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Não é sobre a cadeira em que nos sentamos. É sobre foco, disciplina e resiliência

Na coluna desta semana, conheça a história de Gisselle Ruiz Lanza, Diretora Geral da Intel para a América Latina

de Gisselle Ruiz Lanza
Diretora Geral da Intel para a América Latina
 (Divulgação/Divulgação)
de Gisselle Ruiz Lanza Diretora Geral da Intel para a América Latina (Divulgação/Divulgação)
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Histórias de sucesso

Publicado em 7 de abril de 2023 às, 18h34.

Por Fabiana Monteiro

Particularmente gosto de dizer que carrego comigo um pouco do mundo. Digo isso porque trago um pouquinho das experiências que tive em diferentes países. Isso teve impacto na minha história e na minha personalidade, além de ter me ajudado a ser como sou. Nasci em Barcelona, mas sou filha de pais argentinos, Daniel e Helena (infelizmente, ela já é falecida). Ainda pequena, fui morar em Buenos Aires, de onde só saí na minha fase adulta para ir morar na cidade do México, onde fiquei por três anos. Atualmente, vivo em São Paulo, onde estou há quase duas décadas. Aqui, casei-me com Gustavo, e me tornei mãe de Tomás, de 16 anos, e da Clara, de cinco.

Estudei a minha vida inteira na mesma instituição, então tenho amizades de quando tinha quatro ou cinco anos de idade, e isso mostra um pouco de quem eu sou. Gosto não só de cultivar, mas de investir nesses relacionamentos duradouros. Acredito que toda relação precisa de cuidado, por isso trabalho para manter próximas as pessoas que fizeram parte dessa primeira fase da minha vida. Ainda falando de família, sou filha e neta de empreendedores. O meu pai ainda continua na ativa como empresário, encarando os desafios de manter um negócio na Argentina. Para completar, meu marido, que é paulistano, também é um empreendedor. Essa realidade sempre esteve presente na minha vida, mas só fui refletir a respeito disso em minha fase adulta.

Quando desembarquei em São Paulo, em 2005, meu plano original era ficar de dois a três anos, e depois seguir para a Europa. Tive algumas oportunidades de realizar esse projeto, mas a vida que vai nos apresentando novos caminhos, novas oportunidades, e por isso decidi ficar mais tempo. Neste período, apaixonei-me por este país. O Brasil sempre me gerou encantamento, meu contato com o português começou bem antes, quando ainda era universitária, e resolvi aprender este idioma no Instituto de Enseñanza Superior en Lenguas Vivas. Ainda mais porque costumava passar as férias em Florianópolis, como fazem muitos argentinos, por isso o Brasil sempre esteve perto de mim.

Na faculdade, comecei fazendo Engenharia Industrial, levada pela minha curiosidade por tecnologia. Nesta época eu fui uma das poucas mulheres deste curso na Universidad Argentina de la Empresa (Uade), em uma época em que o tema diversidade ainda não fazia parte da pauta. Ainda no meu primeiro ano, consegui um estágio na área de Engenharia de Produtos na Avon. Ali, tive contato com diversos profissionais, como engenheiros químicos e os profissionais que criavam as embalagens. Contudo, no meio do caminho, resolvi mudar de rumo, e optei por recomeçar uma graduação no curso de Comércio Exterior que fiz na Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales (Uces). Por trás desta decisão existia uma motivação familiar: queria contribuir com o meu pai e estar mais perto dele. Assim, comecei a trilhar para um lado mais próximo de Administração de Empresas com ênfase em Marketing, o que ampliou a minha visão de negócios.

Uma jornada extremamente rica e diversa

Depois da Avon, minha segunda experiência profissional foi na Dialogic, uma empresa de tecnologia que atuava no setor de telecomunicações. Comecei em fevereiro de 1997, na posição de júnior, e eu fazia de tudo no escritório da Argentina, desde atender o telefone até ajudar com projeções de vendas. Meu intuito era aprender e me desenvolver o máximo possível, e me destacar. Foi dessa forma que eu fui para uma função comercial dentro da empresa. Entretanto, em 1999, foi anunciada a aquisição da Dialogic pela Intel, e assim comecei a minha jornada nesta corporação. Eu jamais imaginaria que hoje seria diretora geral da América Latina, em pouco tempo completarei 25 anos trabalhando aqui.

