Colunistas

Da Zona Leste à liderança: Sonia Keiko inspira com garra e trajetória de superação

Educação, resiliência e propósito levaram Sonia à cadeira de CEO da Engemon OP Services

 (Global Partners)

(Global Partners)

Publicado em 11 de julho de 2025 às 19h07.

No início da carreira, equilibrei trabalho e estudo com muito esforço. Cresci na Zona Leste de São Paulo, estudei em escola pública e entrei na ETEC Getúlio Vargas para cursar Edificações. Trabalhava como estagiária durante o dia e estudava à noite. Quando concluí o curso técnico, recusei uma bolsa de cursinho para seguir trabalhando e pagar meu curso superior. Meu pai era taxista, minha mãe dona de casa e vendedora de roupas — dois grandes exemplos que, mesmo com pouca escolaridade, sempre acreditaram que a educação seria meu caminho para uma vida melhor. A rotina era intensa: ônibus, metrô, trabalho, faculdade e casa à noite. No início na Engemon, pedi a chance de assumir uma tarefa técnica que era terceirizada — e consegui. Essa fase exigiu resiliência, disciplina e superação. Aprendi, com sacrifício, que não existe crescimento profissional sem comprometimento e dedicação diária. 

Acredito em empresas conectadas pelo eco, não pelo ego 

Minha geração valorizava muito o curso superior. Enxergávamos essa etapa como fundamental para a evolução da carreira profissional. Embora hoje algumas coisas tenham mudado e existam outras formas de aprimorar o conhecimento, os tempos de faculdade me trouxeram uma sólida estrutura mental.  

Conheci toda a parte técnica que uma universidade pode oferecer. Comecei a estudar Engenharia em uma turma com 60 alunos, sendo apenas 4 mulheres. Nunca me senti acolhida naquele ambiente hostil e, por isso, migrei para o curso de Matemática na Universidade São Judas Tadeu. Sempre tive facilidade com cálculos, e essa era uma formação mais rápida – três anos de estudo e estava concluída. No curso de Matemática, desenvolvi maior raciocínio lógico e estatístico, além de habilidades para organizar estruturas, planilhas e dados. Com o passar dos anos, fui aprimorando um olhar mais analítico. Depois, fiz um MBA em Economia na Universidade Cidade de São Paulo, com o objetivo de aprofundar meus conhecimentos em análises e finanças macroeconômicas. Tenho paixão por estudar – sinto-me entusiasmada ao explorar novos conteúdos que ampliam meu portfólio, minha visão técnica e estratégica, além de fortalecer meu networking. Ainda cursei um MBA Executivo no Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), onde tive a oportunidade de conhecer pessoas com formações robustas: diretores, executivos, CEOs e outros profissionais com trajetórias estruturadas e diversas. Foi uma experiência incrível. 

Por conta dessa minha paixão, nunca parei de estudar e acredito que nunca vou parar. Sou inquieta, e toda essa inquietude, somada à minha formação, me ajudou a chegar à posição de CEO na Engemon OP Services, uma empresa do Grupo Engemon. Estou nessa organização desde 2000, quando havia apenas oito colaboradores, e me orgulho muito da minha trajetória iniciada nessa empresa nacional, nascida da boa vontade de dois empreendedores (Marco e Robson), que também se conheceram na escola técnica e, juntos, criaram o que hoje é o Grupo Engemon. Atualmente, contamos com mais de dois mil colaboradores, estamos presentes em diversos países e trabalhamos para as maiores empresas do Brasil. Evoluí junto com a Engemon, com muita resiliência, enfrentando o crescimento passo a passo, dia após dia.  

De lá para cá, entendi que nem todas as estruturas mais tradicionais cabem nas empresas de hoje. Vivemos tempos cada vez mais diferentes. E se meus diplomas foram muito importantes, a bagagem também precisa ser construída e aprimorada pelas muitas ferramentas que temos disponíveis para adquirir conhecimentos: podcasts, livros, vídeos e tantos outros conteúdos de diversas partes do mundo, nos conectando a culturas distantes da nossa.  

