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Como se manter na liderança dentro de um universo tão concorrido

Em sua coluna desta semana, Fabiana Monteiro conta a história de Clarice Fukuya, General Manager/Latam Sales Director da Innophos Brasil

Clarice Fukuya, General Manager/Latam Sales Director - Innophos Brasil (Innophos Brasil/Divulgação)
Clarice Fukuya, General Manager/Latam Sales Director - Innophos Brasil (Innophos Brasil/Divulgação)
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Histórias de sucesso

Publicado em 13 de maio de 2022 às, 15h36.

Por Fabiana Monteiro

O conhecimento não está só nos livros, mas na vivência. A visão ampliada traz as oportunidades diante de um mundo em transformação. É preciso estar atento.

Quando decidi cursar Engenharia de Alimentos, meus amigos diziam que eu seria cozinheira de pudim. Era um curso novo, ninguém conhecia direito, mas foi isso que me chamou atenção em uma palestra sobre carreiras, já que eu estava indecisa. “Uma carreira nova... a indústria alimentícia está inovando, pode ser uma grande oportunidade!”, pensei.  E assim defini minha vida profissional.

Estudei até o 5º ano do ensino fundamental em escola pública, mas pedia todos os dias aos meus pais para estudar em um colégio particular, pois achava que seria mais forte. Apesar de não terem completado os estudos, meus pais sempre incentivaram os filhos a estudar. Sou a filha mais velha (somos três) de um imigrante japonês, que chegou ao Brasil com 18 anos de idade. Minha mãe também é descendente de imigrantes japoneses, nascida e criada no interior de São Paulo.

Obstinada por desafios

Desde pequena, vivendo em São Paulo, adorava estudar, ver o mundo através dos olhos dos professores, aprender. Até que consegui convencer os meus pais e entrei no Colégio Objetivo Júnior, meu primeiro desafio pessoal.

Éramos muito simples, eu não conhecia shoppings, não frequentávamos restaurantes, eu me lembro de que tinha vontade de comer no restaurante América, achava um luxo, mas eu nem saberia como me comportar lá dentro. Até que no novo colégio me deparei com pessoas com outro padrão de vida, gente que viajava para a Europa, falava da Disney e eu nem sabia onde ficavam esses lugares! Na nova escola eu tinha aulas de inglês e todo esse novo mundo foi importante para que a ambição crescesse dentro de mim. De repente, minha visão de mundo foi ampliada: enxerguei que eu poderia viajar, falar outras línguas, usar terninho, ser executiva. “Eu achava tudo isso muito chique, hahaha”!

Cursei do 6º ao 9º ano no Objetivo, mas eu ainda queria mais. Eu escutava falar do colégio Bandeirantes, que sempre teve a fama de ser muito difícil, e lá fui eu para mais um desafio!

Entrei em Exatas no ensino médio do Bandeirantes. Eu tive muita dificuldade de relacionamento, foi uma fase bem difícil, já que eu era introvertida, sobretudo nessa época chata da vida que se decide seu futuro, tão jovem, fase de vestibular, indecisão de carreira, muita pressão por escolher, se encontrar...

Até que fui na tal da palestra que falaram da Engenharia de Alimentos, e eu, enfim decidi, e entrei feliz na Escola de Engenharia Mauá para “fazer pudim”. Tive a sorte de meus pais poderem custear essa faculdade tão prestigiada!

No quarto ano da faculdade, estagiei na área de qualidade e produção da Cepêra, indústria que produz molhos. Fiquei surpresa como o processo, e a realidade do dia a dia diferem do aprendizado acadêmico, isso me abriu novos horizontes, exatamente por enxergar o que eu NÃO queria.

No 5 º ano consegui um estágio no departamento de vendas técnicas na Tovani Benzaquen, empresa de distribuição de ingredientes alimentícios. Eu passava o dia visitando clientes, conhecendo novas pessoas, estabelecendo relacionamento comercial, batendo metas. Trabalhar com números, dentro das Ciências Exatas, sem rotina, enfim eu havia me encontrado.

