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Empatia e resiliência são tão importantes quanto formação técnica

Sempre brinco que dei muita sorte, por estar no lugar certo, na hora certa e com as pessoas certas

Meu segundo mentor foi Laurent Blondeau, um ex-CEO da Saint-Gobain Canalização que hoje já se encontra aposentado (Gustavo Siqueira/Divulgação)
DR

Da Redação

Publicado em 8 de abril de 2022 às 20h28.

Por: Fabiana Monteiro

Gustavo Siqueira: Diretor-Geral da Saint-Gobain Canalização para a América Latina e Presidente do Conselho de Administração do Instituto Trata Brasil

Sou nascido na Ilha do Governador, Zona Norte do Rio de Janeiro, onde fui criado por meus pais, na companhia de duas irmãs. Tenho dois filhos: Bernardo, de 12 anos, e Sophia, de 9.

Como praticamente todo jovem, sentia-me um pouco perdido em relação ao futuro profissional. Com 16 ou 17 anos, fiz a escolha pelo Direito, mais por um certo modismo do que por influência doméstica. Isso porque minha mãe, Eliana, e meu pai, Mauro Siqueira, não tiveram a oportunidade de estudar em uma universidade.

Entre 1995 e 1998, cursei Direito na Universidade Gama Filho. Logo no segundo ano do curso, consegui um estágio na Metalnave S.A, empresa de navegação que operava rebocadores e tinha um estaleiro em Santa Catarina. Fiquei três anos como estagiário. Depois, fui efetivado como advogado, atuando nessa empresa por mais um ano e meio.

Concluída a graduação, emendei um MBA na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), que fiz entre 1999 e 2000. Nessa mesma época, mais precisamente em agosto do ano 2000, deixei a Metalnave e comecei minha relação com a Saint-Gobain. Foi também quando me submeti a um concurso para professor do Departamento de Direito Público da Universidade Federal Fluminense (UFF), então coordenado por Aurélio Pitanga Seixas. Realizei o sonho de ministrar aulas em uma universidade tão tradicional.

O advogado que foi para o RH e se tornou Diretor-Geral

Minha contratação pela multinacional francesa coincidiu com o período em que a Companhia Metalúrgica Barbará, com mais de sessenta anos de história e pertencente ao grupo, passou a se denominar Saint-Gobain Canalização. Mudou tudo, do nome à marca. Esse foi o primeiro momento marcante em minha nova e atual casa. Passados dois anos e meio desde minha chegada, uma empresa na cidade de Itaúna, em Minas Gerais, foi comprada e eu fui convidado para cuidar da parte Administrativa e Financeira dessa nova aquisição. Depois, o desafio aumentaria ainda mais, pois tive que assumir também a área de Recursos Humanos, que viria a se tornar minha grande paixão naquele momento. Mas, permita-me contextualizar melhor.

Sempre brinco que dei muita sorte, por estar no lugar certo, na hora certa e com as pessoas certas. Essa primeira transição de carreira coincidiu com o momento em que encontrei meu primeiro mentor, Carlos Alberto Rosito. Ele era, originalmente, engenheiro civil e atuou por décadas como Diretor da empresa e depois como Conselheiro da Saint-Gobain. Foi ele quem me olhou e falou que eu era mais do que um advogado, pois minha cabeça ia além da área jurídica. Ainda assim, quando me sugeriram deixar minha zona de conforto, fiquei completamente apavorado. Era professor universitário, como já disse, e estava fazendo, naquele momento, um mestrado em Direito e Economia, com o objetivo principal de conciliar a carreira de professor com a de advogado. Não me passava pela cabeça uma “guinada” que me tirasse desse caminho.

Os caminhos do direito eram, aparentemente, o que estava destinado a mim, e não ser gestor, ainda mais em uma fábrica no interior de Minas Gerais. Mesmo assim, decidi aceitar aquele desafio. Abandonei a carreira de docente, interrompi o mestrado e, em janeiro de 2003, entrei na Fundição Aldebarã, comprada pela Saint-Gobain em 1998 e que passaria a funcionar em uma fábrica nova. Recém-construída, essa fábrica era, naquele momento, a fundição mais moderna do grupo em todo o mundo. Esse foi o primeiro turning point de minha carreira e um legítimo case de sucesso.

