A liderança é uma arte que se aperfeiçoa com empatia, afirma Leandro Bertoni
Na coluna desta semana, conheça a história de Leandro Bertoni, vice-presidente de Power Systems da Schneider Electric para a América do Sul
Colunista
Publicado em 13 de setembro de 2024 às 13h25.
Meu propósito é tentar mostrar às pessoas que trabalham comigo que elas podem ir além do que acreditavam, ser muito mais do que pensavam ser possível. Sempre tive um bom feeling para lidar com as pessoas, liderá-las. Sentia isso desde cedo, mas de maneira inconsciente, na escola, no esporte, com os amigos da rua. Porém, essa consciência surgiu tardiamente. Eram muito mais os outros que tinham essa visão sobre mim e enxergavam a liderança natural que eu ainda não entendia – apenas agia. E isso se refletiu na minha trajetória.
Essa trajetória começou com o curso de Eletrônica em uma escola técnica e, no quarto ano, comecei a cursar, em paralelo, a faculdade de Engenharia Elétrica na Universidade Mackenzie como bolsista. Eu me graduei como engenheiro eletricista, especializado em Sistemas de Potência, e atuei na área técnica por quase sete anos, até entender que já não queria ser um especialista ou técnico. Meu interesse em me aprofundar ainda mais nos temas específicos havia diminuído substancialmente e de maneira natural. Logo, mudei de foco na carreira e lidei com gestão de projetos e pessoas.
Não posso deixar de ressaltar o quanto as minhas vivências pessoais também contribuíram neste sentido. Sou descendente de italianos por parte de pai e venho de uma família de classe média baixa que morou na zona norte de São Paulo durante décadas. Minha primeira experiência profissional foi no restaurante que meu pai abriu após sair da empresa em que trabalhava. Ele faleceu quando eu tinha 16 anos, mas me ensinou a importância de se relacionar. Era muito querido porque aglutinava amigos, família. Tinha sempre uma solução para tudo e buscava, à sua maneira, ajudar a todos como podia. Entretanto, essa generosidade cobrou um preço e, depois de sua morte, ficamos com muitas dívidas e passamos um período muito difícil, mas que me ensinou demais – foi o meu primeiro MBA.
O restaurante do meu pai foi meu primeiro MBA
Costumo dizer que o restaurante que herdamos de meu pai foi o meu primeiro MBA. Era um estabelecimento simples, porém aparecia com frequência na indicação da Veja São Paulo e em várias outras publicações da época devido à sua maravilhosa costela de ripa, que era nosso carro-chefe, e levava muita gente ao restaurante para saboreá-lo. No entanto, quando assumimos a gestão do restaurante começamos a perceber algumas atitudes que demandavam pulso firme da então nova gestão. Certa vez, percebemos que, para ganhar uma caixinha mais alta, os garçons insistiam em convencer os clientes a pedirem os pratos mais caros da casa. As pessoas ficavam constrangidas, acabavam cedendo e depois reclamavam, pois não consumiam o prato que de fato queriam. Foi preciso, então, realizar uma grande reestruturação nas equipes para mudar a forma de trabalhar e assegurar maior satisfação aos nossos clientes. Minha mãe não tinha experiência alguma em negócio e eu agi puramente no instinto. Comecei a aprender muito rapidamente, mas tudo de forma empírica.
No final, eu tinha que cuidar da nossa família, negociar com o credor, com o banco, fazer o inventário do meu pai, gerir o restaurante e ainda estudar em duas escolas. Não era fácil e muitas vezes achei que não ia conseguir. Contudo, de maneira até inexplicável, sempre encontrava uma força que me fazia seguir em frente e não desistir.
Esse período da minha vida, fazendo dois cursos simultaneamente, foi realmente “uma loucura”, bem intenso. Ao mesmo tempo, ajudava minha mãe a cuidar do restaurante do meu pai. Naquele tempo, todos os meus amigos saíam para festas e eu não podia ir, pois trabalhávamos no restaurante aos finais de semana. Eu também era atleta de basquete e jogava no time da faculdade, mas acabei deixando de ir a muitos torneios por conta das minhas obrigações. Meu sonho, inicialmente, era morar em uma república universitária, viver fora de São Paulo, mas acabei não conseguindo viver essa experiência.
