Colunistas

Acredite no seu potencial e filtre os feedbacks no decorrer da jornada, afirma Maria Silveira 

Na coluna desta semana, conheça a história de Maria Silveira Vice-presidente Sênior de Operação de Fertilizantes Nitrogenados na Nutrien

 (Global Partners)

(Global Partners)

Publicado em 7 de março de 2025 às 20h14.

  “Quando crescer, vou morar em outro lugar!” Essa era uma das frases que, desde pequena, dizia a mim mesma e à minha mãe, de forma recorrente. Não sabia explicar aquela sensação, pois conhecia pouco da vida e menos ainda sobre o destino para onde meus pensamentos me levavam. Mas algo em mim sinalizava que a jornada que eu trilharia deveria acontecer em algum lugar do mundo, distante de onde eu estava. E o tempo mostrou que essa intuição estava correta. 

 Sou natural do Rio de Janeiro (RJ), mas, aos 3 anos, minha família mudou-se para Recife (PE). Minha mãe, com sua sabedoria, decidiu me colocar em aulas de inglês quando eu tinha apenas cinco anos, preparando-me para o futuro. Ela sempre dizia que, se eu realmente queria morar fora do país, aprender inglês seria imprescindível. Então, segui seu conselho, e serei eternamente grata por sua insistência, mesmo quando eu ainda não enxergava o valor disso. E, sobretudo, por sempre me incentivar a seguir o meu caminho. Aos 12 anos, migrei para a Bahia, uma decisão tomada por minha mãe, que resolveu retornar à sua terra natal anos após o falecimento de meu pai 

 Em Salvador, vivi meus últimos anos de infância e iniciei a adolescência. Gostava da cidade, do lugar onde morava, da convivência com a família e dos novos amigos. Aos dezessete anos, ao escolher uma profissão, a Engenharia Química me pareceu a opção mais acertada. Conquistei uma vaga na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e, durante a graduação, decidi que moraria na Alemanha. Foi mais um impulso do que uma decisão lógica. Com isso em mente, estudei alemão por quatro anos e, após concluir o curso e trabalhar como engenheira, visitei o país durante as férias. Encantei-me com sua organização e belezas, mas, para minha surpresa, não me vi morando lá, contrariando meu impulso inicial 

 De volta ao Brasil, continuei trabalhando em projetos de Engenharia. Um dia, durante uma conversa com um colega, ele mencionou que estava se candidatando para imigração ao Canadá, que na época buscava engenheiros. Aquilo reverberou em minha mente, e, ali mesmo, pedi todas as informações necessárias para iniciar minha própria candidatura. O Canadá se tornou, então, o destino onde meu futuro aconteceria. Aos 25 anos, deixei o Brasil junto com meu marido e, desde então, dividimos nossa vida entre Canadá e Estados Unidos. Hoje, 27 anos depois, tenho mais vivências e experiências nesses dois países do que no Brasil. Nossos dois filhos nasceram no Canadá e ambos falam português. 

 Diante daquele sentimento que me acompanhava desde os primeiros anos de vida e o próprio desenrolar dela, avalio hoje que há pessoas que nascem sabendo ou têm uma intuição para o que vieram. Em minha mente, ao imigrar para o Canadá, intuía que apenas parte de uma jornada estava completa. Não havia nada de errado com a minha vida. Mas, em mim, existia a ambição de fazer algo diferente de Engenharia – alguma coisa que me trouxesse mais satisfação pessoal e mesmo um senso de proposito. Somente não sabia ainda o que. 

 O novo começo 

 Uma vez no Canadá, consegui uma bolsa para fazer mestrado em uma universidade local na Província de Alberta. Naquele ínterim, meu esposo aprendeu inglês e arranjou emprego, e assim fomos nos estabilizando. Na época, a demanda e o preço do petróleo no mundo dispararam, e Alberta viveu uma explosão na produção dessa commodity. Como resultado, os cofres governamentais se encheram de dinheiro — tanto que o governo chegou a enviar cartas aos cidadãos perguntando o que fazer com o valor excedente, já que todos os investimentos planejados para o ano haviam sido realizados. “Preferem alocar em alguma questão social (educação ou saúde) ou receber o valor?” Naquele ano, recordo que a maioria optou pela devolução dos valores, e cada um recebeu cerca de 1.500 dólares – isso há 20 anos! Para os cidadãos, e mais ainda para os imigrantes, era muito dinheiro!  

