledesma, que me ajudou a processar essa mudança e a enfrentar todos os obstáculos que surgiram. Com o suporte dele, pude gerenciar a equipe e lidar com as expectativas dos nossos clientes e parceiros internacionais. Desde então, ele tem estado próximo a mim e participado de diversos momentos importantes da minha vida profissional, contribuindo para o meu crescimento e para que eu me torne um líder melhor.
A GMK representou um ponto de inflexão significativo em minha carreira. Esse projeto foi realmente bastante complexo e repleto de variáveis que poderiam ter impedido o seu sucesso. Mas decidi abraçá-lo de corpo e alma. Foi uma jornada de muitas conquistas, vitórias e superação. Eu me envolvi profundamente no projeto e fiz tudo o que estava ao meu alcance para que ele desse certo, inclusive com ônus sobre minha saúde física e emocional. Contudo não me arrependo de ter enfrentado tais adversidades. Por isso considero a transformação da GMK em Genesys do Brasil como sendo o ponto alto da minha carreira. Foi um momento em que pude provar para mim mesmo que era capaz de gerenciar um projeto complexo e de grande escala. Orgulho-me de ali ter deixado uma estrutura sólida e organizada, que permitiu que a Genesys do Brasil (graças também ao trabalho de outros gestores que vieram após mim) pudesse crescer e alcançar a sua posição de liderança atual no mercado.
Minha trajetória tem histórias de sucesso, mas também de muito aprendizado. Ao longo da jornada, enfrentei diversas armadilhas que me fizeram repensar minha postura e adotar novas estratégias. Quando era jovem, recebi uma educação rígida fundamentada numa cultura muito cartesiana, típica da realidade francesa. No entanto, ao chegar ao Brasil, percebi que precisava ser mais flexível, criar alianças e acordos e chegar a consensos entre as partes envolvidas. Isso exigiu que eu me tornasse mais político, habilidoso e paciente, aprendendo a escutar e a respeitar opiniões diferentes. Isso foi, portanto, a primeira armadilha que precisei enfrentar. A segunda armadilha foi lidar com o meu próprio ego, que me fez tentar agradar a todos, sem conseguir alcançar sucesso em nenhuma das tentativas. A pressão por resultados, as diferentes visões culturais e as expectativas de líderes de diferentes países me fizeram perceber que é necessário fazer uma boa gestão de expectativas, alinhando bem o que espera cada líder, para que todos se sintam satisfeitos com o resultado. Por fim, errei ao acreditar que deveria ter respostas para tudo. Eu me cobrava muito por isso, mas felizmente percebi em tempo que não é assim.
Aprendendo com a experiência a ter mais paciência
Gostaria de ter ouvido lá atrás, quando era um jovem profissional: “Seja mais paciente”. Na época, acreditava que poderia realizar tudo de maneira rápida e fácil, colocando-me em uma posição de responsabilidade, sem realmente estar preparado. Porém, com o tempo, aprendi que essa abordagem era precipitada e que não resultava em relacionamentos duradouros e sustentáveis. Caí na armadilha do ego, acreditando que era o melhor e que tudo poderia ser feito do meu jeito. Entretanto, descobri que precisava criar alianças e buscar pessoas que me ajudassem, algo que não é feito de forma brutal e imediata. Aprendi que ordens não constroem relacionamentos duradouros e que a paciência é um aprendizado constante na carreira.
Quando olho para trás, percebo que minha falta de paciência era um grande desafio para mim, devido a minha personalidade explosiva e temperamental. Em algumas oportunidades, eu tinha deixado o meu lado “Hulk” assumir. Foi preciso trabalhar muito para superar esse obstáculo e entender que a paciência é uma virtude que se desenvolve ao longo do tempo. Aprendi que se deixasse o “Hulk” que havia dentro de mim aparecer novamente, no dia a dia do trabalho, isso iria afetar negativamente o meu progresso profissional. Portanto, precisei colocá-lo para dormir e buscar uma abordagem mais tranquila e construtiva, baseada na paciência e na colaboração. Hoje, sei que a paciência é uma qualidade essencial para quem quer alcançar o sucesso profissional. É preciso construir relacionamentos duradouros, desenvolver alianças e trabalhar em equipe para alcançar objetivos comuns. Essa é a verdadeira chave para o sucesso na carreira e é algo que gostaria de ter aprendido mais cedo.
É essencial inspirar e motivar pessoas
Quando comecei minha jornada de trabalho (30 anos atrás), o perfil tipo de líderes com o qual trabalhei não é mais válido hoje. Eu trabalhava em organizações com uma estrutura piramidal, com hierarquias bem definidas, com regras e disciplinas quase militares. A gestão era claramente diretiva e pouco colaborativa; hoje acredito que a verdadeira liderança não vem de ordens ou direcionamentos rígidos, mas sim de um modelo horizontal, que promove confiança e delegação, muito mais colaborativo. Para mim, o líder atual se transformou num facilitador que coordena uma orquestra. Para mim, nessa posição de chefe de orquestra, é essencial saber ouvir cada músico, afinar os instrumentos, trabalhar na harmonia das diferentes partes da orquestra, ensaiar as partituras, mas ainda deixando espaços possíveis para improvisos e criatividade, criando um ambiente no qual cada integrante se sente inspirado e motivado.
