Na coluna desta semana, conheça a história de Paulo Ely CEO na Fundimisa Fundição e Usinagem LTDA
Coragem e otimismo são atributos essenciais para o empreendedor lograr êxito
Publicado em 26 de agosto de 2022 às, 14h29.
Por: Fabiana Monteiro
Natural de Porto Alegre, nasci em 1961, estudei até o final do Ensino Médio em colégios Maristas, o que me auxiliou a ingressar na conceituada PUC-RS para cursar Engenharia Mecânica, graduando em 1984. Segui os passos do meu pai Ronald Ely, engenheiro formado pelo ITA, como meus dois filhos Nicholas e Roberto também percorreram esse caminho. Ao mencionar o histórico empreendedor, remeto às conquistas dos meus antepassados. Meu pai estagiou na Alemanha e, ao retornar, comprou junto com outros parentes a Springer Carrier, com fábricas no Rio Grande do Sul, Pernambuco e Amazonas. Além disso, meu bisavô era um empreendedor nato e fez história, ele construiu o primeiro edifício da capital gaúcha.
Embasado por tamanha inspiração, fui elaborar o meu próprio plano de carreira – tarefa nada fácil. Consegui um estágio por indicação, e vivenciei um fato inusitado, pois fui reprovado no teste psicológico. Na entrevista, a psicóloga me indagou sobre o que gostava de fazer e mencionei a paixão por motos, praias e velejar. Mesmo assim, ingressei na Albarus, atualmente Dana Albarus. No novo teste psicológico, pontuei que gostava de exercer minhas funções, de aprender e realcei a pretensão de crescer profissionalmente.
Sempre acreditei que precisaria apostar nesse estratagema, pois a faculdade ensina muita coisa, mas nada tão profundo quanto o aprendizado absorvido na prática. Acredito que o estágio é uma etapa fundamental para qualquer pessoa, dessa maneira aprendi sobre informatização de projetos, processos de usinagem e relacionamento com as pessoas. Certamente, algo que não se adquire plenamente dentro do ambiente acadêmico.
Nenhum empreendedor acerta sempre
Permaneci na Dana durante 16 anos, incentivado pelo principal líder para que continuasse na instituição. Todavia, as grandes corporações funcionam como um funil: quanto mais o indivíduo sobe, menos vagas sobram e, eventualmente, o profissional deixa de ser promovido, algo que ocorreu comigo. Preterido para subir de posição, optei por sair, após ter trabalhado em diversas áreas, com responsabilidades na América do Sul.
Posteriormente, convidado por um ex-diretor da minha antiga empresa para atuar em outra companhia do segmento automotivo, lidei com o desafio de baixar o custo de aquisição de componentes. Tratava-se de uma tarefa inglória, dentro de um ambiente conturbado, e meu exercício durou somente 364 dias. Pela primeira vez na vida fui demitido.
Como havia economizado dinheiro, aproveitei para descansar e me divertir um pouco, como um período sabático. Devidamente revigorado, ingressei numa empresa especializada em estruturas metálicas, principalmente para shoppings. Desta vez, foquei em realizar o que fosse necessário para me manter no cargo, contornando situações de atritos. Cresci dentro da corporação até “aceitar um desafio inaceitável”. O dono de 70% dessa companhia me colocou como superior do irmão dele, que detinha os outros 30% das operações. À época, não entendi que essa situação estava fadada ao fracasso. Essa experiência durou pouquíssimo tempo – cada um possuía sua visão estratégica e eu previa a quebra da empresa, o que viria a acontecer.
Pouco tempo depois, um head hunter me chamou para uma entrevista e, quase que de imediato, fui contratado por uma metalúrgica muito tradicional no mercado. A grande dificuldade abordava o fato de haver 18% de despesa financeira sobre o faturamento. Assim, aprendi a trabalhar em uma empresa sem dinheiro. Apesar de termos conseguido reverter o resultado operacional, carecíamos de investimento para prover um salto maior.
Contudo, mantinha a vontade de diversificar as atividades e assim obtive meu primeiro grande ponto de inflexão, ao aplicar todo o patrimônio que havia poupado em ações da Embraer. Notei reter as competências adequadas para me destacar empreendendo, em particular, com a ampla capacidade gerencial.