Os canadenses se mostraram muito receptivos aos estrangeiros. Uma vez no país, com o visto permanente, o imigrante é tratado como qualquer outro cidadão. Ninguém faz distinção, aponta pejorativamente sua origem ou sotaque. E é exatamente isso que torna o Canadá um lugar tão especial e fantástico. O povo é acolhedor, tem um forte senso de comunidade e a civilidade é a norma 

Mas é claro que diferenças culturais existem. Em geral, os canadenses evitam a todo custo situações de conflito. E isso é levado ao universo corporativo. Em uma reunião, por exemplo, podem concordar totalmente contigo. No entanto, isso não quer dizer, necessariamente, que aceitaram o que se disse. Por isso, é fundamental realizar o follow-up, conversar individualmente para compreender e esclarecer divergências, garantindo alinhamento e permitindo que todos sigam em frente. 

Já na vida social, meu esposo, que também é brasileiro, e eu passamos por um período de adaptação. As expectativas sociais no Canadá são diferentes das do Brasil. Se alguém o convida para um evento, seja um jantar ou um encontro, é essencial chegar exatamente no horário. Os canadenses valorizam a pontualidade e a seriedade nos compromissos, mesmo nos encontros mais triviais. Chegar atrasado, algo comum no Brasil, não é a norma e pode causar estranheza e até embaraços. 

 Trabalhar em um outro país 

 Assim que concluí o mestrado, optei por não seguir a carreira acadêmica e ingressar no mercado de trabalho. Meu primeiro emprego foi como engenheira em uma planta industrial, na mesma empresa que financiou minha bolsa de estudos. Lembro que, logo no primeiro dia, precisei subir uma longa escada até uma plataforma para inspecionar uma válvula – um grande desafio, considerando meu medo de altura e a temperatura ambiente de -25°C, com sensação térmica de -40°C. Confesso que a experiência foi extremamente desconfortável, mas encarei a tarefa como um verdadeiro “batismo de fogo” em minha nova vida profissional. A cada degrau ultrapassado, eu pensava: “Por que inventei de vir para cá?” Fazia humor para mim mesma a fim de superar o desconforto mental e físico.  

Cumpri o que era esperado sem reclamar, assim como outras solicitações que vieram posteriormente. Outras experiências desconfortáveis também fizeram parte do trabalho: atuar em um país diferente, em outra língua, enfrentar o desafio de aprender o inglês técnico da minha especialidade e reconhecer que a formação em Engenharia adquirida no Brasil não atendia completamente às demandas técnicas canadenses. O fundamental foi ter humildade e dizer para mim mesma: “Ainda estou aprendendo” – e assim prosseguir. Aceitar simplesmente que não se sabe tanto naquele momento e perguntar sempre.  

Aprendi muito naquele período e, em algumas ocasiões, assumi naturalmente a liderança quando a situação exigia. Essas experiências foram reveladoras, pois me permitiram descobrir um talento que, até então, não havia se manifestado. Foram vivências extremamente satisfatórias. Com tempo e dedicação, conquistei o respeito dos meus colegas engenheiros, da chefia e dos operadores de planta. Estava, pouco a pouco, consolidando meu espaço. 

Esteja aberta a novos desafios  

 Por um período, acreditei que seria engenheira de planta até a aposentadoria. Minha perspectiva de ascensão profissional havia mudado, pois, naquela época, eu gostava do meu trabalho e já era mãe. Contudo, um dia, com a saída de uma líder por licença-maternidade (que no Canadá dura um ano), surgiu uma vaga em uma das divisões da empresa onde eu já trabalhava. Naquele momento, não cogitava a liderança de equipe como próximo passo profissional.

