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O sucesso não acontece para quem não se arrisca

Diria que o que me ajudou a abrir a mente e obter conhecimento variado foi de me “jogar” em diferentes aprendizados e em países diversos

(Klaus Hepp/Divulgação)
DR

Da Redação

Publicado em 25 de fevereiro de 2022 às 14h57.

Por: Fabiana Monteiro

KLAUS HEPP

Presidente na Vulkan do Brasil e Diretor Geral na Vulkan Africa

Nasci em uma região rural do povoado de Ramsen no estado alemão de Renânia -Palatinado, em julho de 1957. Morava, relativamente, perto da base aérea Ramstein dos Estados Unidos, que ainda se mantém nesse local até hoje. Por conta disso, era muito comum me deparar com soldados americanos nas minhas escapadas pelo entorno e achava tudo aquilo fascinante. É importante que, de antemão, mencione este fato, pois meu contato ainda criança com aquele pessoal me permitiu acesso à outro idioma e cultura. Isso despertou em mim o desejo de fazer algo na vida, a partir da possibilidade em desbravar novos horizontes e conhecer outros mundos. Mudamos para a cidade de Mannheim, fiz o serviço militar obrigatório e, só depois, entrei na faculdade. Escolhi Engenharia Química no Karlsruher Institut für Technologie (KIT), entre 1979 e 1984. Já na faculdade, entrei em contato com muitos jovens de outros países, que estudavam na Alemanha, inclusive brasileiros. Ali, já aprendi um pouco sobre o Brasil, seu continente e assim reforçou o desejo de conhecê-lo algum dia.

Durante a graduação, participei de um programa de intercâmbio aberto a alunos de todos os cursos, que levou os selecionados a uma vivência de três meses na África do Sul. Eu acompanhava as empresas de cimento em diferentes lugares do país africano e comecei a ver qual era o papel e as responsabilidades de como era a vida dos engenheiros europeus no mundo afora. Essa experiência me agradou bastante e reforçou o meu desejo de voltar para casa, terminar a faculdade e sair para trabalhar além das fronteiras alemãs.

Em janeiro de 1985, entrei como trainee na VEBA AG, do setor alemão de óleo e gás, na cidade de Gelsenkirchen. Essa empresa tinha um acordo com a estatal PDVSA, da Venezuela, para construir uma fábrica enorme de fazer gasolina e diesel alternativos com matéria-prima do Lago Orinoco. Eu seria treinado na Alemanha e, depois, transferido para a nação latino-americana. Contudo, no meio deste processo, como consequência da segunda guerra entre Irã e Iraque, o preço dos derivados de petróleo baixou drasticamente no mercado internacional e, naquelas circunstâncias, ficou decidido pela VEBA que o investimento em solo venezuelano deixaria de ser feito. Eles me ofereceram para continuar o vínculo empregatício, trabalhando em uma refinaria na Alemanha. No entanto, aquele não era o meu plano. Foi assim que me mudei para a Henkel, uma grande companhia com extensa atividade internacional, onde ficaria pelos próximos 17 anos.

A primeira vez no Brasil

Comecei na Henkel em junho de 1986. A empresa tinha um departamento de Engenharia gigante, com 600 profissionais de todas as áreas, que atuavam no mundo inteiro. Saber que novos projetos estavam sendo iniciados no Brasil e na Indonésia fez meus olhos brilharem, mas fui encaminhado para a fábrica principal da Henkel em Düsseldorf. Sofri inicialmente, pois queria mais. No entanto, esperei. Dois anos se passaram, aprendi bastante e me tornei gerente de projetos. Descobri meu talento para organizar times e fazer tudo de forma disciplinada. Aos poucos, fui colocado em projetos na França, Inglaterra, Espanha e também na Alemanha, tornei-me senior project manager. Contudo, a partir de certa experiência, já não nos desenvolvemos mais. Onze anos se transcorreu desde a minha chegada à Henkel quando fui convidado para uma auditoria interna na fábrica da empresa em Jacareí, no interior de São Paulo. A matriz precisava de alguém qualificado o suficiente para analisar e reportar, pois o objetivo era fazer um grande investimento na unidade.

