O bom líder é aquele que trabalha para se tornar desnecessário
Algumas escolhas me fizeram chegar onde cheguei. A primeira delas é a realização por aquilo que faço
Publicado em 27 de novembro de 2021 às, 10h00.
Nasci em 12 de dezembro de 1976 na cidade de Cruzeiro, divisa dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Sou o segundo filho de uma família de quatro irmãos e o único a abraçar a Engenharia, mesmo ramo de atividade do meu pai, José Antônio. No entanto, a escolha pela profissão não foi fácil. Sempre fui muito adepto aos esportes, especialmente aqueles praticados na água, como natação, surfe e mergulho. Nadava competitivamente na adolescência e estava a poucos segundos de alcançar o índice olímpico. Certo dia, meu técnico falou que eu teria de tomar uma decisão e que teria de escolher entre nadar ou estudar. Não daria para fazer as duas atividades ao mesmo tempo, pois, se assim fosse, não me sairia bem em nenhuma delas devido à dedicação que elas demandam.
Na época estava chegando ao último ano do Ensino Médio e, após avaliar prós e contras, escolhi largar a carreira de atleta para investir nos estudos. Pouco tempo depois, em 1994, comecei a graduação na então Escola Federal de Engenharia de Itajubá (EFEI), que hoje é a Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI). Devido à minha experiência e afinidade com o esporte, tornei-me o técnico da equipe de natação da faculdade, além de participar de programas de iniciação científica. Juntamente com alguns colegas, também ajudei a refundar a Empresa Júnior da faculdade, assumindo a função de Diretor de Marketing e comecei a estagiar cedo, aproveitando as férias de inverno e de verão. Obviamente, muitos não eram remunerados, mas valia demais cada experiência.
Graças ao auxílio do meu pai e a seu networking, consegui passar um tempo nas empresas Iochpe-Maxion, Volkswagen, Mangels e ZF, o que, certamente, contribuiu muito na minha formação. Contudo, uma das minhas principais realizações nessa época foi ter conseguido terminar o curso de Engenharia Mecânica em cinco anos, pois pairava um consenso de que ali era mais fácil entrar do que sair. E não era exagero! Dos 120 colegas que iniciaram o curso comigo, apenas seis, entre eles eu, não precisaram estender o tempo da graduação. E isso sem deixar de aproveitar esse período da faculdade e me envolver em atividades extracurriculares.
Educação é um investimento que vale a pena ser feito
O meu pai tem sido o meu mentor natural. E isso não só pela profissão e sucesso que alcançou na carreira. Por conta da abertura que temos um com o outro, tudo entre nós é falado de forma muito clara e direta, sem a necessidade de ser politicamente correto. Ele foi CEO de uma das empresas controladas pela Iochpe-Maxion, chamada AmstedMaxion, uma joint-venture que atua no segmento ferroviário. Depois foi para o próprio grupo Iochpe, onde cuidou de toda a parte de Fusões e Aquisições (M&A) e construiu uma carreira bastante interessante neste grupo. Com ele aprendi que educação continuada, dedicação e networking são fundamentais.
Concluí minha graduação na EFEI em dezembro de 1998, e em março de 1999 fui aprovado no programa de Jovens Talentos (trainee) da Embraer. Fiz um acordo com o meu Diretor na época para que, como parte do programa de desenvolvimento, a empresa me oferecesse um curso na Fundação Getúlio Vargas (FGV), caso eu fosse aprovado. Assim, pude fazer o Curso de Especialização em Administração para Graduados (CEAG) na FGV/SP, entre 2000 e 2002. Depois, entre 2011 e 2013, durante o período em que morei na Itália, a trabalho, aproveitei para fazer um MBA na tradicional Escola Superior de Comércio de Paris (ESCP). Como a ESCP é uma escola internacional, eu morava em Turim, mas fazia aulas também em Paris, Berlim, Madri e Londres. Passei muito tempo na estrada e estudei bastante em viagens de trem.
Mais recentemente, mesmo com a rotina da pandemia, dediquei um tempo a um Programa de Formação de Conselheiros da Fundação Dom Cabral, com aulas às terças e quintas, das 18h às 21h. É um investimento de tempo considerável, ainda mais se levar em conta as leituras e preparações aos finais de semana. Mas vale a pena, pois este background acadêmico é essencial. Um Executivo não pode parar de estudar, jamais! Já era assim antes, mas atualmente é muito mais, pois os ciclos estão muito mais curtos e as novidades não param de aparecer.
