(Global Partners)
Colunista
Publicado em 11 de abril de 2025 às 20h04.
Ao longo da vida, aprendi que os desafios mais complexos podem se transformar em lições valiosas. As experiências acumuladas, os lugares explorados e as histórias compartilhadas expandiram significativamente a minha percepção de mundo. E essa conexão com diferentes realidades não somente ampliou meu horizonte, como também me preparou para enfrentar cenários diversos, tanto pessoais quanto profissionais.
Nasci e cresci em uma família de classe média, na França, com um pai francês e uma mãe inglesa. Falávamos inglês em casa e viajávamos para Inglaterra com frequência, o que contribuiu para desenvolver meu gosto pelo internacional.
Na França, concluí a formação em Administração e, após me graduar, iniciei minha carreira em uma renomada auditoria. Embora sinta orgulho da história do meu país natal, sempre valorizei a troca de saberes com outras nações, reconhecendo as contribuições singulares que cada cultura oferece. Por isso, com apenas um ano de experiência, me candidatei para uma missão em Marrocos, onde permaneci por 12 meses. Retornei à França e solicitei transferência para Londres, onde atuei por três anos. Este período foi decisivo para consolidar habilidades em um ambiente corporativo internacional.
Após este período, motivada por questões pessoais, decidi me mudar para Buenos Aires, na Argentina. Na época, meu namorado havia recebido um convite para jogar rugby naquele país, e eu consegui ser transferida para o escritório de Buenos Aires, com o projeto de estruturar o french desk, conectando empresas francesas estabelecidas localmente. Como mulher estrangeira em uma posição gerencial, enfrentei resistência e desafios culturais significativos.
Antecipando possíveis mudanças, comecei a buscar novas oportunidades e fui contratada, em tempo recorde, por uma seguradora francesa para atuar na América Latina, assumindo uma posição estratégica em São Paulo.
Cheguei ao Brasil em 2001, sem falar português ou conhecer a grandiosidade de São Paulo. Durante três anos, gerenciei operações na Colômbia e na Venezuela enquanto aprendia a me adaptar à nova realidade linguística e cultural. No entanto, a empresa passou por uma reestruturação após ser adquirida por um grupo alemão, o que resultou no desligamento de diversos profissionais, incluindo o meu. Nesse momento, reativei a rede de contatos e, com o apoio de antigos colegas da universidade, fui contratada pela Pernod Ricard, assumindo uma posição na área financeira da Região América Latina, baseada no Rio de Janeiro. Segui por mais três anos até a operação local ser encerrada. Apesar de me oferecerem uma transferência para o Canadá, decidi permanecer no Brasil, onde já havia estabelecido um forte vínculo; sendo, na época, mãe solteira de um filho pequeno, a infraestrutura e a ajuda disponível no Brasil contribuíram muito para o meu desenvolvimento profissional.
Em 2007, integrei o grupo LVMH, em São Paulo, em uma posição regional. O foco era o desenvolvimento do mercado africano, oportunidade que me levou a trabalhar intensamente no continente durante nove anos. Investimos na Nigéria, que na época enfrentava ceticismo quanto ao seu potencial, e vi a região crescer de forma exponencial. Com esse sucesso, fui convidada a assumir o cargo de general manager de uma parte da África. Após duas décadas fora da França, voltei para Paris, que se tornou minha base para liderar operações em 25 países do continente africano. Mas, mesmo com tantas realizações, a saudade do Brasil foi constante.
Em 2020, recebi a proposta de liderar a afiliada da Moët Hennessy no Brasil como CEO, oportunidade que aceitei com entusiasmo. Retornei poucos dias antes do início do lockdown, e, por conta disso, a posse e a gestão do cargo ocorreram de forma virtual.
A agenda que me trouxe de volta ao Brasil incluía um trabalho intenso de reestruturação e reposicionamento estratégico, que demandou várias mudanças nas equipes e novas contratações. Atualmente, tenho orgulho de liderar uma operação que se destaca globalmente, evidenciando a força e o potencial do mercado brasileiro, além do desempenho de um time composto por talentos do país.