Ao contrário das minhas expectativas, todos foram muito receptivos em Jacareí, embora sofressem pressão da Alemanha por um lado e, por outro, havia problemas de comunicação interna entre líder e liderados. Com a minha experiência, e sem saber muito desse contexto, assumi o posto de liderança do grupo. Falei o que deveríamos fazer, fui ouvido e o “milagre” aconteceu. Todos ficaram felizes e o dinheiro para o ambicionado projeto finalmente sairia. Nisso, tive de ir e voltar para Jacareí muitas vezes. Na última delas, estava me despedindo para seguir para o aeroporto, quando o chefe da unidade, um argentino, me disse: “Por que você não volta e fica aqui de vez e faz tudo o que precisa ser feito?”. Eu estava comprometido com outros projetos na Europa e não podia simplesmente deixar tudo para trás. Ainda assim, liguei para o meu chefe em Düsseldorf, falei do convite do pessoal brasileiro e consegui a liberação para voltar e ficar.

Da indústria cosmética para o setor automotivo

Fiquei responsável por toda a área de engenharia em Jacareí, e trabalho não faltou. Vivi por três anos em São José dos Campos, e permaneceria mais se não fosse por uma questão econômica. Em janeiro de 1999, o Banco Central brasileiro mudou sua política cambial, o que resultou na desvalorização acentuada do Real. Com isso, de um dia para outro, meu salário reduziu quase pela metade. Foi assim que pedi para voltar para Alemanha e acabei assumindo uma função-chave como diretor técnico da fábrica em Viersen-Dülken, onde foram produzidas todas as tintas de cabelo e cremes de pele da divisão de cosmética Schwarzkopf & Henkel. Eu não sabia na época, mas eu já era aguardado há muito tempo. O diretor-geral da unidade me conheceu durante um treinamento de fim de semana e gostou de mim, entretanto, sinceramente, nem notei isso. Quando ainda estava no Brasil, ele pesquisou sobre mim e sinalizou o interesse em me encaixar na sua equipe, assim que eu ficasse disponível.

Em uma de nossas conversas, depois que lá estava, ele revelou que me queria na equipe pelos próximos 20 anos. Quanto a mim, deixei claro que estava muito feliz em trabalhar ali, porém, gostaria de ir para longe da Alemanha, assim que surgisse uma oportunidade. Ele ficou decepcionado e reclamou com o diretor global de operações da divisão de cosmética. Mas, ao invés de o “chefão” ficar irritado, demonstrou interesse em conhecer “o malucão” e ligou para mim. Ele disse que estava com grandes dificuldades para encontrar pessoal qualificado para expatriar e pediu para que eu esperasse um ano, pois me chamaria. E foi o que aconteceu. Pouco antes do Natal, ele me ligou: “Você fala espanhol?”, perguntou-me.

“Falo só português”, respondi. Ele achou ótimo. Foi assim que fui enviado para La Coruña, no norte da Espanha, onde tinha uma prestigiosa fábrica de cosméticos recém adquirida pela Henkel e onde havia uma tensão entre a liderança local e o headquarter em Düsseldorf. Fui posto dentro do que era, inicialmente, um enclave inimigo. Nessa época, divorciei e fiquei longe dos meus três filhos. Meu desejo era recomeçar, e, após 3 anos maravilhosos de trabalho e de muito sucesso em La Coruña, coincidiu com uma abordagem de um headhunter, que representava uma empresa germânica que estava tendo problemas com sua fábrica de autopeças no México.

Vinha de uma empresa cosmética, mas eles acreditaram que eu era capaz no trabalho. Foi assim que saí da Henkel depois de 17 anos, deixei a Espanha e fui para a cidade mexicana de Toluca, perto da Cidade do México, para liderar a operação local da ElringKlinger. Confesso que, se eu soubesse o que representa o setor automotivo para a América do Norte, nem pensaria em aceitar o trabalho. No entanto, tinha a vantagem em não saber. Portanto, se não era mais possível fugir daquele desafio, aprendi com ele e resolvi o que precisava de solução.