Durante todos esses anos tive vários motivos continuar aqui. Esta empresa tem sido uma escola diária, e, olhando para trás, vejo que estar aqui foi uma decisão acertada. A Intel de duas décadas e meia atrás era outra, muito diferente. Atualmente, os semicondutores são a base da computação e da economia atual, por isso sempre dizemos que o mundo roda sobre processadores Intel.

Durante todos esses anos, houve uma revolução na maneira como nos conectamos com o mundo e com as pessoas, e até mesmo na forma como trabalhamos. Eu que acompanhei tudo isso da parte de dentro, a percepção é que estive em várias empresas, estando em uma só, tendo a possibilidade de me envolver, de aprender constantemente e de contribuir. Este é o primeiro elemento que explica o porquê da minha jornada na Intel, que me permitiu sempre seguir me atualizando e me motivando. Outro aspecto é que o propósito da organização é o de criar tecnologias que mudam o mundo e que melhoram a vida de cada pessoa no planeta.

Isso é algo muito forte, e poder trabalhar em um lugar que tem essa ambição e cujos valores conversam com os meus, faz todo sentido para mim. Já o terceiro elemento, desta cadeia de fatores que têm me unido à Intel, é a possibilidade de viver o mundo, de vivenciar suas múltiplas culturas, de interagir com pessoas diferentes e de aprender com elas. Foi o que consegui. Então, se à distância a minha trajetória profissional sugerir um itinerário constante dentro de uma mesma empresa, digo que tenho tido uma jornada extremamente rica e diversa.

Minha experiência profissional foi marcada por sair da minha “zona de conforto”. Alguns passos que dei pareciam demasiadamente longos, e provocaram “frio na barriga”. Mas quanto mais me desafio, mais acredito naquilo que sou capaz, e mais impacto positivo provoco sobre os negócios e sobre as pessoas. Sempre falo que podemos criar nossa própria aventura, tanto no plano profissional quanto pessoal. Felizmente, tive essa oportunidade, muito porque procurei e pavimentei o caminho. Mas, por outro lado, a empresa que escolhi e as pessoas que me rodeiam me permitiram passar por todas estas experiências que me transformaram na profissional, na mulher e na mãe que hoje sou.

Entre o trabalho e a família

Pode parecer um pouco clichê, mas acredito definitivamente que meus filhos e que minha família representa meus maiores casos de sucesso. Evidentemente, manter uma família enquanto trabalho como uma executiva de uma grande corporação tem seus altos e baixos, por isso este é meu maior orgulho. Sempre quis construir uma família, ter filhos, e hoje me sinto muito feliz por este aspecto da minha vida. Além disso, sou muito próxima dos meus irmãos e tenho amigos e amigas que para mim também são uma família.

Agora, no âmbito profissional, coloco a transformação que fizemos na Intel Brasil como um dos pontos de mais destaque na minha carreira. Eu assumi a liderança da operação brasileira da companhia pouquíssimas semanas antes do início da pandemia, em um momento de muita reviravolta no mundo inteiro. No entanto, conseguimos entrar em novos mercados, com novos produtos. Foi preciso passar por uma “metamorfose” cultural e de negócio ao mesmo tempo. Mas, com isso, obtivemos grandes conquistas do ponto de vista de indicadores e de clima organizacional, mesmo em um momento realmente desafiador. Isso nos levou, como empresa, a manter a empatia e se solidarizar com os esforços de enfrentamento da Covid-19, doando os mais diversos equipamentos de proteção individual para os profissionais da área de saúde, e investindo em projetos de apoia a pandemia.

