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ESG é uma questão de responsabilidade

A coluna Histórias de Sucesso desta semana traz a trajetória de Claudia Sender Ramirez, membro dos conselheiros da Embraer e Gerdau

(Histórias de Sucesso/Divulgação)
DR

Da Redação

Publicado em 13 de janeiro de 2023 às 17h23.

A perseverança e a vontade de ampliar horizontes são traços fortes da minha família. Durante a Segunda Guerra Mundial, meu avô materno deixou a Polônia, fugindo da perseguição nazista, e imigrou para o Uruguai. Nesse país, iniciou sua trajetória, caminhando e angariando recursos com as vendas de “porta em porta”. Assim, chegou ao Brasil, onde fincou raízes.

Nasci em São Paulo, somos uma família de quatro filhos. Sou casada, tenho dois enteados, muitos sobrinhos e um respeitável legado. Assim como meu avô, trago comigo a vontade de expandir fronteiras e a garra para desbravá-las. Sou a primeira mulher na América do Sul a ocupar uma posição “de peso” no nicho de companhias aéreas, fui CEO da TAM Airlines entre 2013 e 2017, e Presidente da Latam Airlines Brasil entre 2017 e 2018. Na TAM, ocupei também o cargo de Vice-Presidente Sênior da Unidade Doméstica de Negócios no Brasil.

Formei em Engenharia Química pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, fiz mestrado em Administração pela Harvard Business School, e iniciei minha carreira trabalhando em consultoria estratégica, na Bain & Company, empresa na qual permaneci entre 1998 e 2005. Depois, iniciei uma trajetória bem-sucedida, e cheguei a Vice-Presidente de Marketing na Whirlpool (detentora das marcas Brastemp e Consul). Em 2011, fui convidada para me juntar à equipe de um ex-cliente, com quem eu havia trabalhado na época da consultoria. Resultado: passei a fazer parte do projeto que estava unindo a TAM com a LAN para formar a Latam, maior companhia aérea da América Latina, pouco antes dessa junção acontecer. E lá fiquei por quase oito anos.

A minha primeira participação em conselhos ocorreu em 2018, ainda como CEO da Latam. Na ocasião, a empresa tinha uma controlada listada em bolsa, chamada Multiplus, e eu era uma das representantes do controlador no conselho. Pouco depois, em 2019, comecei a compartilhar meu know-how nos conselhos de algumas gigantes. A minha escolha por atuar em conselhos foi por acreditar que, nesta posição, é possível influenciar de maneira efetiva a estratégia das companhias e ter uma atuação mais abrangente em mais de um segmento. Eu acredito muito na importância do conselho como órgão de governança. E eu tinha muita vontade de atuar com mais força nas pautas ambiental e social. Então, escolhi trabalhar em indústrias que têm desafios tecnológicos importantes para reduzir sua pegada de carbono e que ainda possuem quadros de liderança muito pouco diversos. Assim, hoje, sou board member da Embraer, Gerdau, Holcim e Telefonica.

A mulher no conselho traz uma visão complementar à do homem

O conselheiro tem, entre seus diversos papéis, os de observar e direcionar a gestão, aprovando os caminhos e as prioridades estratégicas que a empresa seguirá. Acredito que, nos tempos atuais, já está consolidada a visão de que essas prioridades devem estar em sintonia não apenas com as necessidades imediatas dos acionistas, mas também com outros stakeholders. Por exemplo, se a estratégia escolhida não for boa para seus colaboradores, existe uma grande chance de a empresa perder talentos, o que pode comprometer seu nível de competitividade e, consequentemente, reduzir seu valor. Outra questão a ser priorizada é a ambiental, um dos temas de maior relevância atualmente. Se a companhia não conseguir se adequar às novas demandas, atuais e de futuro, pode “perder a licença para operar”, seja pela atuação dos agentes regulatórios, seja pela pressão da própria sociedade. Isso sem falar nos clientes que têm cada vez mais voz e poder de escolha. Muitos não vão mais querer comprar de organizações que continuem usando tecnologias poluentes ou que contribuam de alguma forma para a degradação do meio ambiente.

O conselho tem também uma série de responsabilidades fiduciárias, dentre elas, garantir que os números sejam reportados corretamente, que a companhia não esteja realizando alguma atividade ilícita e que a governança seja respeitada. O conselho deve também ajudar a equipe de gestão a entregar os resultados nos curto e médio prazos, mas mantendo sempre uma visão que “vá além”, zelando pela sustentabilidade de longo prazo da empresa.

