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Aplique-se com ética, transparência, ousadia e paciência, afirma Roberto Alvarenga

Aplique-se com ética, transparência, ousadia e paciência, afirma Roberto Alvarenga

 (Editora Global Partners)
(Editora Global Partners)

Costumo enfatizar como tomei decisões afortunadas conforme adquiri experiências valiosas no decorrer da trajetória. Essencial frisar como, logo cedo, notei a importância de me movimentar com o intuito de contemplar os meus sonhos, amparado por princípios intrínsecos, aprendizados amealhados e por saber me comunicar e agir com retidão. Com mais de 30 anos na área da saúde, atualmente ocupo a cadeira de vice-presidente da Biotronik. 

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Nascido e criado em São Paulo, em 1967, graduei-me em Farmácia e Bioquímica na Universidade de São Paulo (USP), em 1991. Comecei a trabalhar em controle de qualidade e produção influenciado pelo meu pai, Roberto Assis de Alvarenga, que também exerceu essa função, com a mesma formação acadêmica. Ou seja, no início, segui os seus passos, antes de estabelecer minha própria trajetória 

Logo notei como não era um segmento com a qual me identificava, pois almejava o desafio de estar na área de vendas, próximo aos clientes. Desta forma, comecei a atuar como representante, em 1988, na Eli Lilly and Company, onde permaneci por 11 anos. Marcou-me como uma experiência singular, pois tive a oportunidade de morar durante dois anos nos Estados Unidos, na cidade de Indianápolis, já como gerente de oncologia para a América Latina.  

Ao retornar, migrei para a Novartis, assumindo a posição de diretor para o Brasil, até alcançar a posição de vice-presidente para a América Latina. Durante esta passagem na empresa, ganhei alguns prêmios, como o de melhor diretor de oncologia do mundo, em uma cerimônia realizada em Malta, no continente europeu. Como reconhecimento, recebi a oportunidade de realizar dois cursos de MBA em Harvard, nos Estados Unidos, sendo um de Liderança e o outro de Finanças, ampliando meu escopo. 

Na Novartis Oncologia Brasil, um pouco mais vivido, contei com oportunidades de crescimentos significativas, como a de comandar as unidades da América Latina, à frente de um business enorme, com aproximadamente 800 milhões de dólares em faturamento. Colocamos a operação entre as dez maiores das afiliadas do mundo, conduzindo-me ao ilustre reconhecimento do grupo. Houve também um trabalho importante de inclusão de um produto na lista do Sistema Único de Saúde (SUS). 

Após quase cinco anos de Novartis, em 2006 rumei para a Abbott, como diretor, cargo exercido durante três anos. Logo na sequência, tive a minha primeira experiência como gerente-geral, ao ingressar na Ferring Pharmaceuticals, atuando na companhia entre 2008 e 2011. Contudo, recebi uma oferta da Shire Pharmaceuticals, empresa da qual fui vice-presidente para a América Latina, até migrar para o Merck Group, em 2013, com a cadeira de presidente para o Brasil.  

Na Shire, empresa focada na área de doenças raras, tivemos de mudar um pouco o mindset, porque o objetivo era o de descobrir o paciente portador de uma enfermidade tratável, até encontrar o paciente número zero, por se tratar de uma doença genética. Foi um trabalho bastante interessante desenvolvido no Brasil, para depois replicamos o projeto nas filiais do México, Argentina e Colômbia. 

Após tais movimentações, optei por tirar um ano sabático. Inclusive, tentei montar um negócio próprio, mas as oscilações do dólar à época impediram-me de seguir adiante com este plano. Contudo, exatamente neste período, a Biotronik surgiu em minha vida, com o propósito de realizar um change management na organização. Quando comecei, detinha o duplo chapéu, de presidente para o Brasil e de vice-presidente para a América Latina, porém, agora, com um líder que reporta a mim acerca das operações no país, passei a me dedicar exclusivamente à cadeira de vice-presidente da Latam. 

