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Inovar é absolutamente necessário. Quem não o faz, perde espaço, diz Cristina Pinho, da Ocyan

Na coluna desta semana, conheça a história de Cristina Pinho - Conselheira de Administração na Ocyan

Cristina Pinho, conselheira na Ocyan (Histórias de Sucesso/Reprodução)
Cristina Pinho, conselheira na Ocyan (Histórias de Sucesso/Reprodução)

Nascida em Vila Isabel, bairro tradicional do Rio de Janeiro, fui criada e educada para casar, ter filhos e ser uma boa esposa. Fiz balé, piano, curso de francês, estudei em colégio de freiras... mas isso não foi suficiente para que cumprisse o destino a mim determinado. Diferentemente do esperado, escolhi fazer Engenharia Mecânica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que cursei entre 1976 e 1981. Depois de me formar, ainda passei um tempo trabalhando com teatro. Contudo, em busca de uma carreira mais estável, prestei concurso para a Petrobras, fui aprovada e iniciei nessa empresa uma jornada que durou 31 anos. Eu tive a oportunidade de trabalhar embarcada e de conhecer a vida offshore de uma mulher voltada para a operação. E essa experiência me alavancou para outras áreas da companhia, até chegar à Engenharia Submarina, quando me aposentei.

Resolvi então pegar tudo o que aprendi e usar como conselheira de administração. Para isso, voltei aos bancos escolares, fazendo o curso do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), realizei network e logo fui convidada para trabalhar no Governo do Estado do Rio de Janeiro, no qual exerci, durante dez meses, a função de Subsecretária de Gás e Energia. Posteriormente, em 2019, passei a atuar como executiva na diretoria-executiva corporativa do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) e consegui a primeira cadeira em conselho. Em agosto de 2020, passei a atuar também como membro do Comitê de Auditoria e Conselheira de Administração na Ocyan.

Além dessas atribuições, reservei parte da minha vida para lidar com um projeto muito especial: o Instituto Luísa Pinho Sartori, que existe desde 2010 e no qual sou presidente do Conselho. O instituto foi inspirado em minha filha, Luísa, que morreu precocemente, aos 20 anos, em 2009. Ela deixou para nós esse legado de respeito à natureza e a instituição é voltada à educação e projetos de impacto na natureza, para a preservação da biodiversidade. No momento, trabalhamos em parceria com as universidades do estado do Rio de Janeiro. Hoje, o projeto tem como propósito trabalhar em três frentes: preservação da biodiversidade; diversidade racial e de gênero; e mentoria feminina, para que as mulheres possam, cada vez mais, inserir-se no mercado de trabalho.

Conselho traz atualização e inovação para a pauta diária das empresas

O conselho ajuda os líderes a olharem para frente. Esse é o grande papel do conselheiro: fazer as conexões certas com o que está acontecendo no mundo, visualizando oportunidades, riscos e ameaças. Tudo isso sem se esquecer de sempre questionar. Quando participamos da elaboração do planejamento estratégico da companhia ou somos apresentados a ele, nós, conselheiras e conselheiros, antes de mais nada, temos de querer saber: “Onde estão as análises de risco que deram suporte a esse planejamento estratégico? ”. É nesse ponto que podemos contribuir.

Nossa contribuição para o futuro da companhia passa por estarmos sempre atualizados e bem informados. Esse é um desafio que me move. Por isso, estudo muito! Faço diversos cursos e leio jornais, análise de indicadores e materiais voltados para a minha área de interesse, que é a indústria de óleo e gás. Estou sempre em movimento. Em 2022, fiz um curso sobre ESG para conselheiros e emendei com outro igualmente importante, sobre transformação digital. Além disso, estou rotineiramente nos eventos do IBGC. Por isso eu digo: ser conselheira não é fácil quando o desejo é ser boa no que se faz. É preciso estar o tempo todo atenta para orientar e provocar questionamentos necessários no Conselho, ajudando a promover as mudanças necessárias de rumo.

