(Global Partners)
Colunista
Publicado em 9 de maio de 2025 às 18h09.
Em um mundo repleto de desafios e cobranças vindas de todas as direções, não é fácil administrar tantas responsabilidades. Muitas vezes, o que verdadeiramente nos falta é paz interior para encarar essas situações de maneira equilibrada. Sou movida por uma busca constante pelo conhecimento, e a leitura desempenha um papel essencial nesse processo. Entre tantos livros que já tive a oportunidade de explorar, um deles, em especial, continua a me inspirar até hoje: Kilomètre Zéro (A jornada de Maelle). A experiência dessa leitura foi transformadora e trouxe insights valiosos que me permitiram encarar as adversidades com mais leveza, resgatando atividades que me proporcionam bem-estar, como o yoga, além de outras formas de autocuidado. Mesmo diante do inevitável estresse, incorporar essas ferramentas no dia a dia melhorou consideravelmente a minha performance.
Sou francesa, natural de Paris, e cresci ao lado da minha irmã em um ambiente modesto e tranquilo. Venho de uma linhagem materna marcada por mulheres extremamente independentes e disciplinadas, que se incumbiram da missão de cuidar das crianças. Esse posicionamento firme foi uma necessidade imposta pelo contexto histórico, já que todos os homens ficaram ausentes, envolvidos na Primeira e Segunda Guerra Mundial. Assim, essa força e autonomia tornaram-se traços predominantes entre as mulheres da família.
Pelo lado paterno, há uma dinâmica diferente. Meu pai, o mais jovem entre cinco irmãos, cresceu protegido e amparado, o que contribuiu para que desenvolvesse uma sensibilidade especial voltada às relações interpessoais. Priorizava o bem-estar coletivo, demonstrando um olhar cuidadoso para as pessoas ao seu redor. Essas duas heranças, tão importantes, coexistem fortemente em mim. E esta conjuntura da guerra deixou marcas e um legado que moldou a história da família, da qual sempre valorizei, e me fez compreender como o passado influencia a forma como enxergo o presente e planejo o futuro.
Como a ciência me levou ao mundo dos negócios e à liderança global
Passei muitos anos vivendo em Paris e, desde a adolescência, desenvolvi um interesse pela área da saúde, especialmente por Biologia e Bioquímica. Foi assim que decidi ingressar na universidade e cursei Ciências. Durante o terceiro e quarto anos, fiz estágios em laboratórios de pesquisa, e foi nesse período que percebi que o ambiente laboratorial não correspondia às expectativas que havia criado. Essa constatação me levou a buscar novas possibilidades e a repensar meu caminho dentro do universo científico.
Para tomar a melhor decisão sobre minha carreira, procurei a orientação de um consultor especializado da universidade – que conta com um escritório dedicado a esse tipo de apoio. Durante nossa conversa, ele identificou minha habilidade para relações interpessoais e me perguntou se eu gostava de lidar com pessoas. Ao responder positivamente, ele sugeriu que eu explorasse o nicho comercial. E assim o fiz.
Dei os primeiros passos no ramo de vendas, visitando hospitais e laboratórios na região de Paris, França. Anos mais tarde, decidi expandir para um panorama global. A organização na qual trabalhava me ofereceu a chance de abranger o segmento europeu, inclusive coordenar a área comercial de uma pequena subsidiária na Alemanha. A experiência internacional despertou um grande interesse em ampliar ainda mais meus horizontes. Com isso, deixei essa primeira companhia, de porte reduzido, para ingressar em um time executivo de maior expressão, onde permaneci por sete anos.
Nesse período, tive o privilégio de gerenciar operações comerciais em diversas regiões, incluindo América Latina, Europa e África. Gradualmente, fui avançando na categoria em que atuo, ocupando posições estratégicas, até chegar à diretoria comercial da Europa e África. Esse crescimento consolidou ainda mais a vontade de atuar internacionalmente, permitindo um impacto mais abrangente e intenso.
Enxergue pessoas sem estereótipos culturais
Com essa visão em mente, decidi explorar outros horizontes e recebi um convite para integrar uma organização com cobertura multinacional, estruturada em diversas filiais ao redor do mundo. Foi então que ingressei em projetos voltados à saúde pública, com foco em países que contavam com recursos financeiros reduzidos, como algumas nações da África, Ásia e América Latina. Liderei programas de investimentos internacionais voltados ao fortalecimento dos sistemas de saúde, trabalhando em conjunto com ministérios e instituições para viabilizar o acesso à saúde em regiões vulneráveis. A experiência foi extraordinariamente proveitosa, mas havia o desejo de passar pelo cotidiano profissional em um novo país de forma mais imersiva.