Foi na época da Mauá que conheci o Mauro, engenheiro mecânico, com quem estou casada há 16 anos. Temos um casal maravilhoso de gêmeos com 13 anos de idade. Minha alegria e a maior conquista é definitivamente a minha família.

Saí da faculdade já empregada nessa empresa de distribuição, onde aprendi a me expor, a planejar reuniões, a organizar a agenda, a estabelecer meu networking, a cumprir e a bater metas. Sempre agradeci às oportunidades que me foram dadas, reconheço que não cresci sozinha: tive mentores que se doaram e me ensinaram muito quando eu era recém-formada. Digo com alegria e orgulho que sempre tive - e continuo tendo - líderes com habilidades únicas que me proporcionam aprendizado constante.

Do final de 1998 a 2004 passei pela Bunge Alimentos e pela Rhodia - atualmente uma empresa do Grupo Solvay. Foi na Rhodia que tive a oportunidade de viajar mais, e aprender sobre outros mercados e culturas. Reportei-me a chefes norte-americanos, mexicanos, franceses, ingleses, viajei pela América Latina, Estados Unidos e Europa. Até que a Rhodia vendeu a divisão onde eu era Diretora Regional de Negócios, e fui convidada a trabalhar na nova empresa formada pelo grupo, a Innophos. Um grande desafio, sobretudo porque ainda estava em formação, desligando da grande estrutura Rhodia, para ser basicamente uma nova empresa norte-americana no País, começando do zero. Não tinha como me contratar diretamente no Brasil e, portanto, tive que recusar a proposta inicial.

Foi, então, que eu decidi bancar mais um desafio enriquecedor em minha vida: abrir uma consultoria e aprender a gerir o meu próprio negócio. A partir disso todos os custos, os pagamentos, a produção e as vendas deixaram de ser meros números no papel, para afetar diretamente no meu bolso! Empreender no Brasil não é fácil, é preciso ter estômago e muita persistência. Respirei fundo e encarei.

Carreira e família: dá para conciliar

Eis que para minha surpresa, no final de 2005 recebo uma ligação para retornar para a Innophos como consultora, mas na condição de prestadora de serviço, pessoa jurídica. A Innophos é uma empresa de ingredientes especiais com uma extensa linha de produtos para o mercado Food, Health, Nutrition, Industrial e Agro. Com sede em Nova Jérsei, fábricas em outros estados dos EUA, México, Canadá e China, está presente em todos os continentes. É uma empresa de capital aberto na Nasdaq, que transita no segmento de especialidades químicas e commodities, com faturamento de US$800 milhões anuais e 1.400 funcionários por todo o mundo.

Minha atribuição seria expandir o mercado aqui no Brasil, e tornar a empresa significativa no País, já que era conhecida apenas como “ex-Rhodia”. Porém, eu já estava planejando priorizar a minha vida pessoal, e assim decidi continuar. Engravidei (eram gêmeos!), e fiz uma contraproposta para trabalhar meio período. E assim o fiz por quase dois anos, fazia no máximo algumas viagens internacionais curtas, pois resolvi focar na fase mais gostosa dos meus filhos, a infância. Neste período pude curtir e gravar suas descobertas, as primeiras palavras e dancinhas, registros que eu adoro reviver de vez em quando, para relembrar os momentos que fui infinitamente feliz e abençoada. É incrível como as crianças crescem e se desenvolvem num “piscar de olhos”!

Quando fizeram dois anos e começaram a ir para a escolinha, vi que era hora de retomar minha carreira em período integral. Voltei como Gerente Regional de Vendas nas Américas, com foco na América do Sul, onde a Innophos ainda não era conhecida, principalmente nos mercados de Food e Pharma.

A retomada

Durante esse começo eu tinha de me reportar a vários líderes de culturas distintas, e foi desafiador conquistar o espaço, a confiança e o reconhecimento deles. Pouco a pouco fomos abrindo clientes, estabelecendo a marca, reforçando parcerias, ganhando market share.