Itinerários brasileiros

No México, “apanhei” muito; por outro lado, aprendi mais ainda. Depois de três anos na ElringKlinger, recebi uma oferta de outra companhia alemã, do mesmo segmento, a BOS Automotive. Eles me ofereceram uma oportunidade de criar uma empresa para a qual seria transferida toda a produção dos Estados Unidos para o território mexicano. Aquele era o sonho dos meus sonhos. Fui o funcionário número um da instalação que montamos em Irapuato, no centro do México. Enquanto era construída, consegui um trailer, estacionei-o ao lado da futura fábrica e fiz dele o meu escritório. Começamos, enfim, a produção e, três anos depois, tínhamos 600 colaboradores e já faturávamos 100 milhões de dólares. Mas eis que veio a famosa crise econômica de 2008, então considerada a pior desde a Grande Depressão, e este evento provocou uma grande recessão e atingiu especialmente o setor automotivo.

Naquele momento, eu já havia casado novamente, em 2003, com Selma Conceição de Brito Hepp, uma brasileira do Recife, e, um ano depois, nasceu nosso filho Gabriel. Morávamos no México, porém alimentávamos o sonho de morar no Brasil, só esperávamos o melhor momento. A crise de 2008/2009 foi este momento. Enquanto aguardava a obtenção do visto de permanência no Brasil, abrimos uma consultoria e, neste meio tempo, entrei em contato com empresas de gestão interina, conhecidas da Alemanha, e me coloquei à disposição. Foi assim que, em setembro de 2010, cheguei à Fabrima Máquinas Automáticas em Guarulhos. Os donos do grupo alemão, o qual a Fabrima pertencia na época, queriam vender a empresa e precisavam de alguém que a organizasse e a mantivesse funcionando adequadamente, até que o negócio se concretizasse.

Mudei de Recife para Guarulhos e, cinco meses depois, tudo estava organizado e os novos proprietários chegaram. Enquanto isso, consegui enfim o visto de permanência, minha carteira de trabalho e, a partir dali, tinha todas as condições de ser contratado de acordo com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Pouco tempo depois, fui chamado pelo grupo alemão GEA, cujo o headquarter se encontra em Bochum e cuja a fábrica brasileira se encontrava em Franco da Rocha, São Paulo. Logo, descobri que era desgastante sair de Guarulhos, cruzar toda a Marginal Tietê e seguir para a empresa diariamente. Diante do meu interesse em sair do meu contrato de administrador interino, renegociamos às condições, contrataram-me como diretor geral CLT e resolvi me mudar para Jundiaí, mais perto do local de trabalho.

Atuando agora junto à indústria de óleo e gás, pude desenvolver negócios na Argentina, Bolívia, Chile e Colômbia, tendo a experiência em expandir o business para a América Latina. No entanto, o CEO mundial resolveu vender a nossa divisão toda, globalmente e, com o dinheiro, investir em outros assuntos. Foi durante este período de incerteza que me aproximei da Vulkan que fica em Itatiba e da qual faço parte desde setembro de 2014. Fizemos uma reestruturação completa, criamos um centro de desenvolvimento de produtos e começamos também uma expansão regional. Hoje, temos escritório no México e na Colômbia. Três anos depois da minha chegada, fui nomeado por nossa central na Alemanha para chefiar a expansão das nossas atividades comerciais na Austrália, na África Subsaariana e na América Latina. É muito trabalho, que vem exigindo o desenvolvimento de novos negócios, produtos e estratégias. Mas não me canso, porque é o que faço de melhor e o que gosto de fazer.

Não fabrico, não monto e não vendo nada; só penso e crio estratégias

Meu pai morreu quando eu tinha seis anos. Assim, fiquei, precocemente, sem alguém que pudesse exercer uma influência fundamental sobre mim, inclusive no que diz respeito ao futuro profissional. Também não tenho alguém que tenha exercido o papel de mentor desde que comecei a trabalhar. E, para ser sincero, durante muitos anos senti falta de pontos de referência, de mentoria. Lamentei esta ausência por algum tempo, contudo inverti o jogo e desenvolvi uma capacidade de automentorear. Dessa forma, consegui, nos últimos 20 ou 25 anos, estabelecer o meu próprio caminho, com a minha própria força, alimentando-me com todo tipo de impulsos, contatos e exemplos.