A minha experiência com o setor de metalurgia me proporcionou a possibilidade de atuar em uma fundição no interior gaúcho, mas não aceitei por inúmeros motivos profissionais e pessoais. Portanto, fiquei desempregado e sem empresa por cerca de dez meses, até empenhar uma decisão que viria a impactar profundamente a minha vida e carreira.
Operação Fundimisa: dilemas e soluções
Por meio de contatos e participando de amplas negociações, decidi investir os ganhos oriundos das minhas ações na Fundimisa que até então, pertencia à John Deere, multinacional fabricante de equipamentos agrícolas. O negócio até então estava dado como certo, até que fui surpreendido com a notícia que outro interessado fechou o acordo de compra. Na vida, uma dose extra de sorte faz a diferença nos rumos das nossas decisões. Aqui chamo a atenção da valorosa contribuição que tive de um amigo que posteriormente me informou que a negociação entre a empresa e o interessado não havia se concretizado efetivamente. A partir daí, entrei em cena novamente para enfim concluir o grande feito da aquisição da empresa que agora se torna a Fundimisa Fundição e Usinagem Ltda. Destaco também a sorte de ter o auxílio de um corretor que muito contribuiu no processo de negociação.
Gosto de realçar como existem facilidades e dificuldades em todos os projetos. Naquele momento, tratava-se de uma empresa em crescimento, com receita e sem problemas de caixa. Contudo, a primeira dificuldade foi ter que fazer empréstimo de dinheiro junto com meu sogro. Ele se animou tanto com os resultados que começou a considerar a empresa sendo dele – foi quando entendi que não estava realizando o meu sonho.
O sistema de informações foi outro obstáculo. Para gerenciar um negócio tão portentoso, é essencial deter o controle desse setor. À época, já estávamos com cerca de 800 itens diferentes para disponibilizar para o mercado, e havia a necessidade de se inteirar acerca dos custos, da estrutura do produto, do tempo de fabricação e da demanda da mão de obra. Meu cunhado resolveu implementar o próprio sistema que só emitia notas fiscais e, assim, permanecemos por muito tempo, às cegas. Também encontrei dificuldades em explicar à família sobre a relevância da informação, e foram quase dois anos para efetivarmos a mudança.
Comprar um negócio que estava em andamento representou outro tópico complexo de se administrar. Neste contexto, não há como escolher os seus clientes. Assumimos a companhia em 2004, e no ano seguinte, enfrentamos uma das piores secas das últimas décadas, culminando na queda do volume de vendas, e na produção de máquinas agrícolas na região Sul. Nosso principal cliente comprava 760 toneladas por mês e passou a adquirir somente 50. O mercado é dinâmico e eles optaram por abrir mão desse compromisso conosco.
Já em 2007, o mercado explodiu com a venda de caminhões, proporcionando a prospecção de outros clientes – inclusive com o privilégio de estabelecer cotas com incremento da lucratividade. A partir de então, investimos em uma linha de moldagem nova. Quando adquirimos o negócio, produzíamos três moldes/hora por operador, mas compramos uma máquina que efetuava o serviço de cem moldes/hora. Além disso, promovemos palestras com personalidades inspiradoras para gerar engajamento. O Amyr Klink, por exemplo, esteve presente na inauguração da nova linha e destacou a importância do planejamento e da logística.
A coragem necessária para arriscar
Em 2009, estávamos com a terraplanagem da fábrica pronta, com a estrutura apropriada, porém o mercado sinalizava um período de recessão. Indaguei-me se valeria ir adiante e assim o fiz, resultando em uma decisão bastante acertada. Costumo ponderar acerca de qual a diferença entre o corajoso e o irresponsável. Quando você entra na jaula do leão e é devorado, você é irresponsável. O leão come gente. Caso o leão não lhe devore, você é corajoso. Ou seja, a diferença compreende no resultado. Fomos corajosos, por conduzirmos o projeto, perante um panorama de crise.
Crises ocorrem a todo instante e nestes momentos se faz interessante entrar na bolsa. A longo prazo, os investimentos logram resultados favoráveis, desde que a pessoa saiba o momento de aplicar e de sair. Em meados de 2021, resolvi investir na Embraer novamente e, mais uma vez, angariei “frutos” dessa movimentação. Foi quando emprestamos R$ 50 milhões para alavancar a construção da fábrica. Isso viabilizou, nos últimos seis anos, o crescimento de 30% ao ano. Agora, precisamos realizar um novo investimento, mas a taxa de juros não está favorável.
