Britaldo Hernandez morou em Cuba por 40 anos e veio ao Brasil pela primeira vez num intercâmbio (Global Partners)
Colunista
Publicado em 31 de janeiro de 2025 às 15h59.
Eu sou um empresário bastante improvável. Nasci em uma pequena cidade de Cuba, e ali morei até os 40 anos. Em Cuba a educação era promovida de forma enfática, pois estudar era a única forma de melhorar de vida. Não havia outra opção. E exatamente por isso meus pais mantiveram o foco e se esforçaram para que eu estudasse. Assim, cheguei ao Instituto Superior Politécnico José Antonio Echeverría (ISPJAE), formando-me em Engenharia em 1989. Depois, de forma autodidata, estudei Automação e passei a trabalhar em um importante centro de pesquisa, onde comecei como estagiário e terminei como vice-presidente. Meu nome tornou-se conhecido no país, cheguei a ganhar vários prêmios e a trabalhar no setor da agricultura, desenvolvendo projetos com equipes em laboratórios clínicos. Em 1996, num cenário promissor, participei de um intercâmbio Cuba-Brasil. Ainda não sabia, mas essa viagem seria um divisor de águas no desenrolar da carreira.
Cheguei ao Brasil durante a eleição presidencial. Nos dias que se seguiram, visitei várias usinas, entre elas a Cosan, que na época era o maior produtor de açúcar do Brasil, com três unidades espalhadas pelo país. Trabalhei na localizada em Piracicaba (SP), e neste período morei na fazenda, só aprendendo com pessoas que conheciam tecnicamente todos os processos a fundo. Em determinado momento, resolvi fazer um PhD – decisão esta que contei com o apoio da companhia. Foi quando conheci o acadêmico Tomaz Caetano Cannavan Rípoli, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), na ocasião professor de Engenharia Agrícola e chefe do Departamento de Mecanização. Em determinado momento, comentei com ele que tinha um projeto que funcionava no campo e mencionei o desejo de ser professor universitário. E ao ouvir tudo o que dizia, ele aconselhou: “Você gagueja e esta característica dificultará o processo. Além disso, obviamente, tem um problema também com o idioma, visto que não é fluente na língua portuguesa. Então, se você já tem algo em funcionamento, invista na empresa e peça que alguém o ajude. E foi assim que nasceu a Solinftec, em 2007.
Por longo tempo ficamos trabalhando com um único cliente. Posteriormente, o portfólio foi ampliado para outra usina sucroalcooleira, e em 2015 fizemos a expansão para o mercado de grãos e fibra. Aliás, neste período também éramos os líderes que mais vendiam tecnologia no setor sucroalcooleiro. Em 2019, após consolidar o mercado brasileiro, expandimos para os Estados Unidos e recebemos o título de startup internacional mais inovadora na categoria Farm Tech. Dois anos depois, firmamos liderança no agronegócio com CRA-Verde emitido pela Climate Bond Initiative (CBI). E as inovações não param de surgir.
O que esta caminhada me mostrou? Bom, posso dizer que minhas limitações com a fala me trouxeram até aqui, bem como a habilidade de ser autodidata e ir em busca de novos conhecimentos. Eu nunca havia trabalhado na agricultura, por exemplo, e tive que superar muitos obstáculos porque minha área inicial não tinha nada a ver com a agricultura. Fui resiliente e driblei as diversidades uma a uma, com foco e disciplina.
Cuba não é um país com estrutura financeira de empreendedorismo. Na época não se podia ter empresa. E tinha em mente o seguinte impasse: criei uma empresa e tinha que viver dela. Ou seja: ela tinha que dar certo. Não fui o empreendedor que abriu uma janela e falou: “Gente, tenho uma ideia e recursos para empreender!” Eu tive que me virar com as condições do momento, aprendendo sobre finanças ou buscando quem tivesse esse conhecimento. Fui atrás também de profissionais que entendessem como funciona uma empresa e agregassem o conhecimento que eu precisava em diferentes nichos. Também falei com outros empreendedores, li dezenas de livros e participei de inúmeros cursos e palestras. Cometi inúmeros erros, mas fui aprendendo com eles e me desafiando. Foi um período de superação.
Sigo a seguinte filosofia: não peço a ninguém o que eu não faria. E isso me ajuda frente a tarefas junto aos colaboradores, porque me ponho no lugar deles. Além disso, tenho comigo que o líder deve ter em mente que estará o tempo todo tratando com pessoas. E por isso o respeito e a consideração são essenciais. Acredito que liderar também significa ter um olhar integral e abrangente. Cheguei onde estou porque superei a mim mesmo com o auxílio de outras pessoas, especialistas em temas que desconhecia, pois não teria chegado até aqui com o conhecimento que tinha.
