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Buscar o que se gosta é meio caminho andado para o sucesso

Para a CEO da DHL Express Brasil, "ir atrás do que se gosta é meio caminho andado para o sucesso"

Mirele Griesius Mautschke, CEO da DHL Express Brasil (DHL/Divulgação)
DR

Da Redação

Publicado em 11 de fevereiro de 2022 às 14h57.

Última atualização em 15 de fevereiro de 2022 às 09h55.

MIRELE GRIESIUS MAUTSCHKE* por Fabiana Monteiro
CEO da DHL Express Brasil

Nasci e vivi a vida inteira em Jundiaí, cidade que é próxima a São Paulo e a Campinas. Mesmo sempre trabalhando na capital paulista, nunca desejei mudar de lugar. A minha família é daqui e sou a caçula de irmãs mulheres. Fiz toda a educação formal no colégio católico Divino Salvador, mantido pelos padres Salvatorianos, onde comecei aos seis anos e só saí quando terminei o atual Ensino Médio. Aliás, minhas outras duas irmãs também estudaram lá, assim como meu pai, um administrador de empresas.

Sempre gostei bastante da área de Exatas, especialmente Matemática e Química, e acabei fazendo a graduação na Universidade Mackenzie, em um curso que, à época, chamava-se Engenharia de Materiais, Modalidade Química. Os primeiros dois anos eram básicos e, depois, acabei escolhendo materiais, como polímeros e cerâmicas. Fazer estas escolhas na adolescência não foi algo fácil. Cheguei a fazer testes vocacionais e pensava cursar Direito ou Administração, como meu pai. Contudo, no final, respaldei minha escolha nas aptidões que demonstrava em ambiente escolar. No fundo, foi uma decisão de última hora em que ouvi simplesmente minha intuição. Isso é algo que ainda venho buscando desenvolver em mim, que é acreditar mais nos meus instintos. Daquela vez os segui, e deu certo.

Foi meu pai quem me ensinou a pensar e a praticar o raciocínio lógico. Por conta de sua formação e experiência, tinha facilidade com cálculos. Ele não era do tipo que dava respostas, mas que nos desafiava a encontrá-las. Este processo era, muitas vezes, difícil e doloroso, pois algumas vezes eu chorava pedindo a resposta do dever de casa a ele, contudo acabei pegando o jeito e me desenvolvendo. Tornei-me racional demais e brinco que estou pensando o tempo todo.
Enfim, estudei no Mackenzie entre 1992 e 1996 e foram cinco anos de grande aprendizado. Neste período dava aulas de dança – balé, jazz e sapateado – para ajudar com as minhas despesas. A dança me acompanhou dos quatro aos 21 anos de idade, depois, por circunstâncias profissionais e da vida, tive de me afastar. Adoraria voltar a fazer algo neste sentido novamente, entretanto ainda não tive a coragem necessária de me dedicar a este desafio pessoal.

Uma espera de 11 anos

No último ano da graduação, como tinha que fazer o estágio obrigatório, acabei conseguindo na empresa Deca, atuando na área de cerâmica. Permaneci ali até a conclusão do curso, quando estava com 22 anos. Depois fui trabalhar em uma consultoria pequena de gestão de produtividade, ficando por mais um ano. Foi então que apareceu um processo seletivo para a DHL, que estava buscando profissionais formados em Engenharia, e me candidatei à vaga.

A empresa estava reformulando a área de Planejamento de Operações e eu via que tinha tudo a ver comigo. Se contratada, poderia trabalhar com Produtividade e Procedimentos, dentro de uma área de Planejamento. Aquela possibilidade me encantava e me fazia sonhar. No final do processo, foram contratados três engenheiros, entre eles, eu. Todos eram novatos, recém-formados e houve colaboração mútua, um apoiando o outro. Da empresa recebemos todo suporte e treinamento. Era onde queria estar, embora o local de trabalho fosse longe de casa. Mas ia feliz ao trabalho, ainda que gastasse quase cinco horas por dia entre ir e voltar para casa. Adaptei-me muito rápido à cultura da DHL. Trabalhava bastante, é verdade, e a minha chefe era muito exigente e detalhista. Todavia, aprendi muito com ela e me encaixei, pois era o que realmente queria.

