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Borracheiro até os 18 anos, e Presidente Executivo aos 33

Na coluna desta semana, conheça a história de Adilson Roberto Fuga, presidente executivo na Capal Cooperativa Agroindustrial

 (Adilson Roberto Fuga/ Histórias de Sucesso/Divulgação)
(Adilson Roberto Fuga/ Histórias de Sucesso/Divulgação)
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Histórias de sucesso

Publicado em 2 de dezembro de 2022 às, 13h38.

Por Fabiana Monteiro

Eu sou mineiro de Ibiraci, mas, com um ano de idade, meus pais mudaram para Alto Paraná, uma cidadezinha no Noroeste paranaense, perto de Paranavaí. Lá, passei a minha infância e adolescência. Venho de uma família bastante pobre, passamos por situações muito difíceis e, em função disso, comecei a trabalhar muito cedo, com apenas sete anos. Aos dez, consegui meu primeiro emprego fixo, como borracheiro, e assim fiquei até me mudar para Curitiba, aos 18 anos. Hoje, sou casado com a Desirée, que conheci em 1993, durante minha pós-graduação na Faculdade de Administração e Economia (FAE), e temos dois filhos: Bruno (25 anos) e Nayane (22 anos).

Sempre estudei em escola pública, e depois fiz o curso técnico em Contabilidade. Não foi bem uma escolha, a Contabilidade, mas era a única opção disponível na cidade. Mesmo fazendo um serviço “braçal”, jamais deixei de estudar, na esperança de sair dali para uma condição melhor. Sempre tive muita garra e vontade de alcançar algo diferente, e carregava comigo a certeza de que não seria ali, em Alto Paraná, mas em Curitiba o meu lugar. Foi a decisão a que cheguei, já no final do meu curso de Contabilidade. Certo dia, comprei a passagem e avisei para minha família: “Estou indo embora. No dia 25 de novembro pego o ônibus e embarco para a capital.” Eles não acreditaram, pensaram que eu estava brincando.

Mas eu não estava. Peguei uma mochila de camping emprestada do meu irmão, coloquei minhas poucas roupas e, em 25 de novembro de 1983, parti para Curitiba. Cheguei de madrugada e consegui abrigo na casa de uma tia que se surpreendeu com aquela visita inesperada e “fora de hora”. Fiquei apenas alguns dias com ela. No dia seguinte, comecei a procurar emprego e tinha ao menos um amigo de Alto Paraná, Mauro Saorin, a quem poderia recorrer. Ele trabalhava na Hermes Macedo ou simplesmente Lojas HM uma rede de lojas de departamento que nem existe mais. Ele me orientou aonde ir para preencher uma ficha, e no dia 13 de dezembro eu comecei no departamento financeiro da Hermes Macedo.

Saí da casa da minha tia, e fui morar na casa deste amigo, em um bairro muito distante do Centro. Ganhava cerca de um salário mínimo, que mal cobria minhas despesas. Então, quando um primo, Vanderlei Françolin, ofereceu-me um quartinho – de dois metros quadrados – para morar e sem a necessidade de pagar aluguel, não pensei duas vezes. Fiquei três meses na casa dele, e nada foi cobrado. E ainda tinha minhas roupas lavadas. Sou muito grato a eles. Não tinha do que reclamar. Mesmo assim, interessei-me quando Mauro voltou a me ligar, e disse que a mãe dele estava mudando para Curitiba e que morariam no Centro. Disse mais: que se eu quisesse, arranjariam um espaço para mim, desde que contribuísse com o valor do aluguel. Aceitei a oferta.

Do banco para um curtume

A vida ficou bem melhor quando fui morar perto do trabalho. O salário continuava ruim, mas estava feliz. Quando completei oito meses na Hermes Macedo, recebi uma ligação daquele primo que me acolheu na casa dele, o Vanderlei. Ele trabalhava no Banco Nacional do Norte, o Banorte, e falou que a instituição estava contratando. Fui lá, preenchi uma ficha, fiz, depois, uma entrevista e me chamaram para trabalhar. Quando pedi as contas nas Lojas HM, quiseram cobrir a oferta salarial e me ofereceram uma promoção para encarregado. Agradeci. Disse que já tinha tomado a minha decisão e que poderiam até oferecer o dobro do valor que ganharia, mas que “não voltaria atrás na minha palavra”.

