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O perigo dos diagnósticos

Desde o advento da administração moderna, que trouxe a ciência para a gestão das organizações, nunca houve tanta ferramenta para mapear, avaliar e medir o desempenho das pessoas. Os manjados testes psicológicos dos anos 70 ficaram para trás. O negócio agora é MBTI, Insights, Disc, Eneagrama… ufa! Um executivo veio até mim para um processo de coaching com uma pasta repleta de análises. Não aguentei: e a ressonância magnética, cadê? […] Leia mais

DR

Da Redação

Publicado em 27 de abril de 2015 às 17h11.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às 08h05.

Desde o advento da administração moderna, que trouxe a ciência para a gestão das organizações, nunca houve tanta ferramenta para mapear, avaliar e medir o desempenho das pessoas. Os manjados testes psicológicos dos anos 70 ficaram para trás. O negócio agora é MBTI, Insights, Disc, Eneagrama… ufa! Um executivo veio até mim para um processo de coaching com uma pasta repleta de análises. Não aguentei: e a ressonância magnética, cadê?

Agradeçamos à ciência por tudo de bom que ela nos trouxe. De verdade. E a administração científica de Taylor idem. Engenheiro mecânico, Frederick Taylor vivia numa época onde era comum, para usar suas próprias palavras, “vadiagem dos operários, desconhecimento por parte da gerência das rotinas de trabalho e do tempo e a falta de uniformidade de técnicas ou métodos de trabalho”. Sua conclusão sobre esse quadro é que o operário não tinha capacidade, nem formação, nem meios para analisar cientificamente o seu trabalho e estabelecer racionalmente qual o método ou processo mais eficiente. Por isso, a necessidade de se adotar métodos científicos de análise, comando e controle do trabalho. E quem irá negar a enorme contribuição dessas ideias na transição da sociedade de artesãos para a atual sociedade industrial? Só que em 2015 faz cem anos que Taylor se foi, e a ciência que inspirou o desenvolvimento da administração moderna evoluiu tanto que adotar métodos ainda baseados no modelo mecanicista que ele empregava soa, no mínimo, um ato de ingenuidade.

Importante esclarecer que o pensamento mecanicista não é um mal em si. Pelo contrário, quando um equipamento quebra, o melhor a fazer é diagnosticar o problema para depois corrigi-lo. As ideias de Taylor continuam, portanto, sendo totalmente úteis ao às vezes complicado mundo da mecânica, mas podem provocar um desastre no sempre complexo mundo do humano. Isso porque o pensamento mecanicista (cartesiano, analítico) parte do pressuposto de que a realidade pode ser decomposta em partes. Esta forma de pensar seguia o processo de decompor o sistema até a menor partícula, para analisá-la e entendê-la. A partir das propriedades das partículas estudadas, o próximo passo é generalizar e deduzir as propriedades e comportamentos para o todo (síntese). Esse paradigma concentra-se em relações lineares de causa e efeito. E nós, humanos, simplesmente não funcionamos assim. Mesmo que a medicina, especialmente, a medicina ocidental continue nos dividindo em partes, não há uma única parte em nós que funcione sozinha. E, para complicar, como organismos biológico-culturais, evoluímos e nos transformamos em conjunto com o meio do qual fazemos parte, o que significa dizer basicamente que Raul Seixas estava mesmo certo ao nos definir como uma metamorfose ambulante.

Mesmo que a maior parte dos métodos diagnósticos propicie um importante momento de reflexão e autoconhecimento, o que invariavelmente fica é uma sigla, um número, uma cor, enfim, um rótulo, com o qual a pessoa que o recebe acaba se identificando. E daí para justificar o porquê as coisas não funcionam é um pequeno passo. “Sabe o que é? É que eu sou assim.” Como uma maldição, a pessoa se torna o rótulo, o que acaba funcionando como uma prisão, na medida em que congela um determinado aspecto de sua personalidade que, num dado contexto de vida, aparece mais do que outros. Aquilo que foi empregado com o objetivo de ajudar no desenvolvimento de uma pessoa pode se transformar exatamente no contrário, na medida em que oculta todas as outras possibilidades e recursos que a pessoa dispõe para continuar evoluindo e que não aparecem na presença do rótulo.

Itamar Assunção, outro compositor brasileiro que sabia das coisas, dizia numa música recentemente regravada por Zélia Duncan que “é de estarrecer / estar e ser em inglês é a mesma coisa / estar e ser / parece a mesma coisa mas não é”. Por isso, aproveite o próximo diagnóstico a que você se submeter para refletir sobre os aspectos de sua personalidade que estão mais em evidência nesse momento, entendendo que é apenas uma leitura sobre você e não tudo o que você é ou pode vir a ser. Aliás, nunca se esqueça de que as infinitas possibilidades disponíveis para você ser e estar no mundo não cabem em nenhum rótulo, por mais completo e científico que ele possa parecer.

