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ESG não é só uma forma de fazer negócio, mas também imperativo do nosso tempo, diz Tarcila Ursini

Na coluna desta semana, conheça a história de Tarcila Ursini, conselheira da Korin Agropecuária

 (Arquivo pessoal/Divulgação)
(Arquivo pessoal/Divulgação)

Em 1993, entrei simultaneamente nos cursos de Economia na Universidade de São Paulo (USP) e Direito na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), com a intenção de ser diplomata. No entanto, desisti dessa carreira para trilhar outro caminho. Comecei minha trajetória corporativa trabalhando com fusões e aquisições, na época da privatização da Telebras e de vários outros processos de M&A – o que me proporcionou um grande aprendizado. Contudo, percebi que esse também não era o rumo que queria para a minha vida – percebi que o centro não era a economia, mas as pessoas.

Após conseguir uma das duas bolsas oferecidas a advogados pelo Conselho Britânico naquele ano, fui fazer um mestrado na Universidade de Londres, concluindo-o em 2001. Quando ainda nem se falava em ESG no Brasil, produzi uma dissertação sobre sustentabilidade corporativa e o papel do setor privado na transformação do papel dos negócios e da sociedade. Posso dizer que isso realmente mudou a minha vida. De volta ao Brasil, entrei em uma consultoria-boutique, única até então no Brasil que já trabalhava com sustentabilidade corporativa estratégica e tinha como clientes Natura e Banco Real. Com isso, desenvolvi uma visão estratégica e sistêmica sobre uma nova forma de fazer negócios e pude assessorar organizações pioneiras do setor privado e da sociedade civil na incorporação da sustentabilidade em suas estratégias e modelos de gestão e de negócios. Em seguida, fui diretora do Instituto Ethos, no qual comecei a exercer o papel de conselheira. Fui suplente no Conselho do ISE B3, o Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bolsa de Valores oficial do Brasil. Em 2008, candidatei-me para o Conselho Internacional da Global Reporting Iniciative (GRI), na Holanda, e fui aceita.

Durante essa jornada, pude me aproximar do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e ajudei a fundar a Comissão de Sustentabilidade. Depois, migrei para a Comissão de Inovação e fui idealizadora do curso de ESG para conselheiros. Foi nesse momento que recebi meu primeiro convite para compor um conselho, como membro independente do Comitê de Sustentabilidade da Duratex. A partir de então, meu nome foi ganhando reputação e passei a ser indicada para outros conselhos. Atualmente, além de professora da Fundação Instituto de Administração (FIA) e do IBGC, sou a Executiva Responsável por Propósito (CPO) na EB Capital; faço parte do Conselho de Administração da Korin Agropecuária e da Agrogalaxy; dos Comitês de Sustentabilidade e de Pessoas da Agrogalaxy; do Comitê de Estratégia, Inovação e Sustentabilidade do Grupo Baumgart; e do comitê de Sustentabilidade de quatro empresas do grupo Simpar, que controla a transportadora JSL e outras. Além disso, sou muito influente na sociedade civil, como Conselheira Emérita no Capitalismo Consciente, Conselheira no Instituto Ethos, representante do Brasil no Comitê de Multinacionais do B Lab (certificadora das empresas B) e a primeira embaixadora brasileira da Black Jaguar Foundation – que pretende viabilizar o maior corredor ecológico do mundo, no Brasil, ao longo do rio Araguaia, beneficiando 13 mil agricultores, de 112 municípios, capturando 262 milhões de toneladas de carbono.

"ESG não é só uma forma de se fazer negócio, mas também um imperativo do nosso tempo"

A função de um conselho é garantir a longevidade da companhia e a geração de valor ao longo do tempo. O conselho supervisiona as atividades gerenciais da empresa, deve buscar os melhores resultados e metas econômico-financeiras, aprofundar e definir a melhor alocação de capital, direcionar a transformação digital. Além disso, diante do atual contexto geopolítico e regulatório, o conselho deve orientar o negócio, de forma geral e estratégica, aprimorando os debates sobre propósito, cultura e talentos, sobre a estratégia e os resultados ESG (ambiental, social e de governança) e seus impactos no modelo de negócios.

