O autoconhecimento é imprescindível para ter sucesso em qualquer panorama da vida
Na coluna desta semana, conheça a história de Cinthia Ambrogi, diretora executiva jurídica, Compliance & Sustentabilidade
Publicado em 11 de outubro de 2024 às, 13h20.
O trabalho é uma parte vital da minha existência. Não me vejo em um cenário em que não esteja trabalhando, e certamente é algo que farei até o último dia de vida, um propósito profundo e constante. E por mais que ame ser mãe, me dedique intensamente a esse papel, além de mulher, filha, amazona, o fato é que estudar e trabalhar foram as ações que mais fiz na vida. Sempre dei passos calculados e sou muito dedicada a tudo o que me proponho a fazer.
A intenção de trabalhar com a área jurídica era um desejo desde os 15 anos. Nunca mudei de ideia! Durante os primeiros anos da faculdade de Direito, cursados na Universidade de Taubaté, cidade onde nasci, no interior paulista, encantei-me pelas carreiras públicas e recebi forte apoio dos meus pais para seguir na magistratura ou no Ministério Público. Também fiz um ano de Ciências Sociais e um curso aplicado de Filosofia.
A disciplina em ser uma pessoa regrada e focada deve-se à educação de excelência que recebi, desde pequena. Minha família, de ascendência italiana, sempre me muniu de ferramentas para que eu pudesse me desenvolver em qualquer área que escolhesse. Uma delas foi o inglês, que passei a estudar aos nove anos, e me acompanhou e ainda me acompanha em muitos momentos da vida. Na fase adulta, cheguei a dar aulas do idioma na escola Yázigi e também tive a oportunidade de passar 40 dias na Universidade da Califórnia (EUA), participando de um programa intensivo de verão. Foi uma experiência internacional espetacular, que agregou ainda mais tudo aquilo que eu já dispunha de conhecimento.
Esteja atento e preparado as oportunidades
Durante a faculdade, me destacava bastante nos estudos e nas provas. O empenho também se refletiu nos estágios. Abracei oportunidades no Juizado Especial de Pequenas Causas como conciliadora e fiz tudo que podia, mesmo que fosse como voluntária. Formei-me em 1997, aos 22 anos, e passei no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na primeira tentativa, no início de 1998. Já advogada, mudei-me para São Paulo e fiz quase dois anos de curso preparatório, dedicando cerca de 15 horas diárias aos estudos, com intuito de tentar um cargo público. Esta fase preencheu algumas lacunas deixadas pela graduação, oferecendo-me uma base jurídica sólida e potente. Apesar de ter me ajudado grandemente, este período também me deixou com bastante ansiedade, pois me dei conta de que concursos públicos exigem muito tempo, paciência e nenhuma pressa, até que a hora certa chegue. No entanto, eu queria praticar a advocacia de forma imediata.
Com este desejo em mente, finalmente consegui o primeiro emprego em um escritório de São Paulo, onde me interessei pela área de processo civil. Fiz uma pós-graduação na Pontifícia Universidade Católica (PUC) nessa área, e continuei a estudar nos finais de semana. A carreira começou a decolar e aquela ideia de seguir a magistratura foi ficando cada vez mais distante.
Descubra suas afinidades e foque nas expertises que precisam ser desenvolvidas
Os desafios da advocacia empresarial começaram verdadeiramente a me fascinar. Identifiquei uma aptidão natural para a liderança e a coordenação de trabalhos e tornei-me o braço direito dos sócios dos escritórios onde trabalhei. Tudo aconteceu rapidamente, e queria ver como seria atuar no jurídico de uma empresa em um ambiente mais dinâmico. Em 2002, tive a oportunidade de assumir uma posição na Alstom Power, na divisão de energia e infraestrutura para energia hidráulica e gás, onde entrei como advogada especialista em contratos. Logo percebi a necessidade de aprender espanhol e me matriculei no Colégio Miguel de Cervantes para fazer um curso intensivo.
Esse esforço foi recompensado, pois assumi responsabilidades que incluíam negociações na América Latina e passei a viajar para países como Venezuela, Peru, Chile e Colômbia. Além disso, percorri muitos pontos do Brasil e participei de projetos que envolviam negociações de grande porte, como a matriz da Alstom na Suíça e na França.
Toda essa exposição internacional fomentou o meu crescimento, e após dois anos e meio recebi um convite para assumir a gerência jurídica de uma distribuidora de energia elétrica, a Elektro, companhia de capital aberto que surgiu das privatizações das elétricas, localizada em Campinas. Era uma oportunidade inegável e decidi aceitar. Reorganizei a equipe jurídica e redefini o perfil do time. Essa foi a primeira experiência de gestão transformacional, e foi refletida com êxito.
