A dedicação tem que ser seu foco, afirma Severino Benner
Na coluna desta semana, conheça a história de Severino Benner, CEO do Grupo Benner
Publicado em 27 de outubro de 2023 às, 11h49.
Eu vim da área contábil, mas fui mordido pela tecnologia. Eu adoro inovação, aprender, ir atrás, gosto de pensar no que posso fazer de novo. Minha jornada profissional foi repleta de desafios e conquistas que resultaram na fundação e no crescimento do Grupo Benner, que nasceu há 26 anos e do qual tenho orgulho de ser CEO.
Minha história começa em Blumenau, Santa Catarina, em uma família humilde com raízes italianas e alemãs, de onde veio o nome Benner. Em meus primeiros anos de vida, fui criado pela minha avó, que só falava alemão, por isso meu primeiro idioma é alemão e o segundo português. Meus pais eram trabalhadores dedicados, com meu pai atuando na agricultura familiar e minha mãe como professora em uma escola municipal. Tive a sorte de ter essa veia educadora na família e minha mãe sempre nos ensinou a nunca desistir e ter foco para conquistar os objetivos. Trabalhei na roça até os 15 anos, ajudando o meu pai, mas então percebi que não era isso que queria para a minha vida e decidi mudar. Sempre fui de me arriscar.
Terminei o ginásio e, no mesmo ano, 1977, fui morar sozinho em um quarto de pensão alugado mais próximo do centro de Blumenau para facilitar a locomoção. Antes de sair de casa, tive um primo que me inspirou, ele trabalhava na área de contabilidade do Grupo Hering. Como não sabia se conseguiria cursar uma faculdade, optei por seguir a mesma carreira, que me permitiria trabalhar como contador. Assim, ingressei no colégio católico Santo Antônio para realizar o curso de técnico contábil. Meu primo havia me dito que para ser contador era necessário dominar a datilografia, então, consegui comprar uma máquina vendendo um porco da roça do meu pai, e comecei a treinar. Fiquei muito bom.
Quando fui procurar emprego para arcar com meus estudos, uma vez que meus pais não podiam mais, na primeira tentativa fui contratado, aos 15 anos. Nesse emprego, trabalhei como office boy em um hotel, em que tive a oportunidade de interagir com pessoas de todo o Brasil, uma experiência que despertou minha motivação por ajudar outras pessoas.
Logo descobri que, com as despesas do curso e de moradia, mesmo recebendo um salário, eu estava no negativo e, assim, percebi que tinha que realizar atividades paralelas, que me dessem dinheiro, mas não comprometesse o trabalho. É o que chamamos hoje de desenvolver um novo negócio a partir daquilo que você já conhece. Desta forma, identifiquei pela primeira vez meu espírito empreendedor.
Da contabilidade a tecnologia
Comecei datilografando trabalhos e teses de estudantes da faculdade, além de prestar serviços para os hóspedes do hotel, oportunidade que sempre me rendia muitas gorjetas por ser atencioso e falar alemão com as senhoras. Nessa época, também descobri que poderia ganhar dinheiro como guia de compras na cidade, levando os turistas para as lojas e ganhando uma comissão do comércio, além de regularizar a lista de visitantes na Delegacia de Polícia local, um processo que acontecia quando chegavam excursões no município, o qual sempre foi bastante turístico. Assim, desenvolvi uma série de atividades para gerar renda extra e conseguir pagar meu estudo, moradia e transporte.
Em 1979, já no último ano do curso técnico de contabilidade, após passar em um processo seletivo, tive a oportunidade de ingressar na CETIL, uma empresa que foi líder em tecnologia de mainframe e desenvolvimento de softwares nos anos 80. Ao visitar a empresa pela primeira vez, fiquei impressionado quando entrei em uma sala super gelada, repleta de computadores, e foi nesse momento que soube que queria fazer parte do mundo tecnológico.
Na CETIL, comecei na contabilidade e, ao longo dos anos, tive a chance de trabalhar de ponta a ponta, conduzindo grandes projetos até chegar à gerência financeira. Isso me permitiu viajar pelo Brasil e estruturar mais de 15 filiais da companhia. Participei, inclusive, da instalação da primeira impressora a laser do país.
Nesse meio tempo, entre 1981 e 1984, cursei contabilidade na FURB, a Universidade Regional de Blumenau. Quando me formei, me especializei em finanças e contabilidade em uma pós-graduação realizada no INPG (Instituto Nacional de Pós-Graduação). Além disso, ao longo dos anos, fiz inúmeros cursos de gestão, estratégia e compliance.
Mas foi na CETIL que desenvolvi o meu conhecimento em tecnologia voltada a negócios, que foi fundamental em todas as empresas que criei. Permaneci na companhia por 11 anos, até o dia que ela foi vendida. Lá tive muitas oportunidades, por isso, hoje, falo para os meus colaboradores que eles podem alcançar muito mais do que imaginam, se tiverem disciplina, porque nada cai do céu. A dedicação tem que ser seu foco.
