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Dos Laboratórios da USP à Presidência Global da Motorola: Uma Viagem Inspiradora na Tecnologia

Na coluna desta semana, conheça a história de Sergio Buniac, Presidente da Motorola Mobility (a Lenovo Company)

Entrei na Motorola em abril de 1996, era jovem e estava determinado a entender como uma empresa global de tecnologia funcionava e como poderia revolucionar a vida de tantas pessoas por meio da inovação. Naquela época um telefone celular não tinha câmera, era necessário levar ao menos três baterias no bolso, que duravam em média duas horas cada uma delas, não havia display, redes sociais, mensagens ou e-mail. De lá pra cá, tanta coisa mudou, a oportunidade de contar a minha história profissional me faz refletir sobre a minha trajetória, meus acertos e meus erros.  

Sou neto de imigrantes europeus, que vieram para o Brasil durante os anos 1950. Meu pai nasceu na Bahia e a minha mãe em São Paulo. Nasci no Brasil, mas hoje divido o meu tempo entre a família e viagens de negócios pelo mundo. Tenho quatro filhos. Meu primogênito nasceu no Brasil, o segundo nos Estados Unidos, o terceiro no México e a quarta também no Brasil. Estou casado há 30 anos com a Adriana, que sempre me acompanhou nessa jornada. 

Na minha casa a educação sempre foi uma prioridade. Estudei em escolas públicas e desde pequeno aprendi a valorizar a importância do aprendizado. Formei-me em Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), em 1989. Porém, sempre olhei com atenção o campo das ciências humanas, sabendo de sua importância para o meu desenvolvimento profissional. E por isso, concluí dois mestrados nessa área, um na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e outro pela Universidade de Chicago. 

Ainda na universidade tive meu primeiro estágio de monitoria. Em seguida, estagiei na própria USP em uma área voltada para o desenvolvimento de Inteligência Artificial (IA), em uma época que pouco se falava sobre essa incrível ferramenta. Também passei por empresas como Sharp e Dupont, e, ao me formar, comecei a trabalhar no Banco Safra. Porém, meu primeiro contato com o mercado multinacional de tecnologia foi na IBM, onde estive por quatro anos, e trabalhei na Booz Allen, na área de consultoria estratégica.  

Em 1996 ingressei na Motorola, uma empresa quase centenária, que passou por duas aquisições, mudanças organizacionais e, consequentemente, culturais. De origem norte-americana, a Motorola sempre deteve a linha pioneira: do rádio a bordo da nave Apollo 11 que foi usado para transmitir as primeiras palavras do homem diretamente da Lua era um Motorola; a empresa, também foi a primeira a fazer uma ligação de celular no mundo. Em 2011, a companhia se dividiu em duas: a Motorola Mobility e a Motorola Solutions, sendo que, no mesmo ano, a Motorola Mobility – que tinha o celular como seu principal produto – foi adquirida pela Google, em um negócio bilionário. 

Já em 2014, depois de um período complicado de desempenho no mercado, a Lenovo adquiriu a marca. Ou seja, diversas culturas organizacionais contribuíram para a história dessa companhia, primeiro como um conglomerado norte-americano e agora sob a orientação de uma organização asiática, de abrangência global. 

Resiliência como base para o sucesso 

A minha jornada profissional, não diferente de muitas outras, foi pautada por desafios diários. Ainda como estudante, conciliava a escola técnica com os preparativos para o vestibular. Sempre focado nos estudos, acordava diariamente às 5:00 h. da manhã e acabava de estudar nunca antes das 23:00 h. 

Ao me formar na universidade comecei a trabalhar no setor bancário, ainda sem muita experiência e nenhum conhecimento no segmento. Nessa época, a tecnologia estava em outra era, muito distante da internet, a comunicação ainda se dava por meio de cartas ou memorandos e as respostas poderiam levar dias para chegar. Logo depois, ingressei na IBM, que na época era a maior referência no setor de tecnologia, passando pelo ramo de consultoria, segmentos muito distintos e que me obrigaram a reaprender e saber recomeçar.  