Depois de dois anos, recebi uma promoção de uma forma muito rápida. Fui para a coordenação de uma área que a empresa estava buscando desbravar. O Brasil era muito importante para a rede e era necessário aumentar a cobertura das cidades atendidas por serviços de logística e transporte, para que facilitasse os negócios com outras nações. Precisávamos corrigir esta carência e lá fui eu escolher parceiros em localidades em que a DHL ainda não chegava.

Foi um período em que viajei bastante, conversando com interessados, definindo Acordo de Nível de Serviço (SLA), fechando contratos e oferecendo treinamento. Nesta posição, fiquei dois anos e fui promovida, desta vez para a condição de gerente. Neste novo papel pude realmente exercer a liderança, e isso me encantou. Não quis mais parar. Foi um pontapé inicial que precisava para perceber o quanto gosto de trabalhar com pessoas. Desde então, não me vejo mais trabalhando sozinha. Foi nesta ocasião que busquei fazer o MBA em Administração no Ibmec, concluído entre 2004 e 2005.

Como ainda não tinha bagagem suficiente, tive de aprender por tentativa e erro. Espelhava-me muito nos gestores que estavam ao meu redor, e assim fui me aperfeiçoando. Como gerente fiquei quatro anos, até que, em 2006, a DHL passou por mudanças. Neste período complicado, fui conduzida para uma outra gerência, dividindo a responsabilidade sobre o Brasil com outro gestor. Entretanto, foi algo muito rápido, pois, apenas sete meses depois, fizeram-me o convite para me tornar diretora de Operações. Estávamos em maio de 2007 e tinha apenas 33 anos. Para aquela época, era relativamente muito jovem para o cargo e com responsabilidade de gerenciar 70% dos funcionários da empresa.

Era uma missão enorme, e realmente deu aquele frio na barriga. Nesta cadeira, ficaria sentada pelos próximos 11 anos, até me tornar CEO, em fevereiro de 2018. No entanto, este não foi um tempo de acomodação. Ao contrário, foi de intenso trabalho e de grandes desafios. Coincidiu inclusive com a minha gravidez de gêmeos – Tiago e Larissa –, que nasceram em 2011. Como trabalhava com produtividade e otimização, brinco que até nisso contribuí com a empresa: uma única gravidez.

Neste lapso temporal de mais de uma década em uma mesma posição, cheguei a conversar com alguns headhunters, embora nunca tenha tido de fato a intenção de sair. Afinal, estava feliz com o que fazia e seguia me desenvolvendo. Mas é sempre bom estar de olho no mercado, até para saber como se posicionar diante de determinadas situações. No geral, deixava estes profissionais boquiabertos e a frase que se seguia era: “Nossa! Você está todo este tempo na mesma posição? Isso não é legal para o seu currículo”. O olhar era sempre negativo, apesar disso, não me sentia assim. Acreditava na minha carreira do jeito que eu a estava construindo. Sentia-me bem e estava feliz.

As armadilhas do caminho

Vi a senha de que seria preparada para chegar à presidência, ainda assim não foi nada explícito. Meu gestor não era de fazer planos de desenvolvimento concretos, mas muitos elementos eram percebidos nas entrelinhas, e me sentia capacitada. Seria uma movimentação natural, embora me sentisse realizada e pudesse continuar na posição em que já me encontrava por muito mais tempo. De onde estava, continuava contribuindo para o crescimento da empresa, da área e das pessoas.

Só que me vi diante de um ponto de inflexão muito grande, quando, no final de 2017, meu então líder, Joakin Thrane, foi convidado a mudar de posição. Eu tinha de tomar uma decisão: a de me candidatar ou não à posição dele. Por um lado, meu coração falava: “Você ama o que você faz, está na área certa, no coração da empresa, naquilo que tem habilidade”. No entanto, ao mesmo tempo, cobrava-me por estar impedindo que pessoas muito qualificadas e que estavam abaixo de mim mudassem de patamar. Se eu desse aquele passo, haveria uma movimentação enorme na carreira das pessoas. Já tinha preparado a minha sucessão há muito tempo e estava completamente confortável com isso.

