Colunistas

Luis Fonseca, o arquiteto que virou “médico” com o propósito de romper paradigmas 

Na coluna desta semana, conheça a história Luis Fonseca - General Manager  Latin America & Canada  Inari Medical 

 (Editora Global Partners)

(Editora Global Partners)

Publicado em 28 de março de 2025 às 20h24.

Ao analisar a minha trajetória, considero que diferenciais potentes me auxiliaram a obter êxito em todos os aspectos da vida. Sempre tive facilidade para lidar com a inovação tecnológica e valorizo aspectos essenciais para o desenvolvimento, como consistência, flexibilidade, empatia para a integração cultural, comunicação efetiva e a busca incessante por novos conhecimentos. Dessa forma, com foco em meus propósitos e princípios, tenho a honra de hoje fazer parte do time da Inari Medical como General Manager  para a América Latina e Canadá.  

* 

Com raízes bem mineiras, usufruí na infância e adolescência do balanço entre a vida simples da roça nas Minas Gerais e a agitada vida cosmopolita em São Paulo, onde realizei os meus estudos iniciais, sendo que desde jovem demonstrei ter um perfil curioso, sempre buscando contemplar e conciliar diversas perspectivas. Apesar de ser arquiteto por formação, há mais de 20 anos me dedico à área de dispositivos médicos (MedTech), com o intuito de prover inovações e mudar paradigmas do setor para melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Brinco que sou um arquiteto que virou médico, e essa transição – que para muita gente parece inusitada – ocorreu de forma natural, com grande fluidez. 

A influência do meu pai, Marcos Fonseca, cuja carreira de mais de 30 anos trabalhando com tecnologia de ponta na IBM, teve um impacto fundamental nessa jornada. Conforme vislumbrei novas possibilidades, passei da Arquitetura pura para a tecnologia aplicada à Arquitetura, para as redes e telecomunicações, para o mundo do software e logo depois para a tecnologia e a inovação aplicadas à saúde. Tudo isso sempre conectando a curiosidade com a vontade de aprender, amparado pela proposta de servir, e de devolver ao Brasil e à América Latina o que me proporcionaram em termos de aprendizagens e crescimento.  

Inicialmente, escolhi cursar Arquitetura, graduando-me pela Universidade de São Paulo (USP) em 1992. Dedicava-me bastante, mas ao passar noites em claro sobre a mesa de desenho apareceu a inquietude de buscar uma forma mais eficiente de trabalhar. Porém, em termos de futuro, de satisfação pessoal, fazia sentido. Além do mais, as questões acerca de projetar, construir, me agradavam. São diferenciais que permanecem comigo, com o pensamento espacial, ao contrário do linear – mais típico das carreiras tecnológicas.  

O arquiteto que se tornou “médico” com o perfil curioso e humanista 

Ao me formar arquiteto, encontrei um mercado de arquitetura bastante complicado e, por outro lado, com os conhecimentos que já havia desenvolvido em AutoCAD e meus clientes de treinamento e consultoria, vislumbrei a oportunidade de seguir pela área de tecnologia. Enfim, já detinha conhecimentos e uma carteira inicial de clientes, decidi então apostar na tecnologia como caminho. Inicialmente, de forma independente, o negócio foi crescendo enquanto incorporava conhecimentos que agregavam valor, como tecnologia de redes de comunicação e gerenciamento de projetos. 

Em 1999, comecei a trabalhar na Getronics, então um dos parceiros estratégicos da Cisco Systems. Primeiramente no Brasil, mas logo tive a oportunidade de cumprir um sonho, sair do país, e fui trabalhar no México, com o escopo da América Latina. A meta então era lançar um portfolio de serviços único no mercado. Já em 2002, a Microsoft me contratou para lidar com um projeto que ninguém queria – gerenciar a área de Operadoras de Telecomunicações e crescer a presença da Microsoft no setor. Como incentivo para tomar o desafio, vi que o país estava passando por uma abertura de mercado, e a companhia necessitava de alguém com uma perspectiva distinta da tradicional venda de licenças de software para atingir o objetivo traçado. 

A partir de então, fui convidado pela Johnson & Johnson para ajudar a resolver um problema relevante – reverter uma perda de 80% do mercado de Stent farmacológicos – e fiquei encarregado de gerenciar toda a área cardiovascular. Posteriormente, a Medtronic me convidou para remontar a empresa no México depois de ela ter abandonado o mercado duas vezes em apensas cinco anos. A organização, que precisava de uma pessoa de confiança e consistência, me convidou a tomar a posição diretor-geral com o desafio de (re)construir tudo a partir do zero.  

