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O conselho deve ser o guardião do propósito, afirma Flavia Almeida da Península Participações

Na coluna desta semana, conheça a história de Flávia Buarque de Almeida, Diretora Presidente da Península Participações

Flávia Buarque de Almeida, Diretora Presidente da Península Participações (Divulgação/Divulgação)

Publicado em 14 de julho de 2023 às 12h05.

Nascida em São Paulo, sou administradora de empresas, casada e mãe de dois filhos. Cursei a graduação na Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 1989, seguida de um mestrado na Universidade de Harvard, concluído em 1994. Trabalhei por um tempo em empresas de bens de consumo e, quando ainda era estudante na FGV, ingressei na McKinsey como trainee. Nessa empresa eu construiria meus primeiros 15 anos de carreira, atingindo a condição de sócia – a primeira mulher na América do Sul a atingir esse status.

Deixei a McKinsey em 2003 para, em seguida, tornar-se diretora superintendente da Participações Morro Vermelho (PMV), holding do grupo Camargo Corrêa, na qual tive a primeira exposição em conselhos de empresas, representando os acionistas e acompanhando os negócios do conglomerado. Assim, acabei obtendo um assento nos conselhos das investidas, como InterCement, Alpargatas e a construtora Camargo Corrêa, incluindo-se aí tanto empresas de capital fechado quanto de capital aberto, nas quais havia investimentos relevantes. No entanto, o primeiro convite para ser conselheira independente só viria em 2011, nas Lojas Renner, na qual permaneci até 2016.

Depois da experiência na PMV, retornei para o mundo da consultoria, em que permaneci por mais quatro anos, dessa vez como sócia e responsável pela Monitor na América do Sul. Em 2013, cheguei à Península Participações, criada originalmente em 2006 como um family office voltado à gestão dos ativos de propriedade da família Diniz. Atualmente, sou CEO dessa organização e conselheira de algumas empresas, tanto pela Península quanto na condição de conselheira independente. Eu gosto de ter pelo menos um assento em empresas como conselheira independente, pois acho que isso traz um ar e uma cabeça diferentes. Isso porque participo do Conselho de algumas investidas, como Wine, Grupo Vitamina e Carrefour França, além de ser conselheira independente no Grupo Ultra e presidente do Conselho do Instituto Tomie Ohtake. E ainda tenho outras ocupações not-for-profit.

Não estamos aqui para tirar o lugar dos homens, mas para complementá-lo

O conselho é um lugar crucial em qualquer organização. É desde aí que se olha para o futuro, para as grandes rupturas que podem acontecer no negócio e também para as grandes oportunidades. Do conselho, vê-se os controles, o Compliance e os mecanismos necessários para assegurar que a estratégia está sendo bem executada. Desde que comecei, já ocupei assentos em conselhos de administração de mais de vinte empresas de capital aberto e fechado. Em muitos deles, eu era a primeira ou a única mulher. Nesse papel de conselheira, meu maior desafio é me manter atualizada. Tenho que olhar para o mundo e para o futuro e pensar muito sobre onde podem estar os grandes choques, pois, no horizonte, há sempre grandes mudanças, algumas revolucionárias, outras disruptiva.

Como conselheira, tenho de dedicar tempo e ter a cabeça e a mente abertas para questionar constantemente todos os negócios. Hoje nada é impossível. Por isso, meu grande desafio é me manter alerta, aberta e isso deve se refletir em minhas ações e posições. Atuo em empresas de segmentos diferentes. Logo, preciso ter um nível de profundidade razoável. A profundidade é importante, mas a diversidade – inclusive de olhar situações que estão acontecendo em uma indústria e pensar como elas afetam as outras – é algo muito rico. Obviamente, tem-se um limite do que você pode fazer em termos de profundidade e abrangência. Contudo, há muita coisa que se pode levar de uma indústria para outra. Algumas se comunicam, como distribuição de combustíveis e varejo, alimentos e distribuição, ou educação e varejo. Muitas coisas de uma indústria valem para outra, o que permite aprendizados e cruzamentos de ideias.