Quando penso na trajetória que fiz até aqui, consigo ver as armadilhas com as quais lidei e das quais me livrei. A auto cobrança é certamente uma delas, pois sempre fui muito perfeccionista. Quando se administra isso de uma forma saudável, é positivo; contudo, se extrapola, tudo se torna muito mais complicado do que é. Entendo que minha exigência era, no fundo, alimentada pelo medo de falhar, de deixar as pessoas na mão. Hoje sou responsável por mais de mil famílias, sem contar nossos parceiros de negócios, e estou ciente de que minhas ações têm impacto sobre elas. Mas sei também que a auto cobrança em nível elevado não faz bem, porque nos faz viver sob contínuo e violento estresse.

Outra armadilha que também vivenciei, principalmente no início como gerente, foi a dificuldade de delegar. Parece algo banal, ainda assim é impressionante como isso faz mal ao gestor, ao liderado e à organização. Impacta inclusive a nossa saúde – e tive problemas em função disso –, além de impedir o desenvolvimento do time, minar a confiança mútua e levar à perda de produtividade e de lucratividade. Então é preciso aprender a delegar, inclusive responsabilidades. Com isso, os liderados se sentem parte do todo e trabalham mais engajados, aumentando assim a confiança e as suas entregas.

Entre desafios e superações

Tenho mais de 20 anos de empresa e todos os dias estou diante de algo diferente. Daí o apreço pela formação contínua. Cursos mais longos ou mais curtos, são essenciais para fortalecermos algum comportamento ou habilidade que precisamos desenvolver. Atualmente, a gama de tecnologias disponíveis é muito grande e não podemos ser completos ignorantes no assunto. Até porque precisamos ajudar as demais pessoas da empresa e dar o direcionamento. Aprender sempre é uma forma de se desenvolver, do contrário, ficaremos para trás.

Neste tempo de DHL, andei sempre para frente e tive muitos que contribuíram com isso. Por ser uma pessoa mais introspectiva e muito observadora, quando identificava alguma habilidade bacana que eu ainda não tinha, buscava aprender. Tive líderes diferentes em momentos diferentes nos quais pude me espelhar. Um deles foi Joakin Thrane, aquele que me antecedeu como CEO. Atualmente, Thrane responde pela DHL na região que compreende a América do Sul e Central. Ele tem várias qualidades, e, humano que é, também os seus defeitos. Espelhei-me muito nele, especialmente por ser extremamente estrategista, político e saber como conduzir os assuntos dentro da empresa. Aliás, fiz o mesmo com diversos profissionais. Observei-os e busquei tirar de cada um deles o que precisava aprender para me desenvolver.

Aprendi a liderar dentro da DHL e aqui pude realizar alguns trabalhos marcantes. O primeiro deles coincidiu com o momento em que fazia o MBA. Meu líder me chamou e disse que me tiraria da função e me deu a missão de montar, isoladamente, o planejamento estratégico da área para os próximos três anos. Não tinha experiência, mas era o que estava estudando e queria fazer. Por outro lado, sentia-me incomodada, pois temia não retomar meu antigo papel. Enfim, se o desafio estava dado, daria o melhor de mim. Fiz várias reuniões, conversei com diversas pessoas e aquilo acabou se tornando um momento de crescimento individual extraordinário. No final, até o CEO veio me elogiar pelo que tinha feito, e aquele se tornou meu primeiro case de sucesso.

Outro processo bem-sucedido foi minha promoção a diretora. Na sexta-feira fui para casa como gerente e, na segunda-feira, retornei à empresa na nova cadeira. Era um momento internamente tumultuado, quando passávamos por uma reestruturação. Confesso que julgava que não tinha a bagagem necessária para estar onde me colocaram. Foi uma aposta da empresa e só tinha em mim que não podia falhar. Mas a aposta deu certo. Quando assumi, em 2007, o Índice de Satisfação dos Funcionários da área era ligeiramente superior a 60%. Quando saí, estava na faixa de 91%.