Não acredito que a perda que sofri e as dificuldades pelas quais minha família e eu passamos sejam algum incomum em nosso país, ou que essa experiência tenha me tornado uma pessoa melhor do que as outras. Entretanto, foi, definitivamente, uma experiência muito marcante em minha vida que colaborou para eu ser quem sou hoje.
Minha mãe me ajudou a desenvolver minha autonomia e independência
É interessante observar que esse processo de autodescoberta meio tardio se deveu talvez à necessidade que tive de amadurecer muito cedo. Neste contexto, uma figura foi essencial: a minha mãe, uma mulher que sempre esteve à frente do seu tempo, mas que sofreu muito com a nossa perda tão repentina. Ela é, até hoje, a minha fonte de inspiração, minha heroína. Sempre valorizou a independência e a autonomia, duas características que recebi do seu DNA. Foi uma das raras pessoas da nossa família que completou o curso universitário e dedicou sua vida à carreira de professora para crianças com necessidades. Foi diretora da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), em Guarulhos (SP). Nesse contexto, ainda se formou médica otorrinolaringologista pela Faculdade Paulista de Medicina. Ela é meu exemplo de vida. Era aquela que nos levava à escola no frio, uma pessoa que sempre fez mais do que precisava, que ia além, sempre. Paralelamente a uma carreira brilhante, muito reconhecida, nunca abriu mão do tempo que tinha para cuidar de mim e do meu irmão mais novo.
A experiência internacional me ensinou a me adaptar às adversidades
Demorei muito tempo para descobrir meu potencial e entender a percepção das pessoas a meu respeito. As experiências internacionais obviamente me ajudaram a aperfeiçoar muito o meu inglês, mas o verdadeiro impacto foi muito mais no lado pessoal. Percebi que o mundo era muito mais amplo do que eu enxergava até então e que as possibilidades e oportunidades eram infinitas.
Eu me formei em 2000 e sempre fui um engenheiro idealista. Gostava de trabalhar em grandes projetos e comecei a ter oportunidades para viajar o mundo. Na época, eu ganhei um computador e as pessoas diziam “agora que tem um computador maravilhoso, você vai embora”. Esses objetos não faziam o menor sentido na minha cabeça, ainda que fossem o desejo de todos os engenheiros na época, mas eu só conseguia responder: “quero descobrir o mundo”. Aos 21 anos, estava pegando o avião e indo morar na Suécia sozinho. Vivi também na China e nos Estados Unidos. Essas experiências internacionais me forçaram a ser adaptável: me abriram para a mudança e o desapego. E uma das coisas que a gente mais tem nos negócios é mudança.
Da engenharia para a gestão de projetos e pessoas
Logo depois do meu retorno ao Brasil, me questionaram: “o que você acha de ser gerente de projeto? Achamos que você pode ir além da liderança técnica e gerir um projeto completo. Recebemos ótimos feedbacks do cliente naquele projeto em que perdemos o gerente na metade e você concluiu todo o trabalho”. Eu segui meu coração mais uma vez e topei. Logo depois, iniciei um MBA em Gestão de Projetos pela Fundação Instituto de Administração, da Universidade de São Paulo (FIA/USP), e, mais adiante, já exercendo um cargo de gestão comercial, após outro convite repentino, voltei à academia para mais um MBA em Finanças na Fundação Getulio Vargas (FGV-SP). Eu tinha comigo que mais cedo ou mais tarde precisaria entender as finanças com mais profundidade. Foi quando comecei a descobrir que queria mais, e que poderia muito mais.
No início de minha carreira, era apaixonado por proteção e controle de sistemas elétricos e trabalhava com computadores em rede e programação lógica. Nessa época, tive a oportunidade de viver na China por um ano e atuar no – até hoje – maior projeto do mundo voltado à geração e transmissão de energia: a usina de Três Gargantas. O trabalho tinha suas complexidades, mas era fácil de certa forma porque bastava dar um comando e os computadores respondiam imediatamente. Quando comecei a gerir pessoas, percebi que seria muito diferente disso.
Minha carreira aconteceu intuitivamente. Tive a sorte de ter líderes incríveis que foram percebendo minhas capacidades e, de certa forma, me dando um direcionamento. Comecei como engenheiro e depois me tornei gerente de Projetos. Em seguida, achavam que eu poderia liderar uma equipe de operações. Eu lidava com pessoas muito mais experientes do que eu. Em seguida, fui promovido a gerente de Vendas sem ter tido experiência anterior na posição. E não é que deu certo e minha carreira decolou?! As pessoas me colocavam em determinados cargos, mas eu não tinha plena consciência do porquê. A verdade é que eles viam isso em mim muito antes que eu mesmo tomasse consciência das minhas capacidades. Sempre tive muita autoconfiança, porém isso era diferente. Eles realmente enxergavam o meu potencial.