Além da graduação em Engenharia Química na Karlsruher, fiz diversos treinamentos e cursos específicos dentro, principalmente, das empresas onde trabalhei. Mas diria que o que me ajudou a abrir a mente e obter conhecimento variado foi de me “jogar” em diferentes aprendizados e em países diversos. Trabalhei na Alemanha, Brasil, Espanha e México, e tirei lições importantes de cada um destes lugares. Embora não tenha muitos cursos formais, estudo e leio muito, e tenho para mim que a verdadeira escola é a vida. E desta, sou um excelente aluno, o que justifica os meus bons resultados. Brinco que nas empresas pelas quais passei, sou o único que não trabalha, pelo menos no sentido convencional, uma vez que não fabrico nada, não monto nada, não vendo nada. Eu penso. Sou o fabricante das estratégias, das soluções e das ideias. E isso é muito bonito.

Se o liderado é bom, o líder é bom; se é ruim, o líder é ruim

Tenho ao menos três turning points na carreira. O primeiro foi quando voltei do Brasil para a Alemanha, e comecei a escrever uma nova história. Decidi me divorciar, sair da empresa e construir uma vida nova. Não foram decisões sem pensar ou “maluquices”, e sempre soube que fiz o certo. Outro momento singular foi casar de novo e acompanhar o nascimento do meu filho no México. Pela primeira vez, consegui uma visão de vida completa. A partir dali, não separava mais o que era trabalho e o que era particular; o que era empresa e o que era família. Tudo se tornou um. Foi um aprendizado muito bom e, a partir disso, trago comigo a filosofia da vida única. Hoje, por exemplo, tenho apenas amigos, sem rótulos. Se a origem da amizade é o trabalho ou a vida pessoal, não importa.

O terceiro ponto de orientação foi quando comecei como engenheiro, focado em soluções, na técnica e em tarefas. Mas, na Espanha, passei a ter contato com a área de Marketing e Vendas e, quando saí do México para o Brasil, apaixonei-me pelo enfoque nas questões estratégicas, comerciais, de desenvolvimento e de criação. Fiquei, por fim, mais longe dos temas técnicos, encerrando um ciclo que foi muito bonito.

Quando comecei minha carreira, estávamos em um mundo bem diferente, vertical, hierarquizado e no qual predominava um estilo de liderança com muitas regras, ordens e instruções. Hoje, isso não cabe mais. A base é a confiança entre as pessoas. Se quiser saber se alguém é um bom líder, deixe que apresente seus colaboradores. Se o liderado é bom, o líder é bom; se é ruim, o líder é ruim. A quem lidera cabe montar times disciplinados e com peças bem diferentes. Clones já não servem para nada. O que se busca é personalidade das pessoas, que estas tenham suas próprias experiências, estilo e que sejam complementares.

Independentemente do que se quer fazer, prepare-se para o desafio e fique à disposição. É algo que tem funcionado para mim. Sempre que a oportunidade me sorriu, eu estava lá à espera dela e sorri de volta. Se alguém me ligar, não demoro para responder. Se me fazem uma proposta vantajosa, não digo que preciso pensar ou que quero saber de todos os detalhes. Assim não funciona. Portanto, se quiser aproveitar as chances, “se joga”. O sucesso não acontece para quem não demonstra flexibilidade e não se arrisca.

Somente fazendo é que se aprende

Considero essencial, especialmente no início da carreira, que se tenha uma certa calma e paciência. Tudo precisa de tempo, pois não há fórmula mágica para acelerar a carreira. E, ainda que pareça trivial, é apenas fazendo que nós aprendemos. Então, aprenda com os equívocos e desatinos, e não apenas lamente ou reclame em função deles. Todos estamos sujeitos a erros e, conforme acredito, se não fazemos algo de errado, nada aprendemos. Muitos ficam esperando a ajuda alheia, um grande mentor, mas só alguns terão essa sorte. Quem realmente quer fazer uma carreira própria precisa ter essa clareza de que ele mesmo tem que produzir, e não esperar que alguém lhe presentei ou que fale como se deve proceder para conseguir.

Entretanto, antes de mais nada, desde o início, tenha uma ideia do que se quer da vida, e tente ficar mais perto dessa intenção. À medida que for ganhando experiência, faça os ajustes finos necessários da ideia original. É muito comum termos um projeto inicial, começarmos a trabalhar por ele e descobrirmos que não era bem aquilo que se queria. Nada impede que possamos nos apaixonar novamente por algo novo e diferente. Mas é preciso partir de algo concreto desde o início. Tem que tentar e lutar para fazer aquilo que sonhamos que dê certo.