 

Os cases e desafios como líder da Biotronik 

A Biotronik é um grande desafio e, concomitantemente, um enorme case de sucesso. Trata-se de uma empresa familiar, que estava indo muito bem, mas carecia de processos de médio e longo prazo. Enfim, as coisas aconteciam muito informalmente dentro da organização, com muito foco em vendas, mas não em cobrança, o que, obviamente, gerava um problema de caixa.  

Não existiam papéis e responsabilidades claras entre as diferentes áreas. Como, por exemplo, o departamento de Recursos Humanos (RH) reportando-se para Finanças, o que a meu ver, trata-se de um grande erro, porque um setor pensa em cortar despesas e o outro vislumbra o investimento, ou seja, acarreta um desalinhamento nos planos estratégicos. 

Uma das primeiras coisas que realizei na Biotronik passou por reestruturar a organização completamente. Todo o grupo de diretoria hoje é novo, a partir de uma troca gerencial, pois as pessoas precisavam compreender como estávamos ingressando em uma outra fase, de preparar a companhia para um novo momento.  

Atualmente, a Biotronik é líder de mercado na área de gerenciamento de tecnologia médica cardiológica e endovascular. No setor de intervenção vascular estamos entre as três maiores empresas do Brasil, dobrando o faturamento nos últimos anos.  

Após a reestruturação, passamos a contar com processos estruturados, área de compliance, diretoria médica, de acesso ao mercado, e que nos permite operar junto aos planos de saúde. Assim, garantimos que os nossos produtos estejam no mercado e sejam reembolsados pelas seguradoras.  

Considero que estar na Biotronik marca demais em minha trajetória, especialmente por ser a primeira vez companhia em que assumi um trabalho no setor de medical device. Apesar de os stakeholders serem os mesmos da indústria farmacêutica, o modelo de negócio é totalmente diferente – algo bastante desafiador. 

A área da saúde permite analisar o impacto e valor do seu trabalho 

Considero o segmento da saúde extremamente fascinante, no qual pode-se aferir, de fato, aquilo o que você está fazendo, porque se trata de lidar com a saúde das pessoas. Traz o sentimento de sentir-me útil, de perceber como as minhas ações, de alguma maneira, contribuem para a sociedade. A área da saúde permite-me ter esse sentimento de colaborar para o bem-estar do próximo.  

A pandemia e crise sanitária afetou a gestão de negócios e pessoas, e aprendemos a trabalhar on-line, percebendo que seria possível implementar este modelo. Sem dúvida, esse é um dos fatores mais relevantes no momento de se contratar um profissional: a primeira pergunta é justamente sobre a capacidade adaptativa de se lidar com o trabalho híbrido. Além disso, auxilia a reter talentos que buscam se aprimorar.  

Outro aspecto notável engloba como os indivíduos passaram a valorizar mais o equilíbrio entre vida pessoal, familiar e a profissional. Anteriormente, falava-se muito sobre isso, mas era algo bastante da boca para fora. A pandemia nos permitiu tal adaptação, a pensar melhor como harmonizar os diferentes tópicos. 

A área de Tecnologia da Informação (TI) foi bastante impactada positivamente, pois foi necessário desenvolver novas ferramentas de trabalho para permitir o trabalho on-line, e vale salientar como as pessoas passaram a dar valor para outros aspectos. Em termos de gestão, precisamos nos adaptar, e compreender essa nova realidade.  

O bom líder deve saber se comunicar com excelência 

Liderar é criar uma visão única de trabalho, sabendo influenciar o seu grupo, a almejar um objetivo comum. Primordialmente, o bom líder deve conseguir se comunicar com excelência – essa habilidade é um dos grandes problemas do mundo corporativo, ou seja, deter essa característica é imprescindível para quem está à frente dos processos. O gestor necessita ser extremamente transparente, implementando a forma de atuar com todo o respeito profissional. Caso contrário, desrespeitará a sua própria equipe.  