A jornada empreendedora
Durante meu tempo na CETIL, após convencer meu pai a me emancipar, aos 17 anos, fundei a minha primeira empresa, um escritório de contabilidade criado em sociedade com o diretor-presidente da companhia. Esse escritório começou a solucionar os problemas financeiros de outras empresas dos sócios e, posteriormente, expandiu seus serviços para o mercado. Hoje, ele é o maior escritório de contabilidade da região de Blumenau. Em 1989, após deixar a CETIL, ainda dediquei dois anos ao escritório até vendê-lo. No entanto, minha paixão pelo desenvolvimento de softwares estava crescendo à medida que os microcomputadores se tornavam mais comuns.
Assim, criei minha primeira empresa de tecnologia, chamada PC Auxiliar, voltada para o desenvolvimento de sistemas integrados. Nela, eu tinha um sócio que programava, enquanto eu era responsável pelas vendas, mas, em 1997, ele faleceu e eu não sabia o que fazer. Foi quando, em uma conversa com o meu advogado, ele disse: “por que você não cria outra empresa?”. Pensando nisso, resolvi vender a nossa parte para os funcionários e idealizar um novo negócio. Assim, nasceu a Benner.
A empresa foi fundada junto com meu sócio, José Milton da Silva, e mais algumas pessoas que trabalharam comigo na CETIL, os quais receberam ações, já que não tínhamos recursos para pagar salários justos. Uma curiosidade é que o José Milton foi quem desenvolveu o primeiro editor de texto nacional, chamado Fácil, e o vendeu em todo o Brasil. Mas quando a Microsoft veio para o país com o mesmo produto, o disponibilizou de graça para todos como uma forma de ingressar no mercado nacional. Como o produto deles era gratuito, nossas vendas começaram a cair e o José quis criar outro negócio, foi quando a Benner passou a desenvolver softwares de gestão empresarial. Curiosamente, hoje, quando você compra um Office da Microsoft, você paga caro.
Naquela época, enfrentei inúmeras dificuldades, desde a falta de recursos até a concorrência acirrada, mas minha determinação e a dedicação da equipe que construímos nos permitiram superar esses obstáculos e conquistar nosso primeiro cliente.
Em busca de um case de sucesso
Nossa expectativa de ter um primeiro case de sucesso logo caiu por terra. Esse primeiro cliente era uma empresa de Timbó (SC), que fazia usinagem, mas eles acabaram desistindo no meio do projeto, porque achavam que o desenvolvimento do produto seria mais rápido, o que não foi.
Então fomos procurados pelo maior grupo empresarial da região Sul na época, que tinha saído de um projeto de ERP malsucedido com uma empresa holandesa. Eles souberam que estávamos desenvolvendo um novo produto e queriam que nós o implementássemos, embora o sistema ainda não estivesse pronto. Entrei em contato com o José Milton e disse que finalmente tínhamos um cliente, mas que ele tinha 40 empresas para serem automatizadas. A resposta dele foi: "se os holandeses não conseguiram fazer, como a gente vai?".
Talvez a saída mais fácil fosse desistir, mas nós fizemos justamente o contrário. Contratamos 70 pessoas, conseguimos um local para alocá-las, e simplesmente seguimos superando os desafios. O primeiro grande deles foi quando, em 2001, essa empresa entrou em dificuldades financeiras e começou a atrasar o pagamento, enquanto nós tínhamos quase 100 funcionários dependendo desse dinheiro.
Foi aí que enxerguei como grandes dificuldades trazem grandes transformações. Como agora já tínhamos um case de sucesso, resolvemos nos lançar em novos mercados. Fomos para o Nordeste e lá nos disseram que precisavam de um software para gerenciar planos de saúde. Nós não conhecíamos esse mercado, mas encaramos a oportunidade.
A expansão do Grupo Benner
Em pouco mais de um ano, desenvolvemos e implementamos o produto. Eu cuidei de toda essa parte, acordava e dormia aprendendo. Assim, no ano 2000, nasceu a Benner Maringá, a primeira filial do grupo.
Contudo, nossos recursos logo acabaram, e é assim mesmo, no primeiro case você não tem dinheiro, trabalha mais por experiência. Então, após meu pedido, esse cliente do Nordeste nos indicou para a maior empresa de saúde do Distrito Federal, com abrangência nacional, que tinha um milhão de vidas e 23 filiais para serem automatizadas e interligadas por meio de um software de gestão. Fechamos o negócio e me mudei para Brasília (DF) para aprender tudo sobre o processo de saúde. Essa experiência trouxe à tona a minha paixão pelo setor de saúde a tal ponto que, ainda hoje, minha missão pessoal é “através da tecnologia contribuir com a saúde das pessoas”. Assim, criei o primeiro sistema integrado para operadoras de saúde do Brasil.