Porém, meu próprio líder à época me encorajou a me candidatar. Ele destacou minhas qualidades naturais de liderança, demonstradas em trabalhos nos quais coordenei, informalmente e com sucesso, iniciativas de caráter técnico. Mencionou também minha recente participação em um curso interno de liderança voltado para jovens promissores. Eu tinha, então, as qualificações necessárias. A ideia reverberou em minha mente, tal como a decisão de imigrar para o Canadá. Por fim, aceitei o desafio e me candidatei à vaga. Após um processo seletivo, a empresa me fez uma oferta, que aceitei. Com o tempo, percebi que liderar me proporcionava satisfação pessoal e um forte senso de propósito, especialmente ao motivar, descobrir talentos e alocar cada indivíduo na função mais alinhada às suas habilidades. Meu objetivo era criar um ambiente onde todos se sentissem valorizados e pudessem desenvolver seu máximo potencial profissional.  

Hoje, trabalho na Nutrien, a maior empresa de fertilizantes do mundo, onde lidero uma equipe de 2.000 pessoas, com plantas distribuídas por diversos pontos da América do Norte e em Trinidad e Tobago. Meu time imediato, composto por 10 profissionais, é responsável por produzir, de forma segura, eficiente e com altos padrões de qualidade, 11 milhões de toneladas de fertilizantes por ano. Nossa principal meta diária é garantir a segurança dessas pessoas, para que possam voltar para suas casas todos os dias com sua integridade física e mental preservada 

E como isso se implementa? Criando uma cultura onde todos participem ativamente da boa condução dos negócios e da operação da empresa. Para isso, é fundamental desenvolver um ambiente no qual os empregados tenham liberdade para expressar suas opiniões e ideias às lideranças, que, por sua vez, devem estar abertas e sensíveis ao que lhes é informado. Além disso, é essencial garantir um retorno sobre essas contribuições. O desenvolvimento desse ambiente é uma função primária do líder, com foco nos empregados, visando melhorias contínuas nos resultados de produção e segurança. Essa é a minha filosofia. Meu trabalho é tornar a vida deles a mais produtiva possível, para que possam se aprimorar constantemente e alcançar excelência no que fazem.  

Procure aliados para vencer desafios 

 Nesse processo de desenvolvimento profissional, aproxime-se do verdadeiro líder do grupo em que está inserido. Nem sempre ele é quem possui a titulação formal, mas sim aquele que exerce maior influência. No início da minha carreira, havia um operador a quem todos ouviam com atenção. Ao conversar com ele com mais frequência, ele passou a conhecer melhor minhas ideias e começou a me dar espaço nas reuniões de trabalho. “Tem algo que gostaria de adicionar? Concorda com o que foi dito?” – ele me oferecia a oportunidade de falar publicamente e ser ouvida. 

Pessoas em posição de liderança podem fornecer o apoio necessário para superar os desafios que surgirão. Lembre-se: para progredir na carreira, é fundamental contar com a ajuda certa. E, paralelamente, claro, faça o seu trabalho com excelência! 

Explore seus pontos fortes 

 Identifique seus talentos naturais e busque maneiras de aprimorá-los formalmente, seja por meio de cursos, treinamentos ou outras formas de aprendizado. A educação fornece o ferramental necessário para dar foco e método ao que já existe intuitivamente. Explore esse nicho e procure oportunidades que permitam seu desenvolvimento profissional contínuo 

Competências imprescindíveis para um líder  

 Um líder precisa se conhecer bem, saber se comunicar com clareza, ouvir de forma genuína, estar atento e valorizar o conflito respeitoso. Um time forte e coeso só se constrói com autoconhecimento, compreensão da equipe e respeito mútuo, mesmo diante das adversidades. Além disso, é essencial que o líder colabore, mantenha uma rede de contatos saudável, seja adaptável e esteja ciente do que acontece tanto internamente na empresa quanto no mercado em que atua. Ele deve ter uma visão macro e ser capaz de desenvolver estratégias que beneficiem não apenas o departamento que lidera, mas também o funcionamento da companhia como um todo.  

