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Você resiste à mudança?

A expressão “fulano é resistente à mudança” tem sido amplamente utilizada para descrever pessoas que não se engajam em programas de transformação patrocinados por líderes organizacionais. O problema intrínseco desta afirmativa é que a mesma atribui a responsabilidade de mudar ou não mudar ao outro, eximindo quem faz a proposta de mudança, do seu papel fundamental. Uma outra forma de descrever a situação seria “fulano resistiu a um convite mal […] Leia mais

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Gestão Fora da Caixa

Publicado em 22 de fevereiro de 2016 às, 13h53.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 07h45.

A expressão “fulano é resistente à mudança” tem sido amplamente utilizada para descrever pessoas que não se engajam em programas de transformação patrocinados por líderes organizacionais.

O problema intrínseco desta afirmativa é que a mesma atribui a responsabilidade de mudar ou não mudar ao outro, eximindo quem faz a proposta de mudança, do seu papel fundamental. Uma outra forma de descrever a situação seria “fulano resistiu a um convite mal feito”. Resistiu a um convite que não se conectou com seu propósito, sua visão de mundo, que não fez sentido algum para ele. Ou ainda um convite que não soube mostrar os possíveis ganhos com a mudança, que não indicou caminhos de como mitigar os riscos do movimento, ou que não deixou claro tampouco os riscos de não mudar.

“Mas tudo isto foi feito” poderiam argumentar alguns. “Tivemos um super cuidado com a comunicação e a direção e os objetivos almejados ficaram muito claros. Analisamos com cuidado os ganhos, potenciais riscos e perdas e preparamos um material que ficou muito bom e didático. E ainda assim as pessoas continuam resistentes à mudança”. Neste momento poderíamos indagar: será que a comunicação aqui está sendo colocada como uma via de mão única? Ou seja, gestores ditam o que, como e quando ocorrerá a mudança e esperam que seus colaboradores sigam exatamente o que foi determinado? Há vários estudos sobre resistência à mudança que nos trazem luz sobre este ponto. Um objetivo chave destes estudos era o de entender a natureza da “resistência”. Descobriram que usualmente a resistência não está associada aos aspectos técnicos da mudança, mas sim aos seus aspectos relacionais e sociais. Dois fatores receberam especial atenção nos primeiros estudos sobre o tema: participação e qualidade das relações. Nos experimentos realizados, os grupos que, a partir de um direcionamento, tinham a possibilidade de ajudar a criar soluções e caminhos para se chegar nos objetivos, apresentavam resultados significativamente superiores quando comparados aos grupos que recebiam somente as determinações do que fazer a partir daquele momento. Os resultados também mostraram com clareza que, quando esta troca era genuína e as pessoas percebiam que as relações demonstravam cuidado, atenção e apreciação pelo que cada um contribuía, a predisposição para o novo era muito maior.

Adicionando um pouco de complexidade aos processos de mudança, sabemos que muitos medos surgem naturalmente. Medos ligados à sobrevivência, às mudanças de poder, à ansiedade com novos aprendizados, à necessidade de se estabelecer novas relações, com novas pessoas, novos grupos. E pessoas com medo despertam seu sistema de defesa fisiológico onde as respostas naturais são lutar, fugir ou congelar. Para baixar a guarda é preciso criar um ambiente de segurança psicológica onde elas podem acessar seus talentos e recursos e assim ajudá-las a se mover pelos estágios naturais de medo, negação e frustração para um novo cenário de aceitação e engajamento com o futuro.

Num nível ainda maior de complexidade, mesmo quando aspectos racionais e emocionais são endereçados, há situações de mudança envolvendo indivíduos ou grupos que são ainda mais intrigantes. Refiro-me às situações onde as pessoas demonstram uma genuína predisposição para fazer a mudança, têm aparentemente todas as condições para realizá-la, mas simplesmente não conseguem, mesmo comprometendo seu futuro na organização.

Relato o caso de um gerente sênior (daremos o nome fictício de Luís) que assegurava acreditar em comunicação aberta e valorizar relações de confiança, mas quando alguém do seu time levava a ele más notícias ou problemas difíceis, inevitavelmente Luís “matava o mensageiro”. Afirmava que nestas situações “uma força maior” surgia e ele não conseguia se controlar. Consequentemente os membros de seu time se moldaram a “dourar pílulas” ou mesmo esconder situações, o que obviamente comprometia a efetividade do trabalho. Seu diretor, reconhecido como bom gestor de pessoas, não sabia mais o que fazer e lamentava que um profissional tão brilhante ficaria com seu avanço profissional comprometido por esta característica.

Durante o processo de coaching do Luís, imaginamos uma situação onde ele se permitia ouvir uma má notícia sem matar o mensageiro. Após aprofundar este cenário, Luís conseguiu admitir que sentia um certo desconforto em ouvir a má notícia e não ter uma solução para ela. Continuamos aprofundando o tema e finalmente Luís conseguiu identificar a crença, inconsciente até então, de que se não tivesse uma solução para o problema trazido, poderia ser julgado como incompetente para a posição. A partir da consciência de seus motivadores mais profundos, foi possível criar novas possibilidades, testando sua crença e experimentando novos comportamentos.

Este mesmo fenômeno de crenças inconscientes que norteiam nossa maneira de priorizar e tomar decisões também acontece no âmbito coletivo, ou seja, crenças inconscientes podem dificultar ou mesmo impedir que grupos consigam avançar em determinadas mudanças propostas.

Certa empresa química estava com o grande desafio de mudar a cultura de seus colaboradores em relação à atenção aos riscos ambientais. Num quadro simplificado, continuava a persistir uma grande complacência com comportamentos inadequados dentro dos times. Apesar de todos os esforços da alta gestão em mudar políticas, incentivos e mesmo punições, a velocidade de avanço no tema estava longe do adequado. Um mapeamento mais aprofundado mostrou que existiam crenças muito arraigadas que competiam claramente com este novo “valor” de segurança ambiental. Na empresa havia um forte senso de hierarquia e deferência aos superiores e um forte código nas células de trabalho de que “roupa suja se lava em casa” e “de respeito à independência de cada colaborador”. Este conjunto de valores, percebidos como muito importantes para o senso de pertencimento, inibia que atitudes que poderiam gerar problemas ambientais fossem reportadas e indicou claramente que o grupo de supervisores era crítico para a mudança desejada.

Processos de mudança podem ser muito complexos. Para se gerar o movimento desejado, muitas dimensões precisam ser cuidadas com atenção. Bons convites são fundamentais para a construção do futuro escolhido, com narrativas claras que façam sentido e que se conectem com os valores e propósitos dos convidados. A coparticipação na construção do futuro, numa dinâmica de relações com base no cuidado e apreciação genuínos são ingredientes catalisadores para o sucesso. Além dos conteúdos racionais, é preciso atenção aos conteúdos emocionais, pois muitos sentimentos e medos emergem com novos cenários. Ademais, faz-se necessário usar uma lente atenta e curiosa para aquilo que pode estar direcionando priorizações e tomadas de decisão de forma totalmente inconsciente. Assim, da próxima vez que você se deparar com uma situação de “resistência à mudança”, abra sua mente e coração para as inúmeras possibilidades que podem estar presentes neste tabuleiro.