"Crescemos em camadas, como uma cebola, forjando novas competências"
Na coluna desta semana, conheça a história de Rossana Sadir - Member Board Of Directors TaTa S.A
Publicado em 8 de julho de 2022 às, 16h45.
Por Fabiana Monteiro
Cresci em um ambiente bicultural. Nasci no Brasil, mas de família argentina. Dividia-me entre os dois países: Brasil durante o período letivo; e férias escolares com a família no norte da Argentina. Sou casada em segundas núpcias com Marcelo, argentino, e mãe de três filhos do meu primeiro casamento: André, de 21 anos, que faz Teatro e Cinema nos Estados Unidos; Diana, 19, estudante de Medicina na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas; e Daniel, 14, que pretende ser biólogo.
Saí da minha cidade natal, em 1988, para estudar Administração de Empresas na Universidade de São Paulo (USP). Terminei o curso aos 21 anos, inscrevendo-me logo em seguida para um MBA na SDA Bocconi, em Milão. Graças às minhas notas, fui selecionada para concluir essa formação como intercambista na Kellogg School of Management, da Northwestern University, em Illinois, nos Estados Unidos, em 1994.
Viver de maneira intensa e fazer novas experiências são minhas paixões e missões de vida. Motiva-me sentir a adrenalina de enfrentar continuamente novos desafios. Ao iniciar minha carreira, tomei a decisão de não me envolver com o negócio da família, fundado por meu pai, já que almejava justamente a diversidade de experiências que grandes empresas poderiam me proporcionar e optei por seguir uma carreira executiva.
Uma carreira construída em ciclos
Construí minha carreira em três ciclos. Não considero que sejam fases, porque nossa história não é linear. Na verdade, crescemos em camadas, como uma cebola, forjando novas competências e experiências sobre a camada anterior. Meu primeiro ciclo foi como estrategista, iniciada com a passagem pela McKinsey, em que tive um treinamento intensivo em análise e diagnóstico de problemas, estruturação de alternativas estratégicas e comunicação efetiva. Dessa forma, desenvolvi, em meus primeiros 12 anos de carreira, habilidades analíticas e de estruturação de raciocínio que me permitem examinar uma situação, conduzir a discussão para o desenho de soluções estratégicas e coordenar equipes para a implementação. Na função de estrategista, com responsabilidade pela gestão de pessoas e projetos de transformação estratégica, trabalhei para McKinsey, Monsanto, Editora Abril e Avon – nesta última, como Diretora Estratégica para o Brasil e, posteriormente, para o Cluster Andino, baseada na Colômbia.
Na Avon, iniciei meu segundo ciclo de carreira, como CEO. Nesta condição, assumi como Presidente da Avon para o Equador e o Chile e, em seguida, transferi-me para a Amway, empresa em que fiquei por outros sete anos, primeiro como Presidente da América Latina Hispana e, depois, do Brasil.
Agente de transformação
“Diga-me de onde vens e eu te direi quem és”. Essa paráfrase de um conhecido ditado se aplica aos negócios. Quando se tem um CEO cuja origem é a área financeira, este visará projetos e iniciativas destinados ao aumento da produtividade e à redução de custos, com o objetivo de maximizar a rentabilidade e o bottom line. Por outro lado, quando o CEO provém da área comercial, o foco recairá sobre vendas, estratégias e iniciativas comerciais de Marketing e vendas, voltadas a alavancar o crescimento da empresa. Por meu background estratégico, meu foco gerencial tem sido o desenvolvimento, para cada negócio, de um plano estratégico de longo prazo, visando o crescimento, tanto da receita quanto do lucro, e a entrega de resultados ano após ano. Como CEO, destaquei-me como agente de transformação, assumindo situações de crise ou grandes desafios e promovendo mudanças estruturais no negócio.
Foi assim no Equador, quando eu estava à frente da Avon e nós crescemos 80% em dois anos, mesmo tendo que lidar com um cenário rígido de restrição às importações. Foi assim também no Chile, quando fizemos um turnaround de uma operação que havia 12 anos não entregava crescimento em vendas nem a meta de rentabilidade. No primeiro ano de gestão, alcançamos os lucros esperados, entregando bônus aos empregados pela primeira vez em todo aquele período. No segundo ano, implementamos um novo modelo comercial que levou a um crescimento de 11% em apenas um semestre. Transformação semelhante conduzi na Amway. Quando assumi como Presidente, a operação passou a crescer a um dígito – e apenas dois dos 11 países da América Latina apresentavam EBITDA positivo. Durante minha gestão, obtivemos crescimento entre 15% e 25%, entregando todos os países com rentabilidade positiva.
Dessa maneira, ao desenhar meu Ikegai, destaquei como propósito de vida promover a transformação de negócios e pessoas, alavancada por minha paixão por grandes desafios e habilidade estratégica e de gestão de equipes. Esse propósito reflete-se em minha missão: “Viver novas experiências de maneira intensa e feliz, visando desenvolver, contribuir e retribuir tanto para meu crescimento, como daqueles que me rodeiam”.