Ali conseguimos colocar muito do que a empresa tem hoje, como valores e equilíbrio entre respeito e resultado. Todos fomos envolvidos e foi muito gratificante promovermos e assistirmos a essa transformação cultural acontecendo na área. Também foi um case de sucesso minha ascensão a CEO. A partir do momento que aceitei o desafio, obviamente, me dediquei bastante a fazer com que desse certo. O primeiro ano não foi fácil; os dois primeiros meses foram terríveis. Cheguei a me arrepender, embora hoje esteja muito satisfeita com esta decisão.

Sabia que a responsabilidade era grande demais. Sabia onde estava pisando, o que esperavam de mim e encontrei o meu ritmo. Como disse, o começo não foi fácil, não só por questões profissionais, mas pessoais. Aquele ano de 2018 foi marcante para mim, pois foi quando perdi o meu pai de repente e me submeti a uma cirurgia do coração. Entretanto, consegui superar e seguir adiante.

É preciso aceitar o outro do jeito que ele é

Alguns defendem, saímos do mundo Vuca (volátil, incerto, complexo e ambíguo) e entramos no mundo Bani (frágil, ansioso, não linear e incompreensível). Aqueles que não estiverem preparados para as mudanças ficarão para trás. Há mérito naquilo que fizemos no passado, porém, virou o mês ou o ano, são novos os desafios e já não sabemos as dificuldades que teremos de encarar. É vida nova! Mas, seja lá em que cenário estejamos, é preciso investir em diversidade e inclusão. É preciso criar ambientes em que as pessoas se sintam realmente acolhidas e tenham a percepção de que a empresa se importa com elas e que ali é um bom lugar para todos trabalharem. É preciso aceitar o outro do jeito que o outro é. E isso não pode ser da boca para fora.

Por outro lado, todo relacionamento precisa ser baseado em confiança. Esta é uma das habilidades comportamentais que mais prezo naqueles que estão comigo. É preciso também saber trabalhar em equipe, e nunca canso de destacar isso. Fala-se muito da importância da colaboração, e não é à toa. Hoje em dia, uma área precisa da outra e tudo funciona como uma grande engrenagem e conexão. O profissional que não sabe trabalhar em cooperação com as demais áreas está fadado ao fracasso, pois terá problemas sérios de relacionamento e também de entrega das suas atividades.

Valorizo também a positividade, qualidade que foi muito bem-vinda especialmente durante os períodos mais sombrios da pandemia. No seu auge, o medo de falhar bateu forte, não vou negar, por mais que venha aprimorando este lado otimista. Muitas vezes, tive de controlar bastante os medos e lembrava a mim mesma: “Preciso estar bem para liderar e ajudar a todos nesse momento. A mim cabe dar a direção”. Mas algo que percebi só depois é que, talvez, não teria problema se demonstrasse algumas de minhas vulnerabilidades. Afinal de contas, não preciso ser a heroína, carregar tudo aqui nas costas. Certamente, isso contribui para a criação de uma conexão emocional muito mais forte com as demais pessoas.

É preciso ter humildade para pedir ajuda

Ir atrás do que se gosta é meio caminho andado para o sucesso. Os desafios vão aparecer e é preciso estar preparado para saber enfrentá-los da melhor forma possível. Passa-se por altos e baixos, entretanto é preciso continuar firme junto àquele propósito. Desanimar, jamais! Nesta trajetória, é imprescindível estar sempre aberto a aprender. Os arrogantes, aqueles que pensam que já sabem tudo por conta da experiência acumulada, se enganam. O novo sempre está a nos surpreender. Quem, ao final de 2019, diria para que nos preparássemos para uma pandemia? Estamos sempre aprendendo, daí a importância da humildade para dizer: “Não sei”, “Preciso de ajuda”.

Se posso deixar uma mensagem final, diria para que nunca desista dos seus sonhos. Tenha sempre um grande propósito, algo que te mova, e vá atrás disso. É preciso força de vontade, por mais problemas que se encontre pela frente. Ouça com atenção as pessoas, pois é assim que se aprende. A prática da escuta ativa sempre é bem-vinda, pois ninguém é dono da verdade ou da razão. As opiniões divergentes enriquecem o nosso dia a dia e nos favorecem na tomada de decisões, geralmente, mostrando outros pontos de vista ainda não pensados. Essa troca é extremamente importante e, para que aconteça, é preciso estar disposto a ouvir. Afinal, humildade ajuda em qualquer circunstância, em qualquer tipo de relacionamento.