Para cumprir essas novas exigências, a grande maioria dos conselhos precisa se reinventar, revendo sua composição e seu modo de funcionamento. Precisamos capturar os desafios e as oportunidades do nosso tempo. Felizmente, eu participo de conselhos que são exemplares, como o da Agrogalaxy, que é uma companhia de capital aberto. Desde seu nascimento, houve a preocupação com temas prioritários para as alavancas de crescimento da empresa, um olhar estratégico de futuro, a construção de uma matriz de competências. A partir disso, foram convidados quatro conselheiros independentes para fazer parte do colegiado, com expertises, experiências e backgrounds muito distintos, que ainda participam e lideram diferentes comitês. Esse conselho conta com três mulheres, e a Agrogalaxy foi a primeira empresa do agronegócio no país a receber o selo Women on Board (WOB), que reconhece conselhos com mais de duas mulheres em sua composição. Portanto, é preciso que a governança atente para seus conselhos, promovendo ao menos três grandes mudanças: em seu papel, em seu modus operandi e em sua composição.

Em relação ao papel, entendo que a governança do futuro deve estar a serviço da criação de valor, e não apenas de controle, diminuição de risco, concentração de decisão, preservação do relacionamento entre sócios ou prevenção de conflitos de interesse. É preciso, sim, ter esse olhar, mas também contribuir de uma maneira fluida e dinâmica para as estratégias e o legado.

É inaceitável que um conselho tenha somente figurões que não se envolvem de fato com a empresa, como se estivessem sobre um pedestal. Isso é um desserviço para o papel que um órgão colegiado como esse pode ter. Não é mais possível falar em “nose in, hands out”. Deve-se instituir o “nose, head and heart in, hands out”.

Já em relação ao modus operandi, aprendi que ser conselheiro não é uma honraria, muito menos um plano de aposentadoria. Acredito que a boa governança, moderna e do futuro, é aquela que efetivamente cria valor para todos. É um lugar de ação, que promove a transformação e o desenvolvimento da companhia, especialmente neste contexto complexo em que vivemos atualmente. Além disso, essa governança é ativa e dinâmica, indo muito além das reuniões ordinárias. Ela busca equilíbrio com a gestão, é empática e permite o contraditório, tanto de estratégia quanto de visão de futuro. É preciso escutar os diferentes, exercer a diversidade em sua essência, ser um órgão colegiado com qualificações e experiências diversas, capaz de entender essa complexidade e dinamismo, com consciência, responsabilidade e muita capacidade de inovação.

Por fim, sobre a composição dos conselhos, entendo que os conselhos de grandes empresas têm que ter pessoas com larga experiência no setor. Mas, é preciso também considerar outros critérios, como a valorização do capital humano e financeiro, a transformação digital, o ESG, a diversidade de gênero, background e experiências etc. Em síntese, é preciso criar valor e isso se conquista também por meio da diversidade. Quanto ao perfil de cada conselheiro, individualmente, acredito que eles devem ter pelo menos três características: competência técnica para estar naquele espaço e complementar seus colegas; experiências significativas, para contribuir com seu olhar; e os atributos comportamentais, chamados soft skills, que prefiro denominar essential skills, isto é, tudo o que envolve comportamento, que é essencial para se cumprir bem aquele papel em um órgão colegiado, tais como integridade e responsabilidade, compromisso e motivação, excelentes habilidades interpessoais, independência intelectual, grande capacidade de julgamento, sagacidade, habilidade de negociação, empatia e visão sistêmica, de longo prazo, voltada para a inovação disruptiva. Essas habilidades são cruciais para uma governança ativa e com alta performance.