Portanto, a estes profissionais dou total autonomia para atuarem dentro de suas expertises. Mantenho uma empresa totalmente transparente; todo mundo sabe tudo, eu falo tudo e não gosto de tentar fazer com que a empresa esconda algo para não ter que justificar. Sempre estou explicando qualquer desconforto que sinto. Também não sou um líder que se coloca à frente de uma mesa e ordena o que deve ser feito, pois sou o fundador. É a melhor ideia que triunfa, é um tipo de direção bem horizontal e inclusivo. Dessa forma, promovemos um ambiente fácil de trabalhar, em que os preceitos morais e éticos se cumprem muito bem. E tenho comigo que, de alguma forma, essa mistura é o que faz as pessoas seguirem um líder.
Desde o início, ao conversar com investidores, deixei claro o que queria implantar na agricultura. Estabeleci um propósito definido. E hoje, depois de muito trabalho, estamos sendo reconhecidos, a robótica está avançando e temos gerado um impacto importante. O fato é que não nos sentimos motivados com o que não queremos fazer. Procuro mostrar aos colaboradores os resultados de cada avanço, como nosso trabalho tem impactado de forma positiva o cenário do agronegócio e o meio ambiente e como estamos ajudando a criar uma nova agricultura, com mais sustentabilidade.
É nesta seara que entra a tecnologia, que não só diminui os combustíveis fósseis, como também a quantidade de máquinas e o uso de agrotóxicos. Este é um tema fundamental. Temos que produzir alimentos sem destruir o meio ambiente, pois não há mais terra para produzir. Você não consegue produzir alimentos de florestas, tem que gerá-los não com desmatamento, mas sim produzindo mais madeira. E é nesse contexto que entra a tecnologia. Hoje nós aumentamos a produção sem afetar o meio ambiente. Inclusive, tem um produtor no Brasil que já alavancou a produção em cerca de 20%, com uma diminuição de 90% no uso de agrotóxicos. Essa combinação é o que faz você alimentar o mundo com impacto sustentável. Os negócios devem trazer benefícios à comunidade. Não é fácil, mas possível. Tenho comigo a idealização de ver o universo inteiro comendo com mais segurança e qualidade. E este movimento promove o brilho nos olhos de forma natural.
Também se faz importante na liderança mostrar que existe a expectativa de que as pessoas cresçam com a empresa, promovendo facilidades para ida a eventos, cursos de capacitação nacionais e internacionais… Procuramos manter esta linha, pois queremos que clientes e colaboradores sintam orgulho do esforço feito para realizar estas inovações.
O estudo deve ser uma habilidade contínua e nunca deve parar. Ele é que vai proporcionar a dinâmica das mudanças. Parar este ciclo é parar no tempo. E provavelmente terá problemas para evoluir. Saber gerenciar o ego também é superimportante. É preciso compartilhar o que se sabe e também ter a ciência do que não se sabe. O mais importante é que todos continuem a se desenvolver. E chega um momento em que as empresas vão sobrepujar os fundadores. Visualize em que etapa se encontra. E à medida que avança, vai entender que depende mais de outras pessoas e menos de você. E quando este instante chegar, ajude os que estão surgindo a desempenhar os papéis que lhe cabem, entendendo seus anseios e dificuldades.
Tenha preceitos claros do que quer e onde quer chegar. E seja sempre você. Sou supertransparente. Todo mundo sabe o que penso e tem acesso a mim. Ou seja, não sou um CEO que muda o que se está fazendo e faz todo mundo seguir. Quando você tem um problema, você não tem um funcionário, mas uma pessoa. E ela pode estar passando por algo em sua casa ou em outro âmbito pessoal. Então, se você não olha a pessoa, você não olha nada.
Seja uma boa pessoa. E tenha em mente que não vai chegar onde quer sem sacrifício. Por isso, foque no propósito, pois ele vai ser seu motivador para passar pelas dificuldades sem desistir. Estude, trabalhe muito e lembre-se que mais que o objetivo final, é a jornada que vale a pena. É onde você vive o dia a dia. Portanto, ela tem que ser satisfatória para você, tanto do ponto de vista profissional quanto espiritual. Entenda que progresso é inerente ao ser humano. Todo mundo o quer, mas este só chega se houver um propósito que você queira fazer. E se o caminho não for bom, tudo será muito sofrido.
A terra em balanço: ecologia e o espírito humano, de Al Gore. Editora Gaia, 2008.