Assim como a tecnologia, o conhecimento também fica desatualizado
"Não se constrói uma carreira de sucesso sem decisão e um plano de ação"
Publicado em 21 de janeiro de 2022 às, 16h25.
Última atualização em 24 de janeiro de 2022 às, 21h39.
Por Fabiana Monteiro
Nasci em Americana, no interior de São Paulo, mas durante a infância tive a oportunidade de viver em cidades diferentes. Por conta da profissão do meu pai, que era administrador de empresas, mudamos depois para Avaré e Araraquara. Meu sobrenome de família é Costa e Silva e herdei o “Escotero” (originalmente Scottiere) do meu marido, Mario, com quem sou casada há mais de 20 anos. Temos duas filhas: Júlia e Lívia. Em 1989, aos 17 anos, fui para os Estados Unidos como estudante de intercâmbio, onde fiquei por um ano. Vivi com uma família espetacular, na cidade de Sydney (Ohio) e tive a oportunidade de viajar por 18 Estados estadunidenses, mais o Canadá.
A ideia de estudar no exterior foi totalmente minha e meus pais se surpreenderam na época. Eu tinha um desejo de viver uma experiência internacional, que, por sua vez, estava diretamente ligada ao desejo de conhecer novas culturas. Aquilo foi a conquista de um sonho, pois venho de uma família simples, mas que reconhecia o valor da educação e do próprio esforço na construção de um futuro.
Quando voltei ao Brasil, em 1990, fiz Magistério, tornando professora do Ensino Fundamental. A inspiração vinha de minha mãe, que também fora uma docente superdedicada e que, em homenagem e reconhecimento ao seu trabalho, hoje empresta seu nome, Anna Peres da Silva, a uma escola estadual focada em educação infantil de Americana. Isso me dá muito orgulho! Diferentemente de minha mãe, lecionei por pouco tempo, dei aulas de inglês em uma escola particular e vim então morar em São Paulo, para fazer a graduação de Administração em Comércio Exterior, na Universidade Paulista (UNIP). No meu primeiro ano de faculdade, em 1991, comecei a trabalhar na Alcon (empresa especializada em Oftalmologia). Apaixonei-me pela área de saúde e estou nela há 30 anos, passando por segmentos e empresas distintas, como Galderma, MSD, Pfizer, Baxter, Covidien (Medtronic) e agora World Courier.
A vida é um contínuo aprendizado
Quando optei por Comércio Exterior, a razão principal foi que sempre quis trabalhar e aprender mais sobre diversas culturas e modelos de negócio. Contudo, minha primeira opção era a faculdade de Relações Internacionais. Na época, este curso era oferecido somente em Brasília, e eu não tinha condições de me manter lá. Então, adaptei meus objetivos ao que estaria ao meu alcance. A partir daí, fui me especializando em outras áreas de interesse e que contribuiriam com o desenvolvimento de minha carreira.
Depois da faculdade, fiz um MBA em Marketing na Universidade de São Paulo (USP), uma especialização em Saúde Pública na FGV, entretanto, não concluí por questões profissionais e viagens a trabalho. Em 2021, concluí um curso fantástico na Harvard Business School (Exercendo a Liderança: Princípios Fundamentais e Liderança Organizacional). Também iniciei, em 2021, outra pós-graduação na Fundação Instituto de Administração (FIA/USP) na área de Liderança, Negócios e Gestão Estratégica de Pessoas, com previsão de término em maio de 2022.
É imprescindível enfatizar o valor do aprendizado contínuo. Atualmente, sou vice-presidente da América Latina de uma companhia de expressão e presença global e, várias vezes, já ouvi a seguinte pergunta: “Se você está onde está profissionalmente, por que continua estudando?”. E a resposta é simples: porque estudando temos a capacidade de nos reciclar, de aprender algo novo, de lembrar de conceitos já aprendidos, de ver a vida de uma forma distinta e trazer inovação. Consequentemente, crescemos a cada dia como pessoa e profissional. Como trabalhamos com gerações distintas, a reciclagem se faz também necessária para entender não somente as tendências, mas para que possamos continuar inspirados e inspirando outros. A vida é um contínuo aprendizado, não importa a idade.
As influências de uma jornada
Tive a oportunidade de trabalhar em excelentes empresas até o momento e sou muito grata por isto. Desde o princípio, tinha como objetivo ocupar um cargo de liderança geral de uma organização e me preparei para isto. Busquei trabalhar em áreas distintas ao longo dos anos e adquirir experiências relevantes que pudessem me credenciar ainda mais. Atuei em Marketing, Vendas, Atendimento ao Cliente, Logística, Treinamento, Comunicações Interna e Externa, Relações e Negociações Governamentais entre outras.
Conquistei, ainda, a chance de morar nos Estados Unidos três vezes. Na MSD Farmacêutica, trabalhei no Brasil e em Nova Jersey, liderando as regiões América Latina, Canadá, Europa, Oriente Médio e África. Participava de reuniões frequentes em Washington e diretamente com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Na Pfizer, morei em Nova York, colaborando com a área global e América Latina. Agora estou na World Courier/AmerisourceBergen, que é a oitava maior empresa do mundo, dentre as 500 listadas pela prestigiada revista Fortune. Atuo para a América Latina e lidero projetos globais específicos.