Comecei no Banorte, em 1984, fazendo fechamento de contabilidade. Trabalhava muito, e a ascensão foi rápida. No primeiro ano, já era encarregado; e, no terceiro, procurador do banco, e estava em vias de assumir uma agência em uma cidade do interior. Nessa fase despertou em mim a necessidade de estudar. Comecei, então, a fazer um cursinho preparatório de manhã e trabalhava do período da tarde para a noite. Àquela altura, tinha deixado de morar no apartamento da mãe do Mauro e alugado uma quitinete que durante um ano dividi com minha irmã. Ela é enfermeira e estava fazendo uma formação.

Prestei o vestibular, e consegui uma vaga em Ciências Contábeis na Universidade Federal do Paraná (UFPR), iniciando em 1987. Era a realização de um sonho: a faculdade pública para quem tinha estudado uma vida inteira em escola pública. Aquela era a minha única opção, pois ainda não poderia pagar, se fosse preciso. Tanto que não prestei para alguma outra. Nessa ocasião, um diretor regional do banco deixou o Banorte e foi para o Curtume Curitiba, levando com ele muita gente. Perdi o contato com todos eles. Mas, em 1988, esse diretor buscava alguém que pudesse fazer a conexão entre a contabilidade e o financeiro, e um daqueles meus ex-colegas se lembrou do meu nome. Eles entraram em contato comigo, conversei com esse diretor e ficou tudo acertado. Na época, ele me perguntou quanto gostaria de receber para trocar o banco pelo curtume, e “chutei” um valor que julgava “estratosférico”, que era duas vezes o que eu ganhava. E ele simplesmente respondeu: “Tudo bem. Quando que você pode começar?”. Aquela cena ficou na minha cabeça. Tempos depois, conversando com ele, eu perguntei que se eu tivesse pedido mais, ele aceitaria. E desta vez, a resposta foi: “Estava disposto a pagar muito mais, mas como você só pediu aquilo, eu aceitei”. Ali, entendi que tinha negociado mal o meu passe. Comecei na Contabilidade. Mas, logo ele precisou de alguém para o financeiro e me chamou. Quando ele saiu da empresa, assumi o cargo de gerente financeiro, atuando em todas as finanças do curtume. Lá fiquei até 1995.

Uma missão de cinco anos

Durante meu período no curtume, o diretor financeiro, Clodoaldo Guilherme, o mesmo que havia me contratado para o curtume, foi em seguida para a Cooperativa Central de Laticínios do Paraná (CCLPL) que era dona da marca Batavo. E uma das donas da CCLPL era a Capal, a empresa em que trabalho hoje. Na época, a Capal enfrentava uma séria crise, com risco de “fechar as portas”. Diante daqueles problemas, o pessoal perguntou se o Clodoaldo tinha alguém para indicar a fim de colocar em ordem as finanças da cooperativa e renegociar as dívidas com os bancos. Assim, fui recomendado. Ele é um daqueles que tenho como um dos meus mentores, pois me espelhei muito nele para ser o que sou hoje. Lembro que ele me ligou em um domingo, quis saber como eu estava e disse que tinha um desafio enorme para me oferecer. Findou eu conversando com o pessoal da Capal, em Carambeí, e, no dia 13 de fevereiro de 1995, iniciei minha nova jornada como gerente financeiro em Arapoti, em que me encontro hoje.

Na época, ainda nem era casado e meu propósito era ficar por cinco anos. Minha missão era renegociar as dívidas da cooperativa, colocá-la nos eixos e, só depois, retornar para Curitiba. A condição que eu estava, era realmente complicada, com a contabilidade atrasada por quase um ano. Prometeram-me uma casa e, na “hora H”, não tinha imóvel disponível e, quando cheguei na segunda-feira para trabalhar, ninguém me recebeu ou me apresentou às demais pessoas. “Isso nunca mais vai voltar a acontecer aqui com ninguém”, pensei.