Ao entrar na Motorola a empresa era conhecida por grandes ciclos de inovação, mas já enfrentava altos e baixos em seus negócios. Durante muitos anos tive a oportunidade de viver em outros países, como Brasil, México e Estados Unidos e trabalhar em diferentes áreas funcionais, como vendas, planejamento, marketing até chegar à presidência da unidade Brasil em 2007. Em 2011 assumi a presidência da unidade América Latina e em 2018, a presidência global da Motorola.  

Durante os cinco anos que antecederam a minha chegada à presidência global, apesar de a América Latina ser uma operação lucrativa, globalmente a empresa apresentava perdas significativas. Havia uma cultura de que perder dinheiro era aceitável, as pessoas não trabalhavam em equipe e muito menos de forma colaborativa. O sucesso individual era mais importante do que o coletivo.  

Na época tivemos que tomar decisões difícies em um curto espaço de tempo. Fechamos a operação em mais de 60 países, cortamos despesas e reduzimos o portfólio. Em apenas nove meses, a empresa se tornou lucrativa. Tão importante quanto todas essas ações, mantivemos a nossa veia de inovação, lançamos o primeiro celular 5G do mundo, o primeiro telefone dobrável e o primeiro com tela rolável.  

Para mim alguns ensinamentos foram essenciais para enfrentar esse grande desafio. Sempre acreditei que pessoas de muito sucesso têm suas qualidades, mas também tinham algo em comum: quebraram, perderam ou falharam em algum momento de suas vidas. Na minha visão, o que diferencia um bom líder é a sua capacidade de caminhar entre os dias bons e ruins, não ter medo de encarar os obstáculos - e mais importante -, se levantar sempre que cair. 

Ao final, tudo é um processo de resiliência, não há atalhos ou caminhos fáceis para se passar no vestibular, arrumar o primeiro estágio ou obter êxito no trabalho – tudo requer extrema perseverança e disciplina. Quem procurar respostas de curto prazo, certamente se frustrará muito na vida. É um aprendizado que carrego comigo. De certa maneira é o mesmo que dizer que o que não me destrói me faz mais forte. 

A visão multicultural e o impacto do planejamento estratégico 

Ao longo da minha carreira, convivi em ambientes diversos. Algumas culturas eram mais hierárquicas, outras mais colaborativas. Essas vivências foram de extrema importância para que eu pudesse desenvolver o meu lado profissional e até mesmo pessoal. Hoje, como líder global, vejo como a cultura está enraizada nas pessoas e na forma como elas atuam no mercado de trabalho. Um bom líder é capaz de entender esse contexto, se adaptar e ir além. 

Um bom líder faz com que aqueles ao seu redor trabalhem como um único time. Como comentei antes, quando assumi a presidência as pessoas estavam acostumadas a trabalhar de forma independente, dentro do seu próprio espaço, sem se preocupar com o impacto para a companhia como um todo. E essa foi uma das principais mudanças implementadas, pois o time que ganha é aquele que joga bem em conjunto, que entende o impacto que suas ações podem ter em outras áreas.  

Obviamente tenho muitas histórias e exemplos para contar. Mais recentemente, na época da pandemia, nossa principal fábrica estava localizada em Wuhan, na China. Era um cenário sem precedentes e por muitos dias tive dúvidas de qual caminho seguir. Foram erros e acertos, mas com um time estruturado e trabalhando junto, nós superamos esse desafio. É muito importante ter um time que se apoia, principalmente nas horas mais difíceis.  

Atualmente, a nossa rota é de amplo crescimento e estamos expandindo para outros mercados e inclusive no segmento premium. Hoje, somos a segunda maior empresa do setor no Brasil e na América Latina. Nosso objetivo é dobrar o negócio nos próximos três anos. Esse sucesso é resultado da mudança cultural, com uma equipe que se sente desafiada e motivada no dia a dia e principalmente focada em continuar inovando e trazendo soluções que atendam às necessidades dos nossos consumidores. 

Acelere com planejamento, não há atalhos para o sucesso  

Em toda jornada há dificuladades pelo caminho, independentemente do ambiente em que se está inserido, seja na escola, na universidade ou no mundo corporativo. O sucesso é sempre um resultado de muito trabalho e dedicação. 