A diversidade faz parte de nossas vidas. Logo, deve fazer parte também das empresas e dos conselhos. Hoje, não ter um conselho diverso é não entender o que é a vida. Precisamos trazer para o conselho a diversidade da realidade e, para isso, é necessário ter organizações e lideranças que introjetem essa preocupação e entendam sua importância. Estamos em uma época em que, para dizer que há diversidade, não basta haver uma, duas ou mesmo três mulheres no conselho. A questão é muito maior. Implica gênero, sim, mas também competências, backgrounds, raça, etc. Temos que entender o mundo tal como ele é, e o mundo é diverso. Quando deixamos o diverso à margem de ambientes empresariais acabamos por tomar decisões enviesadas.

Ter mais de uma mulher no conselho faz muita diferença

Hoje, em boa parte dos cursos universitários, há mais mulheres se formando do que homens. Então, deixar essas mulheres de fora do conselho ou da organização significa abrir mão de mais da metade da base de talentos que se tem à disposição. Isso não faz sentido. Com elas, amplia-se o leque, pois se agrega uma visão diferente, de um grupo de pessoas que têm suas próprias vivências, experiências e conhecimentos.

Quando comecei a atuar como conselheira, há cerca de vinte anos, além de ser considerada muito jovem em relação aos demais, eu era praticamente a única mulher naquele universo dominado por homens. Para se ter uma ideia, em muitas salas de reunião de conselhos, não havia sequer um banheiro feminino no entorno. Hoje as coisas estão bem diferentes, pois quando uma mulher adentra esse tipo de espaço, tudo muda, incluindo os rituais, as discussões, as piadas, as formas de tratamento, as dinâmicas, etc. No entanto, ter uma única mulher nos conselhos não é suficiente. Eu só passei a ter uma colega conselheira há cerca de dez anos. Estou certa de que ter mais de uma mulher faz muita diferença, pois, assim, as mudanças nas dinâmicas do conselho aconteceriam de forma mais natural. Considerando que representamos 50% da força de trabalho, o ideal mesmo seria que tivéssemos 50% das vagas em conselhos, distribuídas com base em mérito, competência e experiência.

Hoje, todos os conselhos dos quais faço parte têm ao menos duas mulheres. Isso significa que ocupamos entre 20 e 30% dos assentos. Uma colega de conselho comentou recentemente que, no setor público, de onde ela veio, há conselhos que têm até mais mulheres do que homens, principalmente os das áreas jurídica e econômica. A explicação para isso é que, na administração pública, a escolha dos conselheiros se baseia mais em competência e evolução de carreira, o que normalmente acontece em concursos públicos, nos quais a presença feminina tem sido cada vez maior.

Conselho é um órgão no qual é preciso saber trabalhar em grupo

Para fazer parte de um conselho não é mais necessário, obrigatoriamente, ter um perfil empresarial. Hoje em dia, vejo conselhos com economistas, antropólogos, pessoal da área de criatividade, de tecnologia, etc. Tampouco é necessário ter uma idade mais avançada. No entanto, é fundamental ter uma bagagem relevante na carreira, uma boa experiência com a qual se possa contribuir de forma efetiva. É preciso, também, preparar-se bem e entender muito claramente que essa posição envolve enorme responsabilidade fiduciária perante a empresa, seus funcionários, acionistas e clientes, além do governo, do mercado e da sociedade como um todo.

Uma segunda qualidade que o conselheiro deve ter é um conhecimento profundo em alguma área, seja a financeira, inovação, gestão de pessoas, análise de cenário ou algum setor específico da economia. Ademais, é fundamental saber trabalhar em grupo. Acho que essa tende a ser uma característica feminina: entender-se com outras pessoas, funcionar bem em grupo e abrir-se para o aprendizado, o debate e o diálogo. Um bom conselho opera bem como órgão colegiado e não como um somatório de indivíduos. Essa é uma competência mais soft, menos técnica, mas muito importante.