Após lograr êxito nesta empreitada, a Medtronic me propôs cuidar de uma das suas maiores unidades de negócio na América Latina, a responsável por marcapassos e eletrofisiologia. Dessa forma, em 2010 parto para Miami, nos EUA, com mais um projeto desafiador pela frente. Com três anos de sucesso à frente da unidade de negócios, fui o indicado para gerenciar a integração dos portfolios vasculares de duas aquisições, Covidien e EV3, algo bastante complexo, mas que me deixou grandes lições. Já em 2015, a Abbott me chamou para assumir a área de Operações Comerciais da Divisão de diagnósticos na América Latina e do Canadá. 

A relevância do academicismo em prol do desenvolvimento constante  

Minha necessidade de aprender constantemente sempre me faz regressar ao academicismo de tempos em tempos. Já havia realizado uma pós-graduação em Negócios na Fundação Getulio Vargas (FGV), outra em Direção-executiva no Instituto Panamericano de Alta Dirección de Empresa (IPADE), no México, e tratei de buscar algo mais específico que me preparasse para o cenário futuro da saúde. Decidi fazer um mestrado duplo, com foco em Economia da Saúde e em Políticas Públicas, com uma associação entre University of Chicago e a The London School of Economics and Political Science, um programa único que se transformou em algo marcante.  

Esse mestrado representou uma experiência incrível, tanto no âmbito pessoal quanto no profissional, ao ter contato com profissionais do mundo inteiro. Já havia notado como o mercado de saúde estava passando por uma mudança significativa, na qual a parte clínica deixou de ter um papel decisivo exclusivo na tomada de decisão, enquanto outros atores, como pagadores e pacientes, assumem um papel mais protagonista. Com a Pandemia de Covid-19, tornaram-se evidentes as fragilidades das políticas públicas em saúde. A esse cenário, somam-se hoje a inteligência artificial e a digitalização da saúde, ampliando ainda mais as transformações no setor. 

Ao concluir o curso, fui convidado pela Inari Medical, uma empresa californiana com forte foco em inovação, a assumir o desafio de transformar o paradigma da terceira maior causa de morte cardiovascular no mundo, a embolia pulmonar. Aceitei essa oportunidade em 2021, assumindo a responsabilidade pelas operações na América Latina e no Canadá. Desde então, tenho trabalhado, junto com a equipe, no desenvolvimento de parceiros locais, no treinamento de médicos – tanto intervencionistas quanto clínicos –, além de educar pagadores, hospitais e formuladores de políticas públicas de saúde. Em um curto intervalo de tempo, impactamos a vida de mais de 1.500 pacientes em 11 dos 15 países que temos como meta na região. 

A medicina possui uma evolução bastante rápida, dinâmica. Nosso propósito, portanto, é preparar e capacitar os médicos para o tratamento, além de apoiar os profissionais que têm o primeiro contato com os pacientes nas áreas de urgência e cuidados intensivos, ajudando-os a implementar processos que aumentem a eficiência na busca por melhores desfechos clínicos. Tudo isso é construído sobre uma base sólida de evidência clínica e constante inovação.  

Superar desafios demanda romper com paradigmas com a integração cultural  

Deparo-me com inúmeros desafios, especialmente sobre mudanças de paradigmas, com a paixão por buscar ser melhor naquilo a que proponho realizar. Um exemplo disso ocorreu na faculdade, quando comecei a estudar AutoCAD – era algo difícil convencer os professores de que poderia entregar os trabalhos utilizando tal ferramenta.  

Também há o fato de ser um “estrangeiro”, por conta da minha inusitada formação, mas ainda assim discuti a implementação de tecnologias e terapias com líderes de opinião na saúde. Para superar essa objeção, invisto bastante em capacitação. Sou autoexigente, autocrítico e estudo constantemente, sempre com o objetivo de superar barreiras. Sentia a necessidade de aprender mais, pois era essencial superar as expectativas. A exigência do mercado impõe um padrão de aperfeiçoamento elevado e contínuo, ao qual me dedico com empenho e disciplina. 

Ressalto também a experiência internacional. Fui para o México com a cara e a coragem, sem dominar o espanhol ou conhecer ninguém, tendo de me adequar à cultura e dar resultados no curto prazo. Hoje falo cinco idiomas. Aprendi na própria carne o significado das nuances culturais. Penso que não basta ser bilíngue, o objetivo deve ser bicultural, para poder compreender as peculiaridades de cada região e ser muito mais efetivo nas relações. Na América Latina, muitas vezes, o know who vem antes do know how. Primeiramente, é preciso vencer a barreira da confiança para, só então, fazer negócios. 