No Brasil, acredito que as condições favorecem um perfil de liderança resiliente, pois enfrentamos muitas dificuldades e tempestades ao longo do caminho. O otimismo e a criatividade também são ingredientes fundamentais para uma liderança eficaz. O olhar positivo do brasileiro ajuda a buscar soluções, e a criatividade é essencial em um mundo em constante mudança, em que a inteligência artificial pode assumir tarefas rotineiras, mas não pode substituir a capacidade humana de criar soluções e gerir relações interpessoais.
Por isso, acredito que o líder de hoje deve se posicionar em um quadrante que valorize a criatividade e a qualidade das relações interpessoais. É importante que o líder seja flexível e adaptável às mudanças e às circunstâncias, sem camadas hierárquicas rígidas. Em vez disso, deve-se criar pequenos grupos com diferentes habilidades para atingir objetivos específicos (que chamamos de small tents na Foundever). O líder deve ser um orquestrador e um incentivador, alguém que promova a confiança e a delegação em uma organização horizontal.
Uma oportunidade para ser feliz
Em termos de oportunidades de trabalho, aproveito para destacar que o mercado de contact center, o setor no qual atuo no momento, é um espaço ótimo para se conseguir um primeiro emprego, especialmente para jovens em busca de ascensão e crescimento. À medida que ganham experiência, podem permanecer e crescer no próprio setor, ou pular para outros mercados, como bancos, empresas de tecnologia e serviços. Para se ter sucesso no mercado de trabalho, desde minha perspectiva, os jovens precisam ter duas qualidades fundamentais: estar abertos à inovação, como a inteligência artificial e os processos de automação, por exemplo, como também saber fazer perguntas. Nas escolas, aprendemos a dar respostas a perguntas, mas percebi e aprendi que quem se destaca mais rápido no mercado de trabalho são os colaboradores que fazem as melhores perguntas.
O mercado de contact center é por natureza um mercado de alto volume de interações diárias com consumidores, dividido em três pilares: atendimento ao cliente (help desk), televendas e cobrança. Existem, portanto, atividades para todos os tipos de perfis e habilidades: para resolver problemas, para argumentar uma venda ou para negociar um pagamento atrasado. Todos os dias, milhares de consumidores são atendidos pelos profissionais das centrais de atendimento.
Além das posições de atendimento, em que a interação com os consumidores acontece, empregamos também uma grande diversidade de perfis profissionais, como estatísticos, profissionais de recursos humanos, psicólogos, médicos e especialistas em tecnologia.
Enfim, vale destacar que as atividades são realizadas em várias línguas, proporcionando oportunidades para quem tem proficiência em outras línguas. Por exemplo, na Foundever Brasil, além do português, proporcionamos serviços de atendimento em francês, espanhol, japonês e inglês. O nosso ambiente de trabalho é extremamente diversificado e respeitoso com todas as diferenças. É um lugar em que você pode ser quem é e aprender a crescer. Ou seja, para quem está em busca de uma carreira e não sabe por onde começar, sugiro bater à porta de um contact center, pois tenho a certeza de que encontrará uma oportunidade gratificante.
A vida é feita de ciclos
A principal lição que aprendi em minha jornada é que a vida é composta por ciclos. Esses ciclos podem variar em termos de qualidade, mas é importante entender que tentar acelerá-los ou evitá-los não é uma estratégia eficaz. Ao contrário, é essencial viver cada ciclo com sabedoria, pois é por intermédio dessas experiências que crescemos e amadurecemos. Pessoalmente, enxergo minha jornada como uma sequência de ciclos de aproximadamente cinco a sete anos. Acredito que a “teoria dos setênios” nos ensina bastante em como apreciar os ciclos de nossa vida. Aceitar e viver cada ciclo é fundamental para progredir e alcançar o próximo estágio.
Irei completar 56 anos este ano (2023), e estou entrando em uma nova fase da minha vida. Estou pensando em como posso impactar outras empresas e ajudar a desenvolver novas lideranças. Trabalho para preparar jovens talentos dentro da minha empresa e ajudá-los a se tornarem líderes conscientes e responsáveis. Embora não esteja pronto para me aposentar (pretendo trabalhar pelo menos até os meus 65 anos!), reconheço que minha contribuição para a empresa está mudando. Agora, estou no papel de ajudar a preparar a próxima geração de líderes, para que eles possam liderar com eficácia e sabedoria.
No final das contas, acredito que tudo chega em seu devido tempo. Precisamos estar abertos às mudanças e aprender a adaptar nossa abordagem à medida que a vida nos apresenta novos desafios. Ao viver cada ciclo com sabedoria, podemos nos tornar pessoas mais maduras e bem-sucedidas, prontas para enfrentar qualquer desafio que a vida nos apresentar.
Livros recomendados por Laurent Delache
Conselheiro de Empresas: o que você precisa saber sobre uma carreira promissora, de Wanderlei Passarella. Editora Alta Books, 2022.
O pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry. Geração Editorial, 2015.