O conselho é um órgão no qual é preciso saber trabalhar em grupo. Não é porque sou conselheira que eu mando. Há certa tradição de CEOs se aposentarem e se tornarem conselheiros, mas nem sempre um excelente CEO é um excelente conselheiro, pois são papéis diferentes. O CEO é a figura que está no volante. Em alguns momentos, ele tem que decidir. O conselheiro é alguém que está no banco de trás – na melhor das hipóteses, no banco do carona –, tentando influenciar quem está na direção. Em alguns conselhos há essa tendência de o conselheiro querer sentar no lugar do motorista e assumir o papel do CEO. Mas, quando o conselheiro assume as atribuições de quem está no volante, comete um grande erro de governança. É preciso deixar muito claro quais são os papéis e as responsabilidades de cada instância.

A organização inteira tem que trabalhar para a inovação

Inovar é um desafio crítico atualmente. Eu não conheço nenhuma indústria, nenhum setor que não vem sendo chacoalhado continuamente nos últimos tempos. Antigamente, fazia-se um plano estratégico de dez anos – no mínimo de cinco –, e seguia-se aquilo que fora estabelecido. Hoje em dia já não é mais assim e tenho dificuldade de acreditar até mesmo em planos quinquenais. Evidentemente, temos que ter um norte, mas temos também que planejar continuamente, isto é, rever os planos periodicamente, pois o mundo é muito dinâmico e complexo. Não acredito em planos estáticos, mas sim naqueles que permitem mudanças e atualizações. É nesse ponto que entra o tema da inovação.

Essa capacidade de pensar além do hoje e de inovar é fundamental. E não estou falando que é só o conselho que tem que fazer isso. A organização inteira tem que trabalhar por isso. Diria até que a inovação vem muito mais de baixo para cima do que o contrário, pois na base tem muito mais gente, mais diversidade, mais experiências. Se vem do conselho para a base, está errado. O conselho é uma instância que ouve, organiza e pensa muito mais do que cria. Por isso, esse colegiado deve estar aberto à inovação e, para isso, precisa saber ouvir e pensar dentro e fora da caixa.

O conselho deve ser o guardião do propósito

Uma organização não pode ter como único propósito gerar lucro. Isso é importante, evidentemente, mas, para mim, é pouco, é limitado para o mundo em que vivemos hoje. Entendo que o conselho tem um papel fundamental de pensar além de gerar lucro. Acredito que nosso objetivo deve ser contribuir para a transformação do mundo por meio do modelo empresarial, seja ele público ou privado. Nesse sentido, para mim, o conselho deve ser um guardião do propósito, desde os princípios mais básicos, no que diz respeito à ética e o respeito às boas práticas. Não é só uma questão de cumprir a lei, mas entender quais são os valores que serão deixados para as pessoas com quem se interage, sejam clientes, colaboradores ou fornecedores. Aderir ao ESG é uma questão de sobrevivência. Pode não ser no curto prazo, mas esse é o caminho para uma empresa que quer se perpetuar e fazer a diferença no mundo.

No entanto, atualmente, há muito marketing em torno do tema ESG. De certa forma, tornou-se uma espécie de moda dizer que “sou ESG” e fazer propaganda, folhetim, relatório, etc. sobre isso. A propaganda é o que menos me interessa nesse tema. Se a organização não estiver de fato preocupada com o tripé ambiente, sociedade e governança, não adianta. Assim como não adianta querer abraçar todos os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), pois é simplesmente impossível. É preciso fazer escolhas. Nesses temas, eu prefiro profundidade a abrangência.

Por fim, sou otimista em relação ao tema das mulheres em conselhos. Estamos em um momento de muitas transformações na concepção de liderança e uma das mais importantes é a promoção da igualdade de gênero e do protagonismo das mulheres. Nós não estamos aqui para tirar o lugar dos homens, mas sim para complementá-lo. Este é um entendimento que tem que ser de todos. Por experiência própria digo que os conselhos serão melhores assim, com mais diversidade de gênero, de raça, orientação sexual, experiências. Todos ganhamos com isso. Essa é uma premissa fundamental. Da minha parte, estou à disposição no que puder ajudar. Sempre! Adoro estar em colegiados com mais mulheres e acho que isso torna nossas organizações como um todo melhores.