Não se trata de uma missão fácil. Um dos maiores desafios do conselheiro, principalmente daqueles que, como eu, atuam em diferentes segmentos, é de se manter atualizado e relevante. É preciso ler e estudar muito, participar de cursos e seminários, não só sobre as indústrias nas quais se atua, mas também sobre o contexto econômico e político em que as empresas estão inseridas. Essa disciplina permite uma contribuição efetiva para as decisões da companhia. Fazer as perguntas certas, com um olhar amplo, contribui para que a equipe de gestão tenha o direcionamento adequado e, com isso, leva as empresas a obterem sucesso e se tornarem cada vez mais competitivas.

Escutar mais, falar menos

A grande maioria das empresas, independentemente do setor, atende a clientes muito diversos. Ao mesmo tempo, elas próprias têm, em sua base de colaboradores, pessoas igualmente diversas. Por isso, se a liderança não representar essa diversidade, vários temas importantes passarão despercebidos. Durante a pandemia, por exemplo, vimos muitas companhias perderem força de trabalho feminina. Isso porque, em várias equipes de gestão, não havia pessoas que pensassem em situações como: “Essas mulheres profissionais, que estão em casa, provavelmente são as responsáveis por alimentar e cuidar dos filhos. Então, que tal marcar a reunião do meio-dia às 14h? Vamos garantir que todos trabalhem de forma igualitária, e dar às pessoas condições de trabalho que façam sentido em suas vidas”. Se não tem alguém com essa visão na liderança, mas tão somente homens brancos com mais de 50 anos (cenário muito comum em várias salas de conselho), essas questões passarão despercebidas. Não porque esses homens sejam machistas e preconceituosos, mas sim, porque isso não faz parte de seu repertório. Eles não têm essa preocupação em suas próprias vidas.

O mesmo acontece quando falamos de diversidade de raça ou de identidade de gênero. Eu tento me educar, ler, conversar com pessoas que fazem parte desses grupos, mas nunca saberei de fato as dores que essas pessoas sentem e as barreiras que precisam transpor constantemente. Enquanto não conseguirmos trazer vozes e pontos de vistas diversos, os conselhos continuarão tendo uma visão parcial dos clientes e dos colaboradores. Essa é a principal razão pela qual a diversidade importa. Ao trazer outros pontos de vista, ela permite a uma empresa atrair novos talentos e novos clientes que, caso contrário, estariam alienados.

Sobre a presença feminina em conselhos, acredito que a mulher traz uma visão complementar à do homem, seja pelo entendimento que ela consegue ter sobre clientes e colaboradores, seja pelo modo diferente de trabalhar. É difícil generalizar, mas, na maioria das vezes, as mulheres tendem a escutar mais que falar, valorizar a opinião do próximo e dar o reconhecimento merecido às pessoas.

Além disso, a mulher tem algo único! Quando se torna mãe, ela precisa fazer “mil coisas” ao mesmo tempo, o que a torna multifuncional, e capaz de liderar e atuar em vários projetos simultaneamente. Isso acontece porque somos obrigadas a priorizar o que realmente importa em cada momento, tomar decisões rápidas e saber separar a “manha” da verdadeira crise. Em uma sala de conselho, essas habilidades tornam a discussão mais rica.

Os dois lados da moeda

Já passei por várias situações inusitadas. E algumas constrangedoras. Certa vez, em uma reunião, a pauta estava muito atrasada. Sugeri, então, que acelerássemos, para “darmos conta” de todos os temas. Nesse momento, um conselheiro me perguntou se eu estava preocupada porque tinha horário no cabeleireiro. É uma piada depreciativa que carrega uma visão preconceituosa, segundo a qual, a prioridade na vida de uma mulher, mais que estar em uma reunião, é estar no cabeleireiro.