Entre uma maratona e outra

Minha segunda gestação aconteceu quando tinha quase 40 anos, e fiquei sete meses de licença-maternidade. Foi um bom tempo para fazer uma reflexão de qualidade tanto a respeito de aspectos pessoais quanto profissionais. No fundo, buscava saber como gostaria de investir o meu tempo e a minha energia durante os meus próximos anos. Preocupava-me também com o retorno ao trabalho, deixando em casa um filho adolescente e uma bebezinha. Eu queria voltar para a Intel, mas era preciso estar diante de algo que me desafiasse, que me levasse a sair da minha zona de conforto e que pudesse causar impacto.

Ciente disso, ao voltar para a empresa, acionei meu networking, especialmente a rede interna, e compartilhei o que eu queria, porque estava pronta para mais. Foi assim que, pouco tempo depois, recebi um convite. Até aquele momento, eu exercia a função de diretora de consumo, reportando ao gerente-geral do Brasil, mas a proposta era que eu assumisse temporariamente, e como parte do plano de desenvolvimento de executivos, a operação inteira de uma região, que chamávamos de Território Américas, compreendendo o Canadá e todos os países da América Latina, excluindo Brasil e México. Foi uma missão enorme, que cumpri ao longo de três meses, a partir de julho de 2019. Foi preciso viajar muito nesse período, conhecer novos mercados, novos clientes, e novos modelos de negócios, e com isso aprendi muito. Era algo muito desafiador, assim como a posição que assumi logo a seguir: a direção geral da Intel no Brasil.

Nesse tempo, fortaleci-me e entendi que, ainda que não estejamos prontos no início da adversidade, podemos ficar ao longo do caminho. Foi quando percebi que podia mais que, até então, estava fazendo. Minha curta passagem pelo Território Américas foi, literalmente, um ponto de inflexão, pois me fortaleceu e acelerou a minha carreira. Ao encerrar essa cobertura, que é uma prática comum na Intel, fui para a Alemanha para correr a Maratona de Berlim. Foi lá que recebi um telefonema do meu líder, que dizia: “Sei que está de férias, mas preciso que você volte, pois temos aqui uma transição de liderança na Intel Brasil e gostaria que você assumisse interinamente até concluirmos o processo.” Eu voltei, e assim comecei uma outra maratona. Tudo se findou em dezembro de 2019, quando assumi em definitivo, e me tornei a primeira líder mulher da Intel no Brasil.

O perfil de líder que reconheço e valido

Gosto sempre de destacar que não é o título ou a função que define quem somos. Não se atentar a isso é uma “armadilha” que muitos caem. Ocupamos determinadas cadeiras apenas por um período, portanto, representa apenas a nossa responsabilidade, mas, definitivamente, não o que somos. Outra cilada é acreditar que por termos chegado a um determinado nível não há algo para aprender. Ao contrário: é aí que temos que nos dedicar ainda mais e aprender constantemente. Hoje se fala muito em lifelong learning, mas sempre tive claro em mim que aprender é um hábito, e que é possível fazê-lo de múltiplas formas e a todo momento. Aprendemos quando falhamos, e acertamos. Aprendemos quando nos desafiamos e com aqueles que estão ao nosso redor. Eu aprendo com meus filhos e com meu marido, com clientes e fornecedores, e todo dia com o time. É muito mais um mindset. Gosto de mentorar, mas gosto muito de ser mentorada também.

Anos atrás, refleti a respeito do tipo de líder que queria ser, e documentei isso. Então, de tempos em tempos, eu volto lá para ver se estou sendo consistente com aquilo que reconheço e valido. Eu acredito em líderes empáticos, que olham não só para o negócio, mas para as pessoas e para a cultura também. Eu acredito em líderes que se colocam na condição de eternos aprendizes e, até por conta disso, mantêm por perto pessoas diversas, que o complementam e que o ajudam na tomada de decisões.  Não temos todas as respostas, por isso devemos fazer boas perguntas e dar voz às pessoas. É daí que podem vir as melhores ideias e soluções.