Salvando uma receita em risco
Quando cheguei à Embraer, minha primeira opção era Marketing, mas fui alocado na área de Qualidade, onde fiquei por cerca de seis anos. Na época, as vendas da família ERJ-145 estavam crescendo muito. Precisávamos entregar mais aviões do que a sua linha de produção tinha sido inicialmente planejada para suportar. Com isso, muita gente entrou na empresa ao mesmo tempo. E, como se fala no meio da aviação, o nosso produto não tem acostamento. Portanto, as pessoas que trabalham com aviões precisam ser muito qualificadas e os processos têm de ser muito robustos. Desta forma, este salto de quantidade representou também um grande desafio no que dizia respeito à manutenção da qualidade dos produtos que estávamos colocando no mercado.
Por volta de 2003, começamos a trabalhar em um projeto que se chamava Aerial Common Sensor (ACS), para o Exército e a Marinha dos Estados Unidos. Vencemos a concorrência, mas o projeto acabou sendo cancelado em 2006. Entre elaborar uma proposta, vê-la ser considerada vencedora e começar a discutir contrato, fiquei quase três anos trabalhando no programa. No final desse processo, sofri um acidente pessoal – meu cavalo caiu sobre a minha perna e a quebrei em vários lugares, o que me deixou afastado da empresa por três meses. Quando voltei, o projeto ao qual havia me dedicado tinha acabado. Conversei então com o Diretor da Qualidade e ele me alocou em um projeto de uma nova família, E-Jet, que, assim como o seu antecessor, estava tendo muito sucesso no mercado e corríamos o risco de perder algumas entregas por falta de componentes críticos.
Fui então alocado a uma equipe multidisciplinar destinada a resolver o problema de falta de asas e comecei a passar todas as semanas no município de Gavião Peixoto, onde estava a unidade de produção. Depois de meses de trabalho, conseguimos recuperar o atraso. Entregamos todas as unidades conforme plano de produção e ajudamos a empresa a honrar suas entregas e, consequentemente, a receita. No final deste processo, a Embraer optou por comprar a unidade de fabricação de asas, e eu fazia o link da Qualidade, gerenciando os processos com os times no Japão – empresa fabricante das asas.
A caminho do Oriente
Após aquele desafio percebi que tinha virado uma espécie de coringa e sem um plano de carreira claramente definido. Como tinha trabalhado no projeto ACS (Aerial Common Sensor – aquele para o Exército e Marinha dos Estados Unidos) com o time de Vendas, conversei com alguns colegas e redirecionei a minha carreira, me juntando então ao time comercial para preparar as propostas de suporte logístico integrado aos clientes governamentais. Fiquei nesta posição por cerca de dois anos, até que um novo Vice-Presidente assumiu a unidade de Defesa da Embraer, fez alguns ajustes na organização e, no começo de 2008, fui convidado para assumir a gerência de Estratégia de Mercado e Inteligência Competitiva desta unidade.
Em conjunto com os Diretores e Vice-Presidente, trabalhamos no primeiro plano estratégico da Unidade de Defesa da Embraer. A partir dele, seria então criada uma nova empresa: a Embraer Defesa e Segurança. Porém, ao final de 2008, enfrentamos uma das mais graves crises financeiras mundiais, marcada pela falência e enormes perdas de importantes bancos ao redor do mundo. Isso, obviamente, teve reflexos na Embraer, que teve que reduzir em boa parte a sua força de trabalho e, consequentemente, também na área de Estratégia. Como durante a discussão do Plano Estratégico tínhamos focado muito no mercado asiático, o então Vice-Presidente na época sugeriu que eu assumisse o papel de Gerente de Marketing e Desenvolvimento de Negócios deste mercado. Juntei-me então aos Diretores de Vendas da Ásia, porém, vivendo no Brasil. Ou seja, viajava muito e acabava ficando longos períodos fora de casa, longe da minha esposa e filhos.
Além disso, me faltava uma vivência internacional, importante para o crescimento na Embraer. Já tinha estado em mais de 20 países, mas ainda não havia morado fora. Foi quando surgiu a oportunidade de integrar o programa A1-M, assinado com a Força Aérea Brasileira (FAB) para a revitalização e modernização das aeronaves AMX. A FAB e a Embraer precisavam de alguém na Itália, eu me candidatei à vaga e acabei sendo selecionado. Então, em janeiro de 2011, deixei o Brasil. Ajeitei as coisas por lá, e, em abril, toda a minha família já estava comigo. No final do mesmo ano, com a família já adaptada ao novo país, iniciei o MBA na ESCP. Foi um período muito interessante e também um dos pontos de inflexão da minha carreira. Ir para a Itália significou deixar a zona de conforto, que era estar na área de Vendas, e dar um novo passo ao optar por fazer Gestão de Programa. Ali ganhei uma experiência internacional que ainda não tinha e a possibilidade de estudar em uma instituição de renome global.