Tive a oportunidade de fazer uma imersão no Vale do Silício, em cursos de curta duração que me permitiram conviver com pessoas incríveis que respiravam inovação e tecnologia. Foi transformador: revi conceitos aprendidos ao longo da carreira e compreendi, de forma mais profunda, a importância de ter um olhar voltado para o futuro – a inovação não pede licença. Hoje, enxergo a necessidade de trabalhar por uma organização sustentável, que não vise apenas ao lucro e o veja como um meio, conectando a redução do consumo ao cuidado com o planeta e com as pessoas.  

Depois que aprendi a Teoria U, de Otto Scharmer, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), saí da visão de comando e controle. Com ela, entendi a necessidade de construir empresas pelo eco, não pelo ego. Não existem receitas de bolo para alcançar o sucesso; é preciso existir uma conexão com os próprios valores, modelando a liderança e o modelo de gestão para uma busca por mais pertencimento. Conexões verdadeiras e profundas causam mais impacto, aproximam as pessoas, e passamos a sentir mais as coisas acontecendo. A partir daí, modelei minha forma de gerir e liderar equipes.  

Com o tempo, aprendi que não preciso dar conta de tudo  

Em cada fase da liderança, precisamos ter diferentes habilidades. No início da carreira, é fundamental absorver o máximo de conhecimento possível, observando atentamente o que é dito e prestando atenção aos acontecimentos ao redor. À medida que crescemos profissionalmente, a escuta ativa se torna essencial para desenvolver uma conexão mais profunda com o time. No entanto, é necessário saber perguntar, ouvir com atenção e estar presente nos momentos de dificuldade, promovendo uma escuta empática que faça todos se sentirem pertencentes. É comum vermos líderes que não dão a devida atenção a quem está no nível operacional, ignorando a importância de construir um ambiente verdadeiramente colaborativo.  

Nunca abra mão de desenvolver a oratória, seja você um iniciante ou um líder mais experiente. Porque é pelo poder da argumentação pela fala que geramos valor e alcançamos novas perspectivas.  

Em minha trajetória, tive a sorte de cruzar pelo caminho com mentores de grande experiência técnica, característica muito importante na Engenharia. Por mais que eu não tenha essa formação, tomo decisões dignas de quem vivencia há 25 anos a experiencia dessa profissão. São muitas correções e aplicações específicas que fazem a diferença nos resultados.  

Mas minhas mentorias não se resumem a isso. Anos atrás, passei por uma síndrome do pânico. Houve um tempo em que trabalhei de forma exaustiva, com excesso de vontade e ausência de equilíbrio. Com o psicólogo padre Silvio Pyton, aprendi que minhas dores internas poderiam somatizar e causar sofrimento físico e psíquico, me deixando nesse lugar de instabilidade psicológica. Ele me ensinou a ter a sensibilidade de entender os cenários e as marcas carregadas pela infância. Trago comigo a ancestralidade oriental, marcada por valores profundos de respeito e responsabilidade. Cresci com esse senso de dever que, muitas vezes, me leva a assumir o papel de heroína – alguém que se entrega por completo, mesmo em silêncio. 

Entendi que é fundamental equilibrar a resiliência com o autoconhecimento. Não vou conseguir dar conta de tudo sozinha e ser boa o tempo todo. Preciso ter em minha equipe os melhores profissionais, alocados em funções nas quais possam desempenhar bem, contando com minha confiança e a autonomia necessária para resolver problemas.  

Já a Vera Cacciacarro segue como uma mentora importante, porque me trouxe um olhar feminino sobre a área da Engenharia, tão dominada por homens. Muitas vezes, pelo convívio aqui dentro, eu mesma não entendia como funciona o machismo estrutural. Com ela, aprendi a criar um espaço feminino e trazer mais mulheres para a liderança, criando um ambiente mais seguro de fala, me enxergando como uma representante feminina em um cargo de liderança. Não foi à toa que criamos uma primeira obra de data center com 53% de funcionárias mulheres, desde a liderança até a parte operacional. Quantas empresas no Brasil trabalham em projetos com uma composição como essa?  