Neste período morava em São Paulo, mas viajava diariamente para Campinas. Essa rotina pesada de locomoção estava se tornando insustentável, porém o universo agiu ao meu favor e coincidentemente recebi uma proposta bastante interessante para atuar em uma empresa de tecnologia que planejava realizar um IPO (Initial Public Offering, em português, Oferta Pública Inicial). A perspectiva de lidar com a área societária e em projetos mais complexos me empolgou. Acatei a oferta e me mudei para a CPM, que posteriormente se tornou Braxis.
No entanto, apesar das expectativas, o IPO não se concretizou. Acabei retornando à Elektro poucos meses depois, sob a posição de diretora jurídica e de Compliance, e mergulhei de cabeça nesta nova etapa. Enfrentei uma série de projetos laboriosos e mantive um forte compromisso com o estudo e o trabalho. Concluí uma pós-graduação em processo civil e estudei sobre o mercado de capitais, me desenvolvendo ainda mais na área societária em cursos do Insper. Apesar de ser casada desde a época da Alstom e ainda sem filhos, essas circunstâncias tiveram um grande impacto na vida pessoal.
O desafio constante de harmonizar trabalho e vida familiar
Por volta do quarto ano estando como diretora, assumi a responsabilidade pelo Cone Sul. Isso incluía Argentina, Bolívia e Brasil, com um foco maior em um projeto de gasoduto que ligava o Brasil à Bolívia. Viajei bastante a trabalho e tive a oportunidade de expandir minhas interações com escritórios externos, dessa vez grandes escritórios internacionais. Esse processo de M&A Cross Border me apresentou uma imensidão de novas informações, além de expandir o conhecimento para além da regulação brasileira e direito energético, entrando no campo transicional e societário ligado a M&A, o que me agradou bastante.
Nesse período, eu já era mãe. Meu primeiro filho nasceu em 2008, e durante toda a gestação enfrentei a rotina desgastante das viagens. Após quatro meses de licença-maternidade, retornei ao trabalho, e confesso que era difícil deixar um filho tão pequeno em casa. Muitas vezes saía e voltava com ele ainda dormindo. Essa situação começou a pesar significativamente no entorno pessoal e familiar, e por isso decidi sair do setor de energia e infraestrutura e me abrir para novas oportunidades. Foi quando passei a exercer uma posição na Sanofi, na área farmacêutica, um setor notoriamente fechado, em que os profissionais eram geralmente recrutados dentro do mesmo círculo. Aos 36 anos, vi nesta oportunidade, além da possibilidade de crescer profissionalmente, o fato de poder ter uma vida mais harmoniosa no campo familiar. E então, aceitei o desafio.
No decorrer de oito anos como diretora na Sanofi, passamos por diversas aquisições, e, por muitos anos, a empresa foi considerada a maior indústria do país, especialmente após adquirir a Medley, em 2009, e a Genzyme, em 2011. Com essas aquisições, a Sanofi se transformou em um grupo com divisões bem definidas. E ao final deste período, após muitos contatos e reuniões internacionais, já com o jurídico e o compliance bem estruturados, notei que os desafios começaram a diminuir. A hierarquia rígida da Sanofi também dificultava a transição direta para posições globais sem vivência regional, e isso sinalizou algo importante: era hora de buscar novas demandas no campo profissional.
A essa altura, eu já havia concluído o meu MBA Executivo Internacional, na FIA - USP, em administração de empresas. Já consolidada na posição de diretora, busquei ampliar e complementar a minha base técnica não jurídica, me capacitando para assumir responsabilidades em gestão de áreas laterais ao Direito.
Se for preciso mudar, mude!
Nunca cogitei parar de trabalhar. Mas devido às questões familiares, estava disposta a aceitar uma completa mudança setorial e me reinventar, mais uma vez. Quando tive meu segundo filho, a situação se complicou novamente. Viajava frequentemente para a Europa e os Estados Unidos, o que gerou mais tensão em casa. Em 2016, lamentavelmente, me divorciei, encerrando um ciclo pessoal de muitos anos. Foi um processo doloroso, mas se ajeitou com o tempo e trouxe a oportunidade de um novo começo. Em 2019, aceitei a proposta da Oncoclínicas, que em 2015 já havia me procurado. Confiei que seria uma excelente escolha para aquele momento da vida, a qual marcaria mais uma fase transformacional e desafiadora na carreira executiva.
Assumi como diretora executiva estatutária para Jurídico e Compliance e trabalhei intensamente para reorganizar tudo. Melhorei os processos, desenvolvi políticas, organizei a equipe e preparei a companhia para o IPO, que aconteceu em 2021. Após o IPO, percebi que a estrutura da equipe precisava ser ajustada para atender às novas demandas de uma companhia aberta e as oportunidades de crescimento de nosso negócio nos próximos anos. Dividi, então, as responsabilidades em novos pilares: mercado de capitais e societário, novos negócios e imobiliário, tributário-fiscal, jurídico das operações & compliance. Como a área ESG (Environmental, Social and Corporate Governance, em português, Governança Ambiental, Social e Corporativa) estava em formação do “zero”, mantive-a diretamente sob minha gestão. A experiência me enriqueceu tanto profissionalmente quanto pessoalmente, e estou orgulhosa de fazer parte dessa jornada, há pouco mais de cinco anos.