Na Suécia, você sabe que está sendo valorizado quando conferem a você ainda mais responsabilidades. E eu sempre tive um senso de responsabilidade um pouco diferente dos demais. Tinha um sexto sentido para antecipar os problemas. Mais experiente na minha carreira profissional, percebi ter uma habilidade natural de gerar confiança das pessoas em mim, e isso vale ouro. Se me dão uma tarefa, uma missão, mesmo que dê errado, todos sabem que eu farei o impossível para cumpri-la e ir além.
“Empenho não é desempenho”
Tive um chefe por mais de dez anos que me colocava em uma posição e dizia: “vai lá e domina!”. Depois, ele me dava uma promoção oficial. Não menosprezei as experiências na vida, quaisquer que sejam. O primeiro trabalho que tive como estagiário de engenharia foi separar e contar desenhos em papel vegetal e fazer uma lista de controle de documentos. Cada um tem o seu tempo. Levei sete anos na Engenharia para descobrir que eu poderia e queria ser gestor. Quando eu me dei conta, em um curtíssimo intervalo, minha carreira acelerou com esse foco.
Como líder, investi muita energia para estabelecer a confiança da minha equipe e dizer a eles que está tudo bem desejarem a minha posição, porque isso é saudável. Se não acontecer agora, pode ser mais adiante, e eu posso, inclusive, ajudá-los nesse processo. Um conselho que recebi de um grande líder que tive foi: “empenho não é desempenho”. Não significa que a pessoa que começa a trabalhar na empresa às 7h e sai às 22h terá um melhor desempenho e utilize bem o seu tempo, definindo apropriadamente suas prioridades.
Valorizar as oportunidades e agarrá-las com todas as forças foi algo que aprendi em minha carreira. Cada chance traz um tipo de conhecimento diferente que poderá ser útil em algum momento. Também entendi que ser humilde no mundo corporativo não significa ser ingênuo, e que é importante saber o seu valor. Outro ponto é aprender a reconhecer nas pessoas e em si próprio os pontos fortes e as áreas a desenvolver.
Não abro mão do comprometimento e do trabalho duro. Infelizmente, já tive de tomar decisões difíceis com profissionais brilhantes que prejudicavam o clima e a harmonia da equipe. Prefiro ao meu lado pessoas altamente comprometidas com sua atividade e com a equipe do que gênios que só enxergam a si próprios. E procuro recompensar bem, até já levei bronca do RH por isso (risos). E não se trata apenas de dinheiro, que é importante, mas, sim dar confiança, reconhecimento justo, visibilidade, exposição e um plano de futuro com alguns caminhos possíveis.
Quando falamos em armadilhas, o ego talvez seja a maior delas, especialmente no mundo corporativo. Ele nos faz potencializar coisas pouco importantes e viver em um mundo que muitas vezes não é real. Isso pode atrasar nosso desenvolvimento e nos desconectar da realidade. Outro ponto de atenção é a arrogância. Não há problema em se achar bom em alguma coisa. O erro está em acreditar que ninguém é tão bom ou melhor do que você. Quando você acha que é o melhor ou o mais inteligente da sala, você provavelmente está na sala errada. Recordo muitos exemplos de pessoas brilhantes, que, em algum momento de suas vidas, não decolaram na carreira – na maioria das vezes por questões interpessoais.
Um outro ponto de atenção que aprendi é que não podemos nos deslumbrar e ir além das nossas possibilidades financeiras. É ótimo ter dinheiro, poder comprar algo que nunca pudemos antes. Mas eu nunca tive ambição por coisas. Se for comprar uma casa para sua mãe, a motivação pode ser dar segurança e conforto a ela, e não a de que ela tenha a melhor e mais bonita casa do bairro. Ao adquirir uma moto, no meu modo de ver, se trata da busca pela sensação de liberdade. Quando você estiver pautando suas ambições, tente avaliar qual o sentimento está presente em cada uma delas, qual o prazer ou sensação que aquilo vai lhe trazer que não seja só material. E lute por isso!