A visão estratégica é essencial também, ciente de que o principal foco é atingir as necessidades do paciente. Se não obtivermos êxito em compreender tais demandas, é sinal de que estamos indo para o lado errado. De nada adianta desenvolver o melhor produto do mundo, considerando o que acho ser o melhor, sem me preocupar com o paciente. Para isso, é preciso escutar a pessoa, o médico, o hospital. A partir de então, adapta-se o produto a essas necessidades.  

Em suma, trata-se de um conjunto de fatores, incluindo a boa capacidade comunicativa, transparência nas relações, visão estratégia, além de compreender o cliente. Evidentemente existem outros aspectos, mas estes quatro fatores são os principais para conquistar êxito na carreira.  

E sobretudo pontuo que, quando alguma pessoa não está entregando o esperado, a primeira medida a ser adotada é propor uma conversa transparente para compreender o que está acontecendo.  Já tive casos de pessoas que performavam muito bem, mas caíram de produção, até por motivos pessoais. E há o outro lado, no qual faltava motivação, comunicação assertiva. A melhor coisa é dialogar com clareza, para desenvolver o plano de ação, com o intuito de desenvolver todo o potencial dos indivíduos. 

Ética, ambição e transparência são valores inegociáveis 

Indagado sobre as habilidades no momento de montar as minhas equipes, antes de mais nada, procuro por pessoas que sejam éticas, alinhadas aos valores da empresa. É uma característica que não posso ensinar – consigo prover aprendizados sobre o produto, o mercado, contudo, os princípios são intrínsecos necessitam de uma visão pessoal do parceiro. E devem ser compatíveis com os da companhia.  

Aprecio atuar ao lado de indivíduos imbuídos de ambição sadia, que almejem o algo extra, capazes de entregar mais do que lhes é solicitado. Prefiro “segurar” alguém a ter de “empurrar”. Isso significa enxergar a pessoa imbuída de ampla vontade, para direcioná-la corretamente.  E como costumo enfatizar, a questão da transparência é inegociável, pois sou assim, e torna a comunicação mais assertiva, derivando em entregas melhores. O restante, gerenciamos com treinamentos, no decorrer da carreira.  

Grande parte dos profissionais caem na armadilha de desconhecer as regras não escritas da corporação. Aquelas expostas são fáceis de entender, porém, as subjetivas, que requerem atenção extra, podem atrapalhar o desenvolvimento profissional. Necessita entender muito o ambiente organizacional, a cultura da empresa, antes de qualquer ação.  

Às vezes, a urgência em crescer atrapalha também. Tudo tem o seu tempo, é preciso contar com a maturidade suficiente para alcançar uma determinada posição. Portanto, se o indivíduo compreende a cultura organizacional, as regras subliminares, sabendo gerenciar a ansiedade de crescer, conseguirá evitar as armadilhas desse universo. 

Aprendizados adquiridos e movimentações estratégicas 

Ressalto como precisamos ter calma naquilo que executamos. Às vezes, quando jovens, a ansiedade atrapalha, a busca por soluções nem sempre é a melhor. Ou seja, é primordial compreender o momento da empresa para colocar suas ideias em ação. E nem sempre o que funciona em uma organização vale para outra.  

A experiência adquirida traz uma vantagem: poucas coisas podem surpreender conforme ganha-se vivência na jornada, por conta das diferenças culturais das instituições. Outro ponto remete a como as pessoas atuam em velocidades diferentes. Deixe as pessoas trabalharem em seus respectivos ritmos, assim elas vão entregar o esperado – e além.  