Como liderança feminina, me preocupo em desenvolver mais mulheres para o mundo corporativo 

Autoconhecimento é fundamental. Durante muito tempo, acreditei que precisava dar conta de tudo para que as coisas funcionassem. Isso me levou a assumir uma carga de trabalho imensa, muitas vezes ocupando espaços que não eram necessariamente minha responsabilidade, mas que, por perceber a urgência e a ausência de quem os assumisse, eu acabava abraçando. Aprendi a ter mais foco e a compreender o que realmente é importante para desempenhar bem meu papel, gerando valor, delegando funções e investindo no meu próprio desenvolvimento. Para essa transformação, aprendi a escutar mais – inclusive a mim mesma. Entendi, também, que preciso de espaços vazios: momentos só meus, seja sozinha ou com minha família. Vivemos um tempo em que muitas pessoas cuidam dos filhos, de pais idosos, do trabalho, da empresa, da vida pessoal. Sem esse tempo de escuta interna, a sobrecarga torna tudo ainda mais difícil.  

Quase sempre trabalhei e estudei em ambientes predominantemente masculinos. Dentro desse universo, demorei alguns anos para entender que algumas piadinhas eram agressivas e não cabiam no ambiente de trabalho. Em alguns momentos, percebi que tinha mais capacidade para exercer cargos de alta liderança do que homens que chegavam de fora. Só consegui romper essa bolha quando compreendi a importância de discutir ativamente a presença de mulheres em espaços de liderança.  

Com mentorias, rodas de conversa e grupos alternativos, transformei minha visão de mundo e interrompi as microagressões machistas que até então eu mesma naturalizava no ambiente de trabalho. A partir disso, abri os olhos para a necessidade de desenvolver outras mulheres, criando áreas e promovendo oportunidades para ampliar a presença feminina em cargos de liderança. Foi então que percebi: havia chegado a minha vez de ser mentora de outras mulheres. 

Quero mudar a mentalidade do meu setor 

Sinto-me motivada com as mudanças e transformações constantes da minha área de atuação. O tempo todo, quero criar, buscar o novo e olhar para o futuro. Assumi o compromisso pessoal de mudar a mentalidade da construção civil, da engenharia e dos serviços de manutenção. Quero colocar a inovação tecnológica a favor do desenvolvimento e da produtividade. 

Por incrível que pareça, o Brasil é o país menos digital do mundo em termos de infraestrutura; ainda precisamos de muitas adequações. Menos de 5% das empresas nacionais estão dentro do processo de digitalização. O caminho a ser explorado é enorme.  

Hoje, olho para o futuro do setor e enxergo o maior impacto no uso da Inteligência Artificial. Com ela, a leitura de dados e sua transformação em informações que geram valor é aprimorada constantemente. Penso que é fundamental olhar para esse aspecto e também para a robotização, sem descartar a busca por um consumo mais sustentável, adaptando a engenharia tradicional a uma nova forma de trabalhar, ou seja, formando nossos profissionais para o futuro.  

Seja curioso! 

Trabalhando com profissionais de diferentes gerações, consigo perceber que as necessidades não são as mesmas. Por isso, é fundamental ter cuidado na abordagem com cada perfil da equipe. Estamos o tempo todo conectados, mas nem sempre percebemos que existe uma vida profissional e uma vida social, que se cruzam em determinados momentos. Tome cuidado com a forma de se portar nos ambientes digitais. 

Lembre-se de que não existem modelos prontos para o sucesso profissional, mas busque manter o equilíbrio entre todas as instâncias de sua vida. Seja verdadeiro, entenda quem você é e represente aquilo em que acredita. Procure não ser confundido com pessoas que tentam se vender como aquilo que não são, falando demais de si e ouvindo pouco sobre o outro. 

Por fim, deixo uma última dica a quem é mais jovem: seja curioso. Na juventude, devemos questionar as coisas, e, com o excesso de informações atual, que gera tanta ansiedade, esse aspecto é ainda mais importante. Acredite que você pode chegar aonde quiser, busque seus caminhos, estude da forma que for possível. Converse, ouça, explore as tantas possibilidades de conhecimento – o mundo está na palma de sua mão. 

Quando saí da Zona Leste de São Paulo, conhecia apenas umas poucas pessoas com a mesma vivência e do mesmo lugar. Eu ia todos os dias estudar no bairro do Ipiranga, e isso me ensinou muito. Lá, o conhecimento técnico foi importante, mas aprender a conviver com gente da cidade inteira, de todos os cantos, espaços e classes sociais, conversando e trocando ideias, saindo e até fazendo besteira juntos, me permitiu uma vivência que nenhum diploma é capaz de oferecer.  

Acompanhe tudo sobre:Empreendedorismo