Esse tipo de comentário está se tornando cada vez mais raro, e tenho esperança de que o cenário mude cada vez mais com o tempo. Por sorte, há também episódios positivos. Em uma das entrevistas que participei para um conselho, o Presidente me perguntou por que eu estava interessada em trabalhar naquela organização. Respondi que eu era uma ambientalista e tinha convicção de que poderia contribuir para a redução da pegada de carbono da empresa. E finalizei dizendo: “Eu quero ser ativa e ajudar essa companhia. Se você não quer uma pessoa como eu, que vai participar, contribuir e demandar da companhia essa transformação, eu não sou a conselheira que vocês estão buscando”. Assim que terminei minha fala, ele ressaltou que procurava pessoas exatamente com esse perfil. Torço para termos cada vez mais histórias como essa para contar.

A vida do conselheiro não se resume à sala do conselho

O conselheiro não está à frente da operação da companhia. Esse é o primeiro pré-requisito: entender que não se é mais um gestor, e sim um conselheiro. Muitos conselheiros oriundos de posições executivas confundem os papéis, achando que sua atribuição é, efetivamente, tocar a companhia, o que atrapalha a equipe de gestão, pois essa fronteira fica de fato confusa.

Para ser um bom conselheiro, é preciso estudar fora das reuniões. A vida do conselheiro não se resume à sala do conselho. É necessário aprender sobre a indústria, conversar com pessoas que estão imersas nesse universo, entender o modelo de negócios o mais profundamente possível, envolver-se com a equipe cotidianamente. Em outras palavras, deve-se conhecer o funcionamento da companhia em outras instâncias, que não só por meio das apresentações feitas nas reuniões, para assim conseguir absorver mais sobre a cultura e sobre a forma de operar das companhias.

Por fim, é importante entender de governança. Nesse ponto, há um componente de educação mais formal. Cada país tem governança e regras diferentes. Os conselheiros precisam saber quais são seus deveres e responsabilidades antes de embarcarem nessa jornada, pois, no fim das contas, é seu nome, sua reputação e seu CPF que estão em jogo. Portanto, antes de mais nada, estude muito! Tenha a “cabeça aberta” para aprender e “mergulhe de cabeça” no conselho, decorando o estatuto da companhia, entendendo suas responsabilidades e sabendo seu lugar na empresa.

Outro ponto importante: entenda se seus valores estão alinhados com os da organização. Um conselheiro participa de muitas decisões estratégicas importantes. E se a empresa tiver valores muito diferentes dos seus, ocorrerão situações muito complicadas para ambos os lados.

Invista em networking e em habilidades diferenciadas

No Brasil, a grande maioria das posições de conselho ainda é preenchida por indicação, não por headhunters. Por isso, quem quer atuar em conselhos deve ativar sua rede de contatos e deixar muito claro que está em busca dessa oportunidade. Esse é o principal “canal de entrada” para as salas de conselho do Brasil. Além disso, é essencial ter um histórico de resultados e uma proposta de valor como conselheiro. O que você agregaria em uma sala de conselho? As empresas, para terem conselhos diversos, buscam pessoas que pensem diferente e que tragam habilidades novas. Portanto, é importante saber aquilo que te distingue e que te permite agregar valor.

O espírito destes novos tempos

ESG é uma questão de responsabilidade. Qual é a razão de existir de uma empresa? O que ela faz de bom para o mundo? Qual será seu legado? Uma empresa que não se preocupa com as questões ambientais, sociais e de governança, que não entendeu o “espírito do tempo” que estamos vivendo, corre o risco de ser preterida pelos clientes e perder espaço. Em relação aos colaboradores, ela pode perder talentos ou pessoas que queiram trabalhar vinculadas a um propósito. Em relação à governança, estritamente, se ela não seguir os parâmetros legais estabelecidos em cada um dos países em que atua, poderá ser multada e, eventualmente, fechada.

Infelizmente, o Brasil ainda é seguidor em vários temas relacionados a ESG, não líder. Não existe um arcabouço legal robusto que force as empresas a seguirem as melhores práticas internacionais. Nas empresas com investidores europeus ou da América do Norte, esse assunto já está sendo mais discutido. Esse é um nível de consciência que cada vez mais tem que vir dos investidores das companhias. A boa notícia é que várias empresas no Brasil já se preocupam com isso, algumas inclusive adotam as melhores práticas mundiais, como a Natura. E há pequenas empresas que já nascem com compromissos sociais, querendo aderir ou já aderindo a esse tipo de prática.