Coincidentemente, a empresa para a qual já havia atuado na Europa e na África entrou em contato novamente, informando que estavam estruturando uma filial no Brasil e sabiam do meu interesse em expandir para outro território. Diante da proposta de liderar essa nova operação, aceitei prontamente. Fiz as malas e cheguei ao Brasil em 2017, comandando a gestão da filial no Sul do país durante três anos. Posteriormente, ampliei a atuação para toda a América Latina, consolidando-me como diretora da região, o que permitiu que eu contribuísse de forma estratégica para o avanço do setor e para a formulação de soluções que impactam positivamente a saúde global.
No decorrer do tempo, lidei com diversas culturas. E apesar das particularidades de cada uma delas, no cerne de tudo está a essência humana. O verdadeiro diferencial está na forma como nos relacionamos com as pessoas, enxergando o outro como indivíduo, sem reduzi-lo a uma nacionalidade ou a um estereótipo cultural. Afinal, independentemente das origens, todos compartilham emoções, desafios e anseios.
Busque o equilíbrio entre mente aberta, razão e sensibilidade
Um conselho valioso para quem projeta uma jornada além das fronteiras nacionais, é possuir a mentalidade aberta para absorver novas perspectivas. Por menor que seja, cada pessoa carrega consigo alguma influência cultural que molda a forma de perceber o mundo, consequência da educação recebida e das bagagens acumuladas. Portanto, aterrissar em um novo país com a mente receptiva é um diferencial estratégico. O panorama atual exige um perfil de liderança adaptável, em que saber ouvir também se torna uma habilidade essencial.
Quando cheguei ao Brasil tinha uma noção prévia, restrita das experiências adquiridas em viagens a trabalho. A verdadeira compreensão surgiu no dia a dia, interagindo com a equipe, analisando diferentes pontos de vista e reconhecendo que cada cultura tem aspectos singulares que, quando combinados, podem gerar resultados excepcionais.
Ao me conectar com profissionais brasileiros desenvolvi um olhar mais atento para as emoções, o que não era tão comum para mim. Esse olhar me propiciou maior leveza nas interações, e percebi a relevância em equilibrar razão e sensibilidade. Adotar uma visão estratégica e empática, analisando o contexto com clareza, possibilita entender melhor a realidade dos colaboradores e as necessidades dos clientes.
Propósito e engajamento transformam resultados
Manter uma equipe motivada e envolvida é uma tarefa árdua, pois cada indivíduo possui características e expectativas distintas. Em virtude disso, busco constantemente ouvir e compreender quais são as principais preocupações do grupo. Essa percepção permite direcionar estratégias com mais precisão e criar um clima organizacional saudável.
Procuro contextualizar as deliberações, explicando os motivos por trás de cada escolha e deixando claro que, em um cenário globalizado, há inúmeras influências externas que impactam diretamente a empresa. Nos momentos mais complexos, trago à tona os avanços conquistados, analisando quais estratégias funcionaram e o que precisa ser ajustado para que, no futuro, os retornos sejam ainda melhores.
Como líder e, acima de tudo, como ser humano, também preciso estar constantemente inspirada e aberta a novos ensinamentos. Considero-me afortunada porque tive a sorte de encontrar três profissionais durante estes anos que deixaram marcas indeléveis no desempenho que alcancei. O primeiro foi um diretor comercial que, no início do percurso, dedicou energia para me ensinar tudo sobre vendas. Ele fez questão de me orientar, especialmente porque eu vinha de um segmento técnico e não tinha experiência comercial. Depois, trabalhei com um diretor, que por coincidência, já havia sido colega de outra fase da jornada. A troca de experiências foi extremamente frutífera para ambos. Ele não possuía vivência no comércio exterior, enquanto eu ainda era iniciante na gestão de equipes. E o terceiro exemplo veio de um empresário que comanda um grupo presente em diversos países, de grande porte. Apesar da magnitude da organização, ele reservava tempo para compartilhar sua visão e transmitir os valores nos quais acreditava, com muita paixão.
É justamente essa noção de propósito que, para mim, é um diferencial no engajamento das pessoas. Acredito que se cada um acordar pela manhã com a convicção de que está contribuindo para melhorar a vida de alguém, todo esforço vale a pena.
Oportunidades surgem para aqueles que investem no próprio desenvolvimento
Na equipe, há profissionais mais jovens, naturalmente impacientes, que frequentemente expressam o desejo de alcançar uma remuneração específica de imediato, baseando-se na percepção das próprias competências. Lidar com essas expectativas exige sensatez. Por essa razão, costumo convidá-los a refletir sobre o que desejam alcançar, pois saber o valor que almejam receber é um detalhe, mas é fundamental para ajudá-los a enxergar que ainda há muito a ser aprimorado, não como uma crítica, mas como um incentivo à evolução. Para isso, ofereço suporte, seja por meio de treinamentos estruturados, seja pela orientação de um mentor, que pode ser um gestor ou alguém que exerça influência benéfica sobre eles. E essa capacidade de absorver novas informações, de aceitar treinamentos e buscar qualificação, está diretamente ligada ao crescimento.