*MIRELE GRIESIUS MAUTSCHKE é CEO da DHL Express Brasil

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MIRELE GRIESIUS MAUTSCHKE* por Fabiana Monteiro
CEO da DHL Express Brasil

Nasci e vivi a vida inteira em Jundiaí, cidade que é próxima a São Paulo e a Campinas. Mesmo sempre trabalhando na capital paulista, nunca desejei mudar de lugar. A minha família é daqui e sou a caçula de irmãs mulheres. Fiz toda a educação formal no colégio católico Divino Salvador, mantido pelos padres Salvatorianos, onde comecei aos seis anos e só saí quando terminei o atual Ensino Médio. Aliás, minhas outras duas irmãs também estudaram lá, assim como meu pai, um administrador de empresas.

Sempre gostei bastante da área de Exatas, especialmente Matemática e Química, e acabei fazendo a graduação na Universidade Mackenzie, em um curso que, à época, chamava-se Engenharia de Materiais, Modalidade Química. Os primeiros dois anos eram básicos e, depois, acabei escolhendo materiais, como polímeros e cerâmicas. Fazer estas escolhas na adolescência não foi algo fácil. Cheguei a fazer testes vocacionais e pensava cursar Direito ou Administração, como meu pai. Contudo, no final, respaldei minha escolha nas aptidões que demonstrava em ambiente escolar. No fundo, foi uma decisão de última hora em que ouvi simplesmente minha intuição. Isso é algo que ainda venho buscando desenvolver em mim, que é acreditar mais nos meus instintos. Daquela vez os segui, e deu certo.

Foi meu pai quem me ensinou a pensar e a praticar o raciocínio lógico. Por conta de sua formação e experiência, tinha facilidade com cálculos. Ele não era do tipo que dava respostas, mas que nos desafiava a encontrá-las. Este processo era, muitas vezes, difícil e doloroso, pois algumas vezes eu chorava pedindo a resposta do dever de casa a ele, contudo acabei pegando o jeito e me desenvolvendo. Tornei-me racional demais e brinco que estou pensando o tempo todo.
Enfim, estudei no Mackenzie entre 1992 e 1996 e foram cinco anos de grande aprendizado. Neste período dava aulas de dança – balé, jazz e sapateado – para ajudar com as minhas despesas. A dança me acompanhou dos quatro aos 21 anos de idade, depois, por circunstâncias profissionais e da vida, tive de me afastar. Adoraria voltar a fazer algo neste sentido novamente, entretanto ainda não tive a coragem necessária de me dedicar a este desafio pessoal.

Uma espera de 11 anos

No último ano da graduação, como tinha que fazer o estágio obrigatório, acabei conseguindo na empresa Deca, atuando na área de cerâmica. Permaneci ali até a conclusão do curso, quando estava com 22 anos. Depois fui trabalhar em uma consultoria pequena de gestão de produtividade, ficando por mais um ano. Foi então que apareceu um processo seletivo para a DHL, que estava buscando profissionais formados em Engenharia, e me candidatei à vaga.

A empresa estava reformulando a área de Planejamento de Operações e eu via que tinha tudo a ver comigo. Se contratada, poderia trabalhar com Produtividade e Procedimentos, dentro de uma área de Planejamento. Aquela possibilidade me encantava e me fazia sonhar. No final do processo, foram contratados três engenheiros, entre eles, eu. Todos eram novatos, recém-formados e houve colaboração mútua, um apoiando o outro. Da empresa recebemos todo suporte e treinamento. Era onde queria estar, embora o local de trabalho fosse longe de casa. Mas ia feliz ao trabalho, ainda que gastasse quase cinco horas por dia entre ir e voltar para casa. Adaptei-me muito rápido à cultura da DHL. Trabalhava bastante, é verdade, e a minha chefe era muito exigente e detalhista. Todavia, aprendi muito com ela e me encaixei, pois era o que realmente queria.