Dicas de leitura de Klaus

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Madrid, de Andrés Trapiello

Humanocracy, Creating organizations as amazing as the people inside them, de Gary Hamel e Michele Zanini

Walt Disney, O triunfo da imaginação americana; de Neal Gabler

Por: Fabiana Monteiro

KLAUS HEPP

Presidente na Vulkan do Brasil e Diretor Geral na Vulkan Africa

Nasci em uma região rural do povoado de Ramsen no estado alemão de Renânia -Palatinado, em julho de 1957. Morava, relativamente, perto da base aérea Ramstein dos Estados Unidos, que ainda se mantém nesse local até hoje. Por conta disso, era muito comum me deparar com soldados americanos nas minhas escapadas pelo entorno e achava tudo aquilo fascinante. É importante que, de antemão, mencione este fato, pois meu contato ainda criança com aquele pessoal me permitiu acesso à outro idioma e cultura. Isso despertou em mim o desejo de fazer algo na vida, a partir da possibilidade em desbravar novos horizontes e conhecer outros mundos. Mudamos para a cidade de Mannheim, fiz o serviço militar obrigatório e, só depois, entrei na faculdade. Escolhi Engenharia Química no Karlsruher Institut für Technologie (KIT), entre 1979 e 1984. Já na faculdade, entrei em contato com muitos jovens de outros países, que estudavam na Alemanha, inclusive brasileiros. Ali, já aprendi um pouco sobre o Brasil, seu continente e assim reforçou o desejo de conhecê-lo algum dia.

Durante a graduação, participei de um programa de intercâmbio aberto a alunos de todos os cursos, que levou os selecionados a uma vivência de três meses na África do Sul. Eu acompanhava as empresas de cimento em diferentes lugares do país africano e comecei a ver qual era o papel e as responsabilidades de como era a vida dos engenheiros europeus no mundo afora. Essa experiência me agradou bastante e reforçou o meu desejo de voltar para casa, terminar a faculdade e sair para trabalhar além das fronteiras alemãs.

Em janeiro de 1985, entrei como trainee na VEBA AG, do setor alemão de óleo e gás, na cidade de Gelsenkirchen. Essa empresa tinha um acordo com a estatal PDVSA, da Venezuela, para construir uma fábrica enorme de fazer gasolina e diesel alternativos com matéria-prima do Lago Orinoco. Eu seria treinado na Alemanha e, depois, transferido para a nação latino-americana. Contudo, no meio deste processo, como consequência da segunda guerra entre Irã e Iraque, o preço dos derivados de petróleo baixou drasticamente no mercado internacional e, naquelas circunstâncias, ficou decidido pela VEBA que o investimento em solo venezuelano deixaria de ser feito. Eles me ofereceram para continuar o vínculo empregatício, trabalhando em uma refinaria na Alemanha. No entanto, aquele não era o meu plano. Foi assim que me mudei para a Henkel, uma grande companhia com extensa atividade internacional, onde ficaria pelos próximos 17 anos.

A primeira vez no Brasil

Comecei na Henkel em junho de 1986. A empresa tinha um departamento de Engenharia gigante, com 600 profissionais de todas as áreas, que atuavam no mundo inteiro. Saber que novos projetos estavam sendo iniciados no Brasil e na Indonésia fez meus olhos brilharem, mas fui encaminhado para a fábrica principal da Henkel em Düsseldorf. Sofri inicialmente, pois queria mais. No entanto, esperei. Dois anos se passaram, aprendi bastante e me tornei gerente de projetos. Descobri meu talento para organizar times e fazer tudo de forma disciplinada. Aos poucos, fui colocado em projetos na França, Inglaterra, Espanha e também na Alemanha, tornei-me senior project manager. Contudo, a partir de certa experiência, já não nos desenvolvemos mais. Onze anos se transcorreu desde a minha chegada à Henkel quando fui convidado para uma auditoria interna na fábrica da empresa em Jacareí, no interior de São Paulo. A matriz precisava de alguém qualificado o suficiente para analisar e reportar, pois o objetivo era fazer um grande investimento na unidade.