Para a marca Chandon, as redes sociais desempenham um papel fundamental, possibilitando o desenvolvimento de estratégias específicas para o mercado brasileiro. A criação de campanhas personalizadas consolidou a presença da marca e intensificou sua relevância no mercado. Paralelamente, priorizamos práticas ecológicas e sustentáveis, tanto no Brasil quanto na França, refletindo nosso compromisso com a responsabilidade ambiental. Também investimos em eventos exclusivos, fundamentais no setor de luxo. Essas experiências, que envolvem influenciadores, jornalistas e especialistas em lifestyle, traduzem os valores da marca, criando desejo e engajamento. Nas lojas, priorizamos a visibilidade estratégica, garantindo que os produtos se destaquem com códigos visuais fortes e rigorosa qualidade. Com presença em pontos de venda altamente selecionados, reforçamos a identidade da marca e o vínculo emocional com o consumidor, fortalecendo nossa posição de destaque.
Especialmente nos últimos anos, o que mais me impulsiona é a tenacidade e o talento da equipe com quem tenho a honra de trabalhar. Encontro inspiração diária na força do grupo. Quando fui entrevistada para ocupar a atual posição, a organização precisava de uma modernização e um modus operandi mais inclusivo O projeto da nova identidade de marca Chandon e o contexto de pós-covid – as coisas nunca vão ser iguais – me ajudaram a implementar esse projeto ambicioso. Considerei essa iniciativa importante para revitalizar o mercado brasileiro e compartilhei minha visão otimista sobre como o projeto poderia reposicionar o Brasil de maneira vibrante.
Desde então, tenho trabalhado arduamente para mostrar que o Brasil é um mercado promissor, repleto de talentos capazes de alcançar resultados extraordinários. Hoje, tenho imenso orgulho de ver os frutos desse esforço. Nossas marcas recuperaram o brilho, nossa relevância foi restabelecida e muitos profissionais de nossa equipe estão sendo promovidos em posições de destaque, inclusive em outras localidades. Aliás, o reposicionamento da marca Chandon no Brasil superou todas as expectativas. Em termos pessoais, tenho a honra de ultrapassar inúmeras barreiras, nunca ter desistido, conseguir ter contato com diversas culturas e também ter alcançado um patamar significativo. Além disso, ver o desenvolvimento do meu filho, que em breve se formará em uma renomada universidade de Engenharia, é uma vitória pessoal que celebro com grande alegria.
Conciliar a intensa rotina profissional, marcada por mudanças frequentes de país, com a maternidade, foi um grande desafio. Trabalhar sempre me trouxe realização, e acredito que isso influenciou diretamente na dedicação ao meu filho. Embora as viagens fossem constantes e o tempo disponível limitado, fazia questão de priorizar momentos exclusivos com ele, sem distrações. O apoio da babá foi determinante nesse cenário, e sua estável e amorosa parceria ajudou a criar um ambiente seguro e estruturado nos momentos em que não podia estar por perto. E o papel dessa profissional se mostrou ainda mais relevante quando retornei à França, e pude visualizar ainda mais as dificuldades enfrentadas por mulheres no mercado de trabalho, especialmente em contextos nos quais a ajuda doméstica é inacessível para a maioria. Por isso, sempre digo que cada obstáculo enfrentado me fortaleceu como pessoa, mulher, mãe e profissional.
Liderar exige habilidades que vão além das tradicionais. Em um contexto como o da América Latina, em que a hierarquia ainda é bastante rígida, adotei uma abordagem mais despojada. Participo de entrevistas com estagiários, integro equipes com profissionais de diversos níveis hierárquicos e incentivo que todos tenham voz. Essa postura é especialmente importante para atrair e reter novas gerações, que possuem expectativas muito distintas das anteriores. Um ambiente onde as pessoas se sentem respeitadas e valorizadas eleva os resultados e fortalece os laços dentro da organização, fazendo com que todos se sintam parte de algo maior.
No trabalho híbrido, por exemplo, faço questão de garantir que, pelo menos uma vez por semana, todos se reúnam presencialmente, propiciando maior conexão entre os colaboradores. Isso para mim é liderar com humanidade, e é o caminho para construir organizações mais fortes, motivadas e alinhadas com os desafios contemporâneos.
A transparência também é um valor que cultivo, mantendo um diálogo aberto e frequente com a equipe, reforçando a importância de uma comunicação direta e genuína. Gosto de celebrar conquistas, mesmo as pequenas. Não devemos esperar grandes ocasiões para reconhecer esforços e avanços. Momentos assim são fundamentais para fortalecer os vínculos.
É de grande importância entender a identidade de uma organização, seus valores e expectativas. Em algumas situações, a cultura ou o momento de uma empresa pode não se alinhar ao perfil. Isso não te desqualifica, mas demonstra a falta de compatibilidade com circunstâncias específicas. Reconhecer essa desconexão pode beneficiar tanto a empresa quanto o colaborador, possibilitando escolhas mais coerentes que ofereçam crescimento mútuo e criem oportunidades de evolução.