Depois de dois anos, recebi uma promoção de uma forma muito rápida. Fui para a coordenação de uma área que a empresa estava buscando desbravar. O Brasil era muito importante para a rede e era necessário aumentar a cobertura das cidades atendidas por serviços de logística e transporte, para que facilitasse os negócios com outras nações. Precisávamos corrigir esta carência e lá fui eu escolher parceiros em localidades em que a DHL ainda não chegava.

Foi um período em que viajei bastante, conversando com interessados, definindo Acordo de Nível de Serviço (SLA), fechando contratos e oferecendo treinamento. Nesta posição, fiquei dois anos e fui promovida, desta vez para a condição de gerente. Neste novo papel pude realmente exercer a liderança, e isso me encantou. Não quis mais parar. Foi um pontapé inicial que precisava para perceber o quanto gosto de trabalhar com pessoas. Desde então, não me vejo mais trabalhando sozinha. Foi nesta ocasião que busquei fazer o MBA em Administração no Ibmec, concluído entre 2004 e 2005.

Como ainda não tinha bagagem suficiente, tive de aprender por tentativa e erro. Espelhava-me muito nos gestores que estavam ao meu redor, e assim fui me aperfeiçoando. Como gerente fiquei quatro anos, até que, em 2006, a DHL passou por mudanças. Neste período complicado, fui conduzida para uma outra gerência, dividindo a responsabilidade sobre o Brasil com outro gestor. Entretanto, foi algo muito rápido, pois, apenas sete meses depois, fizeram-me o convite para me tornar diretora de Operações. Estávamos em maio de 2007 e tinha apenas 33 anos. Para aquela época, era relativamente muito jovem para o cargo e com responsabilidade de gerenciar 70% dos funcionários da empresa.

Era uma missão enorme, e realmente deu aquele frio na barriga. Nesta cadeira, ficaria sentada pelos próximos 11 anos, até me tornar CEO, em fevereiro de 2018. No entanto, este não foi um tempo de acomodação. Ao contrário, foi de intenso trabalho e de grandes desafios. Coincidiu inclusive com a minha gravidez de gêmeos – Tiago e Larissa –, que nasceram em 2011. Como trabalhava com produtividade e otimização, brinco que até nisso contribuí com a empresa: uma única gravidez.

Neste lapso temporal de mais de uma década em uma mesma posição, cheguei a conversar com alguns headhunters, embora nunca tenha tido de fato a intenção de sair. Afinal, estava feliz com o que fazia e seguia me desenvolvendo. Mas é sempre bom estar de olho no mercado, até para saber como se posicionar diante de determinadas situações. No geral, deixava estes profissionais boquiabertos e a frase que se seguia era: “Nossa! Você está todo este tempo na mesma posição? Isso não é legal para o seu currículo”. O olhar era sempre negativo, apesar disso, não me sentia assim. Acreditava na minha carreira do jeito que eu a estava construindo. Sentia-me bem e estava feliz.

As armadilhas do caminho

Vi a senha de que seria preparada para chegar à presidência, ainda assim não foi nada explícito. Meu gestor não era de fazer planos de desenvolvimento concretos, mas muitos elementos eram percebidos nas entrelinhas, e me sentia capacitada. Seria uma movimentação natural, embora me sentisse realizada e pudesse continuar na posição em que já me encontrava por muito mais tempo. De onde estava, continuava contribuindo para o crescimento da empresa, da área e das pessoas.

Só que me vi diante de um ponto de inflexão muito grande, quando, no final de 2017, meu então líder, Joakin Thrane, foi convidado a mudar de posição. Eu tinha de tomar uma decisão: a de me candidatar ou não à posição dele. Por um lado, meu coração falava: “Você ama o que você faz, está na área certa, no coração da empresa, naquilo que tem habilidade”. No entanto, ao mesmo tempo, cobrava-me por estar impedindo que pessoas muito qualificadas e que estavam abaixo de mim mudassem de patamar. Se eu desse aquele passo, haveria uma movimentação enorme na carreira das pessoas. Já tinha preparado a minha sucessão há muito tempo e estava completamente confortável com isso.