Turnaround na cooperativa

Comecei a trabalhar, tomei “pé da situação”, tive atritos e desavenças, e apresentei meu diagnóstico para os conselheiros. Ouvia comumente: “Quem conhece de cooperativa sou eu, e isso aqui em cooperativa não dá certo”. Da minha parte, respondia: “Não conheço de cooperativa, mas conheço de empresa e, como empresa, temos que mudar”. Precisávamos fazer o orçamento do zero, do contrário seríamos uma nau à deriva. Tínhamos ainda que organizar o financeiro e a contabilidade, e percebi que não conseguiria “dar conta” de tudo sozinho. Recorri a um consultor que estava na CCLPL, e pedi que ele nos ajudasse por três meses, especialmente no processo de produção do orçamento. Ele ficava o dia inteiro, muitas vezes das 7 da manhã às 11 da noite.

Quando esse documento foi finalizado, fizemos uma reunião com o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal, e saímos com várias decisões. A principal delas é que precisaríamos de um novo gerente-geral. Por meio de um headhunter, em agosto de 1995, juntou-se ao time Luiz Carlos Diemeyer, que cumpriu um papel importante no processo de turnaround da cooperativa. Ele foi o meu segundo mentor, embora tenhamos trabalhado juntos por pouco tempo. Contratamos, também, um contador, que veio de Curitiba, e contribuiu para que, no início de 1996, estivéssemos com a contabilidade em dia. As mudanças foram se acentuando, e chegamos a reduzir nosso quadro de funcionários em mais de 50%. Quando começamos esse trabalho, a Capal tinha 285 funcionários e, no final do primeiro ano, estava com 123. Fizemos, também, um profundo corte de despesa, nos reorganizamos, e assim tudo começou a fluir.

No final do ano de 1997, Luiz Carlos foi convidado para trabalhar na Batávia, uma empresa nova que foi criada durante o processo de compra da Batavo pela Parmalat. Quando, em abril de 1998, a antiga multinacional italiana assumiu 51% da Batávia, levou, também, alguns bons profissionais que já estavam lá, entre eles o Luiz Carlos. Nesse movimento, assumi como principal executivo da Capal. E o trabalho continua desde então. Hoje, somos mais de 3.500 cooperados. Na época, atendíamos 23 mil hectares, e agora são 180 mil. Foi preciso dar alguns passos para atrás a fim de avançarmos. E esse avanço foi impressionante.

“Chega de olhar para o passado. Agora é olhar para o futuro”

Tudo na minha vida aconteceu muito rápido. Minha ascensão no banco foi “meteórica”, e no curtume obtive os primeiros resultados de impacto. Fiquei lá por sete anos e, em pouco tempo, tornei-me gerente financeiro. Já na cooperativa, cheguei com 29 anos e, com 32, era o principal executivo. Ao longo da minha trajetória, a vida foi me colocando desafios, e eu, sempre, fui superando todos. Mas, de tudo que realizei, considero que o meu grande feito na carreira foi realmente o processo de salvamento da Capal. Esse turnaround é algo que tenho muito orgulho, e que considero o meu maior case de sucesso.

Em 2000, ao completar o prazo de cinco anos que eu delimitei, a cooperativa deu seu primeiro resultado positivo. Enfim, ela estava saneada. Na reunião do conselho, disse que meu trabalho, ali, havia se encerrado, que estava indo embora, e que entregaria a Capal no azul. Eles perguntaram o que, então, eu sugeriria para a empresa dali para a frente a fim de não colocar em risco todo o esforço que foi feito para saneá-la. “Chega de olhar para o passado. Agora é olhar para o futuro”, respondi, apontando os caminhos para se chegar a este futuro, a começar pela realização do planejamento estratégico. Eles pediram que eu indicasse alguém para ajudar na produção deste documento, e recomendei um profissional dos mais competentes, que era o Sr. Carlos Claro, que eu havia conhecido em um curso na Cidade de Maringá, e o nome foi aprovado. Fizeram, então, outro pedido para que eu conduzisse o processo de planejamento estratégico. Aceitei, fizemos um belo trabalho e o entreguei com a sensação de “missão cumprida”. E de novo o conselho disse: “Agora gostaríamos que tocasse esse planejamento estratégico que você ajudou a construir”. E eu aceitei mais aquele desafio. Assim, conseguimos transformar uma pequena e quebrada cooperativa em uma das maiores do Brasil, que se destaca no cenário nacional e que está muito bem posicionada. Por isso, o meu orgulho!