Nessa ocasião, muitos dos que encontrei eram parentes da antiga família controladora, além das centenas de antigos funcionários que foram aproveitados. E, desde o primeiro dia de funcionamento, eu estava lá, como único braço da Saint-Gobain, a empresa “compradora”. Não estava lá à toa. Como tudo estava envolto de questões legais muito complexas, entenderam que seria melhor enviar alguém cuja formação e expertise fosse o Direito, pois, diante de problemas, conseguiria fazer a gestão.

No início, não foi fácil, pois, diante do meu “juridiquês” e da linguagem rebuscada, minha equipe e meus pares não entendiam minha mensagem. Usava uma linguagem técnica, acadêmica demais e errada, por certo. Além disso, era o forasteiro, o enviado dos “novos sócios” que chegaram para assumir uma saudosa empresa familiar e tradicionalíssima na cidade. E eu ali, sozinho, com não mais que 25 anos, morando em uma cidade de 80 mil habitantes, onde quase todos se conheciam. No entanto, tinha de arriscar e decidi assumir a missão.

Aos poucos fui quebrando o gelo e as barreiras. Todos perceberam que a aquisição era só uma alteração na gestão e que poderia trazer vários efeitos positivos. Crescemos e passamos a oferecer mais empregos. Dos 230 funcionários que tínhamos, chegamos a 500. Naquele contexto, apliquei na prática um mantra que ainda trago comigo: bom senso, boa gestão e inteligência emocional. Tenho para mim que não preciso entender de tudo, mas preciso de equilíbrio para julgar e escolher pessoas capacitadas para estarem comigo, para apontarem ou fazerem o que precisa ser feito. Essa experiência mudou realmente o rumo de minha vida e contribuiu para me levar a outro patamar.

Um trator não precisa de buzina

Meu segundo mentor foi Laurent Blondeau, um ex-CEO da Saint-Gobain Canalização que hoje já se encontra aposentado. Depois de encerrado meu desafio em Itaúna, retornei para Barra Mansa, em 2005, na condição de Diretor de Recursos Humanos e de Health, Safety and Environment (HSE). Nessa posição, ficaria pelos quatro anos seguintes. Fiz um trabalho de que muito me orgulho, pois consegui conciliar o interesse da organização com um incremento no nível de satisfação das equipes, o que foi atestado nas pesquisas de clima realizadas. No entanto, Blondeau observou a forma positiva como gerenciava minha relação com as demais pessoas, o conhecimento que tinha da organização e de RH e me disse: “Você não é de RH. Você é de gestão. Suas qualidades lhe capacitam para a área Comercial”. Era para essa área que ele queria me levar.

Resolvi me arriscar de novo, agora como Diretor Comercial e de Marketing, o que representou outro turning point em minha carreira. Foi algo diferente e desgastante. A partir dali, passei a atuar no mundo comercial lidando diretamente com os rumos da organização, pois, se não tivéssemos êxito em nosso desenvolvimento comercial, os efeitos seriam sentidos imediatamente na organização. Mas, enfim, passei também por aquele desafio. Conseguimos nos posicionar muito bem em relação ao mercado e viríamos a colher os frutos mais tarde.

Mais quatro anos se passaram comigo liderando a área comercial da Saint-Gobain Canalização, onde já estava havia 13 anos. Então, foi dado a mim outro desafio que representou meu terceiro ponto de inflexão. Dessa vez, abandonaria completamente minha zona de conforto, canalização, em que era um especialista em saneamento, para ir trabalhar com vidros.

Tudo seguia um dos princípios da Saint-Gobain: fazer com que seus executivos conhecessem outros negócios. Fui, então, chamado para ser Gerente-Geral de dois negócios da companhia, inicialmente a divisão de vidros para eletrodomésticos (Euroveder) e, depois, a divisão de vidro impresso (Glass), que acumulei. Assim, tive de me mudar para São Caetano do Sul (SP) e posteriormente para São Vicente. Nesse momento, o processo era outro e passei a lidar com outros tipos de empresas. Aprendi muito, especialmente sobre humildade e a importância da gestão dos pequenos detalhes e seus impactos no negócio. Um pequeno erro era suficiente para que o negócio saísse do ponto de equilíbrio. Essa experiência moldou meus primeiros passos na liderança de um negócio e permitiu que alçasse voos maiores.