O esporte ocupa um papel fundamental na minha vida até hoje
Somado às vivências que já contei, há outro fator que me ajudou a descobrir a superação, entender minha força, competitividade e também a minha liderança: o esporte. Esse espírito competitivo de vencer os desafios já estava em mim, mas faltava uma provocação, que veio por meio do esporte. Quando morei fora do Brasil, o esporte foi um catalisador que me ajudou a fazer amigos fora do trabalho e conhecer e ser conhecido por muita gente por onde passei.
Eu tive, desde cedo, uma vida esportiva muito intensa. Aos 12 anos, comecei a jogar basquete e fui atleta até os quase 20 anos. Depois, joguei também pela universidade. Entre 14 e 15 anos, praticava futebol e basquete simultaneamente, mas tive que fazer a minha primeira escolha dolorosa na vida: eu não conseguia manter os dois esportes por conta do tempo e custos com a condução. Precisei optar por um e escolhi o basquete. Eu tinha uma estatura ainda mais baixa na época (hoje tenho 1,82 cm), pois cresci tardiamente, e acabava sendo motivo de piada por parte dos companheiros de time. Por conta disso, eu compensava com rapidez, habilidade e pontaria. Tinha que treinar pelo menos o dobro dos atletas maiores para manter minha posição no time. Uma inspiração nesse sentido foi o jogador de basquete Michael Jordan, meu grande ídolo esportivo, que era um fenômeno, porque, além da sua habilidade atlética e estrutura física, sempre se dedicava mais do que todos do time. Aliás, li todas as biografias dele.
Sigo me desafiando
Encaro minha experiência na Schneider Electric, empresa líder global na transformação digital da gestão de energia e automação, como uma grande oportunidade de seguir me desenvolvendo e fazendo a diferença em uma nova cultura, em um ambiente diferente e que me tirou da zona de conforto.
Até aqui na minha vida e carreira, o meu conselho é: seja autêntico e determinado. Faça as coisas com paixão e amor, e respeite as pessoas. Trabalhe com quem está disposto a aprender. Respeite seu tempo e nunca imponha limites a si mesmo, pois eles são, frequentemente, apenas uma ilusão.
Leituras recomendadas por Leandro Bertoni
Livro: Outliers: descubra por que algumas pessoas têm sucesso e outras não, de Malcolm Gladwell e Ivo Korytowski. Sextante, 2011.
Todas as biografias de Bob Dylan e Michael Jordan.
Meu propósito é tentar mostrar às pessoas que trabalham comigo que elas podem ir além do que acreditavam, ser muito mais do que pensavam ser possível. Sempre tive um bom feeling para lidar com as pessoas, liderá-las. Sentia isso desde cedo, mas de maneira inconsciente, na escola, no esporte, com os amigos da rua. Porém, essa consciência surgiu tardiamente. Eram muito mais os outros que tinham essa visão sobre mim e enxergavam a liderança natural que eu ainda não entendia – apenas agia. E isso se refletiu na minha trajetória.
Essa trajetória começou com o curso de Eletrônica em uma escola técnica e, no quarto ano, comecei a cursar, em paralelo, a faculdade de Engenharia Elétrica na Universidade Mackenzie como bolsista. Eu me graduei como engenheiro eletricista, especializado em Sistemas de Potência, e atuei na área técnica por quase sete anos, até entender que já não queria ser um especialista ou técnico. Meu interesse em me aprofundar ainda mais nos temas específicos havia diminuído substancialmente e de maneira natural. Logo, mudei de foco na carreira e lidei com gestão de projetos e pessoas.
Não posso deixar de ressaltar o quanto as minhas vivências pessoais também contribuíram neste sentido. Sou descendente de italianos por parte de pai e venho de uma família de classe média baixa que morou na zona norte de São Paulo durante décadas. Minha primeira experiência profissional foi no restaurante que meu pai abriu após sair da empresa em que trabalhava. Ele faleceu quando eu tinha 16 anos, mas me ensinou a importância de se relacionar. Era muito querido porque aglutinava amigos, família. Tinha sempre uma solução para tudo e buscava, à sua maneira, ajudar a todos como podia. Entretanto, essa generosidade cobrou um preço e, depois de sua morte, ficamos com muitas dívidas e passamos um período muito difícil, mas que me ensinou demais – foi o meu primeiro MBA.