Quando penso na trajetória que fiz até aqui, consigo ver as armadilhas com as quais lidei e das quais me livrei. A auto cobrança é certamente uma delas, pois sempre fui muito perfeccionista. Quando se administra isso de uma forma saudável, é positivo; contudo, se extrapola, tudo se torna muito mais complicado do que é. Entendo que minha exigência era, no fundo, alimentada pelo medo de falhar, de deixar as pessoas na mão. Hoje sou responsável por mais de mil famílias, sem contar nossos parceiros de negócios, e estou ciente de que minhas ações têm impacto sobre elas. Mas sei também que a auto cobrança em nível elevado não faz bem, porque nos faz viver sob contínuo e violento estresse.

Outra armadilha que também vivenciei, principalmente no início como gerente, foi a dificuldade de delegar. Parece algo banal, ainda assim é impressionante como isso faz mal ao gestor, ao liderado e à organização. Impacta inclusive a nossa saúde – e tive problemas em função disso –, além de impedir o desenvolvimento do time, minar a confiança mútua e levar à perda de produtividade e de lucratividade. Então é preciso aprender a delegar, inclusive responsabilidades. Com isso, os liderados se sentem parte do todo e trabalham mais engajados, aumentando assim a confiança e as suas entregas.

Entre desafios e superações

Tenho mais de 20 anos de empresa e todos os dias estou diante de algo diferente. Daí o apreço pela formação contínua. Cursos mais longos ou mais curtos, são essenciais para fortalecermos algum comportamento ou habilidade que precisamos desenvolver. Atualmente, a gama de tecnologias disponíveis é muito grande e não podemos ser completos ignorantes no assunto. Até porque precisamos ajudar as demais pessoas da empresa e dar o direcionamento. Aprender sempre é uma forma de se desenvolver, do contrário, ficaremos para trás.

Neste tempo de DHL, andei sempre para frente e tive muitos que contribuíram com isso. Por ser uma pessoa mais introspectiva e muito observadora, quando identificava alguma habilidade bacana que eu ainda não tinha, buscava aprender. Tive líderes diferentes em momentos diferentes nos quais pude me espelhar. Um deles foi Joakin Thrane, aquele que me antecedeu como CEO. Atualmente, Thrane responde pela DHL na região que compreende a América do Sul e Central. Ele tem várias qualidades, e, humano que é, também os seus defeitos. Espelhei-me muito nele, especialmente por ser extremamente estrategista, político e saber como conduzir os assuntos dentro da empresa. Aliás, fiz o mesmo com diversos profissionais. Observei-os e busquei tirar de cada um deles o que precisava aprender para me desenvolver.

Aprendi a liderar dentro da DHL e aqui pude realizar alguns trabalhos marcantes. O primeiro deles coincidiu com o momento em que fazia o MBA. Meu líder me chamou e disse que me tiraria da função e me deu a missão de montar, isoladamente, o planejamento estratégico da área para os próximos três anos. Não tinha experiência, mas era o que estava estudando e queria fazer. Por outro lado, sentia-me incomodada, pois temia não retomar meu antigo papel. Enfim, se o desafio estava dado, daria o melhor de mim. Fiz várias reuniões, conversei com diversas pessoas e aquilo acabou se tornando um momento de crescimento individual extraordinário. No final, até o CEO veio me elogiar pelo que tinha feito, e aquele se tornou meu primeiro case de sucesso.

Outro processo bem-sucedido foi minha promoção a diretora. Na sexta-feira fui para casa como gerente e, na segunda-feira, retornei à empresa na nova cadeira. Era um momento internamente tumultuado, quando passávamos por uma reestruturação. Confesso que julgava que não tinha a bagagem necessária para estar onde me colocaram. Foi uma aposta da empresa e só tinha em mim que não podia falhar. Mas a aposta deu certo. Quando assumi, em 2007, o Índice de Satisfação dos Funcionários da área era ligeiramente superior a 60%. Quando saí, estava na faixa de 91%.

Ali conseguimos colocar muito do que a empresa tem hoje, como valores e equilíbrio entre respeito e resultado. Todos fomos envolvidos e foi muito gratificante promovermos e assistirmos a essa transformação cultural acontecendo na área. Também foi um case de sucesso minha ascensão a CEO. A partir do momento que aceitei o desafio, obviamente, me dediquei bastante a fazer com que desse certo. O primeiro ano não foi fácil; os dois primeiros meses foram terríveis. Cheguei a me arrepender, embora hoje esteja muito satisfeita com esta decisão.