Trabalho como prazer, não como dever
Em 2020, comecei o terceiro ciclo de minha jornada profissional, agora como Conselheira de Empresas. Alavancada por minha experiência como estrategista e CEO, tenho atuado em órgãos de governança de empresas multinacionais e familiares, de capital aberto e fechado, nos setores de varejo, tecnologia e terceiro setor. Certifiquei-me como conselheira pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e Conselheira de Inovação pela Gonew, além de continuamente atender a treinamentos em Sustentabilidade, Transformação e Inovações Digitais.
Hoje integro dois Conselhos de Administração (do Grupo Tata S.A., líder em varejo do Uruguai, e da SPAC de um fundo de private equity, em vias de ser listada na Nasdaq), dois Conselhos Consultivos (Obramax, do grupo francês Adeo, e Insider, retailtech em AI e machine learning) e duas Comissões (Estratégia e Inovação e Sustentabilidade do grupo Baumgart e a Comissão de Estratégia do IBGC). Além disso, sou business partner da Wave’s, plataforma que conecta empresas, investidores e executivos que buscam inovação e desenvolvimento de negócios. Assim, continuo nessa tríade profissional, aberta e sedenta por novos desafios, aprendizados e aventuras.
Realmente amo o que faço. Tenho profunda satisfação e prazer no processo estratégico, nos ambientes instigantes de discussão, nas trocas de ideias e argumentos entre colegas e equipes. Certa vez, me perguntaram por que eu estava sempre sorrindo. Respondi que, para mim, trabalho não era um dever, mas um prazer. Quando você ama o que faz, isso reverbera em você e na equipe, e na cultura de colaboração e inovação que fomenta. Trabalhar no que gosto tem sido um fator crítico em minhas escolhas de carreira.
Em uma de minhas primeiras entrevistas de emprego, indagaram-me como eu tomava decisões. Na simplicidade de meus 26 anos, respondi: “Na verdade, eu penso, penso, penso; analiso, analiso, analiso; fecho os olhos e decido”. O experiente entrevistador me passou uma lição que passei a levar em consideração em momentos decisivos: deve-se pensar e analisar com a mente, mas decidir com o coração. A mente mostra as alternativas e os caminhos, mas a decisão vai além do que se deve, para decidir o que se quer fazer.
Quem é você?
Mesmo dedicando 22 anos de minha vida a três empresas (Abril, Avon e Amway), nunca fiquei no mesmo lugar por muito tempo. Na Abril, foram sete anos e cinco posições diferentes. Na Avon, foram oito anos e outras cinco posições. Já na Amway, foram sete anos entre América Latina e Brasil. Sempre em movimento, morei em oito países e trabalhei em vários setores, sempre assumindo projetos ou operações desafiantes como agente de transformação. Costumavam dizer a meu respeito: “Rossana gets things done (Rossana faz as coisas acontecerem)”. Mas, a certa altura, percebi que, ao focar em obter resultados, muitas vezes comportava-me como um trator ao longo do processo. Na virada dos 40 anos, refleti profundamente sobre meu estilo de liderança, decidindo ser menos diretiva e mais influenciadora, mentora e referência para a equipe. Passei a focar mais nos meios que nos fins, mudando meu slogan para “Rossana knows how to get things done (Rossana sabe como fazer as coisas acontecerem)”. O foco nos resultados leva ao cumprimento dos objetivos, mas não transforma a organização. Para que isso aconteça, tem de se trabalhar as pessoas e os processos, e isso acontece mais de baixo para cima do que top down, ou seja, menos por ordens diretas e mais por orientação e empowerment da equipe.
O que me dá orgulho não é chegar ao resultado de vendas e rentabilidade. Isso para mim é condição sine qua non de minha função, para o que somos contratados. O que me enche de satisfação é realmente ser capaz de transformar aqueles que trabalham comigo. Recebi mensagens e feedback de pessoas comentando que, quando eu chegava a um país para um business review, elas ficavam ansiosas, por se sentirem não ameaçadas ou temerosas, mas entusiasmadas e desafiadas a darem o melhor de si. Minha motivação está em conseguir tirar pessoas da zona de conforto e, ao mesmo tempo, dar conforto para que elas abandonem esta posição.
Nem sempre foi assim. O momento mais difícil e o turning point de minha carreira foi a primeira posição como CEO, na Avon Equador, em 2009. Vínhamos crescendo aceleradamente, saindo de U$ 60 milhões para U$ 105 milhões em dois anos. No entanto, no início de meu segundo ano de gestão, o governo impôs restrições à importação, e nós dependíamos 100% de fornecimento externo. Em poucos meses, a cada 100 produtos que vendíamos, não tínhamos como entregar 25. Foi um período de muita tensão e tivemos de criar um plano de ação estruturado para superar a situação, incluindo produção local, relações governamentais, PR e revisão financeira do DER. Depois de um ano de longas jornadas de trabalho de até 15 horas, conseguimos bater todas as metas de rentabilidade e vendas e fomos reconhecidos publicamente pelo governo, como empresa responsável; pela mídia, como empresa e personalidade de destaque do ano; e pelos consumidores, como marca top of mind.