E a vida acadêmica também não parou. Pouco antes de deixar a Sanofi, iniciei a formação em Conselheira pela Saint Paul Escola de Negócios, num grupo para mulheres, em que, além do aprendizado, tive a oportunidade de conhecer mulheres competentes, amigas, dispostas, acolhedoras – um networking de primeira.
Duas competências que transformam os líderes
Gosto muito de falar sobre liderança de qualidade, e um fundamento primordial neste quesito é a escuta ativa. E isso envolve ouvir com atenção a todos: equipe, colegas, gestores, mentores. Esta atitude ajuda no desenvolvimento da empatia, tão necessária para a construção dos vínculos e capaz de tornar possível a confiança entre líder e equipe. Esta habilidade impacta em outro ponto igualmente importante: a acessibilidade do líder, independentemente da agenda lotada. São atitudes como esta que demonstram a força e segurança do gestor.
Resiliência é outra habilidade indispensável para o líder de hoje. E isto, traz embutido saber suportar mudanças, pressões, cobranças e os altos e baixos do negócio, bem como manter uma rotina consistente e frequente.
Qualidades que fazem a diferença no mercado de trabalho
Valorizo a praticidade, o protagonismo e o pragmatismo. Me chama a atenção profissionais que demonstram alto nível de comprometimento, responsabilidade e compromisso com a entrega. Sou flexível e sempre dou autonomia, mas, em contrapartida, cobro resultados. Precisa resolver algo urgente? Pode ir! Mas, se for necessário trabalhar até tarde, assim será.
O segredo na hora de lidar com as finanças
Sempre ouvi falar sobre a importância de poupar dinheiro. Mas sei que não é uma tarefa fácil, principalmente no começo, quando ganhamos menos e nos deparamos com um alto custo de vida. Diante disso, adotei a seguinte prática: viver um ponto abaixo das possibilidades. Isso significou aprender a fazer escolhas “racionais” em carros, apartamentos, viagens, acessórios de luxo. Os frutos vieram e, com pouco mais de 40 anos, conquistei meu sonho de uma casa de campo para passar momentos de descanso e lazer com a família e amigos.
Consigo guardar uma parte do que ganho, administrar as finanças e estar preparada para ajustar os planos em caso de eventuais necessidades. O fato é que não existe milagre, mas sim escolhas conscientes e muita disciplina.
Desvendando o caminho de sucesso através do autoconhecimento e terapia
O autoconhecimento é imprescindível para ter sucesso em qualquer panorama da vida. Precisamos nos conhecer profundamente e entender nosso real propósito é importante saber qual é o eixo da própria vida, onde está a sua fonte de energia e satisfação que te permite viver plenamente, administrar diversas responsabilidades assumidas e adversidades que possam surgir. A vida não é linear. O ser humano também não.
A terapia faz parte deste processo de desenvolvimento. Particularmente, faço há cerca de 30 anos, me ajuda a tomar decisões certeiras e evitar modismos. Aprendi a lidar e superar o medo. Errar é parte da nossa experiência de vida. Aprender com os erros, também. Claro que errei, sim! Mas foi sempre tentando fazer e acertar. O erro também me ensinou bastante. Sempre tive comigo que poderia alcançar os objetivos traçados e, ao longo do tempo, tomei atitudes muito arriscadas, como por exemplo, ter mudado de emprego diversas vezes. Fui bem-sucedida em cada um deles, e independentemente das modificações, continuei confiando em minha persistência, resiliência, foco, capacidade de entrega e comprometimento. Esses atributos me ajudaram a superar desafios e a construir uma trajetória de sucesso. Aos poucos, comecei a ser reconhecida pelo meu próprio nome, deixando legados e sucessores por onde passei.
A força interior é o combustível necessário para atingir seus objetivos
A minha receita de sucesso foi baseada no que eu sabia ser essencial para mim. E toda essa mescla, destacando o autoconhecimento e a autoconfiança, foram os elementos que fizeram diferença na jornada. Para quem está começando agora ─ ou até mesmo para quem talvez já esteja no meio do caminho, mas ainda não se sinta seguro, por qualquer razão que seja ─, tenho certeza que qualquer pessoa que se apropriar dessa mesma técnica com maestria, caso consiga, terá muito sucesso em sua vida e carreira. Porque a força interior é o combustível necessário rumo às grandes realizações. Apesar de ter sofrido também pelo excesso de demandas, no balanço geral dos episódios, os bons acontecimentos superaram os ruins. E é justamente essa somatória de experiências que faz a vida ser extraordinária e linda!
Livro: O monge e o executivo - de James C. Hunter - Editora Sextante