Alguns anos depois, em 2013, a Embraer viu a necessidade de reforçar os seus times de vendas internacionais na área de Defesa e Segurança de forma a buscar novas oportunidades e aumentar a promoção da sua nova aeronave C-390, em fase final de desenvolvimento. Foi então que me convidaram, em meados daquele ano, para uma posição de Diretoria de Vendas na Ásia, porém, desta vez, morando em Cingapura. Junto a um colega e grande amigo, cuidávamos de mais de 30 países e de um território que ia do Cazaquistão à Nova Zelândia. Foram anos intensos e de muito aprendizado, mas a minha estadia na Ásia seria encurtada em junho de 2015, quando aceitei um convite da Thales para assumir, no Brasil, a Diretoria de Estratégia e Marketing para a América Latina. Resolvi aceitar.
O grande ponto de inflexão
Cingapura é um país maravilhoso, assim como toda a região do Sudeste Asiático, e eu tinha acesso a uma ótima estrutura como expatriado. No entanto, eu cuidava de uma região razoavelmente grande: saía de casa domingo à noite ou segunda de manhã e ficava quase toda a semana fora. Percebi então que não fazia muito sentido ter levado minha família para o outro lado do mundo e passar com eles tão pouco tempo. E, como uma notícia que vem de repente, sem pedir licença, em setembro de 2014, minha esposa foi diagnosticada com câncer da mama, aos 37 anos.
Dá para imaginar a confusão que se tornaram as nossas vidas. Eu estava no Cazaquistão quando recebi a notícia e, de lá, viajei para a Itália, onde ela se encontrava, para viajarmos ao Brasil, onde se submeteu a mais exames e à cirurgia de mastectomia. Durante a sua recuperação, acabei retornando para Cingapura com as crianças. Foram semanas difíceis, que se tornaram meses ainda mais complicados com o início do tratamento de quimioterapia da minha esposa já de volta a Cingapura. E, além dessas dificuldades, alguns questionamentos profissionais também começaram a me incomodar. Nasceu ali então uma dúvida enorme: continuar ou mudar? Após 15 anos na empresa, eu sabia que aquele era meu maior momento de inflexão.
Resolvi então acender o pavio, cadastrando-me no LinkedIn e atualizando meu currículo. Em pouco tempo, recebi uma ligação de um headhunter informando que tinha uma oportunidade no Brasil. As conversas evoluíram e quando ele abriu o nome da companhia que estava por trás da oferta, vi que fazia todo sentido, pois não tinha relação de competição entre ela e a Embraer. Muita gente me chamou de doido quando soube da minha decisão, afinal, eu estava em uma boa posição de diretoria, expatriado em um belo país, e abriria mão disso tudo para começar uma carreira em uma nova empresa de volta ao Brasil. Mas aquele passo tinha sido muito bem estudado.
Deixei oficialmente a Embraer em 8 de junho de 2015 e, no dia seguinte, ingressei na Thales. Brinco que tive oito horas de férias entre uma empresa e outra. Na Thales, junto com o Vice-Presidente para a América Latina e o Diretor Geral do Brasil, estruturamos os planos estratégicos para a região e para o Brasil. Em meados de 2017 os planos foram aprovados pelo Comitê Executivo do Grupo Thales. Começava uma nova fase para nós: a execução. Como esperado, as iniciativas estratégicas começaram a dar resultados e os números da Thales no Brasil indicavam uma tendência de forte crescimento. Em meados de 2018, o então Diretor Geral da Thales no Brasil foi convidado a assumir uma nova posição no Grupo e, como eu já conhecia a estrutura da empresa e tinha ajudado a definir e colocar em prática a estratégia da empresa no país, fui nomeado Diretor Geral da Thales no Brasil – o primeiro brasileiro a assumir essa posição de tamanha importância.
Uma carreira deve ser construída com o coletivo
Algumas escolhas me fizeram chegar onde cheguei. A primeira delas é a realização por aquilo que faço. Quando me formei, muitos bancos estavam contratando Engenheiros. Meu próprio pai falava: “Por que não vai trabalhar em banco?”. E eu respondia que tinha feito Engenharia porque gosto de produtos, processos, produção.
Outro ponto importante foram as pessoas que estiveram comigo. Ninguém faz nada sozinho. A figura do super-homem não existe e a liderança precisa entender isso. Quem não o fizer, estará fadado ao fracasso. O fato de eu ter me cercado de pessoas boas, competentes, comprometidas, alegres e éticas fizeram muito bem para minha carreira. Aprendi muito com elas e consegui que os times aos quais liderei produzissem mais.