Trabalhei sozinha, como pessoa jurídica, para toda a região me reportando à sede, nos EUA, de setembro de 2005 até meados de 2009, quando, enfim, pude contratar minha primeira vendedora no México, onde temos escritório e produção. Nesse ínterim fui promovida a Diretora Regional de Vendas, responsável pelos negócios na América Central, América do Sul e Caribe para os segmentos de Food, Pharma e Industrial. Viajei muito, fiz a Innophos ser conhecida no mercado alimentício como grande produtora de fosfato em todos os países. E era engraçado pensar que toda a representação da empresa no Brasil era eu em home office.

Em 2014 finalmente consegui aprovar a abertura da entidade legal de vendas da filial brasileira, a Innophos Brasil! Passei a ser oficialmente a representante legal da empresa no País, assumindo a responsabilidade de Gerente Geral. Após muito batalhar por uma equipe, enfim pude contratar minha primeira gerente de vendas, uma conquista e tanto!

Atualmente a operação continua pequena, a nossa equipe é enxuta, mas de alta qualidade e de profissionalismo. Do meu pequeno escritório em São Paulo gerencio desde vendas de pacotes unitários de 25Kg de produto, até carregamentos de contêineres e navios com 2.500 toneladas. É um desafio prazeroso gerir negócios tão diferentes e grandiosos.

Depois da batalha, o reconhecimento

Quando, hoje, olho para trás e vejo de onde vim e como comecei, sinto orgulho, não da carreira em si, nem de títulos, mas do percurso, da trajetória que construí. Por ter feito a diferença, por ter acreditado, por não ter esmorecido quando as condições não pareciam tão favoráveis. Represento uma empresa da qual me orgulho, as pessoas atrelam meu nome à Innophos, e isso foi uma conquista minha, sem dúvida.

Defino-me como uma profissional objetiva, assertiva, competitiva e ambiciosa. Tecnicamente tenho conhecimento necessário para a posição, mas caso não o tenha, estou cercada por outros profissionais para aprender com eles. Entendo que ser produtivo é ser criativo, e ao mesmo tempo ter espírito de equipe. Avalio que a capacidade crítica e analítica de negócio, também é fundamental.

Espírito de equipe: sozinho, ninguém conquista nada

Ninguém obtém resultado sozinho no mundo corporativo, todos trabalhamos para o mesmo fim, e reconhecer que o sucesso não é somente seu, é parte do aprendizado e da sabedoria adquirida com a experiência. Certamente as decisões de cada departamento, de cada equipe, fazem parte da trajetória.

Na vida pessoal é a mesma coisa, para que eu trabalhe tranquila, preciso do suporte de uma ajudante em casa, dos filhos, do marido, da minha família. No fim, todos contribuem para o sucesso do meu trabalho, somos uma equipe.

Como se manter na liderança dentro de um universo tão concorrido?

Perspicácia e paciência são fatores essenciais para se manter como líder nos dias atuais. Honestidade também. Você tem que ser idônea para trabalhar em uma empresa norte-americana de capital aberto, e eu me orgulho de ter essa reputação, e ter contribuído para o bom resultado da empresa na América Latina.

Não sou milionária, mas avalio que tive uma carreira muito bem-sucedida, já que minha vida pessoal e profissional estão balanceadas, logo me proporcionam alegria de viver. Não sei se cheguei ao topo, mas sei que estou no meu topo.

Realização pessoal = sucesso

O sucesso é uma percepção pessoal. Aos 48 anos de idade, gosto da vida flexível que levo. Gerencio no Brasil uma equipe enxuta, porém madura, que cada um sabe o que faz. Não temos rotina, e estou cada vez mais à frente da parte estratégica, além da burocrática. Trabalho em casa quando quero, curto meus filhos, minha família, viajo de vez em quando e me reporto ao meu chefe nos EUA. Penso que no futuro ainda posso aprender mais em alguma outra multinacional do ramo, em uma posição diferenciada, e mais adiante, daqui uns 10 anos, gostaria de ser consultora. Creio que minha experiência pode contribuir com o crescimento de outras empresas. Enxergo um espaço para explorar!