Valorizar as pessoas é fundamental
Em nossa companhia priorizamos as pessoas, e sabemos que precisamos do real comprometimento delas. Além disso, nos empenhamos em realizar os sonhos dos indivíduos. Quando se indaga a um jovem o que ele quer, a resposta geralmente se resume ao anseio da casa própria, de um carro e do crescimento profissional.
Portanto, tratamos de comprar uma área próxima à empresa e estabelecemos uma parceria público-privada, em que a companhia de energia elétrica pagou por toda a eletrificação, a companhia de água se incumbiu da hidráulica, enquanto a prefeitura se responsabilizou pelas ruas. Vendemos os lotes em 23 parcelas de 100 reais, formando um condomínio fechado do padrão “minha casa, minha vida”. Há pouco tempo, um dos nossos colabores veio entregar um papel que constava a quitação de sua casa, algo que representou um enorme sentimento de gratidão. Foi um sonho que se tornou realidade.
Ações como essa retratam a realidade da cultura que temos criado na Fundimisa: confiança, interdependência, empatia, respeito e parceria. Isso nos tem proporcionado um enorme orgulho do que estamos construindo juntos e frutificando em reconhecimentos muitos especiais, a exemplo do GPTW – Great Place to Work que nos últimos dez anos consecutivos tem nos reconhecido como uma das melhores empresas para se trabalhar. Em 2021, figuramos no topo do pódio na premiação Rio Grande do Sul; na quinta posição a nível de Brasil; segundo na categoria indústria, além de já ter conquistado a décima sétima colocação a nível de América Latina. Tais conquistas corroboram o excelente relacionamento estabelecido com os nossos colaboradores. Temos profissionais que recebem ofertas financeiras generosas de outras corporações, mas preferem permanecer com a gente.
Evidentemente, ao longo da minha jornada, tive o auxílio de profissionais excepcionais, que me ajudaram a alcançar o meu atual status. Faço menção honrosa ao José Carlos Bohrer, responsável por um excelente contrato com a Dana, virando os resultados e evitando a sua quebra. Ele trabalhou durante 41 anos na empresa, e enriqueceu começando praticamente do zero. O Paulo Regner, também da Dana, notabilizou-se por ser um executivo ousado, sem limite quando se tratava de investir. Ele comprou máquinas no mundo inteiro que ninguém possuía no Brasil. Um dos projetos dele foi iniciar a computação gráfica no país.
Por sua vez, o Attilio Bilibio, da Medabil, notabilizou-se por ser um profissional de viés autodidata, deveras trabalhador e extremamente competente na escola da vida. Já o Sidnei Delgado me ensinou que input é igual ao output – tudo o que é financeiramente imputado a um processo precisa ser repassado de forma justa e equilibrada adiante, efetuando os reajustes de acordo com os processos. Muita gente quebra por falta de agilidade nesse sentido.
O otimismo deve prevalecer nas grandes decisões
Sempre me defrontei com momentos de resoluções conceituadas, responsáveis por erigir uma carreira formidável. Deixar um emprego estável para me arriscar tem um profundo cenário a ser analisado. Havia determinado que meu plano futuro passava por outro caminho – a estabilidade não era o suficiente.
O segundo ponto se refere ao fato quando eu e minha esposa, Jaqueline Muller, administrávamos uma locadora de vídeos que dava prejuízo de US$ 5 mil ao mês. Em pouco tempo, revertemos e começamos a faturar US$ 10 mil mensais. Entendi que detinha certas habilidades.
Mas a grande virada aconteceu pela resiliência a fim de esperar que a Fundimisa finalmente ficasse sob o meu comando. A aquisição da Fundimisa é o meu grande case de sucesso. No final de 2021, eu e minha esposa conseguimos finalizar definitivamente a sua compra – hoje ela pertence somente a nós, trata-se de um processo equacionado e pacificado. Definitivamente, precisamos ser mais otimistas que pessimistas.
Ao analisar a oferta pela Fundimisa, logo reparei nas vantagens, pois valia o risco de aplicar 100% do que possuía. Resolvi apostar em um projeto com potencial de sucesso. O grupo anterior vendeu a companhia em uma posição deveras vantajosa, sem dívidas tributárias. Todavia, não havia o interesse estratégico em manter o negócio. Apesar de o grupo ter uma fundição nos EUA, aqui os responsáveis consideravam como uma empresa sucateada – o que de fato era.