Quando retornei de Brasília, fui morar em São Paulo (SP), abrimos uma filial da Benner e começamos a expandir para o mercado. Lá, um dos principais bancos do país nos procurou com foco em resolver os seus problemas jurídicos e aí vi que encontramos um novo caminho. Com a confiança deles, desenvolvemos o nosso primeiro produto jurídico e finalmente passamos a vender grandes projetos. A instituição até hoje faz parte do nosso portfólio de clientes e é um case de sucesso que nos deu um grande retorno, o qual valorizo muito.
Valorizando o aprendizado
Os cases mais importantes são aqueles que permitem aprender e multiplicar. À frente da Benner, enfrentei inúmeros desafios e também conquistei marcos notáveis, que contribuíram imensamente com a minha jornada empresarial. Sempre fui curioso, tinha visão de processos e sabia o que deveria ser feito, e essa foi a guinada da companhia. É sobre aproveitar o momento e ouvir as demandas do mercado, só assim o negócio não fica para trás.
Nessa trajetória, passei pelo mainframe, computador isolado, rede de fio vermelho, banco de dados, sistemas de rede, Windows e web. Agora, vivemos a onda dos sistemas seguros com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), e é preciso saber surfar em cada uma dessas ondas.
Na busca estratégica para tornar a Benner uma das cinco maiores empresas de tecnologia do país, cometi muitos erros, mas, no fim, acertei mais. Prova disso é que tive a honra de ser reconhecido por quatro vezes como uma das "100 pessoas mais influentes na saúde no Brasil" pela revista Healthcare Management.
Olhar para os grandes líderes
Hoje, para gerenciar a nova geração, tornar-se um líder educador é essencial. Trabalhar com jovens pode ser desafiador, mas quando eles reconhecem um líder que pode complementá-los, eles se motivam.
Ao longo da minha jornada, identifiquei características essenciais para contratar profissionais: inteligência emocional, visão sistêmica, disciplina, responsabilidade, ética, empatia e resiliência. Sem essas características, o profissional não se desenvolve, já todo o restante pode ser aprendido.
Há ainda armadilhas que podem prejudicar a carreira, como a falta de priorização, assumir funções para as quais não se está preparado, má gestão financeira pessoal e baixa visão gerencial sistêmica. Além disso, o equilíbrio entre corpo, mente e alma é fundamental, já que sem uma vida pessoal saudável, a vida profissional é afetada.
Na minha carreira, além do meu primo que me inspirou a seguir na contabilidade, outros dois profissionais também tiveram um impacto significativo: Décio Salles, fundador da CETIL, que me ensinou a ser um líder educador e humilde, valores que carrego comigo até hoje; e Antônio Ermírio de Moraes, que foi presidente do grupo Votorantim e do Hospital Beneficência Portuguesa, e me liderou sendo um executivo simples, humano e trabalhador.
O futuro social e tecnológico
Uma das características fundamentais que moldaram a cultura do Grupo Benner desde o início foi o compromisso com a sustentabilidade e a responsabilidade social. Acreditamos que o sucesso empresarial não deve ser alcançado às custas do meio ambiente ou da sociedade. Portanto, adotamos princípios sólidos de ESG (Ambiental, Social e Governança) em nossos processos, investindo em práticas sustentáveis, promovendo a diversidade e a inclusão e mantendo altos padrões de governança corporativa. Como me mantenho sempre atento às tendências do futuro e, junto ao ESG, a onda do momento é o debate sobre a IA e seu impacto ético e transformador no mercado, atualmente estou lendo "Como a Inteligência Artificial vai mudar sua vida nas próximas décadas", do chinês Kai-Fu Lee.
Entusiasmo que segue
Minha carreira teve pontos de transformação cruciais, como quando deixei de ser um técnico e me tornei um líder, descobrindo em mim um profissional inovador para desenvolver soluções de software. Ou quando decidi levar a Benner para além de Blumenau, expandindo para todo o Brasil, deixando minha família e enfrentando desafios consideráveis na maior cidade do país. Com isso, aprendi que a mudança surge da necessidade e que as maiores transformações ocorrem após superar grandes dificuldades.
Concluo dizendo que, minha jornada no mundo empresarial, que culminou na fundação e na expansão da Benner, foi uma viagem de aprendizado constante, dedicação incansável e compromisso com valores que acredito serem fundamentais para o sucesso a longo prazo. Ao longo desses 26 anos de trajetória, o Grupo Benner cresceu mais do que eu poderia sonhar e, hoje, somos referência em softwares de gestão para diversas áreas, desde saúde até jurídica, logística e RH. Nossa abordagem centrada no cliente e a capacidade de inovação contínua nos permitiram seguir prosperando mesmo em um mercado em constante evolução.
De agora em diante, continuo a abraçar os desafios com entusiasmo, sempre buscando maneiras de criar um impacto positivo nos negócios e na sociedade. Estou ansioso para seguir contribuindo com o Grupo Benner e o setor de tecnologia no Brasil - e no mundo.