No estado de São Paulo, tive a felicidade de ter Renato Holzheim como meu diretor e meu mentor. Foi quem me chacoalhou e me ensinou a ser menos prolixo, mais objetivo e pragmático, sem jamais esquecer a importância das pessoas. Ele brincava comigo: “Gustavo, você é um trator para trabalhar, então tire a buzina. Você não precisa fazer barulho. Já é grande o bastante e, fazendo barulho, atrapalha”. Voltar depois para Saint-Gobain Canalização, em 2016, como Diretor-Geral, que foi meu passo seguinte, já não considero um turning point, pois era para isso que vinha sendo preparado ao longo dos 15 anos anteriores. Em determinado momento, passou a ser um caminho natural e tinha todas as condições e ferramentas, pois tinha trabalhado em vários setores, interagindo e vivendo experiência em diversos continentes. Talvez não esperasse que acontecesse nessa velocidade.

Visão mais moderna para uma empresa muito tradicional

Como líder, tenho de ser um amortecedor. Sou, muitas vezes, a última escala para que apresentem determinado problema. Algo que sempre permeou minha carreira foi menos a tecnicidade, mas o entendimento para indicar quem é o profissional certo para realizar determinada atribuição. Este não é, necessariamente, o mais qualificado, mas pode muito bem ser o mais sábio, o mais calmo ou mesmo o mais impulsivo, intenso. Em relação à minha gestão, foi assim que sempre me guiei, na identificação da pessoa certa para o lugar certo, sem olhar apenas as competências técnicas. A inteligência emocional sempre foi meu balizador principal. Não pergunto se fala quatro idiomas, se tem MBA ou mestrado. Quero saber se, para aquele momento e função, aquela é a pessoa adequada e está preparada emocionalmente para a jornada. Às vezes, a pessoa certa no momento errado pode ser algo maléfico para a empresa e para a própria pessoa.

Nos últimos cinco anos, nossa divisão dobrou de tamanho e alcançamos o faturamento emblemático de mais de R$ 1 bilhão na América Latina. Este é um de meus legados e algo do qual me orgulho, juntamente com minha equipe. Fizemos muitas parcerias com distribuidores, com agentes, passando a trabalhar com diferentes canais, novos produtos e abrindo novos mercados. A cada dia expandimos mais nossa presença em toda a América Latina, com negócios em países que estavam fora de nosso radar, como Panamá, Equador, Nicarágua, Costa Rica, Bolívia, além de fortalecer nossa posição nos países mais tradicionais, como México e Argentina. Hoje, temos uma operação unificada em toda a América Latina, mudamos e trouxemos uma visão mais moderna para uma empresa muito tradicional. E funcionou.

Quando voltei para a Saint-Gobain Canalização, em janeiro de 2016, a empresa vinha de baixo faturamento, mas mudamos nossa estratégia e buscamos a diversificação. Até então, sempre vendíamos para empresas públicas de água e saneamento, além de grandes empreiteiras e autarquias. Procuramos novos canais e clientes e conseguimos entrar em mercados novos, como o das indústrias de papéis e bebidas, mineradoras e nichos específicos, como as empresas de dessalinização no Chile e as pequenas centrais hidroelétricas. Dessa forma, ampliamos nossa visão do mercado e, com a diversificação, reduzimos o peso do mercado de saneamento em nosso faturamento. Passamos também a vender serviços e aumentar o portfólio de nossos produtos, inclusive com a importação de produtos. Continuamos sendo uma empresa industrial, mas com uma visão muito mais comercial.

Intuição é, muitas vezes, experiência acumulada

Ninguém está imune às armadilhas que podem atrapalhar a evolução de uma carreira. Algumas são muito claras para mim, como desprezar o conhecimento daquele que, aparentemente, tem menos a oferecer porque, supostamente, não tem uma formação adequada. Em minhas andanças, já me deparei com pessoas muito humildes, sem formação escolar, mas com grande conhecimento técnico e do próprio business. Então, chegar cuspindo sapiência e não respeitar o aprendizado, a sabedoria e a experiência alheias, significa seguir em direção a um alçapão.

A segunda armadilha está muito ligada à primeira, que é a questão da arrogância. O arrogante impõe seu modo de trabalhar, seu conhecimento. A terceira, embora pareça lugar-comum, é não saber trabalhar em equipe. Muitas vezes, desenvolvemos uma personalidade ou uma cultura individualista, mas precisamos usar mais o “nós” e menos o “eu”. Trabalhar em equipe exige entender as diferenças de cada um. Eu, por exemplo, sou um generalista, acredito que não tenho domínio sobre nenhum assunto. Portanto, se não me cercar de profissionais que sejam profundos conhecedores de determinados assuntos, vou fazer bobagem. O grande diferencial é o fomento a um ambiente de trabalho profícuo, em que todos queiram remar juntos – aliás, eis um esporte do qual virei praticante e apaixonado: o remo. Assim como na vida, quando estamos remando em um barco de conjunto, se um dos integrantes não estiver remando para a mesma direção, o barco vira.

