Credibilidade, coerência, honestidade e visão ampla são predicados essenciais do líder vitorioso
Na coluna desta semana, conheça a história de Josmar Verillo, CEO na Usina Santa Adélia
Publicado em 17 de março de 2023 às, 11h44.
Última atualização em 17 de março de 2023 às, 11h44.
Por Fabiana Monteiro
Ao longo de minha jornada profissional, apliquei todo o conhecimento amealhado na academia em minhas tarefas como executivo e como conselheiro dentro de corporações notáveis. Amparado por princípios robustos, como perseverança, coerência, credibilidade e visão estratégica pude contemplar meus objetivos com enorme êxito nas empreitadas nas quais me envolvi, ocupando no momento cadeiras significativas em conselhos de grandes empresas, além de atuar como CEO na Usina Santa Adélia.
Nasci em Ribeirão Bonito, no interior de São Paulo, em 24 de fevereiro de 1952. Meus avós eram lavradores, descendentes de italianos e, por conta da origem humilde, realizei meus estudos preliminares neste munícipio em escolas públicas, até concluir o ensino médio na capital paulista, sendo que trabalhava durante o dia e estudava à noite. Como minha mãe, Maria de Lourdes Locatelli Verillo, era funcionária pública e meu pai, Clemente Verillo, atuava na prefeitura, ganhando salários básicos, contava com poucos recursos nesta etapa da vida.
Contudo, consegui ingressar na PUC-SP, para cursar Administração de Empresas, graduando-me em 1979. Mantive a rotina de trabalhar durante o dia, inclusive para ajudar a custear a universidade. À época, trabalhei nas Páginas Amarelas, em que permaneci por nove anos e, posteriormente, ingressei nas Lojas Brasileiras, alocado no Rio de Janeiro.
Com ampla dedicação aos estudos, aproveitei a oportunidade de realizar um mestrado em Administração e Negócios no IESA, na Venezuela. Marcou como um período acadêmico bastante intenso, em uma instituição conceituada, e mantive o foco no aprendizado contínuo, além de ter trabalhado na embaixada brasileira em Caracas.
Ao concluir esse mestrado, rumei para a Inglaterra com o propósito de aprimorar o meu inglês, e por lá também atuei na embaixada brasileira. Na sequência, apliquei-me para entrar na Michigan State University, mesmo praticamente sem dinheiro, mas com o aporte de bolsa de estudos concedida pelo CAPES, concluí outro mestrado e fiz um doutorado em Economia na instituição.
A guinada do academicismo ao universo corporativo
Ao regressar ao Brasil, em 1989, fui contratado pela Klabin S/A, inicialmente como analista de planejamento. A empresa encontrava-se em um estágio no qual toda a diretoria tinha a idade bastante avançada, sem que houvesse um plano de previdência de aposentadoria. Porém, reverteram o modelo e muita gente optou por encerrar a carreira. Sendo assim, era transferido para diversas áreas dentro da companhia, inclusive assumindo cargos de diretoria. Já era casado e tinha filhos pequenos, o Ricardo e o Felipe, o que me possibilitava o deslocamento junto com a família. Em 1997, tornei-me o presidente da Klabin, totalizando mais de 13 anos dentro da corporação. Esse ciclo foi o responsável por me tornar um profissional de alto nível, como gestor, efetuando um trabalho que até hoje é reconhecido dentro da organização.
Sem dúvida, o ciclo na Klabin representa meu maior caso de sucesso. Quando ingressei, a fábrica encontrava-se em péssimo estado – recordo-me de levar representantes de um banco europeu para conhecer as instalações e me senti envergonhado. Já havia conhecido plantas escandinavas que eram impecáveis, e impus como meta reorganizar tudo.
Portanto, resolvemos implementar um programa que durou cinco anos para reestruturar todas as instalações. A Tetra Pak era nossa maior cliente e ela nos pressionava bastante por conta desta questão de arrumação, de higiene e de segurança. Após concluir esse projeto, as unidades da Klabin tornaram-se exemplares – até hoje recebo comentários elogiosos acerca do processo bem-sucedido, algo que me enche de orgulho. Esse processo de mudança de cultura é um marco, e quando deixei a presidência da companhia, as fábricas já se encontravam no patamar escandinavo. Além disso, promovi na Klabin uma grande guinada estratégica, saindo de alguns negócios e expandindo outros, e esse planejamento feito vinte anos atrás trouxe a empresa ao sucesso que ela é hoje.
