Se cada um fizer a sua parte bem feita, o todo será medíocre
Para lidar com um desafio muito complicado, dividimos ele em partes e cada um cuida do seu pedaço, depois é só juntar as partes. Será?
Publicado em 28 de novembro de 2017 às, 11h57.
Para lidar com um desafio muito complicado, dividimos ele em partes e cada um cuida do seu pedaço, depois é só juntar as partes. Essa premissa funciona para a minoria das situações de negócio hoje. Precisamos assumir urgentemente novas premissas.
Grande parte dos modelos, metodologias e processos de negócio são construídos sobre premissas e alicerces que vêm do universo das máquinas, do pensamento mecânico. Como se uma empresa fosse uma grande engrenagem, cheia de pequenas engrenagens interconectadas por seus “dentes” e correias e, se cada engrenagem funcionar eficientemente e estiver conectada de maneira azeitada e alinhada, a grande engrenagem funcionará perfeitamente. Quem é responsável pela grande engrenagem? Um, ou um pequeno grupo, de líderes que precisa garantir o funcionamento das peças, trocar as que não funcionam por outras peças iguais ou mais modernas, colocar graxa e azeitar as peças pra que não tenham muito atrito umas com as outras.
Mas, o que há de errado nisso? Nada. Essa premissa funciona perfeitamente quando estamos diante de situações complicadas e bem difíceis, mas são possíveis de serem planejadas, os resultados previstos e todas as variáveis, mesmo que sejam muitas e bem diversas, são conhecidas e sua interdependência também. Exemplos: construir um avião, desenhar um linha de produção, administrar um centro de distribuição ou uma cadeia logística.
Até há poucas décadas atrás, no século passado, poderíamos incluir nesse exemplo a administração de empresas e negócios, caso eles vivessem num contexto onde seu mercado não sofresse nenhuma disrupção, seus concorrentes fossem identificados e conhecidos e houvesse um perfil de cliente e de funcionário definido e com pouca diversidade.
Porém, a realidade e o contexto hoje são bem diferentes. Todos os setores e modelos de negócio estão passando por disrupções significativas, com novos players e concorrentes que nunca imaginávamos ter. É quase impossível fazer uma estratégia ou um planejamento de longo prazo, ao mesmo tempo que nunca foi tão essencial pensar no futuro. O cenário está cada vez mais complexo, imprevisível, incerto, ambíguo e desconhecido.
Como podemos administrar, liderar, engajar e planejar nesse cenário?
Precisamos estudar e aprender as premissas de organizações, organismos e situações da vida que já há séculos conseguem operar no complexo e no desconhecido.
Essas premissas não vêm do mundo mecânico, mas do mundo orgânico. Vêm de uma área de estudo chamada de Complexidade. Complexidade ou uma situação complexa é caracterizada por uma rede de infinitas variáveis com infinitas conexões. Imagine uma grande teia, uma grande rede. Não adianta isolar variáveis, não adianta buscar uma relação de causa e efeito, não adianta repetir o processo usado da última vez em que algo funcionou. Cada situação, por mais que se repita, precisa ser tratada como uma situação inédita.
Exemplos:
- Educar filhos: o primeiro filho nasce. Os pais aprendem como educá-lo, como lidar com ele, o que funciona, o que não funciona. Aí, nasce o segundo filho. Por mais que a experiência com o primeiro seja super relevante, parece que nada do que funcionava com o primeiro agora funciona com o segundo. Todos os seres e variáveis agora são diferentes, inclusive o primeiro filho e os pais.
- Liderar pessoas: cada time é um time. Cada pessoa do time é uma pessoa. Não há um método ou processo que simplesmente funciona em qualquer time. Muitas vezes, muda-se uma pessoa de um time grande e é como se o time inteiro mudasse também.
- Mudanças e Transformações Culturais ou de Modelo de Negócios: por mais experiência que se tenha tido, se um executivo que liderou com sucesso uma grande transformação numa organização simplesmente quiser repetir o mesmo modelo em outra organização, certamente as coisas não funcionarão como funcionaram e haverá uma grande chance de fracasso.
A lista de exemplos é infinita. Mas é fácil de identificar quando estamos diante de um desafio complexo, eles envolvem seres vivos e suas conexões.
Nesses anos de experiência que temos tido na Corall como parceiros de organizações em sua preparação para inovar e lidar com o mundo disruptivo e tendo contato com vários estudiosos e cientistas que pesquisam a complexidade, gostaria de oferecer ou resumir algumas premissas que considero importantes e que seriam essenciais:
- A Situação é sempre Inédita: lide com a seriedade, presença e curiosidade que uma situação realmente inédita exige. Abra a mente, acesse perspectivas diferentes das suas, se coloque como aprendiz, permita erros e redundâncias e as use como aprendizado.
- Múltiplas Inteligências e Estado de Recurso: inclua todas as inteligências disponíveis. Estamos acostumados a reconhecer apenas a inteligência cognitiva, inclua a emocional, sensorial, espiritual, intuitiva, etc. Essas múltiplas inteligências só ficam disponíveis quando estamos em um ambiente onde não há medo e não há ansiedade/”pré-ocupação”, precisamos estar 100% presentes e envolvidos nas experiência do agora.
- Múltiplas Realidades e Perspectivas: não existe uma realidade única. O que vemos e percebemos é uma perspectiva da realidade. A única chance de conseguirmos ter uma visão ampla da complexidade é incluindo e considerando igualmente válidas perspectivas diferentes das nossas.
- Ciclos de Ações Adaptativas: ciclos rápidos e contínuos de poucas ações e protótipos, seguidos de reflexão e aprendizados, para então pensar em novas ações e próximos passos. Esses ciclos repetidos periodicamente geram uma evolução bem mais consistente e rápida que um planejamento prévio de todas as ações.
- Tudo é interconectado e interdependente: nada do que se faz pode ser visto como uma ação isolada. Na teia ou na rede dos desafios complexos, tudo o que fazemos impacta o todo. Isso é especialmente importante, pois pode-se impactar o todo através de um ponto ou uma ação. Apelidamos essas ações de ações de acupuntura.
- “Co-Ordenação” e “Co-Responsabilidade”: tudo o que acontece continua acontecendo porque você também é responsável por sustentar as coisas como estão. O sistema é perfeitamente coordenado. O único caminho para mudar o outro ou o sistema é promovendo uma mudança em si mesmo e ficar atento ao impacto que isso causará no sistema e nos outros.
Precisamos aprender a aplicar essas e outras premissas da Complexidade no mundo dos negócios para acelerarmos o emergir de uma nova economia, uma nova forma de fazer negócios e gestão, para nos adaptarmos e evoluirmos junto com a evolução que acontece no mundo.