Acredito também em um líder que é um bom comunicador, e estou investindo nisso. Essa é uma característica importante, mas também é imprescindível saber ouvir, pois comunicar é uma via de “mão dupla”. Também é preciso ter resiliência, porque o mundo está cada vez mais complexo e com mais incertezas. Diante disso, é preciso saber tomar decisões e saber lidar com os altos e baixos, econômicos ou políticos. E, ainda assim, se for necessário mudar o caminho, que assim seja feito, mas de maneira ágil.

ESG muito além do discurso

O mundo de tecnologia definitivamente é aquele que, para a próxima década, trará muitas oportunidades. Haverá demanda por profissionais, principalmente por aqueles com habilidades específicas, como desenvolvedores de softwares e da área de inteligência artificial, por exemplo. Contudo, passamos por ciclos. Olhando a médio e longo prazo, o cenário é muito promissor, especialmente pela possibilidade de trabalho remoto. Por causa disso, assistimos a um processo de outsourcing de especialistas da América Latina para os Estados Unidos, Canadá e Europa. Neste novo cenário de mais flexibilidade, é inserido o fenômeno dos nômades digitais, profissionais que trabalham on-line de qualquer lugar do mundo, para qualquer empresa do planeta.

Este novo mundo que pede novos líderes, também pede novas soluções e novas atitudes. É nesta esteira que se consolida o ESG, pelo qual tenho particularmente interesse e compromisso. É algo que, para mim, significa avanço, responsabilidade e um futuro melhor. Há décadas a Intel tem investido muito nisso, tanto do ponto de vista social quanto da maneira como são fabricados os nossos produtos, especialmente com relação ao uso da água, da energia e dos impactos ambientais. Temos uma iniciativa chamada RISE, pela qual estamos elevando nosso padrão, e desenvolvendo nossa estratégia de responsabilidade corporativa. Com isso, visamos contribuir com um mundo mais responsável, inclusivo e sustentável. Mas esse discurso não basta. Mais que palavras, a Intel se comprometeu, de modo prático, a zerar as emissões de gases de efeito estufa em suas operações globais, até 2040.

Como já comentei anteriormente, uma importante razão pela qual eu escolho todos os dias a Intel é porque acredito nos valores que a empresa professa. Entendemos que o papel de uma grande companhia global deve estar muito bem alinhado às práticas, aos valores e aos interesses que movem a sociedade. Isso gera afinidade, compromisso e colaboração entre as partes de forma mais duradoura.

As cicatrizes fazem parte do processo de aprendizado

A vida é feita de ciclos, de altos e baixos. É importante termos essa noção para não nos deslumbrarmos quando estivermos no topo, nem nos afogarmos em pranto ou esmorecer quando estivermos embaixo. O grande aprendizado que tiro de minha trajetória é exatamente esse: tudo é passageiro. Isso é libertador, pois o entendimento disso nos anima a seguir em frente e a buscar iniciativas que estão fora da nossa zona de conforto. Aprendi também que as cicatrizes fazem parte da vida e do aprendizado. E de cicatrizes eu entendo, inclusive das físicas. Tenho uma grande nas costas, que adquiri quando participei do meu primeiro IronMan 70.3, na França, ao cair da bicicleta. Fiquei toda machucada, mas terminei a prova, pois tinha treinado para aquilo. Temos que saber cair, pois isso faz parte do caminho. Mas temos que, principalmente, saber levantar. É isso que busco fazer todas as vezes que vou ao chão.

Queria que alguém tivesse me dito no começo para que eu investisse em autoconhecimento. Talvez eu nem ouvisse, pois há ensinamentos que aprendemos na hora certa. Mas conhecer a si mesmo, certamente, faz toda a diferença. Muitas vezes procuramos reduzir os nossos gaps, melhorar os nossos pontos fracos, e isso é bom. Mas tão ou mais importante, é identificar nossas fortalezas. Tem uma frase que gosto bastante, que diz assim: “Se os teus sonhos não te assustam, eles não são grandes o suficiente.” Tenha sonhos que te dão “frio na barriga”, anime-se e “corra atrás”. Não são poucas as histórias daqueles que sonharam e chegaram longe, pois o sonho precede as realizações e as conquistas. Então, não seja modesto, sonhe grande.