Um ponto que considero relevante, especialmente para mulheres em posições de liderança, é o peso que sentimos muitas vezes por desempenhar todos os papéis com perfeição. Existe uma cobrança implícita para estarmos presentes em todas as situações e executarmos cada tarefa impecavelmente. Essa crença, além de irreal, pode ser extremamente desgastante. Liderar não significa fazer tudo sozinha, mas sim trabalhar em conjunto. Esse aprendizado continua sendo um mantra. Uma líder eficaz reconhece seus limites, valoriza o trabalho em equipe e deposita confiança na habilidade de cada integrante. É essa harmonia que fomenta a trajetória coletiva e motiva a enfrentar qualquer situação com garra e determinação.
No campo profissional, percebo que muitos ainda têm dificuldade em negociar salários e benefícios. Como mulher, essa realidade foi particularmente presente, mas sempre busquei assegurar que as equipes fossem tratadas de forma justa. Trabalhei em empresas comprometidas com a equidade salarial, o que me deu confiança de que estávamos no caminho certo.
Para os que estão começando na vida profissional, o primeiro passo é compreender que nada é permanente ou definitivo. É sempre possível redirecionar caminhos, aceitar novos desafios e explorar alternativas. Tudo depende da determinação e da coragem de mudar quando necessário. Outro ponto valioso é a importância de construir um plano de carreira. Ter clareza sobre onde se quer chegar e quais atividades trazem maior satisfação é um ponto que ajuda a orientar decisões e adaptar rumos em cada etapa profissional. Nunca aceite que alguém diga que algo é impossível, pois cada mudança é uma chance de aprendizado e crescimento.
Ao mesmo tempo, mantenha a mente aberta para as oportunidades. Muitas vezes surgem possibilidades que, à primeira vista, parecem não se alinhar ao plano traçado, mas podem ser caminhos surpreendentes e enriquecedores. Essas ocasiões têm o poder de acelerar o desenvolvimento profissional e abrir portas que você nem imaginava existir. Ter metas claras é importante, mas também é relevante deixar espaço para o imprevisível. Planeje com determinação, mas permita que a vida surpreenda, pois é na combinação entre propósito e abertura para o inesperado que encontramos as ocasiões mais transformadoras.
Promover a inclusão e valorizar a diversidade são princípios que orientam todas as minhas escolhas. Diversidade significa inovação, criatividade e progresso. Nesse processo, conheci a Chimamanda Ngozi Adichie, renomada autora nigeriana e defensora dos direitos das mulheres. Sua história, marcada pela coragem diante das adversidades vividas entre a Nigéria e os Estados Unidos, me inspira profundamente. Vejo na biografia dela reflexos da minha própria história, o que reforça ainda mais meu compromisso com a construção de ambientes mais abrangentes e justos, nos quais as diferenças são vistas como forças transformadoras.
No decorrer dos anos, tive a sorte de contar com mentores incríveis. O primeiro foi o sócio da empresa de auditoria onde comecei a trabalhar. Lembro-me de uma ocasião na qual me candidatei a uma missão no Marrocos, mas fui barrada porque a posição era destinada apenas a homens. A intervenção imediata dele corrigiu o problema, me ajudando a enfrentar novos desafios sem carregar a síndrome do impostor.
A experiência na Argentina, por outro lado, foi marcada por adversidades e atitudes machistas de alguns consultores. Muitos recusaram trabalhar sob minha liderança e até entregaram documentos propositalmente errados para comprometer o meu desempenho. Esses momentos abalaram-me inicialmente, mas também fortaleceram minha resiliência. Em uma das minhas posições no Brasil, fui acolhida por outro mentor, um diretor financeiro que sempre reconheceu meu trabalho e me incentivou a crescer. Esta orientação foi um suporte inestimável nesse período de transição.
Mais tarde, tive a oportunidade de trabalhar com uma líder extraordinária, que se tornou uma mentora essencial. Sua compreensão dos desafios enfrentados por mulheres em posições de liderança trouxe um apoio único. Essa troca de experiências reforçou em mim a importância das mentorias. Elas não apenas auxiliam no crescimento profissional, como também mostram que, mesmo diante de questões estruturais, não estamos sozinhas. Com o apoio certo, é possível superar barreiras e alçar a carreira de forma enriquecedora.
Leitura recomendada por Catherine Petit:
We Should All Be Feminists, de Chimamanda Ngozi Adichie. Anchor Books, 2015.