Diversidade nos conselhos traz melhores resultados nos negócios

Nos últimos dez anos, várias empresas de consultoria vêm analisando a correlação entre desempenho financeiro, inovação e diversidade cognitiva. Chegou-se então à conclusão de que a diversidade de experiências é essencial, pois permite que questionamentos diversos sejam trazidos à tona, o que contribui para identificar os riscos do negócio. Quando isso acontece, melhora-se não apenas a qualidade dos conselhos, mas também o desempenho das empresas, que têm de 25% a 35% mais chances de serem bem-sucedidas em sua margem Ebitda e na geração de valor em comparação àquelas que não promovem a diversidade.

A diversidade é benéfica para o negócio. Essa é a associação que os investidores têm feito. É por isso que o mercado tem exigido essa característica e a Bolsa certifica as empresas que a têm e que se destacam nesse tema. E quando falo em diversidade, falo de algo que vai muito além de gênero. Ainda temos um gap muito grande nesse âmbito, mas existe também o gap racial, que precisa ser bastante trabalhado.

No passado, eu imaginava que meu maior desafio seria estar em um conselho no qual eu fosse a única mulher e, por conta disso, ter que me impor, afinal, a presença de mulheres em conselhos era muito rara na rotina das corporações. Mas, não foi o que aconteceu. Embora esteja sempre preparada para enfrentar esse tipo situação, sou muito bem acolhida, respeitada e admirada pelos colegas dos conselhos dos quais faço parte. Ter uma mulher competente no board é uma escolha deliberada das empresas, pois, inegavelmente, a contribuição feminina é importante. Da minha parte, tenho trabalhado duro para trazer visões e questionamentos diferentes. Não me sinto tolhida ao questionar, fazer observações e trazer meu background de experiência em operação, segurança ou análise de risco para as questões que são discutidas.

Por que mulheres no conselho valorizam e melhoram o desempenho de corporações?

A jornada profissional de uma mulher executiva é feita de vários obstáculos. E estes permanecem quando ela se torna conselheira. Isso é fato! Nessas situações, a experiência trabalhará a seu favor. Contudo, para ser ouvida e levada a sério, é preciso estar bem preparada e se aprofundar nos assuntos, de modo a não hesitar ao se posicionar. Esta é uma lição de casa que deve ser feita, caso contrário, a competência técnica da profissional será colocada em xeque. As mulheres têm uma percepção de risco diferente dos homens. Isso não quer dizer que não sejam ousadas, mas sim que são mais cautelosas para tomar decisões. Gostamos de entender os temas e somos disciplinadas. E por estarmos sempre em busca de novos conhecimentos, geralmente não temos vergonha de questionar. Além disso, temos dentro de nós um olhar de compaixão, zelo e cuidado com colaboradores, stakeholders e para com a imagem da companhia.

Claro que nem todas as mulheres são assim. Mas, na maioria de nós, há uma conexão com o comportamento feminino de abraçar a causa, ter empatia. É só averiguar como as líderes mundiais de vários países foram muito bem-sucedidas ao conduzirem o tema da pandemia. Eu diria que não é um instinto maternal, mas de preservação. E este sentimento traz junto o acolhimento, que se reverte na criação de um ambiente de confiança e resiliência coletiva.

Creio que o mundo está passando por um momento ímpar de reflexão e diálogo sobre isso. As mulheres têm de identificar essa oportunidade e estabelecer redes de apoio e influência junto a homens que estão no poder e que ainda são a maioria nos conselhos, para que eles percebam a contribuição realmente positiva que a diversidade de gênero traz em relação aos negócios e à inovação. É preciso reduzir essa lacuna que ainda existe não só em boa parte dos conselhos, mas, em muitos aspectos, na sociedade como um todo.

Diálogo, questionamento e escuta: a receita da boa conselheira

Ser executiva e conselheira são funções completamente diferentes. Quem pensar o contrário, será péssima no que faz. Não é papel da conselheira atuar como executiva, e sim ter a visão macro, olhando mais para frente do que para trás, procurando fazer perguntas que vão ajudar os executivos daquela corporação a enxergarem pontos que não estão vendo, justamente porque estão totalmente imersos na operação.