Além disso, busco sempre contratar pessoas melhores do que eu, sem me sentir ameaçado. É importante aprender com os outros, de promover trocas, para prover crescimento ao negócio coletivamente.  Faço uma metáfora para ilustrar esse raciocínio: imagine o líder como um bom juiz de futebol, que passa desapercebido. Se está fazendo um grande trabalho, apenas direcione a rota para o time brilhar. O líder não deve ficar o tempo inteiro em evidência, ao contrário, se isso acontecer, algo de errado estará ocorrendo. 

Em meu desenvolvimento de carreira, contei com mentores não estruturados e ainda oficiais. Um chefe na Novartis me ajudou bastante, uma grande inspiração. E, durante a trajetória, contei com a ajuda do coaching para me desenvolver. Normalmente são pessoas que estão em posições estratégicas, em cargos de liderança, com quem assimilo aprendizados essenciais.  

Inclusive, ao longo da jornada, estabelecer relações e diálogos amplos derivam em movimentações cruciais. Menciono como o meu primeiro turning point ocorreu quando resolvi entrar no mundo de vendas como representante, na Lilly, em 1988. Estava em controle de qualidade e logo notei que pretendia fazer algo diferente.  

O valor de compreender e se adaptar a diferentes culturas 

É preciso compreender a cultura de cada região, haja vista como os demais países da América Latina possuem peculiaridades em relação ao Brasil. Ou seja, não podemos impor o nosso jeito em outras nações, que contam com outros modelos de negócios – na verdade, precisamos nos adaptar a eles.  

Isso requer prestar atenção no todo – costumo associar os estilos musicais para traçar as formas distintas de se fazer negócios. O tango argentino, por exemplo, é uma música triste – remete a uma comunicação diferenciada, pois começa pelo lado difícil, até alcançar o lado positivo. Já o samba brasileiro normalmente é alegre. Podemos estar passando pelo pior momento, mas há sempre o clima de que está tudo bem. É uma analogia interessante para os negócios, são peculiaridades culturais. 

Na área comercial, é pré-requisito gostar de lidar com a pressão; costumo dizer que vendedor não tem passado, eu faço o número, e no dia seguinte já estou pensando na projeção mensal. A pressão é relativa – se há uma boa estratégia, constituída por uma equipe forte, de iniciativa, com ferramentas, o número chegará, e a meta será consequência.  

Claro, contratempos são constantes, pois não há como controlar tudo, mas, via de regra, com os tópicos supracitados, é possível contornar os obstáculos. Considero a pressão como um fator positivo, mas sem estresse; basta agir com alinhamento. A pressão de vendas no meu setor é altamente controlável. 

Seja autêntico, transparente e escute a experiência 

Inúmeros fatores me motivam a seguir em ascensão. Saber que o meu trabalho e as minhas missões estão agregando valor aos pacientes, à sociedade são elementos inspiradores. Ademais, aprecio desenvolver pessoas, preparar gente para assumir novos desafios, oferecendo a oportunidade para os profissionais internos.  

Além de, obviamente, contemplar com êxito o desafio de vendas, de gerenciar o relatório financeiro (P&L). Considero isto como algo fundamental para quem está na área, caso contrário, é melhor buscar outra carreira. Sempre haverá espaço para profissionais comprometidos e talentosos.   

Cheguei longe ao ouvir pessoas mais experientes; entendendo o ambiente de negócios e a necessidade dos seus clientes. Portanto, considero fundamental sempre conhecer a necessidade deles, e de como impactar em suas vidas. E recomendo: seja verdadeiro, transparente, pois nem sempre você conseguirá atender aos anseios do cliente – isso faz parte do jogo. Enfim, esteja preparado, assimile o máximo de conhecimento, e assim com certeza você será um bom profissional, edificando uma jornada de sucesso. 

Escutem muito, aprendam com os mais experientes, sem receio de perguntar; com ambição e ousadia. E procurem fazer mais do que básico, indo além do esperado, mas sem pressa. Sem dúvida, essa é a fórmula para o sucesso – funcionou para mim e para muitas outras pessoas que alcançaram trajetórias vitoriosas.