Existe um livro do qual gosto muito, chamado Rápido e Devagar: duas formas de pensar, de Daniel Kahneman. Nele, este economista fala de intuição, que nada mais é do que o acervo de conhecimento adquirido ao longo da trajetória. Muitas vezes, aparentemente, decidimos par coeur (de cor, de coração), como diriam os franceses, mas, por trás, é a experiência que está falando mais alto, ou seja, aquilo que já foi vivenciado em outra oportunidade. Muitas vezes, queremos implementar mudanças e apresentamos estudos que suportam nossa visão. De repente, vem alguém mais vivido e diz: “Este não é o caminho”. Nesses casos, pare e escute o que ele tem a dizer. Não fazer isso com a devida atenção representa uma armadilha. E não são poucos os que já caíram nela, inclusive eu.

É preciso estar equilibrado para resolver problemas

A adaptabilidade deve ser a primeira qualidade do novo líder. A pandemia nos mostrou o quanto precisamos nos adaptar a situações incertas. A segunda é a inteligência emocional, que permite clareza para resolver situações complexas. Quando fui enviado para Itaúna, aconteceu uma situação trágica e muito difícil em nossa Usina. Liguei então para meu Diretor à época, Laurent Blondeau. Ele ouviu tudo o que tinha para dizer e, ao final, perguntou: “Você está bem?”. Não entendi, nada. “Acabei de contar sobre uma situação traumática e de complexa mitigação e ele quer saber como eu estou”, pensei. Então ele completou: “Preciso saber se você está bem para gerir esse problema. Depois que eu tiver certeza de que está bem, vamos falar sobre o que aconteceu e quais os próximos passos para decidirmos conjuntamente”.

Foi algo que me marcou, pois, ele sabia que eu precisaria estar equilibrado para administrar a situação, que envolveria falar com diversos entes públicos, privados, famílias e lidar com a pressão e prestar contas do ocorrido. Assim, cheguei até meu Diretor com um problema extremamente complexo, mas que, ao desligar o telefone, parecia bem menor. Por isso, digo que, como líder, sou um amortecedor. Chegam até mim situações complexas e eu tenho que amortecer com calma, ver quem vai cuidar da questão e como será feito. A partir daí, olhamos para frente. Acredito fielmente que o bom líder faz com que um integrante da equipe sempre saia de sua sala com um problema menor do que quando ele entrou.

Quanto ao meu time, espero deles a capacidade de ouvir e o real interesse em trabalhar conjuntamente. Construir em equipe não é um quadro na parede, mas uma questão de atitude. Especialmente dos recém-chegados à organização, espero que contenham a ansiedade, que respirem, escutem e entendam a organização e o ambiente em que trabalham. Mas, além disso, eles precisam ser curiosos, pois pessoas assim são mais propícias a novos aprendizados, apresentam potencial mais elevado de desenvolvimento e buscam novas e melhores respostas.

“Você viu como ele se acha?”

Temos um excelente programa de recrutamento na Saint-Gobain. Por meio dele, recebemos muitos jovens. Converso com muitos deles e digo que é preciso alinhar as expectativas do que se quer para a carreira e para a vida pessoal. Eu, por exemplo, estou na empresa há 22 anos, dos quais, fiquei aproximadamente a metade fora do Rio de Janeiro. Se tivesse imposto limites para sair daqui, será que hoje seria Diretor-Geral? Acredito que não. Mas, essa foi uma opção que fiz. Entendo que este alinhamento bem definido, a maneira como me relaciono com as demais pessoas e a qualidade da minha comunicação são alguns dos fatores que me trouxeram até aqui.

Formação é importante, sim, claro – idiomas, uma boa formação acadêmica, conhecimento diversificado. Mas, na Saint-Gobain, pedimos mais na hora da contratação dos jovens profissionais. Isso porque, no caso dos jovens profissionais, as qualificações dos pré-selecionados podem se equivaler, então, no momento de decisão, vamos além dos feitos e realizações. Assim, fazemos questionamentos sobre a caminhada, sua história e tentamos entender qual é o legado que ele quer deixar e como pretende fazê-lo. Isso faz a diferença.

Portanto, como mensagem final, digo para esses mais jovens: preocupem-se e exerçam a empatia e a resiliência com a mesma intensidade e dedicação com que buscam uma boa formação técnica.