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Nascida em São Paulo, sou administradora de empresas, casada e mãe de dois filhos. Cursei a graduação na Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 1989, seguida de um mestrado na Universidade de Harvard, concluído em 1994. Trabalhei por um tempo em empresas de bens de consumo e, quando ainda era estudante na FGV, ingressei na McKinsey como trainee. Nessa empresa eu construiria meus primeiros 15 anos de carreira, atingindo a condição de sócia – a primeira mulher na América do Sul a atingir esse status.

Deixei a McKinsey em 2003 para, em seguida, tornar-se diretora superintendente da Participações Morro Vermelho (PMV), holding do grupo Camargo Corrêa, na qual tive a primeira exposição em conselhos de empresas, representando os acionistas e acompanhando os negócios do conglomerado. Assim, acabei obtendo um assento nos conselhos das investidas, como InterCement, Alpargatas e a construtora Camargo Corrêa, incluindo-se aí tanto empresas de capital fechado quanto de capital aberto, nas quais havia investimentos relevantes. No entanto, o primeiro convite para ser conselheira independente só viria em 2011, nas Lojas Renner, na qual permaneci até 2016.

Depois da experiência na PMV, retornei para o mundo da consultoria, em que permaneci por mais quatro anos, dessa vez como sócia e responsável pela Monitor na América do Sul. Em 2013, cheguei à Península Participações, criada originalmente em 2006 como um family office voltado à gestão dos ativos de propriedade da família Diniz. Atualmente, sou CEO dessa organização e conselheira de algumas empresas, tanto pela Península quanto na condição de conselheira independente. Eu gosto de ter pelo menos um assento em empresas como conselheira independente, pois acho que isso traz um ar e uma cabeça diferentes. Isso porque participo do Conselho de algumas investidas, como Wine, Grupo Vitamina e Carrefour França, além de ser conselheira independente no Grupo Ultra e presidente do Conselho do Instituto Tomie Ohtake. E ainda tenho outras ocupações not-for-profit.

Não estamos aqui para tirar o lugar dos homens, mas para complementá-lo

O conselho é um lugar crucial em qualquer organização. É desde aí que se olha para o futuro, para as grandes rupturas que podem acontecer no negócio e também para as grandes oportunidades. Do conselho, vê-se os controles, o Compliance e os mecanismos necessários para assegurar que a estratégia está sendo bem executada. Desde que comecei, já ocupei assentos em conselhos de administração de mais de vinte empresas de capital aberto e fechado. Em muitos deles, eu era a primeira ou a única mulher. Nesse papel de conselheira, meu maior desafio é me manter atualizada. Tenho que olhar para o mundo e para o futuro e pensar muito sobre onde podem estar os grandes choques, pois, no horizonte, há sempre grandes mudanças, algumas revolucionárias, outras disruptiva.

Como conselheira, tenho de dedicar tempo e ter a cabeça e a mente abertas para questionar constantemente todos os negócios. Hoje nada é impossível. Por isso, meu grande desafio é me manter alerta, aberta e isso deve se refletir em minhas ações e posições. Atuo em empresas de segmentos diferentes. Logo, preciso ter um nível de profundidade razoável. A profundidade é importante, mas a diversidade – inclusive de olhar situações que estão acontecendo em uma indústria e pensar como elas afetam as outras – é algo muito rico. Obviamente, tem-se um limite do que você pode fazer em termos de profundidade e abrangência. Contudo, há muita coisa que se pode levar de uma indústria para outra. Algumas se comunicam, como distribuição de combustíveis e varejo, alimentos e distribuição, ou educação e varejo. Muitas coisas de uma indústria valem para outra, o que permite aprendizados e cruzamentos de ideias.