Desde o advento da administração moderna, que trouxe a ciência para a gestão das organizações, nunca houve tanta ferramenta para mapear, avaliar e medir o desempenho das pessoas. Os manjados testes psicológicos dos anos 70 ficaram para trás. O negócio agora é MBTI, Insights, Disc, Eneagrama… ufa! Um executivo veio até mim para um processo de coaching com uma pasta repleta de análises. Não aguentei: e a ressonância magnética, cadê?

Agradeçamos à ciência por tudo de bom que ela nos trouxe. De verdade. E a administração científica de Taylor idem. Engenheiro mecânico, Frederick Taylor vivia numa época onde era comum, para usar suas próprias palavras, “vadiagem dos operários, desconhecimento por parte da gerência das rotinas de trabalho e do tempo e a falta de uniformidade de técnicas ou métodos de trabalho”. Sua conclusão sobre esse quadro é que o operário não tinha capacidade, nem formação, nem meios para analisar cientificamente o seu trabalho e estabelecer racionalmente qual o método ou processo mais eficiente. Por isso, a necessidade de se adotar métodos científicos de análise, comando e controle do trabalho. E quem irá negar a enorme contribuição dessas ideias na transição da sociedade de artesãos para a atual sociedade industrial? Só que em 2015 faz cem anos que Taylor se foi, e a ciência que inspirou o desenvolvimento da administração moderna evoluiu tanto que adotar métodos ainda baseados no modelo mecanicista que ele empregava soa, no mínimo, um ato de ingenuidade.

Importante esclarecer que o pensamento mecanicista não é um mal em si. Pelo contrário, quando um equipamento quebra, o melhor a fazer é diagnosticar o problema para depois corrigi-lo. As ideias de Taylor continuam, portanto, sendo totalmente úteis ao às vezes complicado mundo da mecânica, mas podem provocar um desastre no sempre complexo mundo do humano. Isso porque o pensamento mecanicista (cartesiano, analítico) parte do pressuposto de que a realidade pode ser decomposta em partes. Esta forma de pensar seguia o processo de decompor o sistema até a menor partícula, para analisá-la e entendê-la. A partir das propriedades das partículas estudadas, o próximo passo é generalizar e deduzir as propriedades e comportamentos para o todo (síntese). Esse paradigma concentra-se em relações lineares de causa e efeito. E nós, humanos, simplesmente não funcionamos assim. Mesmo que a medicina, especialmente, a medicina ocidental continue nos dividindo em partes, não há uma única parte em nós que funcione sozinha. E, para complicar, como organismos biológico-culturais, evoluímos e nos transformamos em conjunto com o meio do qual fazemos parte, o que significa dizer basicamente que Raul Seixas estava mesmo certo ao nos definir como uma metamorfose ambulante.

Mesmo que a maior parte dos métodos diagnósticos propicie um importante momento de reflexão e autoconhecimento, o que invariavelmente fica é uma sigla, um número, uma cor, enfim, um rótulo, com o qual a pessoa que o recebe acaba se identificando. E daí para justificar o porquê as coisas não funcionam é um pequeno passo. “Sabe o que é? É que eu sou assim.” Como uma maldição, a pessoa se torna o rótulo, o que acaba funcionando como uma prisão, na medida em que congela um determinado aspecto de sua personalidade que, num dado contexto de vida, aparece mais do que outros. Aquilo que foi empregado com o objetivo de ajudar no desenvolvimento de uma pessoa pode se transformar exatamente no contrário, na medida em que oculta todas as outras possibilidades e recursos que a pessoa dispõe para continuar evoluindo e que não aparecem na presença do rótulo.

Itamar Assunção, outro compositor brasileiro que sabia das coisas, dizia numa música recentemente regravada por Zélia Duncan que “é de estarrecer / estar e ser em inglês é a mesma coisa / estar e ser / parece a mesma coisa mas não é”. Por isso, aproveite o próximo diagnóstico a que você se submeter para refletir sobre os aspectos de sua personalidade que estão mais em evidência nesse momento, entendendo que é apenas uma leitura sobre você e não tudo o que você é ou pode vir a ser. Aliás, nunca se esqueça de que as infinitas possibilidades disponíveis para você ser e estar no mundo não cabem em nenhum rótulo, por mais completo e científico que ele possa parecer.

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