Embora os números e o reconhecimento fossem fantásticos, meu feedback interno não foi dos melhores. Os resultados haviam sido atingidos e superados, mas a equipe estava exausta e dividida. Nesse momento, contratei um coach, que me conduziu a uma série de reflexões. A cada três sessões, me perguntava: “Quem é você?”. Inicialmente, escrevi três páginas sobre mim, um texto muito bem estruturado, com introdução, argumentação e conclusão sobre cada aspecto de minha personalidade. Na segunda vez, em lugar de dissertar, questionei todas as minhas afirmações à caneta, sobre o próprio texto anteriormente escrito.
Na terceira vez em que respondi à indagação, passei a noite em claro fazendo uma autoanálise. A certa altura, sumarizei quem sou em três linhas, que se tornaram minha missão e me deram a decisão de que, a partir dali, estabeleceria como princípio ajudar também no desenvolvimento daqueles que me acompanhavam na jornada. Neste processo de tese, antítese e síntese, tornou-se claro para mim quem eu era e qual era meu propósito.
Entre arcos e flechas
Sou muito grata a meus pais, Raul e Isabel, por me darem a liberdade de tomar minhas próprias decisões. O poeta libanês Khalil Gibran já dizia: “Vocês são o arco de onde seus filhos são lançados como flechas vivas. O arqueiro vê o alvo no caminho do infinito, e ele curva o arco com seu poder para que suas flechas possam ir longe e rápido. Deixem que o seu curvar-se na mão do arqueiro seja pela alegria: pois mesmo enquanto ama a flecha que voa, ele também ama o arco que é firme”.
Nós, como pais e líderes, somos o arco que dá direção e estabilidade; e os filhos ou a equipe, flechas que traçam sua trajetória rumo ao alvo. Podemos apontar, mas o caminho percorrido pela flecha é só dela, ao arco não cabe mais acompanhá-la. Empoderar os demais, de modo a tomarem suas próprias decisões é nossa função como pais, líderes, gestores ou mentores. Não se trata de dizer-lhes o que fazer, mas colocar as melhores perguntas e oferecer as melhores alternativas e processos para ajudá-los a agir. É isso que busco, tanto com meus filhos quanto com minhas equipes. Percebi que, ao ser diretiva, vou mais rápido, mas, ao orientar e empoderar, vamos juntos e mais longe.
Sai o general, lidera o pastor
A partir destas reflexões, desenvolvi uma figura de linguagem alusiva a meu estilo de estilo de liderança, que identifico como “liderar desde atrás” ou leadership from behind. O paradigma de liderança das empresas ainda é baseado na estrutura militar, em que há uma cadeia de comando hierárquica e incontestável. O líder diz “sigam-me!” e todos o seguem, sem questionamento. Não é com isso que me identifico, e sim com a líder de líderes, mais como uma pastora do que como um general. De nada serve ao pastor gritar ao rebanho “siga-me!”, pois este não obedecerá. O pastor define o destino e a direção, deixando o rebanho ir em frente, abrindo seus próprios caminhos. O papel do pastor é garantir que cheguem em segurança ao destino, encaminhando as ovelhas que se distraíam ou desorientem no caminho.
Ao dar às equipes o empoderamento e a liberdade para que tomem seu rumo, nem sempre o caminho será o mais curto ou em linha reta. No entanto, é na riqueza de suas contribuições e propostas que se implementam as verdadeiras e mais sólidas inovações.
Velocidade e parceria
Do líder, exige-se o poder de conduzir a empresa pelas mudanças requeridas no cenário atual de volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade (VUCA, na sigla em inglês). A única verdade incontestável é a necessidade contínua de célere aprendizado. Neste processo, pode-se acertar, pode-se errar; o importante é acertar mais ou corrigir rápido, e não necessariamente deixar de errar. Para tanto, o líder deve ser capaz de gerenciar equipes: inspirando, orientando e desenvolvendo-as.
Constantemente debate-se as vantagens do processo de inovação contínua nas startups vis-à-vis à bem estruturada e ordenada governança das empresas tradicionais. Da mesma forma, discute-se o paradoxal choque de gerações, considerando a naturalidade com que a nova geração lida com a tecnologia digital e a diversidade vs. a habilidade analítica e o embasamento das decisões da geração pré-milênio. Independentemente do lado em que estejamos, profissional ou pessoalmente, a chave para o processo da transformação não está na adaptação, como definia Darwin em sua definição de seleção natural, mas no aprendizado e cooperação mútua. A evolução provém de deixar de proteger-se contra os concorrentes, para estabelecer parcerias no que hoje se conhece como coopetition, a colaboração de empresas concorrentes.
Neste contexto, as habilidades de empoderar como o arqueiro e liderar como o pastor tornam-se fundamentais para combinar competências e integrar equipes inovadoras e proativas, substituindo o hábito de batalhar em campos opostos.
Este é o modo, o lugar e o momento em que quero estar, como líder e como pessoa.