 

Livros recomendados

Rápido e Devagar, de Daniel Kahneman.

Blue ocean shift: Beyond competing – Proven steps to inspire confidence and seize new growth, de W. Chan Kim e Renee Mauborgne. Editora Hachette Books.

Por: Fabiana Monteiro

Gustavo Siqueira: Diretor-Geral da Saint-Gobain Canalização para a América Latina e Presidente do Conselho de Administração do Instituto Trata Brasil

Sou nascido na Ilha do Governador, Zona Norte do Rio de Janeiro, onde fui criado por meus pais, na companhia de duas irmãs. Tenho dois filhos: Bernardo, de 12 anos, e Sophia, de 9.

Como praticamente todo jovem, sentia-me um pouco perdido em relação ao futuro profissional. Com 16 ou 17 anos, fiz a escolha pelo Direito, mais por um certo modismo do que por influência doméstica. Isso porque minha mãe, Eliana, e meu pai, Mauro Siqueira, não tiveram a oportunidade de estudar em uma universidade.

Entre 1995 e 1998, cursei Direito na Universidade Gama Filho. Logo no segundo ano do curso, consegui um estágio na Metalnave S.A, empresa de navegação que operava rebocadores e tinha um estaleiro em Santa Catarina. Fiquei três anos como estagiário. Depois, fui efetivado como advogado, atuando nessa empresa por mais um ano e meio.

Concluída a graduação, emendei um MBA na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), que fiz entre 1999 e 2000. Nessa mesma época, mais precisamente em agosto do ano 2000, deixei a Metalnave e comecei minha relação com a Saint-Gobain. Foi também quando me submeti a um concurso para professor do Departamento de Direito Público da Universidade Federal Fluminense (UFF), então coordenado por Aurélio Pitanga Seixas. Realizei o sonho de ministrar aulas em uma universidade tão tradicional.

O advogado que foi para o RH e se tornou Diretor-Geral

Minha contratação pela multinacional francesa coincidiu com o período em que a Companhia Metalúrgica Barbará, com mais de sessenta anos de história e pertencente ao grupo, passou a se denominar Saint-Gobain Canalização. Mudou tudo, do nome à marca. Esse foi o primeiro momento marcante em minha nova e atual casa. Passados dois anos e meio desde minha chegada, uma empresa na cidade de Itaúna, em Minas Gerais, foi comprada e eu fui convidado para cuidar da parte Administrativa e Financeira dessa nova aquisição. Depois, o desafio aumentaria ainda mais, pois tive que assumir também a área de Recursos Humanos, que viria a se tornar minha grande paixão naquele momento. Mas, permita-me contextualizar melhor.

Sempre brinco que dei muita sorte, por estar no lugar certo, na hora certa e com as pessoas certas. Essa primeira transição de carreira coincidiu com o momento em que encontrei meu primeiro mentor, Carlos Alberto Rosito. Ele era, originalmente, engenheiro civil e atuou por décadas como Diretor da empresa e depois como Conselheiro da Saint-Gobain. Foi ele quem me olhou e falou que eu era mais do que um advogado, pois minha cabeça ia além da área jurídica. Ainda assim, quando me sugeriram deixar minha zona de conforto, fiquei completamente apavorado. Era professor universitário, como já disse, e estava fazendo, naquele momento, um mestrado em Direito e Economia, com o objetivo principal de conciliar a carreira de professor com a de advogado. Não me passava pela cabeça uma “guinada” que me tirasse desse caminho.

Os caminhos do direito eram, aparentemente, o que estava destinado a mim, e não ser gestor, ainda mais em uma fábrica no interior de Minas Gerais. Mesmo assim, decidi aceitar aquele desafio. Abandonei a carreira de docente, interrompi o mestrado e, em janeiro de 2003, entrei na Fundição Aldebarã, comprada pela Saint-Gobain em 1998 e que passaria a funcionar em uma fábrica nova. Recém-construída, essa fábrica era, naquele momento, a fundição mais moderna do grupo em todo o mundo. Esse foi o primeiro turning point de minha carreira e um legítimo case de sucesso.

Nessa ocasião, muitos dos que encontrei eram parentes da antiga família controladora, além das centenas de antigos funcionários que foram aproveitados. E, desde o primeiro dia de funcionamento, eu estava lá, como único braço da Saint-Gobain, a empresa “compradora”. Não estava lá à toa. Como tudo estava envolto de questões legais muito complexas, entenderam que seria melhor enviar alguém cuja formação e expertise fosse o Direito, pois, diante de problemas, conseguiria fazer a gestão.