Foram muitos os que me influenciaram ao longo de minha jornada. Se, em um primeiro momento da vida, minha mãe foi minha maior inspiração, outros vieram depois dela. Ainda jovem, entrei para o mundo corporativo e nunca mais saí dele. Neste universo, tive vários que me inspiraram, alguns líderes foram realmente significativos. Estes se destacaram por sua personalidade, forma de gerenciar o negócio e de apresentar temas complexos e sua proximidade com as demais pessoas.
Um deles foi Tadeu Alves, experimente executivo da MSD. Atuava como Presidente para o Brasil e depois para a América Latina da MSD. Ele tem uma personalidade muito distinta da minha e aprendi muito com ele ao longo de muitos anos. Aprendi e aprendo com novos líderes que tive a honra de trabalhar, também da atual empresa que trabalho.
É preciso decidir o que fazer e o que não fazer
Não se constrói uma carreira de sucesso sem decisão e um plano de ação. Há uma frase de Steve Jobs que diz: “Decidir o que não fazer é tão importante quando decidir o que fazer. Isso é verdadeiro para companhias e também para produtos.”
Um de meus cases de sucesso foi uma experiência que tive com um produto – de valor total extremamente expressivo em dólares – e a empresa em que trabalhava tomou o caminho voluntário de retirá-lo do mercado mundial.
A decisão naquele momento, 2004, foi correta e muito discutida pela comunidade e investigadores médicos da empresa e afiliados. No entanto, tive de gerenciar, juntamente com uma equipe de profissionais, com reações internas de funcionários, mídia, pacientes, grupos de advogados externos, distribuidores de medicamentos em vários países, médicos que prescreviam o medicamento, entre outros. Foi um verdadeiro gerenciamento de crise em tempo real e aprendi muitíssimo naquele período, que durou mais de um ano.
Outro exemplo foi quando assumi, em outra empresa, uma região totalmente negativa em termos de lucros e perdas (P&L). Ainda não existia uma cultura definida, faltavam processos a serem estabelecidos, normas não eram cumpridas, time não estava estruturado de forma correta e muitos profissionais não tinham o perfil adequado para a função que ocupavam. Foi preciso transformar aquela organização em algo diferente. E conseguimos. A cultura foi implementada e os números foram atingidos, inclusive com lucratividade esperada. Alcancei um ambiente organizacional positivo, com profissionais capacitados, inspirados, com espírito de equipe e credibilidade conquistada. Foi um trabalho que despertou em mim um verdadeiro sentimento de orgulho.
Estas situações são pontos de inflexão significativos na minha carreira. Assim como foi minha segunda experiência profissional internacional, pela MSD (a primeira foi com a Pfizer, entre 1999 e 2001). Na condição de diretora de Negócios para a América Latina, Canadá, Europa, Oriente Médio e África, pude exercer, a partir dos Estados Unidos, um papel de liderança para a região, influenciando na tomada de decisões e no lançamento de produtos. E outro turning point é o fato de eu ser uma mulher na posição de liderança, com objetivos e resultados consistentes em uma empresa global, cujo segmento é predominantemente masculino. Sei da minha relevância e o quanto represento em termos de inspiração para outras funcionárias mulheres e também para o mercado.
Devemos pensar sempre no futuro
Estes novos tempos pedem um líder com perfil inspirador, que agrega e leva consigo o time e a organização. Este profissional deve criar e proporcionar uma cultura de inovação e colaboração, além de possuir visão clara de negócio e futuro. Certamente, deve ter uma característica empreendedora e ser capaz de desenvolver e executar as estratégias. Também deve dispor de uma capacidade relevante de comunicação e estar antenado em temas atuais, como Sustentabilidade (ESG) e Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI).
Algumas habilidades comportamentais são essenciais entre aqueles que fazem parte das equipes que lidero. Respeito, verdade acima de tudo, credibilidade como profissional, além da capacidade de promover as relações interpessoais, de gerir negócios e pessoas, de trabalhar sob pressão, educação no mais vasto sentido e visão estratégica de futuro estão entre elas. Conhecimento técnico é importante e podemos construir e colaborar com essas habilidades dos liderados em nova função.
Todo executivo também deve ficar atento aos desafios do caminho. Entendo que a primeira delas é a autoconfiança. Muitas vezes, somos muito exigentes conosco mesmos ao longo da carreira e, dependendo da posição, momento e clima laboral, podemos sofrer críticas e comentários não construtivos. Separar o que é profissional e pessoal nos dá mais capacidade de execução e foco, assim como melhor gerenciamento da própria energia.