Reforço que para criar novas perspectivas é primordial identificar o que motiva e dá sentido ao trabalho. Quando esta clareza surge, a jornada se torna muito mais gratificante. Aprender uma nova língua também é fundamental. E isso não acontece de um dia para o outro. Requer prática constante, com recursos que insiram essa vivência no cotidiano. O compromisso com o aprendizado é o que possibilita essa evolução.
Tenha uma postura colaborativa
Algumas posturas e atitudes podem impactar negativamente o crescimento corporativo. E estar atento a esses fatores é imprescindível para uma carreira bem-sucedida. No âmbito de trabalho, demonstrar interesse e cultivar uma postura colaborativa são fatores determinantes para alavancar na carreira, bem como o estabelecimento de um diálogo transparente com a liderança. Expresse suas aspirações e esteja aberto a orientações. Apenas os profissionais que evidenciam receptividade para novas demandas, com proatividade e vontade de evoluir são capazes de se destacarem.
Desenvolva estratégias para conquistar respeito sem abrir mão da postura profissional
Ao olhar para trás, vejo as inúmeras barreiras que enfrentei, bem como as conquistas alcançadas. Entre elas, me recordo da entrada no mercado internacional como sendo a mais marcante. No início, junto ao fato de ser mulher, era jovem e possuía pouca experiência no setor comercial. Minha formação não estava voltada para o comércio exterior, mas fui adquirindo conhecimento na prática, superando os obstáculos gradativamente. Em determinados países, havia ocasiões em que alguns líderes empresariais evitavam sustentar contato visual durante reuniões. Diante disso, precisei desenvolver estratégias para conquistar respeito sem abrir mão da postura profissional. Encontrar esse equilíbrio foi uma sabedoria valiosa, e, sem dúvida, um sucesso absoluto.
Outra notável transição ocorreu quando deixei a área de vendas para exercer um papel mais abrangente na gestão corporativa. Ao assumir responsabilidades no Brasil, a colaboração da equipe foi indispensável para compreender o funcionamento local. No início, houve certo desconforto, pois tenho um perfil analítico e detalhista, o que me levava a querer controlar cada aspecto do trabalho. No entanto, tive uma robusta rede de apoio dos parceiros de trabalho, e até de amigos que fiz no Brasil. Eles compreenderam as dificuldades que tive, e valorizavam as habilidades que possuo, tornando o mecanismo mais simples para que essa adaptação fosse bem-sucedida.
Ocasiões favoráveis podem ser geradas, não apenas aguardadas
Entrar no mercado de trabalho é um ciclo repleto de dúvidas e incertezas, mas algumas diretrizes podem tornar esse percurso mais fluido. A primeira questão que considero relevante é escolher uma atividade alinhada a um propósito genuíno. É evidente que a remuneração tem um papel crucial na vida, mas quando há afinidade com a ocupação exercida o trabalho se torna algo verdadeiramente prazeroso, permitindo um progresso mais natural e consistente. Estar atento às janelas promissoras também é um diferencial. Muitas surgem naturalmente, mas várias podem ser provocadas. Tenha discernimento para identificá-las e iniciativa para aproveitá-las. Cada um é protagonista da própria história. Esperar que portas se abram sem esforço pode limitar o crescimento.
Ansiar diferentes perspectivas e ouvir opiniões diversas é enriquecedor, mas, no fim, cada pessoa precisa tomar suas próprias decisões e agir de acordo com aquilo que acredita. A esfera empresarial é dinâmica e repleta de ruídos. Por isso, zelar pela autenticidade e sustentar convicções se faz importante, assim como entender que obstáculos sempre existirão, mas há soluções para eles.
Paralelo a isso, ao ingressar em uma organização, compreender sua cultura e valores é indispensável. Cada empresa tem uma identidade, e alinhar-se a esses princípios facilita a adaptação e aumenta as chances de sucesso. Por fim, mais do que apenas executar tarefas mecanicamente, envolva-se ativamente e construa relações profissionais sólidas, valorizando as interações humanas. Essas atitudes darão um salto positivo na jornada, e enriquecerão a sua trajetória pessoal. Afinal, no centro de qualquer negócio estão as pessoas. E são essas conexões que fazem toda a diferença no caminho para o sucesso.
Leitura recomendada por Brigitte Dacosta:
Kilomètre zéro: le chemin du bonheur, de Maud Ankaoua. Editora: J'ai lu, 2019.
No Brasil, é conhecido como A jornada de Maelle: que caminhos você trilharia em busca da felicidade?, publicado pela editora Vestígio em 2023, com tradução de Andreas Valtuille.