A armadilha do imediatismo

É impossível seguir na vida ou na carreira sem ver-se diante de armadilhas, e o imediatismo é certamente uma das maiores delas. Muitas vezes, processos demoram tempo para acontecer, como é o caso de um turnaround. É quando se tem que tomar decisões, extremamente, difíceis, e o resultado não aparece tão rápido. É preciso ter equilíbrio, contar com apoios, e ter uma linha muito bem definida do que se quer fazer e porque se está fazendo. Também é necessário consciência para não se desviar do caminho. Digo isso porque, em muitos negócios, as pessoas começam a fazer um determinado trabalho e, querendo um resultado rápido, desviam do caminho traçado e o deixam pelo caminho. Isso para mim é uma grande “escorregada”.

Por isso, que um dos papéis e o diferencial de um bom líder, especialmente em um mundo tão complexo quanto o atual, é saber montar uma boa equipe, organizando as pessoas de modo a conseguir delas o máximo, mantendo a unidade e o apoio delas. Também não consigo ver o líder sem que este tenha uma personalidade forte, para que assim possa, muitas vezes, ouvir bastante e “digerir” tudo. Mas, antes de qualquer coisa, é preciso saber conduzir as situações e lidar com pessoas. Afinal, sempre temos que tomar decisões que impactam na vida de muita gente e, se não soubermos lidar com isso, podemos provocar um “estrago” grande.

“Cavalo encilhado não passa duas vezes”

A vida de um executivo é similar a um jogo de videogame: cada nova etapa fica mais difícil. É sempre assim. Você vai evoluindo, e a realidade vai ficando mais complexa. No meu caso, a Capal se agigantou, e é um grande desafio gerir a cooperativa que ela se tornou, com um faturamento de 4 bilhões de reais ao ano. Temos vários negócios com outras cooperativas, e estou envolvido em todos eles. Temos a Uniun, uma união com outras duas cooperativas; três indústrias de leite, uma de carnes, um moinho de trigo, uma cooperativa de fertilizantes, a Coonagro, a qual sou da diretoria executiva, um marketplace, chamado Supercampo, o qual também sou diretor, e estamos construindo uma maltaria com outras cinco parceiras, que é investimento de 1,6 bilhão de reais.

Da minha dissertação de mestrado, sobre cooperativas de crédito, nasceu a Sicredi Capal, que, hoje, se chama Sicredi Novos Horizontes PR/SP, e dispõe de quase 2 bilhões de reais de recursos administrados, sendo eu o seu Vice-Presidente. Vale dizer que, quando comecei, a Capal tinha duas pequenas unidades: uma em Arapoti e outra em Itararé. Atualmente, estamos com mais de 20 unidades, em diversos municípios do Paraná e de São Paulo. Tudo requer muito comprometimento, controle, e não conseguiríamos fazer isso sem gestão e contabilidade adequadas, assim é o que está nos permitindo crescer de forma extraordinária. Registramos um crescimento de 57% em 2021, e mais de 30%, somente, no primeiro semestre de 2022.

Já estou a quase 30 anos na Capal, e pretendo continuar aqui, ainda, por mais alguns anos. Mas ainda tenho muitos planos para mim, como viver nos Estados Unidos, onde já morei apenas por três meses. Não será um ano sabático, pois não pretendo voltar ao trabalho, mas a realização de um projeto de vida. Na minha história, nunca algo aconteceu por “puro acaso”, sempre teve uma “razão de ser”. Por isso, digo àqueles que estão comigo para acreditar e para perseverar.

Os jovens de hoje se caracterizam, exatamente, pelo imediatismo, mas, às vezes, é preciso aguardar um pouco mais. A boa notícia é que sempre tem alguém nos observando e analisando nosso potencial. Então, trabalhe para criar as oportunidades, e as aproveite quando elas surgirem. É como aquele provérbio que diz: “cavalo encilhado não passa duas vezes”. Se você não montar, outra pessoa monta. Então, primeiro é preciso ter a percepção; segundo, estar preparado; e depois, ter a coragem para agir e a disposição para a mudança, porque pode não ter um segundo cavalo para montar. Então, se aparecer a sua chance, aproveite-a e siga em frente, pois coisas boas virão.

Dicas de leitura de Adilson Roberto Fuga

A startup enxuta: Como usar a inovação contínua para criar negócios radicalmente bem-sucedidos, de Eric Ries. Editora: Sextante

O tempo e o vento, de Erico Veríssimo. Editora: Companhia das Letras

Desirée – O grande amor de Napoleão, de Annemarie Selinko. Editora: APGIQ