O restaurante do meu pai foi meu primeiro MBA
Costumo dizer que o restaurante que herdamos de meu pai foi o meu primeiro MBA. Era um estabelecimento simples, porém aparecia com frequência na indicação da Veja São Paulo e em várias outras publicações da época devido à sua maravilhosa costela de ripa, que era nosso carro-chefe, e levava muita gente ao restaurante para saboreá-lo. No entanto, quando assumimos a gestão do restaurante começamos a perceber algumas atitudes que demandavam pulso firme da então nova gestão. Certa vez, percebemos que, para ganhar uma caixinha mais alta, os garçons insistiam em convencer os clientes a pedirem os pratos mais caros da casa. As pessoas ficavam constrangidas, acabavam cedendo e depois reclamavam, pois não consumiam o prato que de fato queriam. Foi preciso, então, realizar uma grande reestruturação nas equipes para mudar a forma de trabalhar e assegurar maior satisfação aos nossos clientes. Minha mãe não tinha experiência alguma em negócio e eu agi puramente no instinto. Comecei a aprender muito rapidamente, mas tudo de forma empírica.
No final, eu tinha que cuidar da nossa família, negociar com o credor, com o banco, fazer o inventário do meu pai, gerir o restaurante e ainda estudar em duas escolas. Não era fácil e muitas vezes achei que não ia conseguir. Contudo, de maneira até inexplicável, sempre encontrava uma força que me fazia seguir em frente e não desistir.
Esse período da minha vida, fazendo dois cursos simultaneamente, foi realmente “uma loucura”, bem intenso. Ao mesmo tempo, ajudava minha mãe a cuidar do restaurante do meu pai. Naquele tempo, todos os meus amigos saíam para festas e eu não podia ir, pois trabalhávamos no restaurante aos finais de semana. Eu também era atleta de basquete e jogava no time da faculdade, mas acabei deixando de ir a muitos torneios por conta das minhas obrigações. Meu sonho, inicialmente, era morar em uma república universitária, viver fora de São Paulo, mas acabei não conseguindo viver essa experiência.
Não acredito que a perda que sofri e as dificuldades pelas quais minha família e eu passamos sejam algum incomum em nosso país, ou que essa experiência tenha me tornado uma pessoa melhor do que as outras. Entretanto, foi, definitivamente, uma experiência muito marcante em minha vida que colaborou para eu ser quem sou hoje.
Minha mãe me ajudou a desenvolver minha autonomia e independência
É interessante observar que esse processo de autodescoberta meio tardio se deveu talvez à necessidade que tive de amadurecer muito cedo. Neste contexto, uma figura foi essencial: a minha mãe, uma mulher que sempre esteve à frente do seu tempo, mas que sofreu muito com a nossa perda tão repentina. Ela é, até hoje, a minha fonte de inspiração, minha heroína. Sempre valorizou a independência e a autonomia, duas características que recebi do seu DNA. Foi uma das raras pessoas da nossa família que completou o curso universitário e dedicou sua vida à carreira de professora para crianças com necessidades. Foi diretora da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), em Guarulhos (SP). Nesse contexto, ainda se formou médica otorrinolaringologista pela Faculdade Paulista de Medicina. Ela é meu exemplo de vida. Era aquela que nos levava à escola no frio, uma pessoa que sempre fez mais do que precisava, que ia além, sempre. Paralelamente a uma carreira brilhante, muito reconhecida, nunca abriu mão do tempo que tinha para cuidar de mim e do meu irmão mais novo.
A experiência internacional me ensinou a me adaptar às adversidades
Demorei muito tempo para descobrir meu potencial e entender a percepção das pessoas a meu respeito. As experiências internacionais obviamente me ajudaram a aperfeiçoar muito o meu inglês, mas o verdadeiro impacto foi muito mais no lado pessoal. Percebi que o mundo era muito mais amplo do que eu enxergava até então e que as possibilidades e oportunidades eram infinitas.
Eu me formei em 2000 e sempre fui um engenheiro idealista. Gostava de trabalhar em grandes projetos e comecei a ter oportunidades para viajar o mundo. Na época, eu ganhei um computador e as pessoas diziam “agora que tem um computador maravilhoso, você vai embora”. Esses objetos não faziam o menor sentido na minha cabeça, ainda que fossem o desejo de todos os engenheiros na época, mas eu só conseguia responder: “quero descobrir o mundo”. Aos 21 anos, estava pegando o avião e indo morar na Suécia sozinho. Vivi também na China e nos Estados Unidos. Essas experiências internacionais me forçaram a ser adaptável: me abriram para a mudança e o desapego. E uma das coisas que a gente mais tem nos negócios é mudança.