Como vê o Brasil no contexto mundial?

As demandas estão mudando. É preciso estarmos atentos e abertos às constantes transformações do mundo, à nova era que está em andamento. Claro que a desigualdade atinge todos os países, alguns mais, outros menos, mas o Brasil é rico, a América Latina tem muito potencial. Temos que investir e acreditar que podemos mudar o Brasil. Estou confiante nessa nova etapa, os EUA demonstram crescimento, a guerra tecnológica está acirrada, sei que o mundo está difícil, mas temos novas demandas de novos produtos, vindas dos países emergentes. E o Brasil tem tudo para se sobressair nos próximos anos, vejo com otimismo o crescimento da indústria, a imobiliária principalmente. As coisas estão começando a se movimentar.

O que dizer a jovens estudantes ou em início de carreira?

Eu diria: “aproveite seu tempo”. O conhecimento não está só no estudo, mas na visão aberta para o mundo, na comunicação, nas relações interpessoais, na inteligência emocional, no caráter. O mundo mudou. Hoje em dia ser Youtuber é uma carreira, quem imaginou que seria assim? E daqui a 10, 20 anos vai ser diferente. Então, talvez não seja a Universidade, o MBA, o curso que te trará sucesso garantido em sua profissão, mas a absorção de experiências. Claro que a formação técnica te dá as ferramentas, mas é a visão ampliada que te dará as oportunidades, diante de um mundo em constante transformação. Tem que ter garra, persistência, acreditar, “ir atrás”. Eu diria para estarem atentos a tudo. Conheço pessoas que estudam, estudam, vivem a vida acadêmica e não se realizam profissionalmente, porque não têm traquejo com a vida. Não está nos livros, mas na vivência. O que mais aprendi em um MBA executivo que fiz na ESPM, foi a visão globalizada dos professores que atuavam no mercado nos passavam, a experiência que tiveram.

Faço questão de viajar com os meus filhos, ir para a Europa, por exemplo, para que sejam expostos a situações diferentes. Eles têm que estar abertos, que se adaptar onde quer que estejam. Para conhecer de tudo, e escolher o que de fato querem para a sua vida, para que sejam os melhores em seu ofício, e assim, serem felizes e prósperos.

Eu sentia frustração de não viajar, queria conhecer o mundo, mas meu pai tinha receio de me mandar para um intercâmbio nos EUA, porque ele viveu a bomba de Hiroshima, ele tinha pavor que eu pisasse lá. Então, essa vontade de viajar sempre regeu minha vida, hoje eu viajo três vezes por ano aos EUA e ensino o que posso aos meus filhos.

Na época do vestibular, não temos maturidade para escolher a profissão do nosso futuro. Você não tem certeza, é muito cruel. E é difícil ter a sacada, às vezes, é simples, as oportunidades são imensas, as escolhas, infinitas, podemos sonhar, reinventar! Mas a cobrança de “estudar, estudar e estudar”, não nos permite enxergar. A pessoa que estiver antenada, no entanto, vai entender e definir seu futuro com tranquilidade e certeza.

Quanta gente se forma e abandona porque o mercado está saturado? Eu acho que daqui a 10 anos o mercado não se abrirá para quem tem uma formação, mas para quem tem a habilidade de ter várias formações. Meus filhos dizem que querem ser médico, dentista, economista, fiscal, veterinário, sonham em ser um montão de coisas, é lindo... Eu digo que eles podem ser o ele que quiserem, mas só terão sucesso e fazer dinheiro se conseguirem extrair o máximo de seu talento.

O recado é: “Enjoy the journey”. Aproveitem a viagem, prestem atenção na beleza do caminho, ao invés de só quererem chegar ao destino final.