Saber escutar e usar com precisão a palavra

Muitas mulheres acham que só podem se candidatar para uma vaga quando se sentem realmente preparadas para o desafio. São muito exigentes consigo mesmas. No entanto, ninguém é completo. Nenhuma pessoa reúne absolutamente todas as competências relacionadas ao cargo que pretendem ocupar. Nós não entramos em um conselho por sermos completas, mas sim porque complementamos as competências dos outros membros. Logo, é importante trabalhar com as competências já adquiridas, além de construir um plano com o qual se possa desenvolver continuamente.

As experiências realmente são de grande relevância, daí a importância de ampliá-las ao máximo em outras esferas. Nesse sentido, defendo muito que se busque experiências complementares no terceiro setor, o que nos torna indivíduos e profissionais melhores e com mais repertório, além de contribuir efetivamente com uma causa social ou ambiental. São ambientes complexos e com recursos muito escassos, portanto, propícios para a inovação e o desenvolvimento de soft skills, como a construção de consenso e escuta. Isso é bom, pois um conselho é justamente um lugar em que é necessário saber escutar mais do que falar e ser muito preciso no uso da palavra.

Também não deixe, como conselheira, de valorizar a construção de network. Às vezes, as mulheres não são tão boas nesse quesito quanto os homens. Contudo, é algo que precisamos fazer, seja participando de eventos, posicionando-se, escrevendo artigos ou construindo pontes com outros conselheiros. Outra dica é estabelecer um contato ativo com espaços em que se possa fazer a diferença. É importante se colocar no mercado e criar essas oportunidades, e não ficar esperando que elas simplesmente venham até você.

Todos nós temos que fazer escolhas

Tenho sido frequentemente chamada para fazer a gestão de mudança, com esse olhar mais amplo do papel da empresa na sociedade e da questão ambiental. Muitas vezes, pela notoriedade que o tema de ESG tomou, aparecem convites para estar em conselhos que não têm uma boa compreensão sobre o tema ou mesmo uma intenção genuína de incorporar essa nova visão de negócios. Certa vez, por exemplo, percebi que o convite aconteceu porque a empresa queria fazer um IPO (sigla em inglês para Oferta Pública Inicial) e, para eles, era bom ter uma mulher de ESG na composição. Em outro caso, a motivação do convite era a necessidade de emitir uma dívida e eles queriam fazer isso via emissão de títulos de dívida verde, cujo dinheiro captado é carimbado e só pode ser usado especificamente para financiar projetos com benefícios ambientais. Nessas situações, em que as empresas não incorporaram de fato o tema ESG, mas sim por interesses escusos, ou cujos líderes não estão verdadeiramente alinhados a essa agenda – ou mesmo empresas com histórico de pouca transparência e integridade –, esses convites me soam perigosos e não me interessam. Não quero ser usada como parte de uma estratégia de marketing, de greenwashing ou de social washing.

Na vida, todos nós temos que fazer escolhas e responder às seguintes perguntas: onde queremos estar? Com quem queremos compactuar? Certamente, nenhuma pessoa ou empresa é perfeita, mas precisamos saber o que, para nós, é inegociável. Em meu caso, estabeleci três critérios básicos para tomar esse tipo de decisão. O primeiro é a cultura de ética e integridade. Diante de um convite, faço antes uma pesquisa buscando saber qual é o histórico e o compromisso daquela empresa com a integridade. O segundo representa meu olhar sobre com quem vou estar. No livro O grande panda e o pequeno dragão, de James Norbury, o Panda pergunta: “O que é mais importante, a jornada ou o destino?”. E, sabiamente, o Dragão responde: “a companhia”. É isso: quero estar bem acompanhada, com pares que querem e podem ser aliados para essa gestão de mudança.

Por último, olho muito o setor e a maturidade da empresa. Como sou uma pessoa que gosta de inovação, de estratégia, de change management e de cultura, não me vejo, por exemplo, em empresas públicas ou de setores muito tradicionais da velha economia de base. Óleo e gás, por exemplo, sem uma agenda forte de inovação, não é meu lugar de escolha. Procuro estar em lugares em que possa fazer a diferença, estar feliz, construir valor e, de fato, contribuir com a mudança. Esse foi meu aprendizado.