A diversidade faz parte de nossas vidas. Logo, deve fazer parte também das empresas e dos conselhos. Hoje, não ter um conselho diverso é não entender o que é a vida. Precisamos trazer para o conselho a diversidade da realidade e, para isso, é necessário ter organizações e lideranças que introjetem essa preocupação e entendam sua importância. Estamos em uma época em que, para dizer que há diversidade, não basta haver uma, duas ou mesmo três mulheres no conselho. A questão é muito maior. Implica gênero, sim, mas também competências, backgrounds, raça, etc. Temos que entender o mundo tal como ele é, e o mundo é diverso. Quando deixamos o diverso à margem de ambientes empresariais acabamos por tomar decisões enviesadas.

Ter mais de uma mulher no conselho faz muita diferença

Hoje, em boa parte dos cursos universitários, há mais mulheres se formando do que homens. Então, deixar essas mulheres de fora do conselho ou da organização significa abrir mão de mais da metade da base de talentos que se tem à disposição. Isso não faz sentido. Com elas, amplia-se o leque, pois se agrega uma visão diferente, de um grupo de pessoas que têm suas próprias vivências, experiências e conhecimentos.

Quando comecei a atuar como conselheira, há cerca de vinte anos, além de ser considerada muito jovem em relação aos demais, eu era praticamente a única mulher naquele universo dominado por homens. Para se ter uma ideia, em muitas salas de reunião de conselhos, não havia sequer um banheiro feminino no entorno. Hoje as coisas estão bem diferentes, pois quando uma mulher adentra esse tipo de espaço, tudo muda, incluindo os rituais, as discussões, as piadas, as formas de tratamento, as dinâmicas, etc. No entanto, ter uma única mulher nos conselhos não é suficiente. Eu só passei a ter uma colega conselheira há cerca de dez anos. Estou certa de que ter mais de uma mulher faz muita diferença, pois, assim, as mudanças nas dinâmicas do conselho aconteceriam de forma mais natural. Considerando que representamos 50% da força de trabalho, o ideal mesmo seria que tivéssemos 50% das vagas em conselhos, distribuídas com base em mérito, competência e experiência.

Hoje, todos os conselhos dos quais faço parte têm ao menos duas mulheres. Isso significa que ocupamos entre 20 e 30% dos assentos. Uma colega de conselho comentou recentemente que, no setor público, de onde ela veio, há conselhos que têm até mais mulheres do que homens, principalmente os das áreas jurídica e econômica. A explicação para isso é que, na administração pública, a escolha dos conselheiros se baseia mais em competência e evolução de carreira, o que normalmente acontece em concursos públicos, nos quais a presença feminina tem sido cada vez maior.

Conselho é um órgão no qual é preciso saber trabalhar em grupo

Para fazer parte de um conselho não é mais necessário, obrigatoriamente, ter um perfil empresarial. Hoje em dia, vejo conselhos com economistas, antropólogos, pessoal da área de criatividade, de tecnologia, etc. Tampouco é necessário ter uma idade mais avançada. No entanto, é fundamental ter uma bagagem relevante na carreira, uma boa experiência com a qual se possa contribuir de forma efetiva. É preciso, também, preparar-se bem e entender muito claramente que essa posição envolve enorme responsabilidade fiduciária perante a empresa, seus funcionários, acionistas e clientes, além do governo, do mercado e da sociedade como um todo.

Uma segunda qualidade que o conselheiro deve ter é um conhecimento profundo em alguma área, seja a financeira, inovação, gestão de pessoas, análise de cenário ou algum setor específico da economia. Ademais, é fundamental saber trabalhar em grupo. Acho que essa tende a ser uma característica feminina: entender-se com outras pessoas, funcionar bem em grupo e abrir-se para o aprendizado, o debate e o diálogo. Um bom conselho opera bem como órgão colegiado e não como um somatório de indivíduos. Essa é uma competência mais soft, menos técnica, mas muito importante.