Outra observação importante: não se meta onde não é chamada e não se deixe levar pelo que gostava de fazer. Escute seus pares, participe e tenha paciência. Se não tiver maturidade suficiente para ouvir, faça um curso de habilidades para diálogo. Não seja lembrada como monopolizadora, e sim como integradora, como aquela que está ali para somar, não para dividir. A sua missão é aprender e encontrar a solução junto com os outros. Concorde ou discorde de forma respeitosa e genuína, ouvindo o que estão dizendo, e não monopolizando o debate com respostas longas.

Lembre-se: se você foi escolhida para um Conselho, mas tem experiência somente em determinados pontos, não fique preocupada. Você foi selecionada por outras competências, então não precisa saber tudo. Você tem, sim, de mostrar seu currículo em sua participação, ressaltando aquilo em que realmente é boa e que te faz diferente para complementar as outras disciplinas que estão presentes no Conselho. Isso não quer dizer que, nos debates sobre qualquer assunto que não seja do seu conhecimento, você vai se calar ou fingir que não está acontecendo nada, pois só se manifesta sobre aquilo que conhece. A conselheira tem que atuar em todas as disciplinas, mas não com tanta profundidade em todas elas.

A importância de inovar e ter propósito

Inovar é absolutamente necessário. Quem não o faz, perde espaço. Muitas vezes, a cultura de inovação já existe e o ambiente já está preparado. Nesse caso, o objetivo deve ser acelerar o processo de gestão tecnológica. Não podemos nos esquecer das estruturas especiais e da montagem de um comitê, que permitirá aos conselheiros ajudar a estruturar a diretoria ou a gerência de inovação. Estas criarão estratégias para que esse espírito contamine as pessoas, identificando os colaboradores que vão participar desse movimento e que motivarão as pessoas para o novo. E como se dá a atuação do conselho nesse caso? Este tem obrigação de identificar as brechas a serem resolvidas e ajudar com a própria participação.

Já o propósito tem que acrescentar algo maior, que faça as pessoas olharem além do produto, e mostre o impacto que este pode causar na sociedade. Quando você passa essa mensagem, interna e externamente, de que a empresa está, claro, preocupada com o lucro, mas também querendo contribuir para uma sociedade melhor, isso motiva e inspira. Afinal, o produto pode ser capaz de reduzir a desigualdade, proteger o meio ambiente, contribuir para a sustentabilidade e dar oportunidades iguais a quem precisa. Quando se encontra o propósito certo e o comunica adequadamente, isso gera benefícios à imagem da companhia e, consequentemente, aumenta os lucros. São pontos que se conectam.

ESG: a sigla do momento para as empresas

Um desafio que está exigindo muito preparo dos conselheiros é conhecer e saber aplicar o ESG (Environmental, Social and Governance) ou ASG (Ambiental, Social e Governança), em português. Como trazer esse movimento para dentro da empresa? Que impacto isso traz para o business? Como as mudanças climáticas vão refletir no negócio? Essas são perguntas importantes e quem não estiver atento a esse movimento não será capaz de influenciar a estratégia das empresas para o futuro.

Outro ponto que começou a ficar muito claro são as demandas da própria sociedade, que não aceita mais empresas corruptas ou que façam propagandas preconceituosas. Quem não refletir sobre esses pontos vai sofrer no bolso, com uma imagem pública deteriorada e, consequentemente, com uma queda nas vendas de seus produtos. No caso das empresas brasileiras, elas têm que demonstrar, com base em relatórios de sustentabilidade, que estão realmente fazendo um trabalho sério, trazendo a agenda ESG para as análises de risco, para os modelos de negócios, para as estratégias etc. O desafio é grande. No entanto, torna-se necessário demonstrar concretamente que as ações estão contribuindo para essa agenda.

Por fim, gostaria de chamar atenção para a desigualdade econômica e social que assola o Brasil e o mundo. Para mim, é obrigação das empresas contribuir para a redução desse mal que ameaça a sustentabilidade do planeta, o bem-estar das sociedades e a continuidade das próprias empresas. Todos nós podemos e devemos atuar para que ações, sejam pontuais ou no âmbito de políticas públicas, sejam implementadas, a fim de tornar a sociedade capaz de enfrentar as externalidades negativas sobre as quais não temos controle e, assim, garantir um futuro decente para as próximas gerações. Conselheiros têm um papel importante, influenciando nas estratégias das empresas e identificando as oportunidades de contribuição para as mudanças.