Sabia que a responsabilidade era grande demais. Sabia onde estava pisando, o que esperavam de mim e encontrei o meu ritmo. Como disse, o começo não foi fácil, não só por questões profissionais, mas pessoais. Aquele ano de 2018 foi marcante para mim, pois foi quando perdi o meu pai de repente e me submeti a uma cirurgia do coração. Entretanto, consegui superar e seguir adiante.

É preciso aceitar o outro do jeito que ele é

Alguns defendem, saímos do mundo Vuca (volátil, incerto, complexo e ambíguo) e entramos no mundo Bani (frágil, ansioso, não linear e incompreensível). Aqueles que não estiverem preparados para as mudanças ficarão para trás. Há mérito naquilo que fizemos no passado, porém, virou o mês ou o ano, são novos os desafios e já não sabemos as dificuldades que teremos de encarar. É vida nova! Mas, seja lá em que cenário estejamos, é preciso investir em diversidade e inclusão. É preciso criar ambientes em que as pessoas se sintam realmente acolhidas e tenham a percepção de que a empresa se importa com elas e que ali é um bom lugar para todos trabalharem. É preciso aceitar o outro do jeito que o outro é. E isso não pode ser da boca para fora.

Por outro lado, todo relacionamento precisa ser baseado em confiança. Esta é uma das habilidades comportamentais que mais prezo naqueles que estão comigo. É preciso também saber trabalhar em equipe, e nunca canso de destacar isso. Fala-se muito da importância da colaboração, e não é à toa. Hoje em dia, uma área precisa da outra e tudo funciona como uma grande engrenagem e conexão. O profissional que não sabe trabalhar em cooperação com as demais áreas está fadado ao fracasso, pois terá problemas sérios de relacionamento e também de entrega das suas atividades.

Valorizo também a positividade, qualidade que foi muito bem-vinda especialmente durante os períodos mais sombrios da pandemia. No seu auge, o medo de falhar bateu forte, não vou negar, por mais que venha aprimorando este lado otimista. Muitas vezes, tive de controlar bastante os medos e lembrava a mim mesma: “Preciso estar bem para liderar e ajudar a todos nesse momento. A mim cabe dar a direção”. Mas algo que percebi só depois é que, talvez, não teria problema se demonstrasse algumas de minhas vulnerabilidades. Afinal de contas, não preciso ser a heroína, carregar tudo aqui nas costas. Certamente, isso contribui para a criação de uma conexão emocional muito mais forte com as demais pessoas.

É preciso ter humildade para pedir ajuda

Ir atrás do que se gosta é meio caminho andado para o sucesso. Os desafios vão aparecer e é preciso estar preparado para saber enfrentá-los da melhor forma possível. Passa-se por altos e baixos, entretanto é preciso continuar firme junto àquele propósito. Desanimar, jamais! Nesta trajetória, é imprescindível estar sempre aberto a aprender. Os arrogantes, aqueles que pensam que já sabem tudo por conta da experiência acumulada, se enganam. O novo sempre está a nos surpreender. Quem, ao final de 2019, diria para que nos preparássemos para uma pandemia? Estamos sempre aprendendo, daí a importância da humildade para dizer: “Não sei”, “Preciso de ajuda”.

Se posso deixar uma mensagem final, diria para que nunca desista dos seus sonhos. Tenha sempre um grande propósito, algo que te mova, e vá atrás disso. É preciso força de vontade, por mais problemas que se encontre pela frente. Ouça com atenção as pessoas, pois é assim que se aprende. A prática da escuta ativa sempre é bem-vinda, pois ninguém é dono da verdade ou da razão. As opiniões divergentes enriquecem o nosso dia a dia e nos favorecem na tomada de decisões, geralmente, mostrando outros pontos de vista ainda não pensados. Essa troca é extremamente importante e, para que aconteça, é preciso estar disposto a ouvir. Afinal, humildade ajuda em qualquer circunstância, em qualquer tipo de relacionamento.

*MIRELE GRIESIUS MAUTSCHKE é CEO da DHL Express Brasil

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