Um segundo desafio é o não entendimento da relevância das relações interpessoais no mundo corporativo. Não terminamos um projeto, alcançamos o sucesso ou fazemos a diferença em uma organização sozinhos. Profissionais têm a oportunidade de trabalhar com outros por inspiração, motivação ou mesmo necessidade, mas as relações verdadeiras estabelecidas são muito importantes e se tornam duradouras. Um terceiro desafio é não pensar a longo prazo. Profissionais que não pensam no próximo passo tendem a não ter tantas novas oportunidades de carreira, pois não há uma direção clara do que eles mesmos querem. Pode parecer simples, porém tudo é uma construção em movimento. Se a própria pessoa não sabe para onde ir, qualquer lugar poderá ser válido.
Como promover equidade de gênero no mundo corporativo
Faz alguns anos que trabalho e escrevo sobre equidade de gênero no ambiente corporativo, sou palestrante e moderadora de debates sobre o tema. Posso dizer que há não somente um desconhecimento ou conhecimento superficial a este respeito, mas a percepção de que o assunto não é devidamente valorizado em muitas empresas, independentemente do tamanho delas.
Equidade de gênero é um dos pilares relacionado a Diversidade, Equidade e Inclusão. Ainda há um longo caminho a ser percorrido, no entanto, tudo começa com educação básica e o entendimento de sua relevância, não só no ambiente corporativo, mas em toda a sociedade. A Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu os 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), a ser alcançado globalmente até 2030. O objetivo número 5 é justamente Equidade de Gênero, que em linhas gerais significa alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas globalmente. Este objetivo também trata de algo muito mais abrangente referente a direitos, educação, acesso à saúde e combate à violência contra as mulheres.
Atualmente, na World Courier/AmerisourceBergen, lidero uma iniciativa global para 43 mil funcionários chamada de Women’s Impact Network, cujo objetivo está também alinhado aos objetivos da ONU. Também sou co-chair do Conselho Global de Diversidade, Equidade e Inclusão e membro do Conselho Global de Diversidade, Equidade e Inclusão da Fundação desta companhia. Tenho enorme orgulho e alegria em falar sobre tudo isto e do papel que podemos assumir na sociedade.
É importante que as mulheres possam seguir objetivos e alçar novos voos. Já vi casos de profissionais mulheres ouvirem do marido ou companheiro(a) que “somente uma pessoa da casa pode ter sucesso para que outro possa gerenciar os afazeres” ou “quem irá cuidar dos filhos?” (como se esta responsabilidade fosse unicamente feminina); ou “por que quer ter mais ocupação além das que você já tem hoje”. Este tipo de postura, muitas vezes, limita estas profissionais, levando-as a desistirem de seus legítimos sonhos.
Mulheres também são muito medidas pelo seu tom de voz. Se falam baixo, são inseguras; se são firmes, são grosseiras. E ainda: se são promovidas, é porque são dedicadas, enquanto se é o homem a receber uma promoção é porque é competente. Uma juíza muito conhecida no Brasil afirma, por exemplo, que outras juízas são infinitamente mais interrompidas do que os homens. E isto não se limita a esta área, infelizmente. Em resumo, empresas têm de ter métricas claras, objetivos corporativos e medir a evolução do quadro, promoções, contratações e oportunidades ao longo dos próximos anos, e implementarem uma política transparente a respeito, se realmente querem fazer a diferença. Abrir espaço para falar sobre os desafios também é uma ação bastante efetiva, dentro de um ambiente seguro.
Nunca se limite e acredite em si
Faça seu melhor, sempre. Eis o segredo para uma carreira de sucesso. Nunca se limite e acredite em si, mesmo diante de dúvidas momentâneas. Todos temos métricas de avaliação de desempenho. Quem determina a maior parte do quanto fomos ou não bem-sucedidos somos nós mesmos. Temos de estar atentos ao que propomos fazer; e o como fazer é a chave para atingir tais objetivos.
Somos responsáveis pelo nosso caminho, que pode ser desviado em algum momento. Mas, se não temos metas, qualquer caminho leva a qualquer lugar. Considere também mentores mais sêniores, mais experientes, que tenham a capacidade de guiar e oferecer boas ideias, conceitos e direções, tanto para a gestão de negócios quanto de gestão de pessoas. Devemos lembrar que mentores não são necessariamente pagos, como coaches profissionais. Em qualquer empresa, independentemente do tamanho, ou círculo profissional, deve haver uma pessoa que te inspire e que possa dedicar algumas horas para você.
E vale lembrar: estude, sempre! Estudar nunca é demais e não significa, necessariamente, fazer uma faculdade ou um mestrado somente. Leiam revistas e jornais de referência. Há muitas opções, inclusive gratuitas, na internet. Sempre digo o seguinte: “Pessoas interessantes são pessoas interessadas”. Conhecimento nunca é demais e abre nossa mente para o novo, para o próximo passo, mesmo em âmbito pessoal. Já sabemos que muitas das profissões do futuro ainda não existem, e me perguntam muitas vezes sobre como se preparar para elas. Minha resposta é sempre a mesma: “Se atualizando”. Assim como a tecnologia, o conhecimento também pode ficar desatualizado. A inovação e novos caminhos são contínuos, mas, para isto, temos que nos fazer presentes neste caminho.