Ao contrário das minhas expectativas, todos foram muito receptivos em Jacareí, embora sofressem pressão da Alemanha por um lado e, por outro, havia problemas de comunicação interna entre líder e liderados. Com a minha experiência, e sem saber muito desse contexto, assumi o posto de liderança do grupo. Falei o que deveríamos fazer, fui ouvido e o “milagre” aconteceu. Todos ficaram felizes e o dinheiro para o ambicionado projeto finalmente sairia. Nisso, tive de ir e voltar para Jacareí muitas vezes. Na última delas, estava me despedindo para seguir para o aeroporto, quando o chefe da unidade, um argentino, me disse: “Por que você não volta e fica aqui de vez e faz tudo o que precisa ser feito?”. Eu estava comprometido com outros projetos na Europa e não podia simplesmente deixar tudo para trás. Ainda assim, liguei para o meu chefe em Düsseldorf, falei do convite do pessoal brasileiro e consegui a liberação para voltar e ficar.

Da indústria cosmética para o setor automotivo

Fiquei responsável por toda a área de engenharia em Jacareí, e trabalho não faltou. Vivi por três anos em São José dos Campos, e permaneceria mais se não fosse por uma questão econômica. Em janeiro de 1999, o Banco Central brasileiro mudou sua política cambial, o que resultou na desvalorização acentuada do Real. Com isso, de um dia para outro, meu salário reduziu quase pela metade. Foi assim que pedi para voltar para Alemanha e acabei assumindo uma função-chave como diretor técnico da fábrica em Viersen-Dülken, onde foram produzidas todas as tintas de cabelo e cremes de pele da divisão de cosmética Schwarzkopf & Henkel. Eu não sabia na época, mas eu já era aguardado há muito tempo. O diretor-geral da unidade me conheceu durante um treinamento de fim de semana e gostou de mim, entretanto, sinceramente, nem notei isso. Quando ainda estava no Brasil, ele pesquisou sobre mim e sinalizou o interesse em me encaixar na sua equipe, assim que eu ficasse disponível.

Em uma de nossas conversas, depois que lá estava, ele revelou que me queria na equipe pelos próximos 20 anos. Quanto a mim, deixei claro que estava muito feliz em trabalhar ali, porém, gostaria de ir para longe da Alemanha, assim que surgisse uma oportunidade. Ele ficou decepcionado e reclamou com o diretor global de operações da divisão de cosmética. Mas, ao invés de o “chefão” ficar irritado, demonstrou interesse em conhecer “o malucão” e ligou para mim. Ele disse que estava com grandes dificuldades para encontrar pessoal qualificado para expatriar e pediu para que eu esperasse um ano, pois me chamaria. E foi o que aconteceu. Pouco antes do Natal, ele me ligou: “Você fala espanhol?”, perguntou-me.

“Falo só português”, respondi. Ele achou ótimo. Foi assim que fui enviado para La Coruña, no norte da Espanha, onde tinha uma prestigiosa fábrica de cosméticos recém adquirida pela Henkel e onde havia uma tensão entre a liderança local e o headquarter em Düsseldorf. Fui posto dentro do que era, inicialmente, um enclave inimigo. Nessa época, divorciei e fiquei longe dos meus três filhos. Meu desejo era recomeçar, e, após 3 anos maravilhosos de trabalho e de muito sucesso em La Coruña, coincidiu com uma abordagem de um headhunter, que representava uma empresa germânica que estava tendo problemas com sua fábrica de autopeças no México.

Vinha de uma empresa cosmética, mas eles acreditaram que eu era capaz no trabalho. Foi assim que saí da Henkel depois de 17 anos, deixei a Espanha e fui para a cidade mexicana de Toluca, perto da Cidade do México, para liderar a operação local da ElringKlinger. Confesso que, se eu soubesse o que representa o setor automotivo para a América do Norte, nem pensaria em aceitar o trabalho. No entanto, tinha a vantagem em não saber. Portanto, se não era mais possível fugir daquele desafio, aprendi com ele e resolvi o que precisava de solução.