Da engenharia para a gestão de projetos e pessoas
Logo depois do meu retorno ao Brasil, me questionaram: “o que você acha de ser gerente de projeto? Achamos que você pode ir além da liderança técnica e gerir um projeto completo. Recebemos ótimos feedbacks do cliente naquele projeto em que perdemos o gerente na metade e você concluiu todo o trabalho”. Eu segui meu coração mais uma vez e topei. Logo depois, iniciei um MBA em Gestão de Projetos pela Fundação Instituto de Administração, da Universidade de São Paulo (FIA/USP), e, mais adiante, já exercendo um cargo de gestão comercial, após outro convite repentino, voltei à academia para mais um MBA em Finanças na Fundação Getulio Vargas (FGV-SP). Eu tinha comigo que mais cedo ou mais tarde precisaria entender as finanças com mais profundidade. Foi quando comecei a descobrir que queria mais, e que poderia muito mais.
No início de minha carreira, era apaixonado por proteção e controle de sistemas elétricos e trabalhava com computadores em rede e programação lógica. Nessa época, tive a oportunidade de viver na China por um ano e atuar no – até hoje – maior projeto do mundo voltado à geração e transmissão de energia: a usina de Três Gargantas. O trabalho tinha suas complexidades, mas era fácil de certa forma porque bastava dar um comando e os computadores respondiam imediatamente. Quando comecei a gerir pessoas, percebi que seria muito diferente disso.
Minha carreira aconteceu intuitivamente. Tive a sorte de ter líderes incríveis que foram percebendo minhas capacidades e, de certa forma, me dando um direcionamento. Comecei como engenheiro e depois me tornei gerente de Projetos. Em seguida, achavam que eu poderia liderar uma equipe de operações. Eu lidava com pessoas muito mais experientes do que eu. Em seguida, fui promovido a gerente de Vendas sem ter tido experiência anterior na posição. E não é que deu certo e minha carreira decolou?! As pessoas me colocavam em determinados cargos, mas eu não tinha plena consciência do porquê. A verdade é que eles viam isso em mim muito antes que eu mesmo tomasse consciência das minhas capacidades. Sempre tive muita autoconfiança, porém isso era diferente. Eles realmente enxergavam o meu potencial.
Na Suécia, você sabe que está sendo valorizado quando conferem a você ainda mais responsabilidades. E eu sempre tive um senso de responsabilidade um pouco diferente dos demais. Tinha um sexto sentido para antecipar os problemas. Mais experiente na minha carreira profissional, percebi ter uma habilidade natural de gerar confiança das pessoas em mim, e isso vale ouro. Se me dão uma tarefa, uma missão, mesmo que dê errado, todos sabem que eu farei o impossível para cumpri-la e ir além.
“Empenho não é desempenho”
Tive um chefe por mais de dez anos que me colocava em uma posição e dizia: “vai lá e domina!”. Depois, ele me dava uma promoção oficial. Não menosprezei as experiências na vida, quaisquer que sejam. O primeiro trabalho que tive como estagiário de engenharia foi separar e contar desenhos em papel vegetal e fazer uma lista de controle de documentos. Cada um tem o seu tempo. Levei sete anos na Engenharia para descobrir que eu poderia e queria ser gestor. Quando eu me dei conta, em um curtíssimo intervalo, minha carreira acelerou com esse foco.
Como líder, investi muita energia para estabelecer a confiança da minha equipe e dizer a eles que está tudo bem desejarem a minha posição, porque isso é saudável. Se não acontecer agora, pode ser mais adiante, e eu posso, inclusive, ajudá-los nesse processo. Um conselho que recebi de um grande líder que tive foi: “empenho não é desempenho”. Não significa que a pessoa que começa a trabalhar na empresa às 7h e sai às 22h terá um melhor desempenho e utilize bem o seu tempo, definindo apropriadamente suas prioridades.
Valorizar as oportunidades e agarrá-las com todas as forças foi algo que aprendi em minha carreira. Cada chance traz um tipo de conhecimento diferente que poderá ser útil em algum momento. Também entendi que ser humilde no mundo corporativo não significa ser ingênuo, e que é importante saber o seu valor. Outro ponto é aprender a reconhecer nas pessoas e em si próprio os pontos fortes e as áreas a desenvolver.