Como consumidores, está em “nossas mãos” o poder de decidir se determinada empresa vai continuar viva ou não, porque nós que escolhemos onde e de quem comprar. O mesmo questionamento deve partir dos colaboradores. A empresa em que você atua tem alguma prática ambiental ou social? Você quer se vincular a essas práticas? Todos nós, de uma forma ou de outra, podemos influenciar esse debate. E é um dever fazê-lo, pois assim forçamos a mudança para as práticas mais ajustadas do que pedem esses novos tempos e, consequentemente, para um mundo melhor.

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Nasci em São Paulo, somos uma família de quatro filhos. Sou casada, tenho dois enteados, muitos sobrinhos e um respeitável legado. Assim como meu avô, trago comigo a vontade de expandir fronteiras e a garra para desbravá-las. Sou a primeira mulher na América do Sul a ocupar uma posição “de peso” no nicho de companhias aéreas, fui CEO da TAM Airlines entre 2013 e 2017, e Presidente da Latam Airlines Brasil entre 2017 e 2018. Na TAM, ocupei também o cargo de Vice-Presidente Sênior da Unidade Doméstica de Negócios no Brasil.

Formei em Engenharia Química pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, fiz mestrado em Administração pela Harvard Business School, e iniciei minha carreira trabalhando em consultoria estratégica, na Bain & Company, empresa na qual permaneci entre 1998 e 2005. Depois, iniciei uma trajetória bem-sucedida, e cheguei a Vice-Presidente de Marketing na Whirlpool (detentora das marcas Brastemp e Consul). Em 2011, fui convidada para me juntar à equipe de um ex-cliente, com quem eu havia trabalhado na época da consultoria. Resultado: passei a fazer parte do projeto que estava unindo a TAM com a LAN para formar a Latam, maior companhia aérea da América Latina, pouco antes dessa junção acontecer. E lá fiquei por quase oito anos.

A minha primeira participação em conselhos ocorreu em 2018, ainda como CEO da Latam. Na ocasião, a empresa tinha uma controlada listada em bolsa, chamada Multiplus, e eu era uma das representantes do controlador no conselho. Pouco depois, em 2019, comecei a compartilhar meu know-how nos conselhos de algumas gigantes. A minha escolha por atuar em conselhos foi por acreditar que, nesta posição, é possível influenciar de maneira efetiva a estratégia das companhias e ter uma atuação mais abrangente em mais de um segmento. Eu acredito muito na importância do conselho como órgão de governança. E eu tinha muita vontade de atuar com mais força nas pautas ambiental e social. Então, escolhi trabalhar em indústrias que têm desafios tecnológicos importantes para reduzir sua pegada de carbono e que ainda possuem quadros de liderança muito pouco diversos. Assim, hoje, sou board member da Embraer, Gerdau, Holcim e Telefonica.

A mulher no conselho traz uma visão complementar à do homem

O conselheiro tem, entre seus diversos papéis, os de observar e direcionar a gestão, aprovando os caminhos e as prioridades estratégicas que a empresa seguirá. Acredito que, nos tempos atuais, já está consolidada a visão de que essas prioridades devem estar em sintonia não apenas com as necessidades imediatas dos acionistas, mas também com outros stakeholders. Por exemplo, se a estratégia escolhida não for boa para seus colaboradores, existe uma grande chance de a empresa perder talentos, o que pode comprometer seu nível de competitividade e, consequentemente, reduzir seu valor. Outra questão a ser priorizada é a ambiental, um dos temas de maior relevância atualmente. Se a companhia não conseguir se adequar às novas demandas, atuais e de futuro, pode “perder a licença para operar”, seja pela atuação dos agentes regulatórios, seja pela pressão da própria sociedade. Isso sem falar nos clientes que têm cada vez mais voz e poder de escolha. Muitos não vão mais querer comprar de organizações que continuem usando tecnologias poluentes ou que contribuam de alguma forma para a degradação do meio ambiente.

O conselho tem também uma série de responsabilidades fiduciárias, dentre elas, garantir que os números sejam reportados corretamente, que a companhia não esteja realizando alguma atividade ilícita e que a governança seja respeitada. O conselho deve também ajudar a equipe de gestão a entregar os resultados nos curto e médio prazos, mas mantendo sempre uma visão que “vá além”, zelando pela sustentabilidade de longo prazo da empresa.