Itinerários brasileiros

No México, “apanhei” muito; por outro lado, aprendi mais ainda. Depois de três anos na ElringKlinger, recebi uma oferta de outra companhia alemã, do mesmo segmento, a BOS Automotive. Eles me ofereceram uma oportunidade de criar uma empresa para a qual seria transferida toda a produção dos Estados Unidos para o território mexicano. Aquele era o sonho dos meus sonhos. Fui o funcionário número um da instalação que montamos em Irapuato, no centro do México. Enquanto era construída, consegui um trailer, estacionei-o ao lado da futura fábrica e fiz dele o meu escritório. Começamos, enfim, a produção e, três anos depois, tínhamos 600 colaboradores e já faturávamos 100 milhões de dólares. Mas eis que veio a famosa crise econômica de 2008, então considerada a pior desde a Grande Depressão, e este evento provocou uma grande recessão e atingiu especialmente o setor automotivo.

Naquele momento, eu já havia casado novamente, em 2003, com Selma Conceição de Brito Hepp, uma brasileira do Recife, e, um ano depois, nasceu nosso filho Gabriel. Morávamos no México, porém alimentávamos o sonho de morar no Brasil, só esperávamos o melhor momento. A crise de 2008/2009 foi este momento. Enquanto aguardava a obtenção do visto de permanência no Brasil, abrimos uma consultoria e, neste meio tempo, entrei em contato com empresas de gestão interina, conhecidas da Alemanha, e me coloquei à disposição. Foi assim que, em setembro de 2010, cheguei à Fabrima Máquinas Automáticas em Guarulhos. Os donos do grupo alemão, o qual a Fabrima pertencia na época, queriam vender a empresa e precisavam de alguém que a organizasse e a mantivesse funcionando adequadamente, até que o negócio se concretizasse.

Mudei de Recife para Guarulhos e, cinco meses depois, tudo estava organizado e os novos proprietários chegaram. Enquanto isso, consegui enfim o visto de permanência, minha carteira de trabalho e, a partir dali, tinha todas as condições de ser contratado de acordo com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Pouco tempo depois, fui chamado pelo grupo alemão GEA, cujo o headquarter se encontra em Bochum e cuja a fábrica brasileira se encontrava em Franco da Rocha, São Paulo. Logo, descobri que era desgastante sair de Guarulhos, cruzar toda a Marginal Tietê e seguir para a empresa diariamente. Diante do meu interesse em sair do meu contrato de administrador interino, renegociamos às condições, contrataram-me como diretor geral CLT e resolvi me mudar para Jundiaí, mais perto do local de trabalho.

Atuando agora junto à indústria de óleo e gás, pude desenvolver negócios na Argentina, Bolívia, Chile e Colômbia, tendo a experiência em expandir o business para a América Latina. No entanto, o CEO mundial resolveu vender a nossa divisão toda, globalmente e, com o dinheiro, investir em outros assuntos. Foi durante este período de incerteza que me aproximei da Vulkan que fica em Itatiba e da qual faço parte desde setembro de 2014. Fizemos uma reestruturação completa, criamos um centro de desenvolvimento de produtos e começamos também uma expansão regional. Hoje, temos escritório no México e na Colômbia. Três anos depois da minha chegada, fui nomeado por nossa central na Alemanha para chefiar a expansão das nossas atividades comerciais na Austrália, na África Subsaariana e na América Latina. É muito trabalho, que vem exigindo o desenvolvimento de novos negócios, produtos e estratégias. Mas não me canso, porque é o que faço de melhor e o que gosto de fazer.

Não fabrico, não monto e não vendo nada; só penso e crio estratégias

Meu pai morreu quando eu tinha seis anos. Assim, fiquei, precocemente, sem alguém que pudesse exercer uma influência fundamental sobre mim, inclusive no que diz respeito ao futuro profissional. Também não tenho alguém que tenha exercido o papel de mentor desde que comecei a trabalhar. E, para ser sincero, durante muitos anos senti falta de pontos de referência, de mentoria. Lamentei esta ausência por algum tempo, contudo inverti o jogo e desenvolvi uma capacidade de automentorear. Dessa forma, consegui, nos últimos 20 ou 25 anos, estabelecer o meu próprio caminho, com a minha própria força, alimentando-me com todo tipo de impulsos, contatos e exemplos.