Invista no maior ativo de uma companhia: as pessoas 

 Invista seu tempo nas pessoas que lidera. No fim das contas, qualquer empresa depende delas para alcançar o sucesso, independentemente da área de atuação. Para mim, elas são o maior patrimônio que uma companhia pode ter. Por isso, organize seu tempo de forma a priorizar esse ativo imprescindível. Questione, descubra o que cada um pensa e precisa, quais são seus desafios e que ideias têm para solucionar problemas, em vez de simplesmente apresentar soluções prontas. Eu sempre pergunto: “Se fosse o chefe e tivesse à disposição todo o dinheiro e recursos, o que faria de diferente? E se não tivesse todo o dinheiro e nem todas as pessoas do mundo, como agiria?” Quando você se dedica a conhecer quem compõe o time, o que os motiva e quais são seus talentos, tudo passa a fluir de maneira mais harmônica. 

E, já que mencionei a importância das pessoas, recomendo um livro que complementa muito bem esse tema: Como conhecer bem uma pessoa: a arte de ser visto e ver profundamente os outros. É uma obra escrita por David Brooks que explora a arte de ver as pessoas profundamente e de ser visto. Aborda a compreensão do porquê e do que motiva cada membro da equipe, além do que contribui para que cada um seja mais bem-sucedido no trabalho 

Você nunca vai saber tudo 

O primeiro líder que tive, quando ainda era estagiária no Brasil, me ensinou algo memorável. Um dia, ele me disse que eu nunca saberia tudo, e que o mais importante era saber onde encontrar as respostas. Elas poderiam estar em um livro, em uma pessoa… o essencial era saber onde procurar. E, com isso em mente, eu deveria me sentir confortável para, desde o princípio, admitir quando não soubesse algo, mas me comprometer a buscar a resposta. Esse é um conselho que repasso sempre que posso: assuma quando não souber algo e tenha humildade para procurar as respostas 

Acredite no seu potencial e filtre os feedbacks no decorrer da jornada 

 Uma grande armadilha que pode atrapalhar o desenvolvimento da nossa carreira é a internalização de feedbacks negativos. Isso pode levar à falta de autoconfiança e até à autossabotagem. No entanto, quando encarados da maneira certa, esses feedbacks podem contribuir para o crescimento profissional. É fundamental distinguir se a crítica vem de alguém cujo olhar vale a pena considerar ou se parte de alguém que prioriza seus próprios interesses. Além disso, faça uma autoavaliação do feedback para ter sua própria dimensão sobre ele. Isso proporcionará uma perspectiva mais clara de como utilizá-lo para o seu desenvolvimento profissional. 

Persista no que acredita 

 Nada vem fácil ou imediatamente. Ter talento e preparo não significa que o esforço será dispensável. Tudo exige dedicação, e nem sempre seus esforços serão recompensados de imediato. Em mais de uma ocasião, portas podem se fechar. Aceite isso e siga em frente, pois as dificuldades trazem lições valiosas. 

Nesse processo, haverá aqueles que não acreditarão na sua capacidade. Por isso, cerque-se de pessoas que possam ajudá-lo a progredir – colegas, família e amigos. Essa energia coletiva é fundamental! Eu, sem dúvida, não estaria onde estou sem o suporte da minha mãe, do meu esposo e de diversos colegas que sempre estiveram ao meu lado. 

E, por fim, lembre-se de que aquele “não” que você recebeu não é definitivo. Tenha resiliência, persista no que acredita e continue construindo o seu futuro. 

Leitura recomendada por Maria Silveira: 

 Como conhecer bem uma pessoa: a arte de ser visto e ver profundamente os outros, de David Brooks. Universo dos Livros, 2024. 

Acompanhe tudo sobre:Empreendedorismo