Não se trata de uma missão fácil. Um dos maiores desafios do conselheiro, principalmente daqueles que, como eu, atuam em diferentes segmentos, é de se manter atualizado e relevante. É preciso ler e estudar muito, participar de cursos e seminários, não só sobre as indústrias nas quais se atua, mas também sobre o contexto econômico e político em que as empresas estão inseridas. Essa disciplina permite uma contribuição efetiva para as decisões da companhia. Fazer as perguntas certas, com um olhar amplo, contribui para que a equipe de gestão tenha o direcionamento adequado e, com isso, leva as empresas a obterem sucesso e se tornarem cada vez mais competitivas.

Escutar mais, falar menos

A grande maioria das empresas, independentemente do setor, atende a clientes muito diversos. Ao mesmo tempo, elas próprias têm, em sua base de colaboradores, pessoas igualmente diversas. Por isso, se a liderança não representar essa diversidade, vários temas importantes passarão despercebidos. Durante a pandemia, por exemplo, vimos muitas companhias perderem força de trabalho feminina. Isso porque, em várias equipes de gestão, não havia pessoas que pensassem em situações como: “Essas mulheres profissionais, que estão em casa, provavelmente são as responsáveis por alimentar e cuidar dos filhos. Então, que tal marcar a reunião do meio-dia às 14h? Vamos garantir que todos trabalhem de forma igualitária, e dar às pessoas condições de trabalho que façam sentido em suas vidas”. Se não tem alguém com essa visão na liderança, mas tão somente homens brancos com mais de 50 anos (cenário muito comum em várias salas de conselho), essas questões passarão despercebidas. Não porque esses homens sejam machistas e preconceituosos, mas sim, porque isso não faz parte de seu repertório. Eles não têm essa preocupação em suas próprias vidas.

O mesmo acontece quando falamos de diversidade de raça ou de identidade de gênero. Eu tento me educar, ler, conversar com pessoas que fazem parte desses grupos, mas nunca saberei de fato as dores que essas pessoas sentem e as barreiras que precisam transpor constantemente. Enquanto não conseguirmos trazer vozes e pontos de vistas diversos, os conselhos continuarão tendo uma visão parcial dos clientes e dos colaboradores. Essa é a principal razão pela qual a diversidade importa. Ao trazer outros pontos de vista, ela permite a uma empresa atrair novos talentos e novos clientes que, caso contrário, estariam alienados.

Sobre a presença feminina em conselhos, acredito que a mulher traz uma visão complementar à do homem, seja pelo entendimento que ela consegue ter sobre clientes e colaboradores, seja pelo modo diferente de trabalhar. É difícil generalizar, mas, na maioria das vezes, as mulheres tendem a escutar mais que falar, valorizar a opinião do próximo e dar o reconhecimento merecido às pessoas.

Além disso, a mulher tem algo único! Quando se torna mãe, ela precisa fazer “mil coisas” ao mesmo tempo, o que a torna multifuncional, e capaz de liderar e atuar em vários projetos simultaneamente. Isso acontece porque somos obrigadas a priorizar o que realmente importa em cada momento, tomar decisões rápidas e saber separar a “manha” da verdadeira crise. Em uma sala de conselho, essas habilidades tornam a discussão mais rica.

Os dois lados da moeda

Já passei por várias situações inusitadas. E algumas constrangedoras. Certa vez, em uma reunião, a pauta estava muito atrasada. Sugeri, então, que acelerássemos, para “darmos conta” de todos os temas. Nesse momento, um conselheiro me perguntou se eu estava preocupada porque tinha horário no cabeleireiro. É uma piada depreciativa que carrega uma visão preconceituosa, segundo a qual, a prioridade na vida de uma mulher, mais que estar em uma reunião, é estar no cabeleireiro.

Esse tipo de comentário está se tornando cada vez mais raro, e tenho esperança de que o cenário mude cada vez mais com o tempo. Por sorte, há também episódios positivos. Em uma das entrevistas que participei para um conselho, o Presidente me perguntou por que eu estava interessada em trabalhar naquela organização. Respondi que eu era uma ambientalista e tinha convicção de que poderia contribuir para a redução da pegada de carbono da empresa. E finalizei dizendo: “Eu quero ser ativa e ajudar essa companhia. Se você não quer uma pessoa como eu, que vai participar, contribuir e demandar da companhia essa transformação, eu não sou a conselheira que vocês estão buscando”. Assim que terminei minha fala, ele ressaltou que procurava pessoas exatamente com esse perfil. Torço para termos cada vez mais histórias como essa para contar.