No início, não foi fácil, pois, diante do meu “juridiquês” e da linguagem rebuscada, minha equipe e meus pares não entendiam minha mensagem. Usava uma linguagem técnica, acadêmica demais e errada, por certo. Além disso, era o forasteiro, o enviado dos “novos sócios” que chegaram para assumir uma saudosa empresa familiar e tradicionalíssima na cidade. E eu ali, sozinho, com não mais que 25 anos, morando em uma cidade de 80 mil habitantes, onde quase todos se conheciam. No entanto, tinha de arriscar e decidi assumir a missão.

Aos poucos fui quebrando o gelo e as barreiras. Todos perceberam que a aquisição era só uma alteração na gestão e que poderia trazer vários efeitos positivos. Crescemos e passamos a oferecer mais empregos. Dos 230 funcionários que tínhamos, chegamos a 500. Naquele contexto, apliquei na prática um mantra que ainda trago comigo: bom senso, boa gestão e inteligência emocional. Tenho para mim que não preciso entender de tudo, mas preciso de equilíbrio para julgar e escolher pessoas capacitadas para estarem comigo, para apontarem ou fazerem o que precisa ser feito. Essa experiência mudou realmente o rumo de minha vida e contribuiu para me levar a outro patamar.

Um trator não precisa de buzina

Meu segundo mentor foi Laurent Blondeau, um ex-CEO da Saint-Gobain Canalização que hoje já se encontra aposentado. Depois de encerrado meu desafio em Itaúna, retornei para Barra Mansa, em 2005, na condição de Diretor de Recursos Humanos e de Health, Safety and Environment (HSE). Nessa posição, ficaria pelos quatro anos seguintes. Fiz um trabalho de que muito me orgulho, pois consegui conciliar o interesse da organização com um incremento no nível de satisfação das equipes, o que foi atestado nas pesquisas de clima realizadas. No entanto, Blondeau observou a forma positiva como gerenciava minha relação com as demais pessoas, o conhecimento que tinha da organização e de RH e me disse: “Você não é de RH. Você é de gestão. Suas qualidades lhe capacitam para a área Comercial”. Era para essa área que ele queria me levar.

Resolvi me arriscar de novo, agora como Diretor Comercial e de Marketing, o que representou outro turning point em minha carreira. Foi algo diferente e desgastante. A partir dali, passei a atuar no mundo comercial lidando diretamente com os rumos da organização, pois, se não tivéssemos êxito em nosso desenvolvimento comercial, os efeitos seriam sentidos imediatamente na organização. Mas, enfim, passei também por aquele desafio. Conseguimos nos posicionar muito bem em relação ao mercado e viríamos a colher os frutos mais tarde.

Mais quatro anos se passaram comigo liderando a área comercial da Saint-Gobain Canalização, onde já estava havia 13 anos. Então, foi dado a mim outro desafio que representou meu terceiro ponto de inflexão. Dessa vez, abandonaria completamente minha zona de conforto, canalização, em que era um especialista em saneamento, para ir trabalhar com vidros.

Tudo seguia um dos princípios da Saint-Gobain: fazer com que seus executivos conhecessem outros negócios. Fui, então, chamado para ser Gerente-Geral de dois negócios da companhia, inicialmente a divisão de vidros para eletrodomésticos (Euroveder) e, depois, a divisão de vidro impresso (Glass), que acumulei. Assim, tive de me mudar para São Caetano do Sul (SP) e posteriormente para São Vicente. Nesse momento, o processo era outro e passei a lidar com outros tipos de empresas. Aprendi muito, especialmente sobre humildade e a importância da gestão dos pequenos detalhes e seus impactos no negócio. Um pequeno erro era suficiente para que o negócio saísse do ponto de equilíbrio. Essa experiência moldou meus primeiros passos na liderança de um negócio e permitiu que alçasse voos maiores.

No estado de São Paulo, tive a felicidade de ter Renato Holzheim como meu diretor e meu mentor. Foi quem me chacoalhou e me ensinou a ser menos prolixo, mais objetivo e pragmático, sem jamais esquecer a importância das pessoas. Ele brincava comigo: “Gustavo, você é um trator para trabalhar, então tire a buzina. Você não precisa fazer barulho. Já é grande o bastante e, fazendo barulho, atrapalha”. Voltar depois para Saint-Gobain Canalização, em 2016, como Diretor-Geral, que foi meu passo seguinte, já não considero um turning point, pois era para isso que vinha sendo preparado ao longo dos 15 anos anteriores. Em determinado momento, passou a ser um caminho natural e tinha todas as condições e ferramentas, pois tinha trabalhado em vários setores, interagindo e vivendo experiência em diversos continentes. Talvez não esperasse que acontecesse nessa velocidade.