Além disso, destaco o desafio constante da inovação e o compromisso de sempre buscar realizar o melhor. Tenho um viés voltado para romper paradigmas, aprendendo rapidamente e investindo no entendimento das questões culturais. Essa habilidade de comunicação me permite ajudar outras pessoas – atualmente, dedico mais da metade do meu tempo a educar estrangeiros sobre o Brasil, a América Latina e o Canadá – e oferecer à equipe o apoio e os recursos necessários para alcançar nossas metas. 

Para isso, parto sempre do princípio de que todos somos intrinsecamente iguais. A maneira como expressamos nossa humanidade é moldada por fatores externos, como referências sociais, políticas, econômicas e históricas. No fim das contas, ao desconsiderarmos essas camadas, percebemos que buscamos as mesmas coisas, mesmo em um mundo tão polarizado. Isso nos leva a refletir sobre o equilíbrio entre o quanto estamos dispostos a trabalhar em conjunto e o quanto preferimos agir individualmente.  

No polo oposto, durante muito tempo fui responsável por dar o briefing de boas-vindas às pessoas oriundas da América Latina que eram transferidas para trabalhar nos EUA. Meu papel era abrir os olhos de quem chegava, muitas vezes com uma perspectiva distorcida sobre a realidade americana do dia a dia, destacando as áreas em que as realidades se alinhavam e aquelas em que era necessário evitar conflitos. Essa oportunidade de conhecer e vivenciar diferentes realidades me proporcionou a percepção de que somos muito mais parecidos do que imaginamos. 

Consistência e diálogo são essenciais para a liderança inspiradora 

Reitero que, para mim, a liderança não é uma nomeação, mas sim o reflexo de outras escolhas. Infelizmente, vivemos em um contexto em que a palavra “liderança” é frequentemente usada de forma descompromissada. Muitos querem ser ou se autodenominam líderes. No entanto, há uma diferença enorme entre ser gerente, gestor e líder. Enquanto o gerente e o gestor geralmente são indicados pela empresa, o líder é escolhido pelas pessoas. 

Tais escolhas dependem de alguns fatores, como a consistência, que se manifesta ao exemplificar aquilo que se transmite. Outro aspecto fundamental é ter paixão pelo que se faz, demonstrada por meio de ações, esforço e genuína preocupação com os outros. A responsabilidade inerente à liderança exige dedicação de tempo para tomar as melhores decisões, incluindo a capacidade de colocar-se em segundo plano para priorizar o diálogo e o entendimento.  

Tenho um conflito significativo com a definição vigente de equilíbrio entre vida e trabalho. Para mim, essas duas dimensões estão entrelaçadas e devem ser vividas de forma integrada. Quando se gosta do que se faz, com consistência e dedicação, a distinção entre o “ganha-pão” e o propósito de vida se dissolve, tornando a transição entre ambos praticamente inexistente. Essa vivência, aplicada no dia a dia, faz com que as pessoas passem a enxergá-lo como uma referência. No meu caso, essa referência se manifesta em pedidos de opiniões, feedbacks e até mesmo aconselhamento de carreira, feitos por profissionais que não me reportam diretamente ou que nem mesmo trabalham mais na mesma empresa. 

Definitivamente não acredito muito no chavão “quero ser líder” – muitos tornam-se grandes charlatões. Seja por conta do poder, influência e outros subprodutos dessa possibilidade. Conforme se sobe na carreira, a responsabilidade também cresce, e há muita sobrevalorização da palavra “liderança”, sendo que o foco deve ser o de servir às pessoas, jamais o contrário.  

Flexibilidade e comunicação fomentam ambientes colaborativos 

Existe a expectativa da nova força de trabalho acerca da flexibilidade para compreender os contextos distintos. As necessidades humanas no trabalho sempre foram as mesmas, porém as gerações anteriores estavam mais dispostas a aceitar situações negativas ou até mesmo tóxicas no ambiente de trabalho, em prol da segurança laboral e do bem-estar econômico. Durante muito tempo, era comum permanecer na mesma organização ao longo de toda a carreira, subindo gradualmente os degraus e valorizando a estabilidade como um dos principais objetivos.  

Já as gerações atuais, definitivamente, não aceitam tais aspectos, e as discussões sobre esses temas são constantes. Elas nos exigem adaptabilidade para mesclar a gestão da força de trabalho com a habilidade de lidar com perfis e culturas distintos. Isso requer do gestor uma flexibilidade que combine empatia com visão estratégica, alinhando esses elementos ao projeto e aos objetivos da empresa.  