Depois desta longa trajetória, edifiquei uma carreira com passagens por diversas empresas. Na Alcoa, multinacional do setor de alumínio, ingressei em janeiro de 2003, para efetuar uma reestruturação, e deixei a instituição depois de dois anos, como Presidente para a América Latina. Em seguida, passei seis meses no BNDES como assessor do então ministro da fazenda Guido Mantega. Observei que tal atividade não contemplava os meus planos de carreira e parti para a Bahia Pulp, hoje Bracell, voltada para o segmento de celulose. Pude vivenciar uma experiência internacional muito grande, inclusive com passagens pela Indonésia e frequentes viagens para a China, algo bastante enriquecedor.
Em 2008, fui para a Tonon Bioenergia, em Bocaina-SP, e assim voltei a morar no interior paulista. Todo dinheiro poupado eu investi em terras na região de Ribeirão Bonito. Um tio, Domingos Locatelli me ajudava a administrar tais investimentos, em função de eu não dispor de tempo para isso. Na Tonon construímos uma usina nova em Mato Grosso do Sul, e depois de três anos, na posição de Diretor Presidente, resolvi deixar a empresa, após o ingresso de um fundo de investimentos na empresa.
As conquistas obtidas como executivo e conselheiro
Posteriormente, passei um ano em Pomerode-SC, como conselheiro e CEO da Kyly, companhia de roupas infantis. Em paralelo aos cargos que ocupava, integrei o conselho de corporações como Fleury Medicina Diagnóstica, Instituto Hermes Pardini, Companhia Industrial Cataguazes, Grupo Nasa, uma distribuidora de veículos, Companhia Muller de Bebidas, Paper Excellence, e Cipalam Indústria e Comércio de Laminados – nessas duas últimas estou até hoje.
No final de 2021, recebi o convite para ajudar na reestruturação da governança da Usina Santa Adélia, situada em Jaboticabal-SP. A família já não atuava em posições executivas da companhia – excetuando um diretor – e tive como incumbência participar do processo de transição da empresa. A pedido da família, assumi o cargo de CEO da companha para completar a transição para uma empresa plenamente profissionalizada.
Sendo assim, divido o meu tempo entre a Usina Santa Adélia, a Paper Excellence e a Cipalam. Neste ínterim, desenvolvi também um negócio na propriedade que possuo, aliando minhas tarefas como produtor rural na Fazenda Santa Eliza, com o desenvolvimento de um hotel fazenda chamado Santa Eliza Eco Resort que está performando muito bem. Escolhi um gestor para tocar o hotel, e outro para tocar a parte agrícola. Obviamente, preciso estar presente sempre que possível, resultando em uma vida bastante corrida.
A Filosofia e a composição do perfil multidisciplinar
Ao longo dessa trajetória, contei com o auxílio essencial na formação de meu perfil profissional. Tive um professor na Venezuela, o Pedro de Friedman, que lecionava Filosofia e, durante dois anos, estudamos com afinco a disciplina, iniciando com Platão até Martin Heidegger – era tão interessante que passávamos os fins de semana reunidos, debatendo conceitos.
Esse professor exerceu uma influência muito grande, pois os latino-americanos têm uma tendência de viés esquerdista. Inclusive, quando cheguei na Venezuela, era mais alinhado aos conceitos da esquerda mas, paulatinamente, fui mudando a minha visão de mundo. Além disso, ele teve participação fundamental em promover o estímulo de investir no aprendizado contínuo. Essa formação filosófica me ajuda profundamente a ser um bom gestor, ao tecer excelentes relações interpessoais, e como lidar com as pessoas.
Além do Pedro de Friedman, tenho um amigo, o José Valentim Sartarelli, um pouco mais velho, oriundo de uma família muito humilde. Ele começou a estudar com extrema força de vontade, ingressando na FGV em primeiro lugar, para depois realizar um doutorado na Michigan State, e me incentivou muito a ingressar na instituição. O José sempre foi um grande gestor e ao se aposentar se tornou reitor de uma universidade nos Estados Unidos.
Cheguei a ser convidado para permanecer em Michigan como professor. Mas havia assinado um compromisso com a CAPES, atestando o meu regresso ao término do doutorado – sentia-me impelido a voltar para exercer os meus aprendizados em prol do desenvolvimento brasileiro. Tentei ingressar em algumas universidades para ser docente, mas existe uma dificuldade muito grande nesse processo no Brasil.
Todavia, com a oportunidade ofertada pela Klabin, deixei o plano de enveredar pelo academicismo para me tornar um executivo. Inclusive, a minha tese de doutorado foi pautada com dados da própria empresa que me autorizou a utilizá-los para que concluísse o doutorado. A tese abarcava o tema de estatísticas com equações correlacionadas, com foco na substituição de energia por capital.