A Fundimisa nasceu em 1969, no início do plantio da soja, ou seja, requeria o implemento agrícola, que por sua vez, requisitava de fundidos. Sendo assim, quatro empresas se associaram para fundar a empresa, mas alguns erros de gestão inviabilizavam seu crescimento. As dívidas se acumularam até que a SLC (Schneider Logemann Ltda) se obrigou a assumir, para depois fechar o capital, em 1988. Após vender para a John Deere, nenhuma das duas pretendia se estabelecer em Santo Ângelo. A família Logemann reiterou que se não levasse essa unidade, ficaríamos sem nada. Acredito que esse modelo de negócio tenha que pertencer somente a um dono.
Ao se inserir em um empreendimento desse porte é preciso analisar todos os panoramas. Um erro comum de se cometer é deixar de contemplar o cenário completo – a John Deere não foi o primeiro empreendimento que tentei fazer dar certo, e considero que existem inúmeros produtos de qualidade que sabemos fazer, mas são difíceis de se vender. Uma armadilha certamente passa pela formulação dos contratos. Acordos malfeitos, unilaterais ou elaborados com pessoas com padrão ético duvidoso conduzem a rumos temerários. Caso tivesse a oportunidade de declinar alguns pactos de fornecimento que assinamos anteriormente, logo o faria certamente.
Acredite e se alinhe aos valores da empresa
Considero-me um líder que preza pelo bem-estar dos times, e em qualidade de vida para os colaboradores e suas respectivas famílias. Antes de tudo, é preciso empatia, além de praticar o egoísmo na dimensão certa. Outro ponto remete às parcerias. Há muita gente arrogante, que acredita ser melhor em relação aos outros – não existe isso. Saber se colocar no lugar do próximo é primordial.
Procuramos registrar o sonho de cada funcionário nesse processo, de inserir a empatia dentro da empresa. Temos 1.300 funcionários e sei pelo o meu celular qual é a aspiração de cada um deles. É necessária muita comunicação para saber o que realmente as pessoas querem para constituir a integração.
Na Fundimisa, desenvolvemos um sistema de gestão denominado “Partithura”. A companhia deve operar como uma orquestra, a partitura diz o que precisa ser feito e o maestro só atua nas diferenças, então, é bem comum passar horas conversando com alguém e o meu telefone não tocar, pois os meus colaboradores conhecem as suas atribuições. Eu entro em cena quando algo está fora da partitura.
A empresa também se incube de prover as habilidades técnicas em usinagem e em fundição – o que esperamos é que o profissional já venha guarnecido de competências relacionadas ao trato interpessoal. Aqui, cito o valor de estar em sintonia com as crenças e a cultura da companhia, alinhado aos valores nos quais acreditamos. E, claro, em posicionar as pessoas certas nos lugares corretos.
Sucesso passado não garante sucesso futuro
Ao ser indagado como chegar ao topo e permanecer explico de forma simples: o auge é diferente para cada pessoa. Houve um empresário em Santo Ângelo que começou suas operações a cerca de dois anos antes de mim, e cresceu muito. O conceito de ápice dele é mais alto que o nosso. Portanto, vale a noção de “aonde se quer chegar, qual o seu limite, dentro do possível”.
Para permanecer em ascensão é preciso constituir um sucessor competente, para seguir os seus passos, respeitando os seus valores. Meu primogênito, Nicholas, é o candidato natural para assumir essa posição, quando chegar o momento. Meu sonho palpável é promover tudo o que eu puder para que a empresa sobreviva a mim, com essa transição sendo bem-sucedida.
Às novas gerações, gostaria de deixar uma mensagem de esperança e de coragem. Empenhe felicidade naquilo que se proponha a realizar. Satisfação é igual a resultado menos expectativa – para quem está começando, é importante quantificar muito bem a sua expectativa, acreditando nos seus sonhos. Até aparecer a Fundimisa, eu sequer imaginava poder pagar 1.300 salários por mês para tantas famílias.
Em suma, embasado na minha experiência, aqui compartilhada, é natural que possamos contrapor, por instinto, se vale ou não a pena vivenciar uma trajetória de empreendedor. Particularmente prefiro tangenciar a balança para o lado positivo. e deixo aqui conselhos os quais acredito: enxergue seu “copo meio cheio”, seja otimista, celebre bons resultados, acredite nos seus sonhos e cultive a felicidade naquilo que se faz.
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