Visão mais moderna para uma empresa muito tradicional

Como líder, tenho de ser um amortecedor. Sou, muitas vezes, a última escala para que apresentem determinado problema. Algo que sempre permeou minha carreira foi menos a tecnicidade, mas o entendimento para indicar quem é o profissional certo para realizar determinada atribuição. Este não é, necessariamente, o mais qualificado, mas pode muito bem ser o mais sábio, o mais calmo ou mesmo o mais impulsivo, intenso. Em relação à minha gestão, foi assim que sempre me guiei, na identificação da pessoa certa para o lugar certo, sem olhar apenas as competências técnicas. A inteligência emocional sempre foi meu balizador principal. Não pergunto se fala quatro idiomas, se tem MBA ou mestrado. Quero saber se, para aquele momento e função, aquela é a pessoa adequada e está preparada emocionalmente para a jornada. Às vezes, a pessoa certa no momento errado pode ser algo maléfico para a empresa e para a própria pessoa.

Nos últimos cinco anos, nossa divisão dobrou de tamanho e alcançamos o faturamento emblemático de mais de R$ 1 bilhão na América Latina. Este é um de meus legados e algo do qual me orgulho, juntamente com minha equipe. Fizemos muitas parcerias com distribuidores, com agentes, passando a trabalhar com diferentes canais, novos produtos e abrindo novos mercados. A cada dia expandimos mais nossa presença em toda a América Latina, com negócios em países que estavam fora de nosso radar, como Panamá, Equador, Nicarágua, Costa Rica, Bolívia, além de fortalecer nossa posição nos países mais tradicionais, como México e Argentina. Hoje, temos uma operação unificada em toda a América Latina, mudamos e trouxemos uma visão mais moderna para uma empresa muito tradicional. E funcionou.

Quando voltei para a Saint-Gobain Canalização, em janeiro de 2016, a empresa vinha de baixo faturamento, mas mudamos nossa estratégia e buscamos a diversificação. Até então, sempre vendíamos para empresas públicas de água e saneamento, além de grandes empreiteiras e autarquias. Procuramos novos canais e clientes e conseguimos entrar em mercados novos, como o das indústrias de papéis e bebidas, mineradoras e nichos específicos, como as empresas de dessalinização no Chile e as pequenas centrais hidroelétricas. Dessa forma, ampliamos nossa visão do mercado e, com a diversificação, reduzimos o peso do mercado de saneamento em nosso faturamento. Passamos também a vender serviços e aumentar o portfólio de nossos produtos, inclusive com a importação de produtos. Continuamos sendo uma empresa industrial, mas com uma visão muito mais comercial.

Intuição é, muitas vezes, experiência acumulada

Ninguém está imune às armadilhas que podem atrapalhar a evolução de uma carreira. Algumas são muito claras para mim, como desprezar o conhecimento daquele que, aparentemente, tem menos a oferecer porque, supostamente, não tem uma formação adequada. Em minhas andanças, já me deparei com pessoas muito humildes, sem formação escolar, mas com grande conhecimento técnico e do próprio business. Então, chegar cuspindo sapiência e não respeitar o aprendizado, a sabedoria e a experiência alheias, significa seguir em direção a um alçapão.

A segunda armadilha está muito ligada à primeira, que é a questão da arrogância. O arrogante impõe seu modo de trabalhar, seu conhecimento. A terceira, embora pareça lugar-comum, é não saber trabalhar em equipe. Muitas vezes, desenvolvemos uma personalidade ou uma cultura individualista, mas precisamos usar mais o “nós” e menos o “eu”. Trabalhar em equipe exige entender as diferenças de cada um. Eu, por exemplo, sou um generalista, acredito que não tenho domínio sobre nenhum assunto. Portanto, se não me cercar de profissionais que sejam profundos conhecedores de determinados assuntos, vou fazer bobagem. O grande diferencial é o fomento a um ambiente de trabalho profícuo, em que todos queiram remar juntos – aliás, eis um esporte do qual virei praticante e apaixonado: o remo. Assim como na vida, quando estamos remando em um barco de conjunto, se um dos integrantes não estiver remando para a mesma direção, o barco vira.