A vida do conselheiro não se resume à sala do conselho

O conselheiro não está à frente da operação da companhia. Esse é o primeiro pré-requisito: entender que não se é mais um gestor, e sim um conselheiro. Muitos conselheiros oriundos de posições executivas confundem os papéis, achando que sua atribuição é, efetivamente, tocar a companhia, o que atrapalha a equipe de gestão, pois essa fronteira fica de fato confusa.

Para ser um bom conselheiro, é preciso estudar fora das reuniões. A vida do conselheiro não se resume à sala do conselho. É necessário aprender sobre a indústria, conversar com pessoas que estão imersas nesse universo, entender o modelo de negócios o mais profundamente possível, envolver-se com a equipe cotidianamente. Em outras palavras, deve-se conhecer o funcionamento da companhia em outras instâncias, que não só por meio das apresentações feitas nas reuniões, para assim conseguir absorver mais sobre a cultura e sobre a forma de operar das companhias.

Por fim, é importante entender de governança. Nesse ponto, há um componente de educação mais formal. Cada país tem governança e regras diferentes. Os conselheiros precisam saber quais são seus deveres e responsabilidades antes de embarcarem nessa jornada, pois, no fim das contas, é seu nome, sua reputação e seu CPF que estão em jogo. Portanto, antes de mais nada, estude muito! Tenha a “cabeça aberta” para aprender e “mergulhe de cabeça” no conselho, decorando o estatuto da companhia, entendendo suas responsabilidades e sabendo seu lugar na empresa.

Outro ponto importante: entenda se seus valores estão alinhados com os da organização. Um conselheiro participa de muitas decisões estratégicas importantes. E se a empresa tiver valores muito diferentes dos seus, ocorrerão situações muito complicadas para ambos os lados.

Invista em networking e em habilidades diferenciadas

No Brasil, a grande maioria das posições de conselho ainda é preenchida por indicação, não por headhunters. Por isso, quem quer atuar em conselhos deve ativar sua rede de contatos e deixar muito claro que está em busca dessa oportunidade. Esse é o principal “canal de entrada” para as salas de conselho do Brasil. Além disso, é essencial ter um histórico de resultados e uma proposta de valor como conselheiro. O que você agregaria em uma sala de conselho? As empresas, para terem conselhos diversos, buscam pessoas que pensem diferente e que tragam habilidades novas. Portanto, é importante saber aquilo que te distingue e que te permite agregar valor.

O espírito destes novos tempos

ESG é uma questão de responsabilidade. Qual é a razão de existir de uma empresa? O que ela faz de bom para o mundo? Qual será seu legado? Uma empresa que não se preocupa com as questões ambientais, sociais e de governança, que não entendeu o “espírito do tempo” que estamos vivendo, corre o risco de ser preterida pelos clientes e perder espaço. Em relação aos colaboradores, ela pode perder talentos ou pessoas que queiram trabalhar vinculadas a um propósito. Em relação à governança, estritamente, se ela não seguir os parâmetros legais estabelecidos em cada um dos países em que atua, poderá ser multada e, eventualmente, fechada.

Infelizmente, o Brasil ainda é seguidor em vários temas relacionados a ESG, não líder. Não existe um arcabouço legal robusto que force as empresas a seguirem as melhores práticas internacionais. Nas empresas com investidores europeus ou da América do Norte, esse assunto já está sendo mais discutido. Esse é um nível de consciência que cada vez mais tem que vir dos investidores das companhias. A boa notícia é que várias empresas no Brasil já se preocupam com isso, algumas inclusive adotam as melhores práticas mundiais, como a Natura. E há pequenas empresas que já nascem com compromissos sociais, querendo aderir ou já aderindo a esse tipo de prática.

Como consumidores, está em “nossas mãos” o poder de decidir se determinada empresa vai continuar viva ou não, porque nós que escolhemos onde e de quem comprar. O mesmo questionamento deve partir dos colaboradores. A empresa em que você atua tem alguma prática ambiental ou social? Você quer se vincular a essas práticas? Todos nós, de uma forma ou de outra, podemos influenciar esse debate. E é um dever fazê-lo, pois assim forçamos a mudança para as práticas mais ajustadas do que pedem esses novos tempos e, consequentemente, para um mundo melhor.

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