Concomitantemente, ainda há a exigência de performance financeira, vendas e rentabilidade. Atualmente, o desafio é compatibilizar essas duas coisas, e nem sempre é possível. Já aconteceu de eu ter que explicar para algumas pessoas que o mercado corporativo não era para elas.  

Além disso, destaco a relevância da capacidade de visualizar e comunicar claramente para onde queremos ir e como cada pessoa pode contribuir, de maneira franca e consistente. Sem a clareza de visualizar a casa pronta, o profissional dificilmente suportará o processo de construção. A franqueza é um atributo altamente valorizado, e observo como a nova geração está mais aberta a escutar – os indivíduos estão pedindo responsabilidades para definir seus próprios caminhos.  

Enfim, a capacidade de se comunicar com diferentes audiências é fundamental, assim como a habilidade de navegar com segurança pelas constantes mudanças, já que os mercados estão em transformação e as economias da América Latina evoluem de maneira extremamente dinâmica. Sou profundamente grato pela oportunidade de viajar pela América Latina e pelo Canadá. Esse contato pessoal e próximo tem sido essencial para compreender as dificuldades e os desafios específicos de cada região. 

O engajamento e a motivação derivam da postura otimista do líder 

Definitivamente, o engajamento e a motivação do ambiente de trabalho começam a partir da postura otimista da liderança. Precisa ter uma atitude positiva em relação a si próprio, ao seu contexto e às oportunidades. Inicialmente, o ato de engajar demanda demonstrar bom humor – considero que a felicidade é uma decisão diária – e abertura. 

Outro aspecto diz respeito novamente à consistência e à franqueza. Não raro, requer compreender a situação, perceber o ambiente, notar se determinada pessoa está desmotivada. Enfim, a partir de então, o correto é conversar, porque, lá na frente, isso impactará. 

Por fim, antecipar demandas ou necessidades, quando possível, é ainda melhor, pois isso demonstra afinidade com os colaboradores e equipes. Trata-se de um processo de apoiar os indivíduos na proposição de soluções, promovendo autonomia, mas sem assumir todas as responsabilidades por eles. 

Administre o ego e jamais deixe a confusão dominar a razão  

Indubitavelmente, a maior armadilha de todas é o ego. Quando não nos damos conta dessa situação, podemos cair na ilusão de que a carreira se resume a posições, títulos, dinheiro e aos chamados luxos da vida executiva. De certa forma, o mundo corporativo é estruturado para levar seus participantes a acreditar nisso. Pessoalmente, já passei por minhas experiências e desilusões e, hoje, considero que a carreira deve ser definida por outros indicadores.  

Claro que a progressão de carreira e as compensações financeiras integram a jornada. Contudo, os aprendizados, as responsabilidades e os impactos positivos sobre as pessoas e os negócios são bem mais importantes. Reitero, assim, como a carreira exitosa é mais sobre o que se entrega.  

Nado um pouco contra a corrente sobre esse tema, pois valido como a satisfação deriva do impacto, das ações, em detrimento do ganho material, que é algo efêmero. Por atuar na área da saúde, o impacto torna-se ainda mais relevante, pois estamos lidando diretamente com vidas. 

Em termos pessoais, meu pai é uma importante fonte de referência, não apenas na questão da inovação, mas também na ética de trabalho e na humildade como valores fundamentais. Minha mãe, por outro lado, me ensinou a valorizar o tempo, tanto o próprio quanto o alheio, como um recurso único e não renovável. Além disso, minha formação com os jesuítas ao longo de todo o meu processo educacional me proporcionou uma base sólida de valores, destacando-se a análise crítica e a ênfase no agir, em vez da contemplação sem ação. 

E, ao longo da carreira, destaco o sólido contato com profissionais, clientes e médicos que marcaram a minha vida e se tornaram mentores e referências. Hoje, olho para trás e identifico valores singulares, como a consistência, a paixão e a dedicação. Conto também com amigos valiosos, de longa data, que me impedem de ser “contaminado” pelo glamour do mundo corporativo. 

Meu lema é resolver um problema por dia, avançando de forma concreta e relevante rumo à meta definida. Quando a pessoa consegue destrinchar a situação em que se encontra, identificando os verdadeiros problemas para se dedicar a resolvê-los, a tendência é melhorar tanto sua própria vida quanto a daqueles ao seu redor. 

Hoje em dia, é muito comum passar a semana em reuniões intermináveis, sem abrir espaço na agenda para refletir sobre como identificar os problemas reais. Muitos acreditam que eficiência ou efetividade está relacionada ao volume do que se resolve, mas não é bem assim. O que realmente importa é lidar com os obstáculos que de fato fazem a diferença. 

Acompanhe tudo sobre:Profissões