Por onde começar um movimento de mudança para ele dar certo?
Muitas vezes movimentos de transformação e mudança nas organizações não são bem sucedidos por ignorarmos uma questão essencial: a realidade é uma percepção.
Publicado em 20 de fevereiro de 2017 às, 09h46.
Muitas vezes os movimentos de transformação e mudança nas organizações não são bem sucedidos por ignorarmos uma questão essencial: a realidade é uma percepção. Por isso, precisamos construir significado comum através do diálogo para engajar um grupo de pessoas em um atrator que, ao mesmo tempo inclui as diferentes perspectivas da realidade e conecta o grupo em um objetivo comum.
Tudo aquilo que percebemos e interpretamos sobre o que está acontecendo no mundo e ao nosso redor é resultado de uma perspectiva individual que temos sobre a realidade, fortemente influenciada por nossas crenças.
Lá em 1990, o psicólogo organizacional Chris Argyris fez um profundo estudo sobre esse assunto e desenvolveu a “Escada das Inferências”, que mostra como nós interpretamos e criamos a nossa realidade:
- Observamos o mundo, através de uma infinidade de fatos, dados e experiências que os nossos sentidos capturam;
- Selecionamos quais fatos e dados são relevantes e terão nossa atenção (ou seja, são esses que perceberemos que observamos);
- Atribuímos significado interpretando os fatos e dados selecionados;
- Fazemos suposições, com base no significado que atribuímos aos fatos e dados selecionados;
- Tiramos conclusões, com base nas suposições e na interpretação dos dados;
- Adotamos e desenvolvemos crenças sobre o mundo;
- Agimos e tomamos decisões com base nas crenças.
Agora, o curioso é o que o autor chama a atenção para a conexão entre a fase 6 e a fase 2. Ou seja, nossas crenças influenciam os fatos e dados que iremos selecionar. Como estamos fazendo isso a todo o momento, se não houver nenhuma reflexão, nós apenas iremos reconhecer como relevantes os fatos e dados que comprovam as nossas crenças já estabelecidas.
Quando estamos diante de um movimento de transformação ou mudança numa organização, muitas vezes descartamos essa característica biológica dos seres humanos e gastamos tempo e dinheiro para comunicar e engajar os colaboradores em uma única versão da realidade já previamente construída e que faz sentido apenas para um pequeno número deles.
Para transformar nosso gasto em investimento real e liberar potencia para um movimento real de transformação em um sistema vivo e complexo, precisamos co-construir um significado comum, uma realidade que inclua as diferentes perspectivas individuais e, ao mesmo tempo, conecte o grupo dentro de um objetivo em comum, resultado de um conjunto de suposições e crenças que são conversadas e escolhidas como a realidade que agora é mais útil.
Esse significado comum, que combina as diferentes realidades e escolhe a mais útil para o propósito é chamado de Realidade Complexa pela Glenda Eoyang, PhD em complexidade e criadora do Human Systems Dynamics Institute (HSD).
(baseado no conceito das 4 Realidades, do Human Systems Dynamics Institute)
Quando um grupo precisa lidar com a realidade do que está acontecendo, estão envolvidos 4 tipos diferentes de realidade:
- Realidade Objetiva: fatos e dados observáveis que são externos ao grupo, existem e podem ser fisicamente comprovados. Ex.: no planeta terra experimentamos ciclos periódicos de claridade e escuridão.
- Realidade Normativa: o que um grupo combina e define que é uma realidade. Muitos fatores do que chamamos de cultura são frutos de uma realidade normativa. Ex.: No Brasil, definimos que a maioria das atividades profissionais precisam acontecer durante a parte clara do ciclo, que chamamos de dia. E, ainda, definimos um intervalo do dia entre 9h e 18h e o chamamos de horário comercial, onde as empresas precisam estar funcionando.
- Realidade Subjetiva: realidade individual, baseada nas crenças e percepções que cada pessoa tem. Ex.: Meu corpo funciona melhor a noite, sendo assim, o melhor horário para trabalhar e criar é à noite, justamente após o horário comercial.
- Realidade Complexa: é aquela que reconhece que as demais realidades estão convivendo e se conflitando continuamente. Através do diálogo e coordenação um grupo pode escolher qual realidade melhor engloba as diferentes perspectivas/realidades e é mais útil para o propósito do grupo. Ex.: Nessa organização, cada colaborador escolhe o horário de trabalho, desde que sua área tenha capacidade de atender os clientes no horário comercial.
Quando investimos tempo e recurso para dialogar sobre as diferentes realidades que estão convivendo dentro de um movimento de transformação e mudança, temos a oportunidade de quebrar o ritmo automática da escada de inferências e ampliar nossa possibilidade de realizar uma mudança efetiva em nossas suposições, crenças e ações, respeitando, assim, como os sistemas complexos e as pessoas funcionam.
E, através de um cuidadoso design de experiência, podemos co-criar um significado comum sobre a realidade e uma narrativa para a jornada da transformação e experimentar um início de jornada potente: engajamento, autonomia, compreensão, foco, aprendizado compartilhado e qualquer outra característica que possa ser acrescentada e que tentamos cria-la mecanicamente através de planos de adestramento e correção disfarçados de comunicação e treinamento.
O significado comum é um dos primeiros passos para caminharmos com foco na solução, na transformação ou mudança real das nossas crenças e valores.