A construção de uma visão estratégica de futuro

Considero que o mais importante do ESG é o “G”, de governança. Esse é o pilar mais relevante da estratégia de visão ESG. Mas, para que ela aconteça de maneira efetiva, eficaz e transformadora, é preciso ter um conselho de alta performance, que faça a diferença para a companhia. Isso implica ter esse radar estratégico e com competências, experiências e skills que permitam preparar a organização para o futuro.

Estamos em um momento em que precisamos de novos valores, novas lideranças e novas bases para tomar decisões. Necessitamos construir uma governança que crie, de fato, valor de futuro para todos. Temos que ser multistakeholder, isto é, que não tenha apenas o olhar do acionista, mas uma visão sistêmica de toda a sociedade. Para mim, ESG não é critério. Muita gente o considera como um tipo de check the box, uma visão apenas de risco. Mas, vai muito além disso. É uma nova forma de fazer negócios, com base na qual se constrói uma visão estratégica de futuro. É, portanto, risco e oportunidade, mas também mudança de modelo de negócio. ESG representa cada vez mais um imperativo de negócios, em que os setores serão todos disruptados, gerando assim a reprecificação dos ativos.

No Brasil, muitas lideranças ainda estão pouco sensíveis e apenas acompanhando esse movimento. Em geral, acredito que há pouca visão sobre a revolução que está acontecendo na economia. E realmente entendo que é uma revolução, que vai disruptar todos os setores e todos os negócios. Se não acompanharmos tudo isso, correremos um enorme risco de perder, por exemplo, os melhores contratos, os melhores talentos, os melhores créditos. Há uma infinidade de caminhos de concessão de créditos verdes baseados em metas ESG, como os sustainability-linked loans (SLL), que são empréstimos atrelados a métricas socioambientais. Portanto, ESG não é só uma nova forma de se fazer negócio, mas um imperativo do nosso tempo.

Do inconformismo à ação

Temos sempre que nos colocar no papel de cidadãos e transformar nosso inconformismo em ação. Não dá para colocar todos os nossos problemas embaixo do tapete. Temos um dos piores índices de desigualdade social no mundo. A violência contra a mulher é recorde. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2021, a cada dez minutos acontece um estupro e, a cada sete horas, um feminicídio. Temos ainda um racismo estrutural absurdo e 17 milhões de casas insalubres. Mas, por trás das empresas, dos fundos de investimentos e dos conselhos estão pessoas que podem assumir a liderança de uma nova bioeconomia, pois já não é mais possível fechar os olhos para tudo isso.

Precisamos fazer uso de novas tecnologias e da Economia 4.0 para a produção de alimentos, medicamentos, cosméticos, entre outros, com base em um modelo regenerativo, inclusivo e capaz de transformar nossos diferenciais comparativos em diferenciais competitivos. Eu acredito nisso! Há uma clara emergência de uma nova consciência global. Segundo Yann Arthus-Bertrand, um ambientalista francês, “é tarde demais para sermos pessimistas”. Então, a partir dessa consciência e das possibilidades que ela traz, vamos ampliar o leque de soluções para, finalmente, transformar nossa empresa, nosso setor, nossa sociedade, nosso país e a nós mesmos.

Entendo que liderar é criar condições para que possamos ampliar a consciência humana sobre a realidade e contribuir para o desenvolvimento do mundo ao nosso redor. Diante disso, é preciso criar novas realidades para, assim, termos empresas melhores. Não as melhores do mundo, mas as melhores para o mundo. As empresas têm que resgatar cada vez mais seu papel social. Elas estão aqui para servir à sociedade, por meio do produto e das soluções que vendem. Quando contribuímos para que uma companhia tenha meios lucrativos de servir à sociedade, estamos de fato construindo uma empresa para o futuro. E é nisso que todos deveríamos focar.