Não abro mão do comprometimento e do trabalho duro. Infelizmente, já tive de tomar decisões difíceis com profissionais brilhantes que prejudicavam o clima e a harmonia da equipe. Prefiro ao meu lado pessoas altamente comprometidas com sua atividade e com a equipe do que gênios que só enxergam a si próprios. E procuro recompensar bem, até já levei bronca do RH por isso (risos). E não se trata apenas de dinheiro, que é importante, mas, sim dar confiança, reconhecimento justo, visibilidade, exposição e um plano de futuro com alguns caminhos possíveis.
Quando falamos em armadilhas, o ego talvez seja a maior delas, especialmente no mundo corporativo. Ele nos faz potencializar coisas pouco importantes e viver em um mundo que muitas vezes não é real. Isso pode atrasar nosso desenvolvimento e nos desconectar da realidade. Outro ponto de atenção é a arrogância. Não há problema em se achar bom em alguma coisa. O erro está em acreditar que ninguém é tão bom ou melhor do que você. Quando você acha que é o melhor ou o mais inteligente da sala, você provavelmente está na sala errada. Recordo muitos exemplos de pessoas brilhantes, que, em algum momento de suas vidas, não decolaram na carreira – na maioria das vezes por questões interpessoais.
Um outro ponto de atenção que aprendi é que não podemos nos deslumbrar e ir além das nossas possibilidades financeiras. É ótimo ter dinheiro, poder comprar algo que nunca pudemos antes. Mas eu nunca tive ambição por coisas. Se for comprar uma casa para sua mãe, a motivação pode ser dar segurança e conforto a ela, e não a de que ela tenha a melhor e mais bonita casa do bairro. Ao adquirir uma moto, no meu modo de ver, se trata da busca pela sensação de liberdade. Quando você estiver pautando suas ambições, tente avaliar qual o sentimento está presente em cada uma delas, qual o prazer ou sensação que aquilo vai lhe trazer que não seja só material. E lute por isso!
O esporte ocupa um papel fundamental na minha vida até hoje
Somado às vivências que já contei, há outro fator que me ajudou a descobrir a superação, entender minha força, competitividade e também a minha liderança: o esporte. Esse espírito competitivo de vencer os desafios já estava em mim, mas faltava uma provocação, que veio por meio do esporte. Quando morei fora do Brasil, o esporte foi um catalisador que me ajudou a fazer amigos fora do trabalho e conhecer e ser conhecido por muita gente por onde passei.
Eu tive, desde cedo, uma vida esportiva muito intensa. Aos 12 anos, comecei a jogar basquete e fui atleta até os quase 20 anos. Depois, joguei também pela universidade. Entre 14 e 15 anos, praticava futebol e basquete simultaneamente, mas tive que fazer a minha primeira escolha dolorosa na vida: eu não conseguia manter os dois esportes por conta do tempo e custos com a condução. Precisei optar por um e escolhi o basquete. Eu tinha uma estatura ainda mais baixa na época (hoje tenho 1,82 cm), pois cresci tardiamente, e acabava sendo motivo de piada por parte dos companheiros de time. Por conta disso, eu compensava com rapidez, habilidade e pontaria. Tinha que treinar pelo menos o dobro dos atletas maiores para manter minha posição no time. Uma inspiração nesse sentido foi o jogador de basquete Michael Jordan, meu grande ídolo esportivo, que era um fenômeno, porque, além da sua habilidade atlética e estrutura física, sempre se dedicava mais do que todos do time. Aliás, li todas as biografias dele.
Sigo me desafiando
Encaro minha experiência na Schneider Electric, empresa líder global na transformação digital da gestão de energia e automação, como uma grande oportunidade de seguir me desenvolvendo e fazendo a diferença em uma nova cultura, em um ambiente diferente e que me tirou da zona de conforto.
Até aqui na minha vida e carreira, o meu conselho é: seja autêntico e determinado. Faça as coisas com paixão e amor, e respeite as pessoas. Trabalhe com quem está disposto a aprender. Respeite seu tempo e nunca imponha limites a si mesmo, pois eles são, frequentemente, apenas uma ilusão.
Leituras recomendadas por Leandro Bertoni
Livro: Outliers: descubra por que algumas pessoas têm sucesso e outras não, de Malcolm Gladwell e Ivo Korytowski. Sextante, 2011.
Todas as biografias de Bob Dylan e Michael Jordan.