Observo como as pessoas se comparam constantemente umas às outras. Traçar o seu próprio caminho, com disciplina, é o fator mais importante para se desenvolver como pessoa e como profissional. A comparação gera frustração, pois não somos iguais, cada um tem a sua maneira de ser. A beleza do trabalho em equipe é saber o que se pode agregar e onde se precisa aprender.  

Acredito demais na frase “Quanto mais eu trabalho, mais sorte eu tenho”; sorte é o resultado do seu esforço e do seu comprometimento. 

Obviamente, havia situações para as quais eu não estava preparado para lidar no início da minha trajetória. Tenho a consciência de que em alguns momentos da minha carreira, as atitudes que tomei incomodavam as pessoas. Errar faz parte do processo; repetir os erros não. 

O líder deve agir com transparência e espírito coletivo 

Não acredito que haja um ideal do que é ser um bom líder, mas acredito que haja perfis complementares. É preciso analisar as diferentes culturas dentro de cada organização, assim como o momento de carreira de cada um, isso faz com que as pessoas tragam diferentes perspectivas. O meu estilo, por exemplo, é colaborativo; acredito no trabalho em equipe, sempre com transparência. 

Um líder bem-sucedido precisa deter a perspectiva adaptativa, contemplando o seu entorno e as necessidades do seu negócio. Uma equipe formada por diversos perfis também é essencial para o sucesso; em cada equipe pode existir uma pessoa mais criativa ao lado de alguém mais metódico. O problema surge exatamente quando não se tem diversidade, seja de gênero, capacidade ou estilo. 

De nada adianta um profissional de alto desempenho em que se pode rapidamente elencar dez qualidades, mas que não saiba trabalhar bem ao lado dos outros. Acima de tudo, é melhor investir em alguém que seja bom – não necessariamente o melhor, mas que contemple o coletivo em prol dos resultados. 

Uma boa formação acadêmica sempre será um diferencial e a base de quem somos e deve ser encarada de forma contínua. O setor de tecnologia, por exemplo, exige inovação porque os produtos rapidamente tornam-se obsoletos e para isso é necessário estar constantemente aprendendo e de olho nas tendências futuras. 

As oportunidades do segmento de tecnologia 

Nossos laboratórios de inovação estão espalhados pelo mundo – inclusive no Brasil – e temos um time focado no desenvolvimento de novas tecnologias e novos formatos de celulares. Até 2019, por exemplo, o mercado de smartphones era de aparelhos no formato de barra, e nós fomos a primeira empresa a apresentar um aparelho dobrável, em formato flip, para o mercado. Também desenvolvemos um equipamento com tela rolável e, recentemente, apresentamos o conceito ainda mais inovador: um aparelho com tela adaptável, que pode se moldar de acordo com as necessidades do usuário, se tornando, inclusive, um aparelho vestível – ao redor do pulso. 

E estamos indo além. Por meio de parcerias como a da Pantone, nosso portfólio hoje é o mais colorido do mercado e com os mais diferentes acabamentos. Também nos preocupamos em trazer inovação para a nossa linha de produtos, principalmente para famílias como a do Moto G, Motorola Edge e Motorola Razr. 

Há também avanços tecnológicos em relação ao uso da inteligência artificial (IA). Hoje incorporamos recursos de IA em muitas áreas de nossos dispositivos, como câmera, bateria, tela e desempenho do dispositivo. Porém, cada vez mais, a IA estará no centro da experiência dos consumidores com o smartphone, servindo tanto como assistente pessoal como ferramenta para melhorar e tornar as tarefas diárias mais simples e ágeis.  

Jamais desista: há sempre uma forma de se reinventar! 

“Tudo acontece por uma razão; é preciso seguir o seu caminho, ciente de que jamais será fácil percorrê-lo. Durante a sua trajetória, haverá desafios e, às vezes, vontade de desistir. Por isso é importante ser resiliente, acreditando na sua capacidade de se levantar e de se reinventar. 

Equilibre a vida profissional, com a vida pessoal, afinal são eles que estarão lá ao seu lado, torcendo e inspirando você em cada momento.  

Lembre-se de que não há atalhos, tudo acontecerá no seu devido tempo. Com paciência, curiosidade e vontade de crescer, você poderá alcançar uma carreira vitoriosa. Por fim, procure trabalhar em equipe e conte com pessoas que o ajudem na jornada.”