O conselho é um órgão no qual é preciso saber trabalhar em grupo. Não é porque sou conselheira que eu mando. Há certa tradição de CEOs se aposentarem e se tornarem conselheiros, mas nem sempre um excelente CEO é um excelente conselheiro, pois são papéis diferentes. O CEO é a figura que está no volante. Em alguns momentos, ele tem que decidir. O conselheiro é alguém que está no banco de trás – na melhor das hipóteses, no banco do carona –, tentando influenciar quem está na direção. Em alguns conselhos há essa tendência de o conselheiro querer sentar no lugar do motorista e assumir o papel do CEO. Mas, quando o conselheiro assume as atribuições de quem está no volante, comete um grande erro de governança. É preciso deixar muito claro quais são os papéis e as responsabilidades de cada instância.

A organização inteira tem que trabalhar para a inovação

Inovar é um desafio crítico atualmente. Eu não conheço nenhuma indústria, nenhum setor que não vem sendo chacoalhado continuamente nos últimos tempos. Antigamente, fazia-se um plano estratégico de dez anos – no mínimo de cinco –, e seguia-se aquilo que fora estabelecido. Hoje em dia já não é mais assim e tenho dificuldade de acreditar até mesmo em planos quinquenais. Evidentemente, temos que ter um norte, mas temos também que planejar continuamente, isto é, rever os planos periodicamente, pois o mundo é muito dinâmico e complexo. Não acredito em planos estáticos, mas sim naqueles que permitem mudanças e atualizações. É nesse ponto que entra o tema da inovação.

Essa capacidade de pensar além do hoje e de inovar é fundamental. E não estou falando que é só o conselho que tem que fazer isso. A organização inteira tem que trabalhar por isso. Diria até que a inovação vem muito mais de baixo para cima do que o contrário, pois na base tem muito mais gente, mais diversidade, mais experiências. Se vem do conselho para a base, está errado. O conselho é uma instância que ouve, organiza e pensa muito mais do que cria. Por isso, esse colegiado deve estar aberto à inovação e, para isso, precisa saber ouvir e pensar dentro e fora da caixa.

O conselho deve ser o guardião do propósito

Uma organização não pode ter como único propósito gerar lucro. Isso é importante, evidentemente, mas, para mim, é pouco, é limitado para o mundo em que vivemos hoje. Entendo que o conselho tem um papel fundamental de pensar além de gerar lucro. Acredito que nosso objetivo deve ser contribuir para a transformação do mundo por meio do modelo empresarial, seja ele público ou privado. Nesse sentido, para mim, o conselho deve ser um guardião do propósito, desde os princípios mais básicos, no que diz respeito à ética e o respeito às boas práticas. Não é só uma questão de cumprir a lei, mas entender quais são os valores que serão deixados para as pessoas com quem se interage, sejam clientes, colaboradores ou fornecedores. Aderir ao ESG é uma questão de sobrevivência. Pode não ser no curto prazo, mas esse é o caminho para uma empresa que quer se perpetuar e fazer a diferença no mundo.

No entanto, atualmente, há muito marketing em torno do tema ESG. De certa forma, tornou-se uma espécie de moda dizer que “sou ESG” e fazer propaganda, folhetim, relatório, etc. sobre isso. A propaganda é o que menos me interessa nesse tema. Se a organização não estiver de fato preocupada com o tripé ambiente, sociedade e governança, não adianta. Assim como não adianta querer abraçar todos os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), pois é simplesmente impossível. É preciso fazer escolhas. Nesses temas, eu prefiro profundidade a abrangência.

Por fim, sou otimista em relação ao tema das mulheres em conselhos. Estamos em um momento de muitas transformações na concepção de liderança e uma das mais importantes é a promoção da igualdade de gênero e do protagonismo das mulheres. Nós não estamos aqui para tirar o lugar dos homens, mas sim para complementá-lo. Este é um entendimento que tem que ser de todos. Por experiência própria digo que os conselhos serão melhores assim, com mais diversidade de gênero, de raça, orientação sexual, experiências. Todos ganhamos com isso. Essa é uma premissa fundamental. Da minha parte, estou à disposição no que puder ajudar. Sempre! Adoro estar em colegiados com mais mulheres e acho que isso torna nossas organizações como um todo melhores.

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