Além da graduação em Engenharia Química na Karlsruher, fiz diversos treinamentos e cursos específicos dentro, principalmente, das empresas onde trabalhei. Mas diria que o que me ajudou a abrir a mente e obter conhecimento variado foi de me “jogar” em diferentes aprendizados e em países diversos. Trabalhei na Alemanha, Brasil, Espanha e México, e tirei lições importantes de cada um destes lugares. Embora não tenha muitos cursos formais, estudo e leio muito, e tenho para mim que a verdadeira escola é a vida. E desta, sou um excelente aluno, o que justifica os meus bons resultados. Brinco que nas empresas pelas quais passei, sou o único que não trabalha, pelo menos no sentido convencional, uma vez que não fabrico nada, não monto nada, não vendo nada. Eu penso. Sou o fabricante das estratégias, das soluções e das ideias. E isso é muito bonito.

Se o liderado é bom, o líder é bom; se é ruim, o líder é ruim

Tenho ao menos três turning points na carreira. O primeiro foi quando voltei do Brasil para a Alemanha, e comecei a escrever uma nova história. Decidi me divorciar, sair da empresa e construir uma vida nova. Não foram decisões sem pensar ou “maluquices”, e sempre soube que fiz o certo. Outro momento singular foi casar de novo e acompanhar o nascimento do meu filho no México. Pela primeira vez, consegui uma visão de vida completa. A partir dali, não separava mais o que era trabalho e o que era particular; o que era empresa e o que era família. Tudo se tornou um. Foi um aprendizado muito bom e, a partir disso, trago comigo a filosofia da vida única. Hoje, por exemplo, tenho apenas amigos, sem rótulos. Se a origem da amizade é o trabalho ou a vida pessoal, não importa.

O terceiro ponto de orientação foi quando comecei como engenheiro, focado em soluções, na técnica e em tarefas. Mas, na Espanha, passei a ter contato com a área de Marketing e Vendas e, quando saí do México para o Brasil, apaixonei-me pelo enfoque nas questões estratégicas, comerciais, de desenvolvimento e de criação. Fiquei, por fim, mais longe dos temas técnicos, encerrando um ciclo que foi muito bonito.

Quando comecei minha carreira, estávamos em um mundo bem diferente, vertical, hierarquizado e no qual predominava um estilo de liderança com muitas regras, ordens e instruções. Hoje, isso não cabe mais. A base é a confiança entre as pessoas. Se quiser saber se alguém é um bom líder, deixe que apresente seus colaboradores. Se o liderado é bom, o líder é bom; se é ruim, o líder é ruim. A quem lidera cabe montar times disciplinados e com peças bem diferentes. Clones já não servem para nada. O que se busca é personalidade das pessoas, que estas tenham suas próprias experiências, estilo e que sejam complementares.

Independentemente do que se quer fazer, prepare-se para o desafio e fique à disposição. É algo que tem funcionado para mim. Sempre que a oportunidade me sorriu, eu estava lá à espera dela e sorri de volta. Se alguém me ligar, não demoro para responder. Se me fazem uma proposta vantajosa, não digo que preciso pensar ou que quero saber de todos os detalhes. Assim não funciona. Portanto, se quiser aproveitar as chances, “se joga”. O sucesso não acontece para quem não demonstra flexibilidade e não se arrisca.

Somente fazendo é que se aprende

Considero essencial, especialmente no início da carreira, que se tenha uma certa calma e paciência. Tudo precisa de tempo, pois não há fórmula mágica para acelerar a carreira. E, ainda que pareça trivial, é apenas fazendo que nós aprendemos. Então, aprenda com os equívocos e desatinos, e não apenas lamente ou reclame em função deles. Todos estamos sujeitos a erros e, conforme acredito, se não fazemos algo de errado, nada aprendemos. Muitos ficam esperando a ajuda alheia, um grande mentor, mas só alguns terão essa sorte. Quem realmente quer fazer uma carreira própria precisa ter essa clareza de que ele mesmo tem que produzir, e não esperar que alguém lhe presentei ou que fale como se deve proceder para conseguir.

Entretanto, antes de mais nada, desde o início, tenha uma ideia do que se quer da vida, e tente ficar mais perto dessa intenção. À medida que for ganhando experiência, faça os ajustes finos necessários da ideia original. É muito comum termos um projeto inicial, começarmos a trabalhar por ele e descobrirmos que não era bem aquilo que se queria. Nada impede que possamos nos apaixonar novamente por algo novo e diferente. Mas é preciso partir de algo concreto desde o início. Tem que tentar e lutar para fazer aquilo que sonhamos que dê certo.

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