Existe um livro do qual gosto muito, chamado Rápido e Devagar: duas formas de pensar, de Daniel Kahneman. Nele, este economista fala de intuição, que nada mais é do que o acervo de conhecimento adquirido ao longo da trajetória. Muitas vezes, aparentemente, decidimos par coeur (de cor, de coração), como diriam os franceses, mas, por trás, é a experiência que está falando mais alto, ou seja, aquilo que já foi vivenciado em outra oportunidade. Muitas vezes, queremos implementar mudanças e apresentamos estudos que suportam nossa visão. De repente, vem alguém mais vivido e diz: “Este não é o caminho”. Nesses casos, pare e escute o que ele tem a dizer. Não fazer isso com a devida atenção representa uma armadilha. E não são poucos os que já caíram nela, inclusive eu.

É preciso estar equilibrado para resolver problemas

A adaptabilidade deve ser a primeira qualidade do novo líder. A pandemia nos mostrou o quanto precisamos nos adaptar a situações incertas. A segunda é a inteligência emocional, que permite clareza para resolver situações complexas. Quando fui enviado para Itaúna, aconteceu uma situação trágica e muito difícil em nossa Usina. Liguei então para meu Diretor à época, Laurent Blondeau. Ele ouviu tudo o que tinha para dizer e, ao final, perguntou: “Você está bem?”. Não entendi, nada. “Acabei de contar sobre uma situação traumática e de complexa mitigação e ele quer saber como eu estou”, pensei. Então ele completou: “Preciso saber se você está bem para gerir esse problema. Depois que eu tiver certeza de que está bem, vamos falar sobre o que aconteceu e quais os próximos passos para decidirmos conjuntamente”.

Foi algo que me marcou, pois, ele sabia que eu precisaria estar equilibrado para administrar a situação, que envolveria falar com diversos entes públicos, privados, famílias e lidar com a pressão e prestar contas do ocorrido. Assim, cheguei até meu Diretor com um problema extremamente complexo, mas que, ao desligar o telefone, parecia bem menor. Por isso, digo que, como líder, sou um amortecedor. Chegam até mim situações complexas e eu tenho que amortecer com calma, ver quem vai cuidar da questão e como será feito. A partir daí, olhamos para frente. Acredito fielmente que o bom líder faz com que um integrante da equipe sempre saia de sua sala com um problema menor do que quando ele entrou.

Quanto ao meu time, espero deles a capacidade de ouvir e o real interesse em trabalhar conjuntamente. Construir em equipe não é um quadro na parede, mas uma questão de atitude. Especialmente dos recém-chegados à organização, espero que contenham a ansiedade, que respirem, escutem e entendam a organização e o ambiente em que trabalham. Mas, além disso, eles precisam ser curiosos, pois pessoas assim são mais propícias a novos aprendizados, apresentam potencial mais elevado de desenvolvimento e buscam novas e melhores respostas.

“Você viu como ele se acha?”

Temos um excelente programa de recrutamento na Saint-Gobain. Por meio dele, recebemos muitos jovens. Converso com muitos deles e digo que é preciso alinhar as expectativas do que se quer para a carreira e para a vida pessoal. Eu, por exemplo, estou na empresa há 22 anos, dos quais, fiquei aproximadamente a metade fora do Rio de Janeiro. Se tivesse imposto limites para sair daqui, será que hoje seria Diretor-Geral? Acredito que não. Mas, essa foi uma opção que fiz. Entendo que este alinhamento bem definido, a maneira como me relaciono com as demais pessoas e a qualidade da minha comunicação são alguns dos fatores que me trouxeram até aqui.

Formação é importante, sim, claro – idiomas, uma boa formação acadêmica, conhecimento diversificado. Mas, na Saint-Gobain, pedimos mais na hora da contratação dos jovens profissionais. Isso porque, no caso dos jovens profissionais, as qualificações dos pré-selecionados podem se equivaler, então, no momento de decisão, vamos além dos feitos e realizações. Assim, fazemos questionamentos sobre a caminhada, sua história e tentamos entender qual é o legado que ele quer deixar e como pretende fazê-lo. Isso faz a diferença.

Portanto, como mensagem final, digo para esses mais jovens: preocupem-se e exerçam a empatia e a resiliência com a mesma intensidade e dedicação com que buscam uma boa formação técnica.

 

Livros recomendados

Rápido e Devagar, de Daniel Kahneman.

Blue ocean shift: Beyond competing – Proven steps to inspire confidence and seize new growth, de W. Chan Kim e Renee Mauborgne. Editora Hachette Books.

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