O perigo de ser traído pelo ego e a fuga da realidade
Com toda a maturidade adquirida do decorrer da vida, sequer titubeio ao apontar qual é o maior desafio para um ser humano, num cargo executivo: saber lidar com o ego. Conforme o sucesso aparece e os projetos logram êxito, certas pessoas em seu entorno começam a lhe bajular, inclusive com um certo grau de falsidade. Isso induz a sair da realidade, ressaltando que isso acontece com quase todo mundo. O filme sobre o Carlos Ghosn demonstrou claramente quando ele começou a perder essa noção, sentindo-se um Deus.
Saber lidar com valores, com estratégias, inserido em grandes corporações, é um grande desafio para o executivo – precisa estar sempre atento com o processo de autoanálise para verificar se não está perdendo a humildade, vivenciando o lúdico prejudicial, pois isso leva a erros enormes. O estudo em filosofia me ajudou bastante neste sentido, de manter os pés no chão, sem ostentar, evitando exageros, tratando bem as pessoas. Porém, observei in loco muitos profissionais caírem nas armadilhas do ego.
No universo corporativo é difícil de se estabelecer relações de amizades de alta confiança. Manter uma certa distância é fundamental, pois se você começa a tomar decisões baseadas em relações mais próximas, os problemas tornam-se iminentes, por não contemplarem a eficiência. Por isso, sempre fui contra familiares integrarem o quadro executivo das empresas pelas quais passei.
Quando busco alguém para ocupar determinado cargo, prefiro que não seja um amigo, parente ou alguém próximo dos acionistas. Priorizo o profissional que possa ser dispensado, caso cometa um erro grave. Os vínculos de amizade afetam essas ações – considero complicado constituir determinados níveis de amizade no nível corporativo. No meu caso, meu círculo é composto por amigos que já conheço há muito tempo, do interior.
O desafio de conciliar diversas funções logrando êxito
Nesta breve biografia, discorri como me deparo com inúmeros desafios em meu cotidiano. O desenvolvimento pessoal é uma tarefa extremamente difícil de se implementar. Não raro, faltam profissionais devidamente treinados ou já desenvolvidos para ocupar cargos relevantes. Esse é um problema generalizado no Brasil, e precisamos lidar com esse obstáculo com programas implementados dentro da empresa. Um dos maiores “gargalos” do país é a qualificação dos seus recursos humanos.
Outro aspecto diz respeito às diferenças entre as atuações como executivo e como conselheiro. O cargo corporativo exige mais, haja vista o tamanho da responsabilidade de ser o responsável direto pela organização. Até fisicamente é mais complexo, pois requer estar presente, respondendo ao conselho de administração e aos acionistas.
No Conselho a “pegada” é diferente. Por ser a “cabeça” da empresa, o Conselho proporcionará uma orientação estratégica, direcionando os rumos da empresa. O conselheiro não pode ser um “peso morto” no board, tem sempre que contribuir, envolvendo-se com a instituição, compreendendo o negócio, tendo em vista levar informações relevantes para a boa performance da companhia.
Contudo, a pandemia, que foi um desastre global, trouxe um lado positivo, facilitando a comunicação. É possível realizar reuniões de qualidade, mesmo à distância, com a capacidade de prover apresentações bem-feitas, muito em função da tecnologia disponível. Criou-se uma nova forma de relacionamento, na qual há espaço para o trabalho híbrido. No meu caso, se tais ferramentas não existissem, jamais poderia exercer todas as funções as quais estou envolvido no momento.
É de suma importância perceber como o mundo mudou em diversos aspectos, da maneira como se trata a segurança no trabalho, as pautas ambientais – tudo isso remete a um processo de adaptação permanente. Faço parte do IBGC, que promove uma série de cursos voltados para manter os conselheiros e executivos atualizados, de forma que possam contribuir para a melhoria da governança em suas organizações.
Jamais se desvencilhe do espírito de luta; aja com garra
“Só o trabalho provém dignidade ao indivíduo – aprendi isso com o meu avô. Com 90 anos, ele não aceitava ajuda do meu pai e vivia com o que ganhava como trabalhador rural. É o valor de poder dizer: ‘eu ganho o meu sustento’.
Observo que falta muito brio, atualmente, nas novas gerações; os jovens estão mais preocupados em alcançar o sucesso rapidamente. Estou com 70 anos, mas trabalho como se tivesse 20, e vivo isso de forma natural.
Além disso, é preciso ter garra, ter integridade e ser honesto. São princípios fundamentais, tendo em vista de realizar as coisas corretamente. Enfim, trata-se de realizar as atividades do dia e dormir com a consciência tranquila, em paz consigo próprio.
Jamais podemos perder o espírito de luta, algo que deve ser permanente em busca dos seus objetivos. Com persistência, edifica-se uma carreira bem-sucedida, e o legado é a consequência dos triunfos obtidos. No final, você colherá as benesses merecidas, inclusive contribuindo com o desenvolvimento da sociedade”.