Além disso, tive paciência. Soube planejar, executar e amadurecer. Uma jornada deve ser feita por inteiro, não dá para queimar etapas. Uma das principais armadilhas é a ansiedade. Acho importante dar tempo ao tempo, deixar as coisas acontecerem e se preparar.
Outra arapuca é a falta de diálogo com o gestor. O liderado deve deixar claro para seu líder aquilo que almeja. Do contrário, pode perder oportunidades desejadas e, pior, receber atribuições fora do campo de interesse.
E, principalmente, não se deve deixar a carreira sob responsabilidade da empresa. Esta nos pertence e cabe a cada um de nós trabalhar nossa empregabilidade, networking, estratégia e aprendizado.
Temos que fugir destas armadilhas. Quando tomei a decisão de mudar de país ou optei por deixar a Embraer e me juntar à Thales estava fazendo a gestão da minha carreira, e não colocando essa responsabilidade nas mãos da empresa.
Outro passo em falso é não se atualizar. O mundo está girando a uma velocidade impressionante e, se não ficarmos atentos, uma semana ou mês de desatenção nos deixa para trás. Portanto, se uma pessoa não se atualiza constantemente, cairá em uma grande cilada que o impedirá de crescer.
Além disso, precisamos pensar fora da caixa. É fundamental inovar e se adaptar rapidamente. E quem almeja inovações por parte da equipe precisa saber aceitar erros. Não faz sentido pedir inovação e não deixar as pessoas errarem. O único erro que não admito é o desvio ético. Todos os outros são permitidos – claro, considerando que as pessoas aprenderão com eles.
Por fim, para mim, carreira é construída com o coletivo e exige a conjugação do verbo na primeira pessoa do plural. Eu fiz? Não, nós fizemos. Ele errou? Não, nós erramos. Ela conquistou? Não, nós conquistamos.
O bom líder dá exemplo e deixa legado
Identificar talentos e colocá-los nas posições corretas é um dos principais papeis de um líder. Não adianta pegar um bom goleiro e o colocar para jogar como atacante. Isso não vai funcionar. Assim como também não funciona fazer micro gerenciamento, querendo participar o tempo inteiro de tudo, sem delegar. O bom líder é aquele que dá exemplo e deixa legado. Brinco que o meu estilo é o da pirâmide invertida. Digo sempre para a equipe: “Vocês não trabalham para mim; eu é que trabalho para vocês”.
Entendo que, uma vez alinhada a estratégia e ações, todos sabem das suas responsabilidades e darão seu melhor para realiza-las com excelência. E quando precisam do meu apoio, o terão de forma incondicional. Mas não adianta esperar que eu diga o que as pessoas tem que fazer, pois não é assim que a banda toca comigo. Acredito que líder é aquele que trabalha para se tornar desnecessário. Um time que atinge um alto grau de excelência, continua entregando resultados mesmo na ausência do líder. Aquele que mantém uma equipe dependente não conseguiu liderar. Tal equipe tende a parar quando este líder centralizador se ausenta, seja em férias, viagens ou quando deixa a posição. Portanto, temos que preparar nossas equipes para que não dependam de nós.
Faça o que gosta e valorize as pessoas
Se quer ser bem-sucedido, procure realmente fazer o que gosta e valorize as pessoas. Nós somos o nosso time. Durante o curso na Fundação Dom Cabral, um Professor disse que ninguém é perfeito, mas um time pode ser. Portanto, se cerque de pessoas boas e, sempre que possível, melhores do que você. E delegue! Steve Jobs falava que “não faz sentido contratar pessoas inteligentes e dizer a elas o que fazer; nós contratamos pessoas inteligentes para que elas nos digam o que fazer”.
Lembre-se também de não menosprezar o poder do networking, pois vivemos em um mundo interconectado. Você pode ser o melhor profissional do mundo, mas se ninguém souber ou te conhecer, isso limitará sua capacidade de crescimento.
E, para chegar lá, também não pode faltar trabalho árduo. Não comecei a trabalhar hoje para chegar ao lugar em que me encontro agora. Aliás, não se chega a lugar algum sem muito suor, lágrima, esforço e, o mais difícil, ausência da família. Isso faz parte do pacote.
Mas, para chegar onde cheguei, não precisei fazer nada demais. Não sou o mais inteligente; não sou o mais esperto; não sou mais nada do que ninguém. Só me preparei bem, me cerquei de pessoas boas e consegui aproveitar as oportunidades que surgiram à minha frente – estava pronto para elas. Todos teremos oportunidades.
Por fim, mas não menos importante, independentemente de qual posição ocupe, mantenha a humildade. Mantenha os seus valores. Trabalhe duro. Estude muito e não deixe de aprender um minuto sequer. E se divirta no seu trabalho. É o que funciona.